O trabalho docente é permeado por desafios ao longo do tempo. As modificações estruturais, políticas e educacionais de funcionamento dos níveis educacionais no Brasil, especificamente no nível superior, tem destinado a saúde docente ao segundo plano ao passo (Araújo et al., 2019). Ao mesmo tempo cresce um discurso de universalização e aprimoramento das condições de acesso ao ensino nas redes particulares, sem que a devida atenção seja dada para a qualidade educativa e desenho do trabalho docente nessas instituições (Cortez et al., 2019a; Penteado & Souza, 2019).
Predominam-se nessas instituições a precarização social do trabalho, que tem intensificado esses desafios e impactado negativamente a saúde mental de professores dessas instituições (Cortez et al., 2019b; Vivian et al., 2020). Isso decorre principalmente das modificações que ocorrem na economia e no mercado que, com a fragilização dos direitos e vínculos de trabalho em contexto neoliberal, incidem na economia psíquica do trabalhador, maximizando a sobrecarga no ambiente de trabalho e, consequentemente, impactando em um tensionamento excessivo que eleva o estresse dos indivíduos (Sato et al., 2006).
Enfatizando-se a concepção de estresse laboral, a intensificação das atividades pode gerar riscos à saúde mental no trabalho docente (Barruffini et al., 2019). A concepção do estresse enfatiza as relações entre o indivíduo e o ambiente, que é avaliado pelo sujeito como algo positivo ou negativo, o qual demanda por mobilização de recursos contínuos com o intuito de exercer naquele contexto reações adaptativas para assegurar o próprio funcionamento e bem-estar (Sousa et al., 2009). O estresse pode se relacionar a diferentes contextos e níveis hierárquicos (Lipp, 1996), embora seja possível detectar que algumas atividades em particular tornam os indivíduos mais vulneráveis a ele, como é o caso de professores, por exemplo.
No trabalho docente, elevados níveis de estresse tendem a se mostrar desadaptativos para o pleno funcionamento do professor na vida pessoal e no contexto de trabalho. Em última instância, também se mostra desadaptativo para as organizações precarizadas, uma vez que, com o elevado nível de afastamento e turnover docente, aumentam-se os custos e encargos associados à substituição docente (Gharakhani & Zaferanchi, 2019). Ademais, um nível elevado de estresse pode levar ainda ao surgimento de Burnout. Vários autores dão conta de que há evidências que o estresse crônico no ambiente profissional pode prejudicar a saúde dos docentes, sendo frequente entre esses trabalhadores a Síndrome de Burnout (Neme & Limongi, 2019; Santos et al., 2020).
O termo em português significa algo como ‘perder o fogo’, ‘perder a energia’ ou ‘queimar para fora’, em uma tradição mais direta. Em termos objetivos, sugere o não funcionamento docente por esgotamento de energia, exaustão física, psíquica e emocional (Carlotto & Palazzo, 2006). A síndrome de Burnout em professores compromete o ambiente educativo e interfere na consecução das metas pedagógicas, fazendo com que estes profissionais entrem num processo de alienação, desumanização e apatia, levando ao adoecimento, ausências e pensamento de abandono da profissão (Carlotto & Palazzo, 2006; Silva & Fischer, 2020).
Desta forma, compreender os fatores associados ao Burnout docente é fundamental para que se possa delinear ações de prevenção e intervenção frente aos riscos. Essas ações podem ser pensadas tanto na perspectiva pessoal, enfatizando quais condições pessoais e fatores de risco se mostram associados ao Burnout e, portanto, devem ser focos de ações sobre o tema (Vieira et al., 2019). Também pode abarcar aspectos contextuais, que dão conta da alta de harmonia entre o sujeito e o ambiente ao seu redor, o qual em condições estressoras tende a levar ao Burnout, fazendo com que o indivíduo não veja sentido na sua relação com o trabalho e, portanto, passe a manifestar a sintomatologia desse quadro clínico (Fiorilli et al., 2019; Marchiondo et al., 2020).
Diferentes estudos abarcam o aspecto contextual associado ao Burnout, indicando que o desenho do trabalho, as características organizacionais, além de outros elementos existentes no trabalho docente podem agravar o Burnout docente (Cortez et al., 2019a). Ademais, indicam que essas condições de risco são acentuadas em nosso contexto brasileiro pela inexistência de políticas públicas e legislações que atuem sobre o tema de forma concreta (Araujo et al., 2019). No corrente momento, mantem-se uma lacuna em relação às evidências associadas aos aspectos pessoais que dispõem o indivíduo ao Burnout em diferentes contextos de trabalho (García & Gambarte, 2019). É fundamental propiciar evidências que facilitem identificar fatores de riscos e protetivos ao Burnout frente aos grupos profissionais e contextos específicos (Kleinpell et al. 2020; Salvagioni et al., 2017; Taleghani et al., 2017).
Baseando-se nessa lacuna e nas indicações recentes da literatura de que devem ser elaborados estudos visando a compreensão das dinâmicas de trabalho docente em instituições particulares e no nível de pós-graduação e graduação, propôs-se a corrente investigação (Rumschlag, 2017). Assim, com intuito de prestar contribuições à geração de evidências sobre esse público, o presente estudo teve como objetivo identificar fatores de risco e de prevenção à sintomatologia de Burnout (estresse, exaustão emocional, despersonalização e realização) em docentes de nível superior de instituição particular.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 61 docentes de universidades particulares de uma cidade do sul do Brasil, sendo 33 docentes exclusivamente de cursos de graduação e 28 docentes de programas de pós graduação stricto sensu, 60,7% eram do sexo feminino, 52,5% eram casados, 49% tinha filhos, sendo a média de 0,88 filho (DP=1,12). A maioria dos pesquisados se declarou de cor branca (93,4%), 56% católicos, com renda pessoal média de R$10.586,00 (DP=R$6308) e renda familiar média foi de R$ 17.447,00 (DP=R$13775). Observa-se que 43% tinha mais de um emprego e a média de horas trabalhadas semanalmente foi de 42,5 (DP=12,6).
Material
Para a coleta foi utilizado um questionário composto pelo Inventário de Burnout de Maslach et al. (2017), pelo Inventário de Sintomas de Estresse de Lipp (2000) e por outras questões, descritas a seguir: sexo, idade, estado civil, região onde mora, religião e a importância em sua vida, renda mensal própria e da família, raça, se tem filhos e quantidade, quantos empregos possui e sua carga horária semanal de trabalho, se faz atividades físicas e quantas vezes na semana, se tem alguma atividade de lazer, histórico de doença e gravidade, uso de medicamentos, doenças na família e gravidade, se faz acompanhamento psicológico ou psiquiátrico e a quanto tempo, se está passando por problemas familiares e ou afetivos e qual o nível de preocupação que passam, docência na graduação e na pós graduação stricto sensu, e o tempo na profissão docente.
O Inventário de Burnout de Maslach foi validado no Brasil para diversas atividades profissionais, sendo que sua estrutura fatorial se mostrou adequada em uma amostra de 563 professores (Carlotto & Câmara, 2004). O Inventário é um dos instrumentos de autoavaliação mais utilizado a nível mundial que avalia o desgaste provocado pela profissão. É autoaplicável, contém 22 itens e é composto por três sub escalas: Exaustão emocional, que se caracteriza pela diminuição de energia e sensação de esgotamento; Despersonalização, que atinge as relações interpessoais, tornando-as impessoais e com falta de sensibilidade emocional; Realização Pessoal, com a diminuição da realização no trabalho e autoavaliação negativa de seu próprio desempenho. O inventário avalia a frequência das respostas com escala do tipo Likert, variando de 0 a 6. A consistência interna das três dimensões do inventário é satisfatória e apresenta um alfa de Cronbach que vai desde 0,71 até 0,90 (Maslach et al., 2017). No Brasil, os estudos têm utilizado os critérios estabelecidos pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Estresse e Burnout (Dallacosta, 2014), em que são estabelecidos pontos de corte para o nível baixo, médio e alto.
O Inventário de Sintomas de Estresse de Adultos de Lipp (ISSL) foi validado em 1994 por Lipp e Guevara (Lipp, 2000), é composto por 37 questões sobre sintomas de natureza física (somática) e 19 de psicológica, permitindo diagnosticar se a pessoa tem estresse e em que nível. O instrumento tem três quadros com uma lista de sintomas experimentados nas últimas 24 horas, na última semana e no último mês. A somatória de cada quadro possibilita identificar se a pessoa está na fase de alerta, na de resistência e na de exaustão. Também possibilita a identificação se a sintomatologia é na área somática e/ou psicológica.
Procedimento
Foi realizado contato com a direção de uma universidade particular, que possui programas stricto sensu, para a autorização da pesquisa. Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética (CAAE: 02393418.0.0000.8040), foi realizado o convite aos professores dos cursos de graduação e pós graduação para a participação na pesquisa. Muitos docentes trabalhavam em mais de um local, característica de uma instituição particular de ensino privado que não tem regime de dedicação exclusiva. Os participantes foram abordados em seus gabinetes ou na sala dos docentes da instituição. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido e assinado, garantindo o sigilo dos dados. Após a assinatura do TCLE, foi entregue um questionário para os professores responderem, sem identificação, de forma a manter o anonimato. O TCLE e o questionário foram separados e arquivados em diferentes pastas, de forma que o questionário não pudesse ser identificado.
Análise de dados
Os dados coletados foram tabulados e analisados com o software IBM-SPSS (Versão 23). Para a caracterização da amostra foram usadas estatísticas descritivas (frequência, média e desvio padrão). Foi utilizado o teste de Qui-quadrado de Pearson (p<0,05), para analisar a diferença de nos níveis de estresse, exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal, entre os docentes que ministram aula exclusivamente na graduação e os docentes que ministram aulas também no mestrado/doutorado.
A análise de regressão binomial foi proposta para quatro variáveis desfecho: estresse, exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal. Foram utilizadas as seguintes variáveis independentes: idade, sexo, estado civil, renda individual e renda familiar, quantidade filhos, atividade física, atividade de lazer, carga horária de trabalho semanal, quantidade de horas de sono, tomar medicação, ter familiar doente, fazer tratamento psicológico, fazer tratamento psiquiátrico, ter problemas afetivos, ter problemas familiares, ser professor de graduação ou mestrado/doutorado, tempo de docência.
As variáveis independentes foram testadas individualmente para cada variável de desfecho e aquelas que tiveram um valor de p<0,20 e que não apresentavam colinearidade entre si, foram incluídas no modelo multivariado e apresentadas nas tabelas a seguir. Para testar a colinearidade entre as variáveis contínuas, foi utilizado o teste de Correlação de Spearman e para demais variáveis, o teste de Qui-Quadrado de Pearson. Ainda, para a regressão binomial, foi utilizado o método Foward LR, à um nível de significância de 5%, sendo descritos a razão de chances (OR), intervalo de confiança e a probabilidade para cada variável incluída ou não no modelo (Kleinbaum et al., 2002).
Resultados
O Quadro 1 mostra os dados obtidos no Inventário de Sintomas de Stress (ISSL) e Burnout (MBI-ED). Desse total, 39,4% dos docentes da graduação e 28,6% dos programas de pós graduação (PPG) stricto sensu apresentaram um quadro de estresse. Além disso, os resultados mostram que 16,4% dos docentes registram alto índice de exaustão emocional e outros 23% com médio índice; 19,7% registram alto e 39,3% médio índice de despersonalização. Quanto à realização pessoal, 34,2% registram baixo índice. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre professores da graduação e dos PPG, com relação ao estresse e os indicadores do burnout.
Quadro 1 Resultados do Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL) e Burnout (MBI-ED), de docentes do ensino superior de uma cidade no sul do Brasil (n=61).
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Nota. *Teste de Qui-Quadrado de Pearson
Para identificar os fatores de risco para o estresse, exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal dos docentes, foram testadas individualmente inúmeras variáveis independentes e apenas foram incluídos no modelo de regressão logística multivariado aquelas que tiveram p<0,20. No quadro 2 são descritos os resultados do efeito do tempo de serviço, de estar passando por problemas familiares e de ter alguma doença na probabilidade de ter estresse. Ter alguma doença foi preditor de estresse, mas essa variável foi excluída. O modelo de regressão logística foi estatisticamente significativo (X2=10,37, p= 0,006) e demonstrou que estar passando por problemas familiares aumenta em 4,75 vezes a chance de ter stress e quanto menor o tempo de serviço, maior o nível de stress.
Na segunda análise de regressão logística, foi analisado o efeito de ter stress e ser docente de mestrado/doutorado, na probabilidade de ter exaustão emocional (Quadro 3). O modelo de regressão logística foi estatisticamente significativo (X2=16,16, p= 0,000) e demonstrou que ter stress aumenta em 20,17 vezes a chance de ter exaustão emocional e ser docente de mestrado/doutorado aumenta em 7,19 vezes a chance de ter exaustão emocional.
Quadro 2 Variáveis associadas com o stress, de docentes do ensino superior de uma cidade no sul do Brasil (n=61)
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Nota. * Binomial Logistic Regression, Foward LR Method
Quadro 3 Variáveis associadas com a exaustão emocional, de docentes de ensino superior de uma cidade no sul do Brasil (n=61)
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Nota. * Binomial Logistic Regression, Foward LR Method
A terceira análise de regressão logística, por sua vez, foi realizada para determinar o efeito de ter doenças, tomar medicação, ter estresse e a quantidade de filhos, na probabilidade de o docente apresentar despersonalização (Quadro 4). O modelo de regressão logística foi estatisticamente significativo (X2=8,68, p= 0,003), contendo apenas uma variável, demonstrando que ter stress aumenta em 8 vezes a chance de ter despersonalização.
Quadro 4 Variáveis associadas com a despersonalização, de docentes de ensino superior de uma cidade no sul do Brasil (n=61)
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Nota. * Binomial Logistic Regression, Foward LR Method
Por último, cabe destacar ainda que a análise de regressão logística foi realizada para o índice de realização pessoal, não sendo encontrada nenhuma variável preditora desse fator para o instrumento de burnout empregado no corrente estudo.
Discussão
O presente estudo objetivou identificar fatores de risco e de prevenção à sintomatologia de burnout (estresse, exaustão emocional, despersonalização) e realização profissional em docentes de nível superior de instituição particular. A despeito da impossibilidade de identificar preditores associados à realização, foi possível verificar que no nível pessoal encontram-se fatores que podem prevenir a ocorrência de burnout, bem como torna-se possível elencar outros aspectos individuais que podem facilitar a disposição ao burnout entre docentes de nível superior.
Com relação ao estresse, observou-se que 34,4% apresentavam sintomas, estando a maioria destes na fase de resistência (31,2%). Os níveis de estresses variam de 25 a 46% em outros estudos com professores universitários (Santos e Silva, 2017), mas indicam a gravidade do problema. Com relação ao burnout, observou-se que 16,4% apresentavam altos índices de exaustão emocional, 19,7% de despersonalização e 34,2% de baixa realização pessoal. No estudo de Ferreira et al. (2017), 34,4% apresentavam altos níveis de exaustão emocional, 24,7% apresentam níveis altos de despersonalização e 34,4% apresentam baixos níveis de realização profissional. Maior proporção de docentes com altos índices de exaustão emocional e despersonalização, e baixos de satisfação pessoal também foram obtidos no estudo de Dallacosta (2014), que discute os fatores culturais e pessoais que podem estar associados à variabilidade dos resultados. Carlotto e Palazzo (2006) enfatizam que o burnout é multideterminado e discutem essa variação dos resultados de diferentes pesquisas em função de questões culturais e metodológicas.
Os fatores associados ao estresse indicam que o tempo de serviço e problemas familiares são cruciais para a compreensão dessa sintomatologia associada ao burnout. Docentes que vivenciam menores níveis de suporte com a família tendem a apresentar maior nível de estresse, uma vez que as ocorrências estressoras do trabalho são acentuadas no convívio familiar (Fiorilli et al., 2019). O adoecimento prévio como fator associado individualmente à predisposição ao estresse também confirma a literatura, indicando que o sofrimento desencadeado por outros quadros de sofrimento físico e psicológicos mantém o nível de estresse elevado e predispõe ao burnout (Lin et al., 2019). No caso do tempo de experiência como protetor ao estresse, a literatura indica que com maior experiência o trabalhador desenvolve estratégias mais adaptativas para lidar com as adversidades no trabalho, o que pode explicar a experiência como fator de proteção ao burnout (Taleghani et al., 2017).
Os fatores relacionados à exaustão emocional demonstram que a existência prévia de nível razoável de estresse na atuação e o contexto de ensino docente, diferenciado entre graduação e pós-graduação stricto sensu, impacta substancialmente para compreender essa sintomatologia. A relação entre estresse e exaustão pode ser explicado por meio da perspectiva do estresse no trabalho para analisar a dinâmica psíquica nos contextos de trabalho (Lipp, 1996). Sujeitos que são expostos de forma recorrente a estressores são levados ao distresse que, consequentemente, resulta na exaustão como manifestação da estafa vivenciada pelo prolongamento da situação estressora e alto nível de exigência para a consecução do trabalho (Marchiondo et al.,2020).
Ainda sobre a exaustão emocional, o distresse aparece vinculado aos estressores relativos à jornada docente que associa as exigências ao cotidiano do professor que se sente compelido a suportar e realizar as atividades em tempo integral para dar conta das demandas de ensino e suporte afetivo e psicopedagógico aos alunos, o que torna fundamental organizar mecanismos de suporte ao docente dentre e fora das universidades para não maximizar as condições que predispõe o professor à exaustão (Mintrop & Charles, 2017). Pelo modelo testado, cabe indicar também a evidência marginalmente significativa de que entre docentes de nível superior há um nível crescente de exaustão em maiores níveis de formação. Neste sentido, o distresse pode ter um efeito crescente entre os níveis de formação de nível superior, sendo maximizado entre docentes de mestrado e doutorado, o que encontra suporte preliminar na literatura e deve ser investigado futuramente para avaliar a reprodução desse efeito em outras amostras (Rodrigues et al., 2017).
O estresse também demonstrou ser uma variável significativa e fundamental para a despersonalização. Nos quadros de despersonalização ocasionados por burnout, as estratégias e funções psíquicas do trabalhador encontram-se em baixa, de forma que a percepção de si se torna lacunar. Nessa dinâmica, as condições cotidianas tornam-se estressoras pelo baixo nível de organização das funções psíquicas do docente (Judd et al., 2017). Nesse contexto, também é factível que o adoecimento prévio exista, uma vez que anterior ao padecimento à despersonalização, outras respostas psíquicas, físicas e motoras acontecem prejudicando a saúde docente que, na manutenção do fluxo estressor, vivencia a despersonalização como trágico desfecho da psicopatologia associada ao trabalho (Salvagioni et al., 2017). Por esse motivo, é razoável esperar que o estresse apareça como fator de risco à despersonalização e, portanto, deve servir como sinais para sugerir o afastamento e adaptação do trabalho docente com o intuito de diminuir o risco de despersonalização vinculado ao burnout (Rumschlag, 2017).
Por fim, a impossibilidade de verificar fatores associados à realização pessoal pode ser explicada pela natureza multideterminada dessa variável (Dudley & Mohta, 2017). No presente trabalho, a ênfase em variáveis pessoais e funcionais como explicativas da sintomatologia de burnout reduziu o leque de preditores relacionados a essa variável. Pela literatura, os fatores protetores e de risco associados à realização pessoal em contexto profissional vinculam-se ao contexto de trabalho e, portanto, demandam pela inclusão de variáveis da organização, da natureza da tarefa, entre outras que não foram abrangidas no presente estudo, mas demonstram elevado nível de discussão e documentação nos estudos (Answine et al., 2019; Vidotti et al., 2019).
Neste sentido, o presente estudo contribui às elaborações da literatura ao fornecer evidências de que a realização pessoal de forma contextualizada não pode ser explicada de forma isolada pelas variáveis individuais e funcionais (Martela & Pessi, 2018). Isso denota a importância das condições organizativas e desenho do trabalho na promoção de saúde no trabalho e prevenção do burnout por meio da maximização da realização do trabalhador docente dentro e fora do espaço de trabalho (Binkley & Levine, 2019; Olson et al., 2019). De forma conjunta, enfatizando-se aspectos pessoais e funcionais da amostra é possível visualizar que os fatores de risco à sintomatologia de burnout associam-se ao estresse, problemas familiares, tempo de serviço e exercício da atividade em nível de pós-graduação, ao se analisar esses fatores entre docentes de nível superior de instituições particulares.
Sugere-se, portanto, atenção às variáveis de risco supracitadas, com o intuito de produzir programas de promoção de saúde e condições de estabilização psíquica, social e profissional aos professores frente ao risco de expressão de sintomatologia associada ao burnout (Kleinpell et al., 2020). Por outro lado, um fator protetivo ao burnout é a experiência docente, o que indica a possibilidade de docentes com maior experiência contribuírem na formulação de estratégias para promoção e manutenção da saúde de seus pares frente ao burnout, especificamente aqueles recém-ingressos no magistério superior (Mameli & Molinari, 2017).
A principal contribuição da presente investigação foi permitir a identificação de um quadro de aspectos pessoais e funcionais associados à proteção e risco ao burnout em professores de nível superior de instituição particular. Destaca-se como limitação o uso de amostra probabilística por conveniência, o que limita a generalização do presente estudo, devendo investigações ulteriores verificar se os efeitos encontrados se reproduzem em outros espaços educativos de nível superior. Mesmo assim, os dados trazem à tona a reflexão sobre o impacto do modelo de educação em vigor, orientado pelas metas e métricas de produção, sobre a saúde dos docentes, em especial de programas de pós graduação stricto sensu. O exercício da docência pode levar ao estresse e outras patologias capazes de desencadear o burnout. Como agenda de investigação e prática, urgem esforços para o delineamento de práticas de intervenção e gestão do trabalho docente tendo em vista os fatores identificados no corrente estudo. As instituições de ensino devem oferecer apoio e suporte social não apenas para o tratamento do estresse e burnout, mas sobretudo para a sua prevenção.
O impacto concreto das evidências encontradas na presente investigação à população estudada associa-se intimamente com a interlocução dos saberes propostos no presente manuscrito com a proposição de práticas promotoras de saúde aos docentes de nível superior dessas instituições visando a minimização do burnout. Para tanto, a formulação de políticas públicas em saúde e educação, bem como a fundamentação de legislações protetivas à saúde docente e práticas de gestão favoráveis ao equilíbrio psíquico do trabalhador devem ser estimuladas visando o magistério superior e seus respectivos pares.
Contribuição dos autores
Maria Antunes: Conceitualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
David Cecy: Investigação; Redação do rascunho original.
Larissa Ferreira: Investigação.
Marcela Ringer: Investigação.
Thuany Lara: Investigação.
Pedro Cortez: Conceituação; Redação do rascunho original.