Podemos pensar no profissional de psicologia como uma pessoa que atua no alívio dos aspectos psicológicos, no entendimento das suas origens e na melhora dos transtornos mentais. Mas, quando os aspectos físicos são a origem do sofrimento psicológico, como em uma patologia complexa como o câncer, vista como uma doença com representação no imaginário coletivo repleto de estigmas, que afeta além do indivíduo, o sistema familiar e sua rede socioafetiva, a presença do psicólogo assume uma outra importância. O câncer apresenta características multifatoriais, podendo ser decorrente de questões comportamentais, genéticos, ambientais e emocionais (Instituto Nacional de Câncer [INCA], 2018). O paciente oncológico ao receber o diagnóstico de câncer, percebe que sua vida nunca mais será igual, e em sua maioria, a patologia é entendida como ameaça de morte, e de fato, é a segunda maior causadora de morte no mundo (Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS], 2018).
O prognóstico da doença tem melhorado, os tratamentos apresentam avanços tecnológicos significativos, auxiliando no controle e até mesmo da cura da doença, além da inserção de processos que contribuem para motivação do paciente a adesão do tratamento, permitindo a convivência durante anos com a patologia (Cunha & Rumen, 2008). Inevitavelmente o psicólogo hospitalar tem a morte presente em seu cotidiano, sendo parte constante de sua vivência, como um tema recorrente de discussão no ambiente acadêmico e hospitalar. Tal fato, não torna a morte uma situação simples e menos complexas. A morte ainda, é percebida por alguns profissionais da saúde como um fracasso, pois o paciente não obteve a cura (Azeredo et al., 2011).
Em alguns casos, pacientes oncológicos graves, podem apresentar um quadro de impossibilidade terapêutica, ou seja, quando a morte é o desfecho esperado e não mais uma incerteza. Este processo pode dar início a reações que precedem a perda irreversível da vida, com sentimentos dicotômicos de grande amplitude e valência, antes mesmo da morte física (Bifulco & Caponeiro, 2016). É nesta fase que o psicólogo hospitalar trabalha o luto, antes da morte física, assim denominado “luto antecipatório”.
Conviver diariamente com a morte e o morrer, é uma demanda significativa. A clareza sobre seus questionamentos e sua relação com a morte, é relevante, isso não quer dizer uma exigência de total ausência de sentimentos frente a morte, e sim a capacidade de atuação com profissionalismo. Para tal, o psicólogo hospitalar deve conhecer as principais sintomatologias das patologias recorrentes em sua área de atuação, além de compreender os elementos teóricos que permitam a instrumentalização e a consciência das limitações diante de reações físicas e psicológicas de pacientes na iminência da morte (Angerami-Camon, 2004). O treinamento é fundamental para minimizar o estresse e a pressão sofrida pelo profissional, a formação de grupo de estudos e treinamento pode se mostrar um caminho promissor nas organizações (Teixeira & Pires, 2010).
Diante do quadro apresentado, questiona-se se o psicólogo hospitalar está preparado para realizar intervenções frente a complexidade do tratamento de um paciente oncológico? Será que sua atuação deve ser passiva e observar o paciente como indivíduo isolado, e manter uma rigidez protocolar para não interferir no contexto médico? Essas dúvidas instigaram a curiosidade dos pesquisadores, e diante disto, o objetivo deste trabalho foi investigar as intervenções do psicólogo hospitalar frente ao luto antecipatório com pacientes oncológicos, descritas na literatura. E, compreender a relação do paciente frente a morte e a relação estabelecida entre o psicólogo hospitalar e os familiares do paciente. Para responder a estes questionamentos foi realizada uma pesquisa do tipo exploratória, com a finalidade de proporcionar o maior número de informações para a delimitação do tema e estruturação da revisão bibliográfica (Gil, 2018). Assim, este trabalho se justifica pela produção científica reduzida sobre o tema e ainda pouco investigado, embora, nota-se que o psicólogo detém um papel fundamental nas equipes multidisciplinares, a fim de proporcionar um olhar cuidadoso para esse contexto.
Método
Para elaboração do trabalho foi realizada uma pesquisa bibliográfica do tipo exploratória com abordagem qualitativa (Gil, 2018), que consiste na busca de material para proporcionar a familiaridade do pesquisador com o tema já definido, bem como a sua delimitação. Conceito corroborado por Marconi e Lakatos (2021), que complementaram, afirmando que a pesquisa exploratória é uma investigação empírica, com o objetivo de formular questões com finalidade de desenvolver hipóteses; aumentar a familiaridade do pesquisador com o ambiente, fato ou fenômeno; e modificar ou clarificar conceitos. O presente estudo seguiu a abordagem qualitativa (Marconi & Lakatos, 2021), que tem como base a presença ou ausência de alguma qualidade ou característica, ordenando por diferentes tipos de cada propriedade. As medidas qualitativas trata-se da caracterização dos dados mensurados e respondem as questões de “como”.
Pesquisa de Artigos
A principal fonte de pesquisa foi a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que é uma plataforma que desde a sua origem, foi voltada para promoção e compartilhamento de informações técnicas e científicas. Também contemplou outras duas plataformas:Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC).
A busca foi realizada com o foco, exclusivamente, na coleta de artigos científicos. A delimitação temporal foi restrita às publicações entre os anos de 2016 à 2021, tendo como descritores a combinação dos seguintes temas: Psicologia x Cuidados Paliativos x Câncer; Psicólogo x Cuidados Paliativos x Câncer; Psicólogo hospitalar x Morte x Câncer; Cuidado Paliativo x Luto Antecipatório; Luto Antecipatório x Câncer. A coleta dos dados seguiu as seguintes etapas, conforme fluxograma apresentado na Figura 1.
Seleção de Artigos
No primeiro levantamento foram identificados 186 artigos científicos que apresentaram os descritores desejados. Após foi utilizado o delimitador temporal, reduzindo o número para 69 artigos. Na sequência foi realizada a leitura do resumo dos artigos em busca dos outros critérios de inclusão e exclusão. Critérios de inclusão: principal patologia Câncer; contexto hospitalar; luto do paciente; intervenções/ferramentas utilizadas por psicólogos. Critério de exclusão: principal patologia atuante diferente do câncer (cardiopatias, demências entre outras); contexto domiciliar; luto e sofrimento observado nos familiares ou funcionários do hospital; intervenções/ferramentas utilizadas por outro profissional da saúde como médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, entre outros. Dos 69 artigos pré-selecionados, foram integrados ao trabalho nove artigos.
Análise dos Artigos
O tratamento dos dados foi realizado com base na análise do conteúdo, que abordou uma técnica desenvolvida em 1977 (EUA), com o objetivo de sistematizar regras. A análise de conteúdo foi definida como “um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, que se aplica a discursos (conteúdos e continentes), extremamente diversificados”. Uma das funções da análise de conteúdo é a verificação dos achados, considerados verdadeiros ou não, apresentando sistematicamente fases específicas em cada processo; como a definição do assunto, a seleção flutuante e posteriormente vinculada ao objetivo, e análise; que permite a compreensão de um determinado conteúdo à conclusão (Bardin, 2011).
Para análise do conteúdo da amostra final (nove artigos), após a leitura na íntegra dos artigos, procedeu-se a extração dos conteúdos integrativos entre o psicólogo hospitalar, paciente, cuidadores e familiares. Para captar a plenitude dos materiais selecionados, conduziu-se uma leitura investigativa, na busca por evidências sobre os temas de interesse. Incluindo as técnicas interventivas no manejo dos pacientes oncológicos internados, além da coleta das informações que contribuam para a identificação e compreensão, dos principais sentimentos emergentes durante o processo de adoecimento, do enfrentamento da patologia, da vivência do luto antecipatório e da morte.
Resultados
O presente estudo que no que tange o volume de produção científica localizado e posteriormente analisado, foram considerados positivos, e apontam uma construção dos conteúdos voltada para os cuidados paliativos em paciente oncológicos. Compreendendo o paciente em sua integridade, um indivíduo que pertence a um núcleo familiar e expande-se ao grupo socioafetivo e chega ao contexto social. O câncer apresenta uma repercussão enorme, com consequências em todas as esferas social e pessoal do paciente, e por tal fato, é necessário considerar a ausência artigos nesta pesquisa, em referência direta junto ao descritor Luto Antecipatório x Cuidados paliativos. O que também chama a atenção é que o luto antecipatório ainda tem uma baixa representatividade nos materiais relacionados a área da saúde, dos nove artigos selecionados, apenas dois abordam o tema. E quando observamos o personagem que sofre o luto antecipatório, apenas um traz o paciente com a vivência do luto ainda em vida. Os temas centrais dos artigos selecionados contemplam aspectos do manejo dos pacientes, e a melhoria da eficiência dos tratamentos do paciente oncológico no processo de terminalidade, conforme apresentado no Quadro 1.
Autores | Objetivo |
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Espíndola et al., 2017 | Avaliar a eficácia da intervenção Terapia da Dignidade em paciente com câncer em cuidados paliativos. |
Neto & Lisboa, 2017 | Identificar as doenças físicas e psicológicas relacionadas ao luto antecipatório, assim como os sujeitos que as vivenciam. |
Cardoso et al., 2018 | Apresentar uma revisão da literatura sobre o luto antecipatório em pacientes com câncer no período de 2007 a 2017. |
Lima & Machado, 2018 | A partir de uma pesquisa qualitativa exploratória, objetivou-se compreender os sentimentos e significados dos cuidadores principais ante a experiência da morte. |
Oliveira et al., 2019 | Investigar os efeitos psicológicos, os sentimentos, das modificações corporais decorrentes do adoecimento e tratamento oncológico em pacientes que estão sob cuidados paliativos. |
Prado et al., 2019 | A partir de entrevistas abertas, no período de 2015 a 2016, foi realizada uma pesquisa fenomenológica embasada no pensar heideggeriano, com 11 pacientes com câncer em estágio avançado, dos quais surgiram duas temáticas: “Enfrentando o processo morte-morrer” e “Desvelando o sofrer pela terminalidade”. |
Rocha et al., 2019 | Melhorar a qualidade de vida do paciente e amenizar momentos angustiante de insegurança e incerteza ao cuidador, através da elaboração de uma cartilha para auxiliar os cuidadores de pacientes em cuidados paliativos. |
Carvalho et al., 2020 | Avaliar a relação entre o uso de obras de arte da artista mexicana Frida Kahlo, e a vivência emocional de pacientes no enfrentamento psicológico do câncer. Foi realizada uma pesquisa qualitativa-descritiva, em um hospital público universitário, com 10 pacientes diagnosticados com doenças onco-hematológicas. |
Silva et al., 2020 | Avaliar a qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos a partir de uma pesquisa descritiva, transversal, de abordagem quantitativa, realizada com 21 pacientes internados em uma unidade de cuidados paliativos. Os dados foram coletados sobre aspectos sociodemográficos e clínicos, e utilizada a escala do European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality-of-Life Questionnaire Core15 PAL (EORTC QLQ C-15 PAL) para avaliação da qualidade de vida. |
Como resultado a análise integral dos nove artigos permitiu construir quatro categorias temáticas: 1) Os pacientes oncológicos; 2) Luto Antecipatório; 3) Atuação do psicólogo hospitalar e a equipe multidisciplinar; 4) Cuidadores e familiares: desenvolvimento e curso da terminalidade, que serão apresentadas a seguir.
Os pacientes oncológicos
O câncer é descrito como uma patologia que pode apresentar uma forma silenciosa, sem sinais patognomônicos da doença, onde o paciente desconhece a gravidade da situação, o que resulta em um diagnóstico tardio, e que pode alterar o curso do tratamento, desenvolvendo no paciente sentimentos como frustração e raiva. Tal fato, contribui na manifestação e permanência do sentimento de raiva, durante o processo de luto e morte (Oliveira et al., 2019). Os mesmos autores observaram que é recorrente o sentimento de indignação e frustação, ocasionada por um início silencioso da doença, com ausências de sintomas e sinais clínicos marcantes. Fato que repercutiu na aceitação do quadro, sendo recebido de forma inesperada e refletindo sentimentos de surpresa e espanto. Após o conhecimento da incapacidade terapêutica medicamentosa ou cirúrgica, e a realidade do tratamento paliativo, os relatos são de insatisfação e raiva. Já um paciente que luta contra o câncer por nove anos, demonstra compreender a situação, e apresenta um relato de aceitação da morte esperada, especialmente nos casos de extrema debilitada, devido a perda de peso significativa e fadiga crónica (Oliveira et al., 2019).
Já Prado et al. (2019) buscaram compreender o sofrimento que reverbera do processo de terminalidade e suas repercussões. E para isso, apresentam um estudo sobre os principais sentimentos dos pacientes terminais. O artigo contempla 11 pacientes com câncer em estágio terminal, entre 40 e 82 anos de idade, em situação de vulnerabilidade social, situada em um município no estado do Paraná, Brasil. O paciente oncológico, frequentemente, ao receber o diagnóstico, o associa a sentimentos de dor, angústia e sobretudo a morte. Independentemente da forma como o diagnóstico é repassado ao paciente, o contato é interpretado como abrupto e dolorido, com característica de finitude, a ponto de o paciente evitar a palavra “câncer”.
Silva et al. (2020), realizaram um estudo com 21 pacientes diagnosticados com câncer sem possibilidade terapêutica em hospital referência no tratamento oncológico, na unidade de cuidados paliativos no estado do Maranhão, Brasil, entre junho e dezembro de 2019. Em um primeiro momento foi aplicado um questionário por meio de entrevista, e posteriormente, o European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality-of-Life Questionnaire Core15 PAL (EORTC QLQ C-15 PAL), instrumento de avaliação clínica, composto por 15 itens relacionados à qualidade de vida, que correspondem a: funcionamento físico, dispneia, dor, insônia, fadiga, apetite, náusea, constipação, funcionamento emocional e saúde global. Os resultados apresentados como sintoma predominante foram a dor, atingindo na média entre os pacientes um índice de 52%; na sequência a constipação com índice de 46%, e fadiga com índice 42%. A dor é considerada o maior impactante na qualidade de vida do paciente oncológico, e o sintoma mais frequente nas neoplasias. Estima-se que entre 10 a 15% dos pacientes oncológicos apresentem dor de intensidade significativa no diagnóstico, e entre 60 a 90% nos pacientes em estágio avançado.
Contudo, os autores Prado et al. (2019), afirmam que é possível reduzir os sentimentos dolorosos, uma vez que identificada a origem do sofrimento. Para isso, a equipe deve desenvolver estratégias para minimizar o sofrimento de desconforto físico, sintomas psicossociais e espirituais, além de medos como sentir-se uma sobrecarga para sua família e causar sofrimento aos outros. E, em dois estágios, o da barganha e da aceitação, foi possível observar o aumento do desenvolvimento da espiritualidade e da fé.
Luto Antecipatório
Neto e Lisboa (2017) apresentaram um levantamento bibliográfico realizado entre 2004 a 2014, onde identificaram as principais doenças que contemplam o tema do luto antecipatório, como: câncer, disfunção cognitiva, paralisia cerebral, prematuridade, crise psicogênica não epilética e anomalia congênita. O câncer obteve uma prevalência de 60% do total dos artigos selecionados. Em pacientes oncológicos, que realizaram o transplante de células-tronco hematológicas como uma alternativa de tratamento, e houve uma melhora no quadro clínico, porém, em contrapartida, promove uma redução da imunidade, acarretando uma elevação na probabilidade dos pacientes evoluírem ao óbito, prejudicando o relacionamento interpessoal e socioafetivo, com aumento nos quadros ansiogênicos e depressivos.
Os mesmos autores acrescentam ainda, que há um sofrimento do paciente que pode ser de ordem social, emocional ou física. Pois, o fato da permanência do paciente oncológico em cuidados paliativo, proporciona o tempo necessário para realização de uma avaliação criteriosa do luto antecipatório, permitindo identificar e quantificar a incidência do fenômeno, possibilitando de forma adequada a aplicação de instrumentos avaliativos, além de dispor de períodos de observação dos pacientes e dos indivíduos envolvidos. Assim, tais aspectos contribuem para comprovação do processo do luto antecipatório nos pacientes oncológicos pelos integrantes da equipe de cuidados paliativos (Neto & Lisboa, 2017).
Corroborando com o tema, Cardoso et al. (2018), afirmam que o paciente acometido por uma doença como o câncer, o processo do luto antecipatório pode ocorrer no diagnóstico, pois tende a ser compreendido como uma barreira, que interrompe os processos saudáveis do ser humano. O luto antecipatório é a presença dos sentimentos comuns no luto antes da morte efetiva, e quando o familiar apresenta um temor frente as repercussões após a morte do paciente, como a vida se estruturaria na ausência do mesmo, iniciando o processo de luto (Lima & Machado, 2018).
Cardoso et al. (2018), a partir de seus estudos sobre o tema luto antecipatório, evidenciaram no Brasil, China, Grécia e América do Norte, as principais características dos pacientes em luto antecipatório e a forma de manejo das equipes frente a esse fenômeno. O resultado apurou que os acometidos apresentam maior índice de desesperança, ansiedade e depressão, citando o processo luto antecipatório como uma resposta desadaptativa à situação, sendo que a idade e as condições físicas do paciente são fatores importantes. No Brasil, os autores observaram que a fé era uma das principais estratégias de enfrentamento do luto dito normal e do antecipatório. Pois, os pacientes demonstram esperança na melhora e percurso da doença, além de elaborar planos de realizações futuras como obter a cura e inserção no mercado de trabalho.
Atuação do psicólogo hospitalar e equipes multidisciplinares
No contexto hospitalar a maioria dos pacientes em atendimento no setor de cuidados paliativos, são de origem oncológicos, fato que proporciona um grau maior de conhecimento e experiência dos profissionais participantes das equipes, contribuindo na melhora da atuação frente ao manejo dos sintomas (Neto & Lisboa, 2017). Espíndola et al. (2017) verificaram a redução da ansiedade e depressão em pacientes oncológicos, utilizando um modelo de psicoterapia breve, três ou quatro encontros, no período de duas a três semanas, denominada Terapia da Dignidade. Trata-se de uma intervenção dirigida para indivíduos acometidos de doenças terminais em cuidados paliativos.
As contribuições da literatura são percebidas claramente nas experiências diárias do psicólogo hospitalar. Segundo Cardoso et al. (2018) os profissionais atuam principalmente no incentivo ao paciente, para que elaborem uma construção da sua finitude, conforme o entendimento pessoal, assim permitindo a possibilidade de expressar as suas preocupações atuais e futuras. Agrega-se a isso, a fala de Carvalho et al. (2020) quando referem-se as perspectivas prognósticas e a qualidade de vida devem ser equacionadas. Para tal, as equipes multidisciplinares devem avaliar as condições atuais e futuras do paciente, para assegurar que as intervenções sejam realmente necessárias e realizadas no tempo certo. A comunicação entre médicos, enfermeiros e psicólogos, deve ser clara e objetiva, mesmo quando parte da equipe tem como referência os dados físicos e outros da equipe utiliza-se de evidências psicológicas.
O tema luto antecipatório, quando entendido pelos profissionais da área saúde e principalmente os que atuam em cuidados paliativos, proporcionam ao paciente um tratamento mais humanizado (Cardoso et al., 2018). Os mesmos autores evidenciaram ainda, a necessidade de excelência na condução profissional e o fortalecimento das equipes multidisciplinares, para que a atuação junto ao paciente e identificação do fenômeno do luto antecipatório, possibilitem a implementação de ações específicas no início das manifestações e promovam intervenções amplas de acolhimento e ajuda aos pacientes. Em outro momento, os autores relataram que, muitas vezes no processo de adoecimento e finitude, a elaboração do luto e os sentimentos pessoais, são ignorados (Cardoso et al., 2018).
Para minimizar a dificuldade de comunicação entre psicólogo e paciente, Carvalho et al. (2020) afirmaram que a arte é um instrumento psicoterapêutico, que tem se mostrado um excelente canal de expressão, permitindo acessar diversos conteúdos emocionais. Com aplicabilidade no contexto de cuidado paliativo, essa técnica possui características de um protocolo simples e com tempo reduzido, favorecendo o processo avaliativo em ambiente hospitalar, que requer velocidade, praticidade e simplicidade na obtenção dos resultados. Ainda no estudo, os autores identificaram nos pacientes as estratégias de controle das emoções; de distanciamento emocional; foco no positivo; racionalização e aceitação da doença.
Cuidadores e familiares: desenvolvimento e curso da terminalidade
Os autores Lima e Machado (2018) desenvolveram um estudo que evidenciou os principais sentimentos e experiências dos cuidadores de pacientes oncológicos terminais, sendo a pesquisa realizada no hospital de referência em oncologia no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Foram observados oito pacientes terminais em cuidados paliativos e, com os resultados, construíram cinco categorias temáticas. A primeira denominada Espiritualidade, envolveu, na percepção dos autores, um tema imerso na atmosfera das incertezas do momento da morte, reverberando de certa forma conforto, alívio e força para os cuidadores. Na sequência, no tema denominado Tempo de espera, os autores verificaram que após o comunicado do médico sobre a incapacidade terapêutica e a morte iminente do paciente, os cuidadores adotavam uma nova postura, alguns acompanhantes passam a esperar o momento da morte, com atenção total aos sinais vitais e na expectativa angustiante do desfecho, o óbito. Sendo possível constatar que os principais sentimentos em detrimento a mudança do quadro, foram o cansaço e o aumento da angústia. Posteriormente, com o tema denominado Estar ao lado do paciente até o fim, os autores evidenciaram que mesmo com o cansaço extremo, exaustão física e mental, os cuidadores desejaram permanecer ao lado do paciente, transparecendo um ritual de fechamento do ciclo, entre paciente e cuidador. O tema denominado Sinais da aproximação da morte, os autores perceberam que os cuidadores possuíam dúvidas de como seria o desfecho final, e atribuíam atenção aos sinais, tais como: suspiros, gemidos e movimentos bruscos, e alguns cuidadores acompanham a respiração atentamente, na expectativa da morte. A morte é um evento desconhecido da maioria dos cuidadores, fato gerador de possíveis sentimentos, como ansiedade e apreensão. O tema A morte como alívio do sofrimento, que apresentou a observação de alguns cuidadores, que recebem a morte do paciente como algo tranquilizador. Sendo comum o sentimento de ambivalência após um tratamento doloroso prolongado, a dor da morte e o alívio do fim do sofrimento. É frequente os cuidadores relatarem a vida do paciente, relembrando as vivências em família, que de alguma forma contribuía para dar sentido a vida do paciente e conforto ao cuidador (Lima & Machado, 2018).
Rocha et al. (2019) observaram as dificuldades e inseguranças dos cuidadores de pacientes oncológicos, e desenvolveram uma cartilha educativa com a finalidade de orientar e dar conhecimento aos cuidadores e enfermeiros, sobre os principais sinais e sintomas, potencializar comportamentos positivos, cuidados e informações com intuito de amenizar os momentos finais dos pacientes. Esta cartilha ajudou na compreensão da patologia de forma integral, permitindo que o cuidador realize um atendimento mais humanizado. Ainda, demonstraram que os últimos momentos de vida de um paciente oncológico, tendem a ser dolorosos e desolador para a família. E quando o fenômeno é entendido pelos familiares e cuidadores, como um evento natural, parte integrante da vida, percebe-se que o processo de morte se torna mais sereno. A educação em saúde é um meio para amenizar as dúvidas e incertezas que todo o processo de adoecimento e tratamento podem gerar (Rocha et al., 2019).
Os autores Oliveira et al. (2019), e Carvalho et al. (2020) em seus estudos observaram que alguns pacientes demonstraram ter desistido da vida, onde a resistência contra a patologia não era mais exercida. Em parte, por consequência da ausência de resposta ao tratamento, reflexo que reduz a esperança de cura e acelera o processo de aceitação da morte. Associado a pacientes que enfrentam o câncer há anos, com tratamento prolongado que causam a debilitação do organismo e modificações corporais. A presença de sintomas desagradáveis, por um período longo e um prognóstico que afirma a impossibilidade de cura, faz com que o paciente deseje a morte. Considerando a morte como a extinção do seu sofrimento.
Discussão
A partir deste estudo, foi possível identificar que o diagnóstico do fenômeno luto antecipatório, ocorre em pacientes oncológicos em cuidados paliativos. Justamente por ser nesta fase do tratamento que o paciente se depara com a sua finitude. O paciente terminal usufrui de um espaço para a reflexão da vida e da morte, a construção de novos desejos, medos e principalmente o sentimento de incerteza, criando um novo cenário no qual a morte é o ator principal, e a vida, o tema central. Tal fato, permite que o paciente tenha ciência de sua morte, aumentando a probabilidade de o sujeito vivenciar o luto ainda em vida. Assim, no momento crítico com paciente terminal, o psicólogo hospitalar dispõe de tempo para uma investigação avaliativa específica, para o luto antecipatório.
Os psicólogos possuem várias ferramentas para intervenções, frente ao sofrimento dos pacientes enlutados. A acolhida e a escuta efetiva são os principais, uma vez que o profissional é a voz do paciente na condução do tratamento, pois é através da escuta, que será realizada a identificação dos principais estressores e suas origens fisiológicas ou emocionais. Através da comunicação ativa do psicólogo hospitalar, a atmosfera de angústias e incertezas, que dominam o paciente, seus familiares e demais envolvidos, pode ser amenizada. A psicoeducação proporciona a redução destes sentimentos através do entendimento do quadro clínico do paciente e dos prognósticos, atuando como uma ferramenta ansiogênica.
Sendo possível constatar que o paciente, consciente da evolução do seu quadro clínico, e com a certeza da sua morte, necessita de apoio para compreender que ainda está vivo, e pode realizar tarefas, como escrever a sua história final. A Terapia da Dignidade trouxe ao paciente a construção escrita de seu legado, empoderando-o para condução do seu desfecho, podendo resolver atritos pessoais ou simplesmente, contar sua história e deixar seu registro. E quando a comunicação for restrita entre paciente e psicólogo, a arte terapia mostrou-se uma ferramenta eficiente para estimular a comunicação e expressão, através de uma obra de arte o paciente pode descrever seus sentimentos, emoções, medos, frustrações e desejos, partindo de um estímulo externo. O psicólogo deve fornecer ferramentas ao paciente, que de alguma forma, potencialize a pouca energia que lhe resta, para gerar uma atmosfera minimamente saudável, para o encerramento do ciclo, a morte.
Vale destacar os desafios dos profissionais da área da saúde, especialmente o paliativista, que é de transformar o sofrimento dos pacientes em uma possibilidade de melhora (diferente de cura). Pois, o paciente oncológico sofre com dores, náuseas, fadiga, constipação e mutilações, e o papel do psicólogo é melhorar a qualidade de vida, e caso tal melhora não seja possível, ele deve atuar junto à família para decidir qual a melhor alternativa para o paciente. Nessa hora, é crucial que o profissional possua uma estrutura psicológica capaz de suportar as condições impostas pela profissão. Para tal, a educação continuada e especialização nas áreas de atuação são fundamentais, pois conforme identificado nos artigos estudados, ainda não há um ensino superior que contemple os cuidados paliativos na íntegra, cabendo aos psicólogos hospitalares buscarem pelo conhecimento e a interação com a prática em cursos específicos.
A psicólogo hospitalar pode atuar em todas as fazes do processo, desde o diagnóstico até o acompanhamento do luto dos familiares. A vivência do luto antecipatório ainda requer novos estudos, voltados para ampliação das avaliações específicas para investigação do fenômeno e criação de novas ferramentas de intervenções para o paciente, familiares e cuidadores envolvidos. Cabe salientar, que o uso complementar de medidas implícitas e explícitas, podem auxiliar o psicólogo na realização de estudos aprofundados junto, ao paciente oncológico e ao fenômeno do luto antecipatório, proporcionando um grande benefício para qualidade de vida, durante o processo do morrer.
Contribuição dos autores
Michael Borges: Conceitualização; Análise formal; Financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Cristiane Rangel: Conceitualização; Análise formal; Metodologia; Supervisão; Validação; Redação - revisão e edição.
Adriane Bartmann: Conceitualização; Financiamento; Supervisão; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.