Considerada um fator-chave para um desenvolvimento positivo e saudável, bem como para o sucesso académico, a promoção da saúde mental e bem-estar tem sido amplamente reconhecida e estudada (Matos et al., 2021; OCDE, 2015). Na sequência das recomendações elaboradas no âmbito do Plano de Recuperação das Aprendizagens 21|23 Escola+, verificou-se que uma recuperação efetiva das aprendizagens tinha necessariamente que passar, também, pela promoção da saúde psicológica e bem-estar no ecossistema escolar.
Em Portugal, a promoção da saúde psicológica e bem-estar tem sido uma preocupação crescente, sobretudo após a pandemia por Covid-19 (Gaspar et al., 2019, 2022; Matos & Wainwright, 2021). Sendo a escola um cenário privilegiado onde as crianças e adolescentes passam grande parte do seu dia, esta possui um potencial único para promover mudanças positivas e significativas tanto em crianças e adolescentes, quanto em outros intervenientes educacionais (Goldberg et al., 2019). A literatura salienta o ambiente educacional como um fator fundamental para promover a saúde psicológica de todos os intervenientes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (2021), uma escola promotora de saúde é capaz de reproduzir um ambiente saudável, serviços de saúde e projetos que fomentam competências e hábitos saudáveis.
Através de uma abordagem global, é possível promover o desenvolvimento integral e multidimensional dos indivíduos (Gaspar et al., 2020; UNESCO, 2015). A qualidade da saúde mental nas escolas desempenha um papel crucial na formação de uma geração saudável, resiliente e capaz de enfrentar os desafios da vida (Matos et al., 2023a).
Na resposta a esta necessidade, em dezembro de 2022, teve início o estudo “Observatório Escolar: Monitorização e Ação | Saúde Psicológica e Bem-estar” (Matos et al., 2022). Desenvolvido sob a tutela da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, em parceria e com a coordenação científica e executiva da equipa Aventura Social, incluindo ainda a Direção-Geral da Educação, Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, Ordem dos Psicólogos Portugueses e Fundação Calouste Gulbenkian. O estudo teve como principal objetivo, monitorizar o panorama da saúde psicológica e bem-estar das crianças e adolescentes em idade escolar (dos 5 anos de idade ao 12.º ano de escolaridade), e dos seus professores, bem como o desenvolvimento de recomendações de ação para melhorar a saúde psicológica e bem-estar dos ecossistemas escolares. Seguiram-se alguns estudos aprofundados a partir dos quais se elaborou o e-book Saúde Psicológica e bem-estar nas escolas Portuguesas (Matos et al., 2023).
Com o objetivo de aprofundar o impacto da pandemia e das medidas decorrentes do relatório do estudo, ou anteriores, foram realizados estudos de caso, publicados no Relatório complementar: case studies (Matos et al., 2023a) de entre os agrupamentos de escolas/ escolas não agrupadas participantes na primeira fase do estudo, através de grupos focais online com a participação de diretores, coordenadores de educação para a saúde, e psicólogos; e com docentes, encarregados de educação, e alunos do ensino básico ou secundário. Na sequência destes resultados, foram elaboradas recomendações para alunos, famílias e profissionais de educação e saúde, bem como para as políticas públicas do setor, a fim de apoiar o enfrentamento do panorama atual e para uma preparação atempada de futuros cenários, contemplando os 3As: Antecipar, Alertar e Agir. O foco desta publicação é reportar e refletir sobre os dados recolhidos nos estudos de caso realizados.
Método
Para a concretização destes estudos de caso, foi selecionado um agrupamento de escolas/ escola não agrupada por cada NUTS II (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos; excluindo a Área Metropolitana de Lisboa, onde foram envolvidos dois agrupamentos de escolas) num total de 7 agrupamentos de entre os 27 que participaram na primeira fase do estudo (Matos et al., 2022) e que aceitaram participar na fase seguinte.
Estudo Qualitativo
Realizaram-se no total 14 grupos focais online, de dois tipos, representados na tabela 1: Grupos Focais 1 (N = 36), constituídos por diretores, coordenadores de educação para a saúde e psicólogos; e Grupos Focais 2 (N = 50), compostos por docentes, encarregados de educação e alunos.
Grupo Focal 1 | Grupo Focal 2 |
---|---|
Diretor(a) | Docentes |
Coordenador(a) de educação para a saúde | Encarregados de Educação |
Psicólogo(a) | Alunos |
O estudo contou com 90 participantes, com uma média de idades de 52,13 anos (diretores, coordenadores de educação para a saúde, psicólogos, docentes, encarregados de educação) e 12,6 anos (alunos). Os grupos focais foram realizados com base num guião de entrevista semiestruturada, com uma duração média de 59 minutos.
Estudo Quantitativo
Após cada grupo focal, os participantes preencheram um questionário complementar, avaliando a importância, conhecimento, preocupação e ação em relação à saúde psicológica e bem-estar de cada interveniente do ecossistema escolar (diretores, coordenadores de educação para a saúde, psicólogos, docentes, encarregados de educação, alunos), bem como o valor atribuído ao "Observatório Escolar: Monitorização e Ação | Saúde Psicológica e Bem-estar", e medidas de promoção da saúde psicológica decorrentes do estudo. Foram obtidas 77 respostas de um total de 86 participantes, distribuídos por NUTS II, função e papel.
Análise dos Dados
Os dados do estudo qualitativo foram analisados através de uma análise de conteúdo, com abordagem indutiva e dedutiva, através do software de análise de dados qualitativos - MAXQDA 2020. Foram codificados 324 segmentos de texto que deram origem ao sistema de categorização dos resultados considerados para definir o cenário atual dos agrupamentos de escolas (N = 86); medidas para enfrentar a situação e implementação das 8 recomendações (N = 87); pontos fortes das recomendações (N = 15); oportunidades das recomendações (N = 9); pontos fracos das recomendações (N = 8); ameaças das recomendações (N = 119).
Por sua vez, os dados quantitativos, foram analisados através do software SPSS v. 25. Foi realizada uma estatística descritiva para todas as variáveis em estudo (média, desvio padrão, mínimos e máximos).
Resultados
Estudo Qualitativo
No estudo das palavras mais proferidas nos Grupos Focais 1, foram identificados os cinco termos mais frequentes (Figura 1), após a exclusão de palavras comuns e associadas ao contexto do Grupo Focal, foram estes: trabalhar (N = 114); sentir (N = 60); conseguir (N = 56); tempo (N = 55); e saber (N = 48).
Nos Grupos Focais 2 os termos mais proferidos (Figura 2), foram: saber (N = 88); trabalhar (N = 64); sentir (N = 59); conseguir (N = 58); falar (N = 48).
Nos grupos focais mais associados a funções de coordenação, trabalho e as suas concretizações, e a importância do tempo, salienta-se o saber e sobre o poder falar sobre as situações. Nos grupos focais mais relacionados com educadores (pais e docentes) e alunos, o conhecimento pelo contrário o conhecimento (saber) e poder falar. Em ambos os grupos a questão emocional (sentir) fica em evidência.
Na análise dos dados dos Grupos Focais 1 em relação ao cenário atual (N = 35), verifica-se a concordância geral com os resultados do estudo, refletindo-se num aumento de problemas entre alunos e pais e em mais acompanhamentos psicológicos dos alunos. A fragilidade psicológica foi identificada em todos os níveis de ensino, com maior destaque no ensino secundário, particularmente entre o género feminino (e.g. “Mais problemas no secundário, a nível psicossomático e ataques de pânico, especialmente no género feminino.”). Identificam nos alunos mais sinais de ansiedade, depressão e sintomas de mal-estar físico com dificuldades ao nível do sono, com menor tolerância à frustração, mais desinteressados, desmotivados, e menos ativos (e.g."… demonstram muita ansiedade. pouca resistência a frustração. um problema toma proporções muito grandes. não conseguem lidar com as coisas…”). Nos professores, sobretudo no género feminino, comunicaram um igual aumento destes sinais de mal-estar físico e psicológico, exacerbada pelo desencantamento dos docentes pela sua profissão, e da sobrecarga de tarefas burocráticas. A região do Algarve atribuiu a fragilidade da saúde psicológica dos alunos à crise no turismo devido à pandemia, enquanto a região Norte acredita que a proximidade entre as escolas e a criação de um gabinete de emergência social contribuíram para o bem-estar dos alunos a sua região.
Na análise dos Grupos Focais 2, também se verificou uma concordância geral com os resultados do estudo. Os participantes destacaram um aumento no número de alunos com sinais de ansiedade e de tristeza, imaturos, agitados e centrados em si, com particular impacto negativo no género feminino. Reportam que a pandemia Covid-19 deixou marcas mais profundas nos alunos que não possuem um ambiente familiar estruturado, agravando a situação em casa (e.g. “deixou mais marcas a criança que não têm suporte familiar estruturado.”). Os docentes reportam que estão cansados, desencantados com a profissão, sobrecarregados com burocracias e com falta de tempo, e assinalam a situação dos assistentes operacionais como preocupante.
Relativamente à adoção de medidas e implementação de recomendações, a análise dos Grupos Focais 1 (N = 46) e 2 (N = 41) revela que não existiu uma ação concertada para a implementação das recomendações, indicando que alguns dos agrupamentos de escolas já estavam a implementar algumas das medidas, sendo difícil atribuir diretamente as medidas às recomendações recebidas. Os participantes revelam, no entanto, estratégias similares: relação próxima com autarquias, com os centros de saúde, com a comunidade, com os encarregados de educação e com os serviços escolares. Como estratégias mais diversas referem a implementação de projetos; a auscultação de alunos e docentes ou a integração dos mais novos em rúbricas e ainda ações de sensibilização.
Na análise de SWOT 1 das recomendações, referente aos Grupos Focais 1 (Quadro 2), identificam-se como os pontos fortes (N = 5) a facilidade de ação e abordagem abrangente a desafios a longo prazo, a infusão curricular, a colaboração com a comunidade, a articulação entre os elementos do ambiente escolar, a consulta dos alunos e a formação de professores e diretores. Como oportunidades (N = 4) reportam a preocupação do Ministério da Educação com a saúde psicológica dos alunos e a compreensão da realidade atual. Como pontos fracos (N = 4) abordam a falta de clareza e a dificuldade de monitorização, nos procedimentos concretos para a implementação das recomendações. Nas ameaças (N = 44) incluem-se a falta de apoio da comunidade, a escassez de equipas multidisciplinares e recursos humanos nas escolas, o envelhecimento da classe docente, a sobrecarga de trabalho, a falta de formação, a desvalorização da escola por parte dos encarregados de educação, e necessidades específicas dos alunos.
Relativamente aos Grupos Focais 2 são destacados como pontos fortes (N = 10) a promoção de ambientes escolares saudáveis, a ação conjunta de todo o sistema (escolar, familiar, comunitário e social), a continuidade do estudo, a proposta de intervenções precoces, a formação de professores e diretores, bem como o envolvimento dos alunos (Quadro 3). Quanto às oportunidades (N = 5), os participantes mencionam a relevância do estudo, a consulta dos participantes e a oportunidade de refletir sobre a saúde psicológica e o bem-estar, além da visibilidade nos meios de comunicação. No que concerne os pontos fracos, foi reportado que as recomendações já estavam a ser implementadas nas escolas, eram vagas e abstratas, e precisavam de ser tornadas mais práticas (N = 4). Por fim, as ameaças (N = 75) incluíram a falta de envolvimento do Ministério da Educação nas escolas, a falta de ação após a realização de muitos estudos ao mesmo tempo, a necessidade de soluções específicas e diferenciadas devido às diferentes realidades nas escolas, bem como a falta de tempo dos professores devido à burocracia e ao tamanho das turmas. Também foi mencionada a relação escola-encarregados de educação, que nem sempre é facilitadora.
Enquanto propostas para trabalho futuro (Quadro 4) os participantes dos Grupos Focais 1 continuidade da colaboração com a comunidade, a implementação de ações preventivas para alunos em idade precoce, o fortalecimento da relação entre professores e alunos, o estabelecimento de um sistema eficaz de encaminhamento para apoio psicológico, a criação de grupos de trabalho para professores e o apoio aos pais no desenvolvimento das suas competências parentais.
Os participantes dos Grupos Focais 2 indicaram a necessidade de formar os psicólogos escolares para a promoção das competências socioemocionais dos alunos, bem como criar ambientes e atividades sociais para os professores. Além disso, destacaram a necessidade de promover atividades que fortaleçam o senso de pertença à escola e a coesão entre os alunos. Também enfatizaram a importância de os professores estarem atentos aos alunos, disponíveis para ouvir suas preocupações e oferecer apoio quando necessário.
Pontos fortes | Pontos fracos | Oportunidades | Ameaças |
---|---|---|---|
Facilidade de ação e abordagem abrangente a desafios a longo prazo | Falta de clareza e dificuldade de monitorização nos procedimentos concretos para a implementação das recomendações | Preocupação do Ministério da Educação com a saúde psicológica dos alunos | Falta de apoio da comunidade |
Infusão curricular | Compreensão face à realidade atual | Escassez de equipas multidisciplinares e recursos humanos nas escolas | |
Colaboração com a comunidade | Envelhecimento da classe docente | ||
Articulação entre os elementos do ambiente escolar | Sobrecarga de trabalho | ||
Consulta dos alunos | Falta de formação | ||
Formação de professores e diretores. | Desvalorização da escola pelos encarregados de educação | ||
Necessidades específicas dos alunos |
Pontos fortes | Pontos fracos | Oportunidades | Ameaças |
---|---|---|---|
Promoção de ambientes escolares saudáveis | Recomendações do estudo já em implementação nas escolas | Relevância do estudo | Falta de envolvimento do Ministério da Educação nas escolas |
Ação conjunta de todo o sistema (família, escola, comunidade e sociedade) | Recomendações vagas e abstratas | Consulta dos participantes | Falta de ação após a realização de muitos estudos em simultâneo |
Continuidade do estudo | Recomendações necessitam de ser operacionalizadas | Oportunidade de refletir sobre a saúde psicológica e o bem-estar | Necessidade de soluções específicas e diferenciadas, tendo em conta as diferentes realidades nas escolas |
Proposta de intervenções precoces | Visibilidade nos meios de comunicação | Falta de tempo dos professores devido ao excesso de burocracia e ao tamanho das turmas | |
Formação de professores e diretores | Relação escola-encarregados de educação não facilitadora | ||
Envolvimento dos alunos |
Grupos Focais 1 | Grupos Focais 2 |
---|---|
Continuidade da colaboração com a comunidade | Necessidade de formar os psicólogos escolares para a promoção das competências socioemocionais dos alunos |
Implementação de ações preventivas para alunos em idade precoce | Criar ambientes e atividades sociais para os professores |
Fortalecimento da relação entre professores e alunos | Necessidade de promover atividades que fortaleçam o senso de pertença à escola e a coesão entre os alunos |
Estabelecimento de um sistema eficaz de encaminhamento para apoio psicológico | Importância dos professores estarem atentos aos alunos, disponíveis para ouvir suas preocupações e oferecer apoio |
Criação de grupos de trabalho para professores | |
Apoio aos pais no desenvolvimento das suas competências parentais |
Estudo Quantitativo
Na análise do grau de importância, conhecimento, preocupação e ação no âmbito da saúde psicológica e bem-estar, atribuída aos diferentes intervenientes do contexto escolar (Quadro 5), os diretores obtiveram uma pontuação média superior a 7 em todas as vertentes, com exceção da ação, com destaque para a importância e preocupação. Os coordenadores de educação para a saúde demonstraram uma média superior a 7 em todas as áreas, com maior ênfase na importância e preocupação. No caso dos psicólogos, a média foi superior a 8 na importância, conhecimento e preocupação.
Os docentes mostraram uma média superior a 8 na importância e preocupação, e uma média igual ou superior a 7 na ação e conhecimento. Quanto aos alunos, a importância foi percebida com uma média superior a 7, seguida de conhecimento e preocupação superior a 6, enquanto a ação foi avaliada como a menos evidente, inferior a 6.
Por fim, os encarregados de educação obtiveram uma importância e preocupação médias superiores a 7, e o conhecimento e ação médio superior a 6.
Importância | Conhecimento | Preocupação | Ação | ||
---|---|---|---|---|---|
Diretores | Média | 7,86 | 7,21 | 7,78 | 6,97 |
DP | 2,22 | 2,5 | 2,22 | 2,28 | |
Coordenadores de Educação para a Saúde | Média | 7,86 | 7,44 | 7,75 | 7,30 |
DP | 2,16 | 2,25 | 2,2 | 2,32 | |
Psicólogos | Média | 8,51 | 8,47 | 8,44 | 7,94 |
DP | 1,88 | 1,91 | 1,93 | 2,17 | |
Docentes | Média | 8,01 | 7 | 8,12 | 7,17 |
DP | 2,12 | 1,93 | 1,68 | 1,75 | |
Alunos | Média | 7,17 | 6,27 | 6,69 | 5,99 |
DP | 2,34 | 2,39 | 2,48 | 2,44 | |
Encarregados de Educação | Média | 7,36 | 6,19 | 7,14 | 6,18 |
DP | 2,24 | 2,42 | 2,37 | 2,43 |
A avaliação da importância do "Observatório de Saúde e Bem-estar: Monitorização e Ação" obteve um valor médio superior a 8 (8,29±1,84), juntamente com as suas atividades, destacando-se as recomendações resultantes do estudo de monitorização da saúde psicológica e bem-estar (8,04±2,09) e a realização bianual do estudo de monitorização da saúde psicológica e bem-estar nas escolas portuguesas (8,22±2).
Quanto à execução de ações ou medidas para promover a saúde psicológica e o bem-estar em diferentes agrupamentos de escolas, os resultados indicam que a implementação ocorreu em níveis comparáveis, tanto durante a pandemia (6,68±2,25) para enfrentar os desafios dessa situação, quanto durante o estudo de monitorização da saúde psicológica e bem-estar nas escolas portuguesas (6,42±2,25). As médias são superiores a 6 em ambos os casos, mas mais elevado na implementação de medidas relacionadas com a pandemia.
Discussão
O presente estudo deu origem a diversas conclusões pertinentes para uma compreensão mais profunda do panorama nacional da saúde psicológica e bem-estar dos alunos e professores no contexto escolar. Os diversos intervenientes do ecossistema escolar revelam uma preocupação generalizada com a evolução dos indicadores de saúde mental e de bem-estar no ambiente educacional, variáveis essenciais para o pleno desenvolvimento (Matos et al., 2021; OCDE, 2015).
Conforme o que já havia sido documentado na literatura, verificou-se uma diminuição dos indicadores de saúde psicológica e bem-estar dos alunos, especialmente do sexo feminino e dos alunos mais velhos (Matos et al., 2022). Outro fator importante a ser destacado é o desencanto dos professores em relação à profissão, caracterizado pelo excesso de burocracia e a falta de tempo. A satisfação e o bem-estar dos professores são cruciais para proporcionar um ambiente educacional saudável. Por sua vez, ambientes educacionais saudáveis impactam positivamente a saúde e bem-estar dos seus intervenientes (Goldberg et al., 2019; Gaspar et al., 2020).
Os resultados qualitativos deste estudo permitiram constatar uma concordância geral com os resultados do estudo anterior apresentado, no âmbito Saúde Psicológica e Bem-estar nas Escolas (Matos et al., 2022), por parte dos diretores, coordenadores de educação para a saúde, psicólogos, docentes, alunos e encarregados de educação.
Os participantes confirmam um agravamento dos indicadores de saúde mental e do bem-estar dos alunos, sobretudo no género feminino e nos alunos mais velhos, nomeadamente sinais de ansiedade, depressão e repercussões no mal-estar físico, com dificuldades ao nível do sono, com menor tolerância à frustração, mais desinteressados, desmotivados, e menos ativos. Resultados semelhantes são reportados em estudos internacionais conduzidos durante a pandemia, que ressaltam um aumento da sintomatologia psicopatológica nos jovens, com destaque para uma maior vulnerabilidade no sexo feminino (Hawes et al., 2022; Kapetanovic et al., 2021; Magson et al., 2021). A nível nacional, os resultados do estudo HBSC permitem corroborar estes dados, com um aumento da estimativa da percentagem de jovens que reportam sintomas de mal-estar psicológico (irritabilidade, tristeza e nervosismo, medo), que passou de 9,6-13,6%, em 2018, para 11,6-21% em 2022.
Nos docentes verificou-se um cenário semelhante, com relatos de cansaço e desmotivação em relação à profissão, excesso de burocracia e escassez de tempo. Também se observou uma preocupação em relação à saúde mental e bem-estar dos assistentes operacionais. No geral a literatura revela um cenário de cansaço, desmotivação e sobrecarga da classe docente (Baker et al., 2021). Segundo Robinson et., (2022) os inúmeros desafios desencadeados pela pandemia aos profissionais da educação estimularam o surgimento de múltiplos stressores pessoais e profissionais que colocaram em risco a sua saúde psicológica e bem-estar. Estes dados reforçam uma necessidade premente na implementar medidas de apoio que visem não só mitigar os efeitos negativos da pandemia na saúde mental dos jovens, mas também do ecossistema escolar como um todo, envolvendo todos os seus atores, nomeadamente, pessoal docente, não docente e famílias (Baker et al., 2021).
Relativamente à adoção de medidas e implementação de recomendações produzidas no estudo anterior, diversos participantes reportaram já estar a aplicar medidas de promoção de saúde psicológica e bem-estar. De acordo com os resultados, as principais estratégias utilizadas foram: a promoção de relações próximas com as autarquias, centros de saúde, comunidade e serviços escolares; a implementação de projetos; a proposta de ações de priorização para o bem-estar psicológico dos alunos e docentes; e uma maior aproximação das escolas às famílias através dos gabinetes de apoio à família ou gabinetes de psicologia.
As medidas implementadas, reportadas pelos participantes, como a criação de relações próximas com as autarquias, centros de saúde, famílias e outros serviços escolares, demonstram-se ser fundamentais para a promoção do bem-estar dos alunos e professores, enquanto medidas de ação consertada e global (UNESCO, 2015). Destaca-se a importância do trabalho conjunto entre todos os elementos do ecossistema escolar, através, por exemplo da formação de diretores e professores, da auscultação dos alunos e da criação de um clima escolar saudável. Salientou-se, também, a necessidade de intervenções precoces e a valorização do trabalho extra dos professores.
Este estudo adota uma visão abrangente dos desafios enfrentados pelos alunos e professores, cuja resolução dependerá do apoio ativo dos agrupamentos de escolas na implementação das recomendações, da sensibilização e capacitação dos intervenientes para a aplicação de medidas e estratégias promotoras de saúde psicológica e bem-estar. Embora exista uma preocupação crescente com os assuntos do âmbito da saúde mental em Portugal (Gaspar et al., 2019, 2022), é fundamental traduzir esta atenção em ações práticas que beneficiem a comunidade escolar.
Tendo por base as conclusões dos estudos desenvolvidos, evidencia-se uma necessidade premente para a abordagem de questões relacionadas com a saúde psicológica e o bem-estar dos alunos e dos docentes. Observou-se um agravamento dos indicadores de saúde mental, sobretudo entre o género feminino e alunos mais velhos.
As principais problemáticas descritas foram: sinais de ansiedade e depressão; menor tolerância à frustração; maior desinteresse; desmotivação e inércia. Adicionalmente, destacou-se um desencanto dos docentes em relação à sua profissão, agravado pelo excesso de burocracia e falta de tempo, com impactos nefastos para a sua saúde psicológica e bem-estar.
Algumas estratégias sublinhadas para a promoção da saúde psicológica e bem-estar em contexto escolar incluem: a relação de proximidade com as autarquias, centros de saúde, comunidade, famílias, serviços das escolas (Serviço de Psicologia e Orientação, e Promoção e Educação para a Saúde) e implementação de projetos a nível da comunidade escolar. No entanto, persistem desafios relacionados com a operacionalização e a superação das limitações de recursos humanos, falta de tempo e burocracia. É crucial fortalecer a relação entre a escola e as famílias, capacitar os pais, envolver ativamente a comunidade e valorizar o trabalho dos docentes, bem como fornecer soluções específicas e diferenciadas. A ausência de reconhecimento pelo trabalho extra dos docentes e a necessidade de promover uma abordagem de ação efetiva também surgem como pontos críticos.
Destaca-se a importância da informação, da preocupação, do conhecimento e da ação, identificando-se a "ação" como a área mais débil no ecossistema escolar. É consensual que é necessário traduzir os conhecimentos em medidas concretas e eficazes que promovam transformações significativas. Reconhece-se o "Observatório de Saúde Psicológica e Bem-estar: Monitorização e Ação" com alta importância, especialmente pelas suas recomendações. Este estudo chama a atenção para a necessidade urgente de ação coordenada e eficaz para enfrentar os desafios significativos que afetam a saúde psicológica e bem-estar na comunidade escolar.
Para a continuidade do trabalho agora iniciado, destaca-se a necessidade de apoiar os agrupamentos de escolas na implementação das recomendações, através do reforço dos recursos e do tempo adequados, bem como disponibilização de medidas práticas com instruções claras. É, também, crucial sensibilizar e partilhar informações sobre a promoção da saúde psicológica e do bem-estar das crianças e jovens com os seus encarregados de educação, a par de uma capacitação para a promoção de competências socioemocionais. Por fim, é essencial recuperar o défice de assistentes operacionais e psicólogos nas instituições de ensino.
Com base nos resultados dos estudos realizados pelo Observatório da saúde psicológica e bem-estar, recomenda-se a implementação de uma estratégia integrada de promoção de competências socioemocionais e saúde psicológica nas escolas, solidamente embasada em evidências científicas e em medidas promotoras de saúde psicológica e bem estar, tais como: a introdução da aprendizagem explícita de competências socioemocionais no currículo, a iniciar na educação pré-escolar; a participação ativa dos alunos; o incentivo a ambientes escolares saudáveis; o desenvolvimento de competências socioemocionais dos professores, diretores e outros intervenientes no ecossistema escolar; o estabelecimento de um sistema de monitorização e avaliação dos indicadores de saúde psicológica e bem-estar; a criação de parcerias autênticas com famílias e comunidades, promovendo a partilha de boas práticas; e, por fim, a introdução à promoção de competências socioemocionais e o autocuidado na formação inicial dos futuros educadores e professores.
Para a concretização das recomendações propõem-se diversas estratégias. Nomeadamente, a realização de debates nas escolas que permitam a identificação de pontos fortes e fracos, com especial foco na educação pré-escolar, no agravamento da situação com a progressão escolar, nas diferenças de género e regionais, e na experiência dos docentes com mais tempo de serviço. Igualmente importante, a concretização de ações de sensibilização e formação em literacia em saúde psicológica, para alunos, professores e gestores escolares, promovendo o autocuidado.
A monitorização e avaliação regulares a nível nacional devem abranger competências socioemocionais, bem-estar, saúde psicológica e ambiente escolar, com foco na melhoria contínua das práticas pedagógicas. Adicionalmente, a promoção de um ambiente escolar favorável através da coesão social, segurança, diálogo, participação e cooperação entre alunos, professores, direções e familiares é um ponto essencial. É ainda determinante promover as escolas como "locais de trabalho saudáveis", com a inclusão dessa temática na formação inicial de educadores e professores.
De modo a apoiar os docentes e os restantes atores do ecossistema escolar, propõe-se o desenvolvimento de programas de prevenção de riscos psicossociais e promoção do bem-estar. No âmbito dos serviços, sugere-se a identificação e otimização da gestão de redes de atendimento em saúde psicológica a nível regional, fortalecendo redes de psicólogos a nível nacional e regional, e disponibilizando recursos através de plataformas digitais.
Sugere-se, também, uma ação concertada com as direções das escolas, visando sensibilizá-las para a importância do clima escolar e o bem-estar de alunos e professores. Revela-se fundamental efetuar um mapeamento nacional dos recursos das escolas, promovendo a partilha de boas práticas na promoção da saúde psicológica e competências socioemocionais. Por fim, propõe-se um acompanhamento e monitorização à implementação das recomendações nas escolas, com a repetição deste estudo a cada 2 anos, a próxima em 2024.
Contribuição dos autores
Margarida Gaspar de Matos: Conceptualização, Análise dos dados, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Cátia Branquinho: Análise dos dados, Redação - revisão e edição.
Catarina Noronha: Redação do rascunho original.
Bárbara Moraes: Redação do rascunho original.
Tânia Gaspar: Redação - revisão e edição.
Nuno Neto Rodrigues: Conceptualização, Redação - revisão e edição.