A infecção pelo novo coronavírus ocorreu rapidamente de forma global, sendo declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020 (Inauen & Zhou, 2020). Com o avanço da pandemia, algumas medidas de prevenção da transmissão do vírus foram adotadas: etiqueta respiratória, uso de máscaras faciais, higienização das mãos e distanciamento físico (Adhikari et al., 2020). Grupos populacionais distintos demonstraram diferentes estratégias de enfrentamento frente à pandemia, tais como resiliência, adaptação e suporte social (Inauen & Zhou, 2020).
O isolamento social é recomendado para evitar a propagação do vírus. Porém, nos idosos, tal medida pode causar inúmeros eventos adversos, como ansiedade, depressão, agravo dos distúrbios cognitivos e aumento do risco cardiovascular (Armitage & Nellums, 2020). Chhetri et al., juntamente com a International Association for Gerontology and Geriatrics-Asia/Oceania region elaboraram um guia para ajudar na prevenção da COVID-19 em idosos. Dentre as recomendações estão: dormir o tempo necessário, alimentar-se bem, praticar exercícios físicos, manter o distanciamento físico (mantendo o contato social de outras maneiras), manter-se otimista, pedir ajuda de parentes e amigos se precisar comprar remédios ou comida, tomar sol suficiente para aumentar os níveis de vitamina D, lavar bem as mãos e ir ao hospital caso tenha algum sintoma grave (Chhetri et al., 2020).
Com o período prolongado de permanência no domicílio, houve tendência à diminuição da atividade física e mudanças nos hábitos alimentares (Martínez-de-Quel et al., 2021; Steele et al., 2020). Estudo com 1.012 adultos dos Emirados Árabes, mostrou que a maior parte dos entrevistados manteve o peso, comeram mais alimentos preparados em casa, não pularam as refeições e ingeriram mais água em relação ao período pré-pandemia. Apenas 0,7% avaliou negativamente sua própria saúde. Houve aumento na frequência de indivíduos ativos durante a pandemia, e aqueles que realizavam mais de 3 vezes por semana foram os que mais perderam ou mantiveram peso. Além disso, a qualidade do sono diminuiu (Ismail et al., 2020). Estudo Holandês com 1.128 idosos, obteve como resultado que a maioria dos participantes realizou menos atividade física que o habitual. Em relação aos hábitos alimentares, houve mais pessoas que ganharam peso e ingeriram mais petiscos (Visser et al., 2020).
Um indicador amplamente utilizado em inquéritos de saúde desde os anos 50, e que se relaciona fortemente com desfechos negativos em saúde, é a autoavaliação de saúde (Bamia et al., 2017). Estudo canadense com 6.789 adultos, avaliou a relação entre comportamentos de saúde e autoavaliação de saúde e verificou que o tabagismo, a ingestão inadequada de frutas e vegetais, sono insuficiente e baixos níveis de atividade física, relacionaram-se negativamente com autoavaliação de saúde, independente de idade, renda, escolaridade e sexo (Riediger et al., 2019). Dados de 315 adultos israelenses mostraram que aproximadamente metade dos participantes auto reportaram declínio na saúde física e mental durante o primeiro mês de pandemia da COVID-19. A autoavalição de saúde é considerada uma medida multidimensional, ou seja, envolve diferentes aspectos da vida, dentre eles: estilo de vida, características sociodemográficas, saúde física e mental (Meireles et al., 2015).
Além de todas as mudanças físicas causadas indiretamente pela COVID-19, a saúde mental e, consequentemente a memória, podem sofrer alterações durante o período de isolamento social. Dentre todos os aspectos cognitivos, a memória é a que se apresenta com maior frequência como queixa entre os idosos, sendo de suma importância avaliar a percepção subjetiva do indivíduo acerca da própria memória (Bernardes et al., 2017). A avaliação subjetiva da memória tem sido bastante utilizada em estudo com idosos, pois pode ser um marcador de futuro declínio cognitivo objetivo e está relacionada com dependência funcional para as atividades de vida diárias e com maior número de acidentes domésticos devido a comportamentos de risco (Cordier et al., 2019). As alterações de memória podem sofrer influência de aspectos sociodemográficos, econômicos, biológicos e psicológicos (Mendes et al., 2015).
A perda de memória é um grande desafio de saúde pública e causa consequências na vida do indivíduo, dos familiares e da comunidade. Com o propósito da detecção precoce da perda de memória e estratégias de enfrentamento dos sintomas, principalmente na atenção primária de saúde, a autoavaliação da memória torna-se uma medida simples e viável para a primeira identificação de um problema subjetivo de memória (Chen et al., 2018). Estudo brasileiro com 2.314 adultos mostrou que 30% dos participantes possuíam queixas subjetivas de memória durante a pandemia da COVID-19 (Feter et al., 2021). Pesquisa realizada com 1.215 adultos na Itália, encontrou que a cognição subjetiva piorou durante o lockdown em comparação ao período anterior, mas houve melhora da memória, especificamente, avaliada pelo questionário “Prospective and Retrospective Memory Questionnaire” (Fiorenzato et al., 2021).
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi verificar a associação da autoavaliação da saúde e da memória com a manutenção de hábitos de vida, em indivíduos adultos e idosos durante a pandemia da COVID-19, no período inicial da pandemia. Espera-se que os hábitos de vida de adultos e idosos tenham sofrido alterações durante a pandemia e que aqueles que mantiveram hábitos considerados saudáveis, avaliem melhor sua saúde e memória.
Método
Participantes
Foi realizado um estudo transversal que utilizou dados secundários da pesquisa “Pandemia de COVID-19: percepção de risco, apoio e estratégias de enfrentamento de adultos e idosos”. Foram incluídos na pesquisa 1149 adultos acima de 18 anos, de nacionalidade brasileira (n=985) ou portuguesa (n=164) que residiam no Brasil ou Portugal. Ressalta-se que os dois países possuem localizações geográficas, condições econômicas e sociodemográficas diferentes, além de estarem em semanas epidemiológicas diferentes, mas ambos no início da pandemia. Os participantes deveriam viver em localidade onde tenha sido decretado isolamento/distanciamento social em algum momento, e não ter tido suspeita ou confirmação de diagnóstico de COVID-19. Não participaram da pesquisa indivíduos com diagnóstico confirmado de COVID-19.
Para a coleta de dados foi selecionada uma amostra de participantes por conveniência pela técnica snowball sampling, em que sujeitos que responderam à pesquisa levaram a outros respondentes e assim por diante (Shafie, 2010). Os indivíduos foram convidados via redes sociais a responder as questões propostas, sendo enviado um link de acesso àquelas que manifestaram interesse em participar. Os questionários on-line permitiam apenas respostas fechadas e eram autoaplicáveis.
O estudo “Pandemia de COVID-19: percepção de risco, apoio e estratégias de enfrentamento de adultos e idosos” foi registrado na Plataforma Brasil sendo aprovado em treze de maio de 2020. Já o estudo “Pandemia de COVID-19: percepção de risco, apoio e estratégias de adaptação psicológica em adultos/as e idosos/as” foi submetido à comissão de Ética correspondente e aprovado em 03 de junho de 2020 com a referência. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa no dia 10 de maio de 2021 e registrado na Plataforma Brasil.
Material
No presente estudo foram analisadas as variáveis descritas abaixo.
Variáveis sociodemográficas - idade, sexo, nacionalidade, escolaridade, estado civil e renda pessoal em faixas salariais, levando em consideração o salário mínimo de cada localidade.
Autoavaliação geral de saúde e de memória atual - coletadas por meio da questão autoaplicável: em geral, você diria que sua saúde/memória, atualmente é: excelente, muito boa, boa, razoável, péssima (Campolina, 2011). Para análise estatística as respostas foram agrupadas em positivas (excelente, muito boa e boa) e negativas (razoável e péssima).
Hábitos de vida durante a pandemia - manutenção de atividades físicas, qualidade do sono, alimentação saudável e atividades intelectuais, com cinco opções de resposta: discordo totalmente, discordo, não concordo nem discordo, concordo fortemente e concordo. Os indivíduos que responderam “não concordo nem discordo” foram excluídos visto que a proposta da pesquisa é avaliar a mudança ou manutenção dos hábitos de vida durante a pandemia.
Análise de dados
Para caracterizar a população investigada foram calculadas as frequências absolutas e relativas das variáveis categóricas, bem como a média e desvio-padrão para a idade dos participantes. A relação entre a autoavaliação de saúde e memória com as variáveis de interesse foi verificada pelo teste do qui-quadrado de Pearson, considerando um nível de significância de 5%. Também foram estimadas as razões de chance brutas e ajustadas pelas variáveis sociodemográficas, e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
Resultados
A média de idade dos adultos foi 39,95 (±11,66) enquanto a dos idosos foi 68,14 anos (±5,89). Em ambos os grupos houve maior número de mulheres (80,7% e 66,8%) e indivíduos casados ou que residem com companheiro (57,5% e 59,1%). Em relação à escolaridade, a maioria dos adultos possuía pós-graduação (53,3%) e, para os idosos, observou-se maior frequência daqueles com ensino superior (42,9%). Para a autoavaliação de saúde e de memória, a maioria dos relatos foi positiva em ambos os grupos - mais de 80% e de 70%, respectivamente (Quadro 1).
Quanto aos hábitos de vida, a maioria dos adultos e idosos relatou que, durante a pandemia, manteve uma alimentação saudável (73,6% e 94,2%), mentalmente ativo (85,4% e 96,5%) e com boa qualidade do sono (62,7% e 86,4%). A maioria idosos manteve atividades físicas (76,3%), enquanto para os adultos esse percentual foi menor (49,0%) (Quadro 1).
O Quadro 2 mostra a prevalência de autoavaliação de saúde positiva e sua associação com variáveis sociodemográficas e hábitos de vida durante a pandemia da COVID-19. Houve uma diferença em relação às variáveis localidade, escolaridade, renda, manutenção de alimentação saudável, atividade física, atividades mentais e qualidade do sono em ambos os grupos. Para o estado civil essa diferença ocorreu apenas para indivíduos idosos.
Variáveis | Adultos n (%) | Idosos n (%) |
Idade Média (DP) | 39,95 (±11,66) | 68,14 (±5,89) |
Localidade Brasil Portugal | 715 (92,6) 57 (7,4) | 270 (71,8) 106 (28,2) |
Sexo Feminino Masculino | 623 (80,7) 149 (19,3) | 251 (66,8) 125 (33,2) |
Estado civil Solteiro Casado ou reside companheiro Divorciado/Separado Viúvo | 259 (33,5) 444 (57,5) 63 (8,2) 6 (0,8) | 31 (8,2) 222 (59,1) 67 (17,8) 56 (14,9) |
Escolaridade Ensino fundamental Ensino médio ou profissionalizante Ensino superior Pós-graduação | 15 (1,9) 82 (10,6) 263 (34,1) 411 (53,3) | 29 (7,8) 40 (10,8) 159 (42,9) 143 (38,5) |
Renda Até 2 SM 2 a 5 SM 5 a 10 SM > 10 SM | 184 (23,8) 209 (27,1) 217 (28,1) 162 (21,0) | 34 (9,1) 120 (31,9) 119 (31,6) 103 (27,4) |
Autoavaliação de saúde Regular/ruim/muito ruim Boa/muito boa | 87 (11,3) 685 (88,7) | 59 (15,7) 317 (84,3) |
Autoavaliação de memória Regular/ruim/muito ruim Boa/muito boa | 210 (27,2) 562 (72,8) | 80 (21,3) 296 (78,7) |
Manteve alimentação saudável Discordo totalmente/discordo Concordo fortemente/concordo | 204 (26,4) 568 (73,6) | 22 (5,8) 354 (94,2) |
Manteve atividade física Discordo totalmente/discordo Concordo fortemente/concordo | 394 (51,0) 378 (49,0) | 89 (23,7) 287 (76,3) |
Manteve ativo mentalmente Discordo totalmente /discordo Concordo fortemente/concordo | 113 (14,6) 659 (85,4) | 13 (3,5) 363 (96,5) |
Manteve qualidade do sono Discordo totalmente/discordo Concordo fortemente/concordo | 288 (37,3) 484 (62,7) | 51 (13,6) 325 (86,4) |
Os resultados da regressão logística bruta e ajustada pelas variáveis sociodemográficas são mostrados no Quadro 3. Entre os adultos, somente a manutenção de uma boa alimentação associou-se positivamente à melhor percepção subjetiva da saúde (OR=1,22; IC: 1,01-1,46 ). Já nos idosos, não foi observada relação estatisticamente significativa entre hábitos de vida e autoavaliação de saúde.
Variáveis | Adultos | Idosos | ||
---|---|---|---|---|
n (%) | p-valor | n (%) | p-valor | |
Localidade | 0,015* | <0,001* | ||
Brasil | 640 (89,5) | 239 (88,5) | ||
Portugal | 45 (78,9) | 78 (73,6) | ||
Sexo | 0,274 | 0,908 | ||
Masculino | 136 (91,3) | 105 (84,0) | ||
Feminino | 549 (88,1) | 212 (84,5) | ||
Estado civil | 0,115 | 0,041* | ||
Solteiro | 220 (84,9) | 29 (93,5) | ||
Casado ou reside companheiro | 403 (90,8) | 192 (86,5) | ||
Divorciado/separado | 57 (90,5) | 55 (82,1) | ||
Viúvo | 5 (83,3) | 41 (73,2) | ||
Escolaridade | 0,001* | 0,001* | ||
Ensino fundamental 1 | 1 (50,0) | 4 (66,7,6) | ||
Ensino fundamental 2 | 9 (69,2) | 15 (65,2) | ||
Ensino médio ou profissional | 65 (79,3) | 31 (77,5) | ||
Ensino superior | 233 (88,6) | 130 (81,8) | ||
Pós-graduação | 376 (91,5) | 134 (93,7) | ||
Renda | <0,01* | 0,006* | ||
Até 2 SM | 142 (77,2) | 26 (76,5) | ||
2 a 5 SM | 187 (89,5) | 92 (76,7) | ||
5 a 10 SM | 210 (96,8) | 104 (87,4) | ||
> 10 SM | 146 (90,1) | 95 (92,2) | ||
Manteve alimentação saudável | <0,01* | <0,01* | ||
Discordo totalmente/discordo | 153 (75,0) | 11 (50,0) | ||
Concordo fortemente/concordo | 532 (93,7) | 306 (86,4) | ||
Manteve atividade física | <0,01* | <0,01* | ||
Discordo totalmente/discordo | 333 (84,5) | 64 (71,9) | ||
Concordo fortemente/concordo | 352 (93,1) | 253 (88,1) | ||
Manteve ativo mentalmente | <0,01* | 0,022* | ||
Discordo totalmente/discordo | 87 (77,0) | 8 (61,5) | ||
Concordo fortemente/concordo | 598 (90,7) | 309 (85,1) | ||
Manteve a qualidade do sono | <0,01* | 0,004* | ||
Discordo totalmente/discordo | 238 (82,6) | 36 (70,6) | ||
Concordo fortemente/concordo | 447 (92,4) | 281 (86,5) |
A prevalência de autoavaliação de memória positiva e sua associação com variáveis sociodemográficas e manutenção de hábitos de vida durante a pandemia é apresentada no Quadro 4. Para ambos os grupos houve uma diferença estatisticamente significativa entre autoavaliação da memória e as variáveis renda, manutenção de alimentação saudável, atividade física, atividades mentais e qualidade do sono. Os adultos também apresentaram diferença significativa em relação ao sexo e escolaridade; e nos idosos foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa para localidade e estado civil.
As razões de chance brutas e ajustadas pelas variáveis sociodemográficas estão descritas no Quadro 5. Os adultos que mantiveram bons hábitos de vida durante a pandemia apresentaram maior chance de avaliar a sua memória como positiva. Já nos idosos, apenas manter-se ativo mentalmente apresentou relação com autoavaliação de memória positiva.
Adultos | Idosos | |||
---|---|---|---|---|
Variáveis | Análise bruta | Análise ajustada* | Análise bruta | Análise ajustada* |
OR (IC95%) | OR (IC95%) | OR (IC95%) | OR (IC95%) | |
Manteve alimentação saudável | ||||
Discordo total./discordo | 1 | 1 | 1 | 1 |
Concordo fort./concordo | 1,24 (1,04-1,49) | 1,22 (1,01-1,46) | 1,73 (0,94-3,15) | 1,63 (0,88-3,00) |
Manteve atividade física | ||||
Discordo total./discordo | 1 | 1 | 1 | 1 |
Concordo fort./concordo | 1,10 (0,94-1,27) | 1,09 (0,94-1,28) | 1,22 (0,93-1,61) | 1,27 (0,96-1,69) |
Manteve ativo mentalmente | ||||
Discordo total./discordo | 1 | 1 | 1 | 1 |
Concordo fort./concordo | 1,17 (0,94-1,47) | 1,14 (0,91-1,43) | 1,38 (0,68-2,79) | 1,29 (0,62-2,67) |
Manteve qualidade do sono | ||||
Discordo total./discordo | 1 | 1 | 1 | 1 |
Concordo fort./concordo | 1,11 (0,95-1,30) | 1,10 (0,93-1,29) | 1,22 (0,86-1,73) | 1,23 (0,87-1,77) |
Nota. *OR ajustada pelas variáveis localidade, sexo, estado civil, escolaridade e renda.
Variáveis | Adultos | Idosos | ||
---|---|---|---|---|
n (%) | p-valor | n (%) | p-valor | |
Localidade | 0,440 | 0,001* | ||
Brasil | 523 (73,1) | 224 (83,0) | ||
Portugal | 39 (68,4) | 72 (67,9) | ||
Sexo | 0,031* | 0,669 | ||
Masculino | 119 (79,8) | 100 (80,0) | ||
Feminino | 443 (71,1) | 196 (78,1) | ||
Estado civil | 0,518 | 0,037* | ||
Solteiro | 181 (69,9) | 26 (83,9) | ||
Casado ou reside companheiro | 328 (73,9) | 181 (81,5) | ||
Divorciado/separado | 49 (77,8) | 53 (79,1) | ||
Viúvo | 4 (66,7) | 36 (64,3) | ||
Escolaridade | 0,013* | 0,085* | ||
Ensino fundamental 1 | 2 (100,0) | 4 (66,7) | ||
Ensino fundamental 2 | 8 (61,5) | 17 (73,9) | ||
Ensino médio ou profissional. | 49 (59,7) | 28 (70,0) | ||
Ensino superior | 186 (70,7) | 120 (75,5) | ||
Pós-graduação | 316 (76,9) | 123 (86,0) | ||
Renda | <0,001* | 0,011* | ||
Até 2 SM | 113 (61,4) | 23 (67,6) | ||
2 a 5 SM | 147 (70,3) | 87 (72,5) | ||
5 a 10 SM | 176 (81,1) | 95 (79,8) | ||
> 10 SM | 126 (77,8) | 91 (88,3) | ||
Manteve alimentação saudável | <0,001* | 0,001* | ||
Discordo total./discordo | 108 (52,9) | 11 (50,0) | ||
Concordo fortemente/concordo | 454 (79,9) | 285 (80,5) | ||
Manteve atividade física | <0,001* | 0,001* | ||
Discordo total./discordo | 250 (63,4) | 59 (66,3) | ||
Concordo fortemente/concordo | 312 (82,5) | 237 (82,6) | ||
Manteve ativo mentalmente | <0,001* | <0,001* | ||
Discordo total./discordo | 60 (53,1) | 3 (23,1) | ||
Concordo fortemente/concordo | 502 (76,2) | 293 (80,7) | ||
Manteve a qualidade do sono | <0,001* | <0,001* | ||
Discordo total./discordo | 167 (58,0) | 29 (56,9) | ||
Concordo fortemente/concordo | 395 (81,6) | 267 (82,1) |
Adultos | Idosos | |||
---|---|---|---|---|
Variáveis | Análise bruta | Análise ajustada* | Análise bruta | Análise ajustada* |
OR (IC95%) | OR (IC95%) | OR (IC95%) | OR (IC95%) | |
Manteve alimentação saudável | ||||
Discordo total./discordo | 1 | 1 | 1 | 1 |
Concordo fort./concordo | 1,51 (1,22-1,86) | 1,48 (1,19-1,83) | 1,61 (0,88-2,94) | 1,52 (0,82-2,79) |
Manteve atividade física | ||||
Discordo total./discordo | 1 | 1 | 1 | 1 |
Concordo fort./concordo | 1,30 (1,10-1,54) | 1,29 (1,10-1,53) | 1,24 (0,93-1,65) | 1,28 (0,95-1,71) |
Manteve ativo mentalmente | ||||
Discordo total./discordo | 1 | 1 | 1 | 1 |
Concordo fort./concordo | 1,43 (1,10-1,87) | 1,38 (1,05-1,82) | 3,49 (1,21-10,90) | 3,45 (1,09-10,96) |
Manteve qualidade do sono | ||||
Discordo total./discordo | 1 | 1 | 1 | 1 |
Concordo fort./concordo | 1,40 (1,17-1,69) | 1,37 (1,14-1,65) | 1,44 (0,98-2,11) | 1,44 (0,97-2,13) |
Nota. *OR ajustada pelas variáveis localidade, sexo, estado civil, escolaridade e renda.
Discussão
Nesse estudo consideramos hábitos de vida saudáveis a manutenção de uma alimentação saudável, atividade física e mental, bem como a preservação da qualidade do sono. No conjunto dos participantes, a maioria relatou manter hábitos de vida saudáveis, exceto para a prática de atividade física que foi mantida pela maioria dos idosos, mas não dos adultos. Outros estudos mostraram que o nível de atividade física de adultos e idosos foi mantido durante a pandemia (Stanton et al., 2020; Visser et al., 2020). Além disso, estudo australiano com adultos verificou que a maior parte dos participantes não apresentou alteração do sono (Stanton et al., 2020). Corroborando nossos achados, estudos realizados na Holanda e no Chile, encontraram que os indivíduos mantiveram seus hábitos alimentares em relação ao período pré-pandemia (Reyes-Olavarría et al., 2020; Visser et al., 2020)
Destaca-se que tanto adultos quanto idosos, avaliaram sua saúde positivamente. Contrário à nossa hipótese inicial, nos adultos, apenas manter boa alimentação no período da pandemia apresentou relação positiva com autoavaliação de saúde. A alimentação pode se relacionar com autoavaliação de saúde (Abellán et al., 2016; Tanaka et al., 2020). No Japão, estudo com 6057 adultos, sobre hábitos de vida saudáveis e autoavaliação de saúde, observaram que aqueles que possuíam mais hábitos saudáveis (4 ou 5), apresentaram menor chance de avaliar sua saúde negativamente, sendo que dentre as possíveis combinações, duas delas incluíam possuir uma alimentação saudável (Tanaka et al., 2020).
Estudo com 589 adultos americanos acima dos 50 anos verificou melhor avaliação da saúde entre os que relataram menor diminuição da atividade física durante o período inicial da pandemia (Joseph et al., 2021). Segundo Borim et al. (2012), a atividade física realizada de forma regular pode prevenir doenças crônico-degenerativas, além de controlar sintomas de doenças, melhorar aptidão física e otimizar a funcionalidade para atividades. Somado aos benefícios físicos, a atividade física auxilia a melhorar aspectos sociais e psicológicos, fatores esses que contribuem para autoavaliação de saúde (Borim et al., 2012). Porém, neste estudo, não se observaram diferenças entre manutenção de atividade física na fase inicial da pandemia de COVID-19 e autoavaliação de saúde, o que pode ser parcialmente explicado pelo fato de que a atividade física não foi mensurada em frequência ou intensidade, visto que essas medidas podem influenciar nas variáveis relacionadas a bem-estar (Hu et al., 2020).
A qualidade do sono se relaciona fortemente com autoalivação de saúde tanto em homens quanto em mulheres (Riediger et al., 2019). Durante a pandemia de COVID-19, a autoavaliação de saúde geral negativa relacionou-se com insônia, ansiedade e depressão (McCracken et al., 2020). Barros et. al. (2020), realizaram estudo no contexto da pandemia de COVID-19 com idosos brasileiros e encontraram diferenças entre problemas de sono comparando adultos e idosos. Em tal estudo, adultos jovens apresentaram piora duas vezes maior em problemas prévios de sono quando comprados com idosos (Barros et al., 2020). Neste estudo não foram encontradas relações entre razão de chance no quesito qualidade de sono e autoavaliação de saúde, porém, já é descrito na literatura que a manutenção do tempo de sono adequado pode auxiliar os indivíduos a manter ou melhorar sua saúde, além de estar associado com dimensões físicas, psicológicas e bem-estar do indivíduo (Lopes & Roncalli, 2020; Kim et al., 2015).
No presente estudo, os hábitos alimentares saudáveis associaram-se à melhor autoavaliação de memória em adultos. Revisão sistemática sobre a relação entre qualidade da dieta e cognição apontou que indivíduos que consumiam mais frutas e vegetais apresentaram melhor status cognitivos quando comparados aqueles que consumiam menos. O estudo destaca a importância da qualidade da dieta, não apenas na saúde física, mas também na saúde cognitiva e mental, e nesta perspectiva, as queixas do desempenho da memória podem estar mais diretamente ligadas a fatores psicológicos como ansiedade, depressão e alta exigência pessoal, que são mais prevalentes nos adultos quando comparados aos idosos (Kerstin et al., 2020).
Em relação à associação entre manutenção de atividade física e autoavaliação de memória positiva nos adultos, resultados semelhantes foram verificados com 128.925 adultos americanos acima dos 45 anos. A prevalência de declínio cognitivo subjetivo apresentou uma associação negativa com atividade física, ou seja, quanto mais ativo o indivíduo, menor a prevalência de queixas de declínio cognitivo subjetivo (Omura et al., 2020). É importante ressaltar que a atividade física é um fator de proteção para demência, além do declínio cognitivo subjetivo estar associado com o aumento do risco de desenvolvimento de demência (Chen et al., 2018). Muitos idosos avaliam sua memória com crenças e estereótipos negativos presentes no processo de envelhecimento, o que pode ter influenciado na associação não significativa das variáveis de hábitos de vida e autoavaliação da memória.
Melhor autoavaliação de memória foi verificada entre os adultos que preservaram a qualidade do sono. Sabe-se que as duas variáveis independentes são colineares e que a falta de sono reduz a atividade plástica do cérebro, alterando a concentração, memória e humor. Estudo realizado na China com 203.082 indivíduos acima de 19 anos mostrou que aqueles que relatam pior qualidade de sono apresentam mais declínio cognitivo subjetivo (Lee et al., 2020).
Para os idosos, apenas manter-se ativo mentalmente relacionou-se com autoavaliação de memória positiva. Usualmente os outros hábitos de vida não são relacionados como fatores de risco para desenvolvimento de demência, mostrando a importância de aumentar o conhecimento da população acerca da prevenção de demência (Montiel-Aponte et al., 2021). Curiosamente, os idosos parecem estar mais adaptados para lidar com a situação de distanciamento social e, portanto, não apresentaram associação entre autoavaliação da memória e hábitos de vida saudável, exceto manutenção de atividades mentais. Além disso, existem crenças e atribuições pré-existentes sobre a maioria dos idosos considerarem a perda de memória algo natural do envelhecimento. Justifica-se porque os adultos apresentaram maior mudança no trabalho, na vida social e na vida pessoal.
Quanto às limitações, deve-se considerar a estratégia de amostragem adotada pela pesquisa - questionário virtual com os participantes recrutados por amostragem do tipo bola de neve virtual - e o acesso ao questionário on-line e auto aplicado, excluindo participantes que não tinham acesso à internet ou que não consigam utilizá-la independentemente. As perguntas de autorrelato para hábitos de vida podem superestimar as respostas, favorecendo a respostas mais aceitas socialmente. Neste sentido, pessoas com piores condições de vida e com baixo nível de instrução foram sub-representadas, o que explicaria, em parte, as poucas relações observadas entre a autoavaliação de saúde e de memória, particularmente nos idosos. Inquérito online nacional, possibilitou conhecer as condições de saúde da população durante a pandemia, sem grandes diferenças entre as estimativas obtidas por outras modalidades de pesquisa (domiciliar ou telefônica) (Szwarcwald et al., 2021). O desenho transversal não permite interpretar as associações observadas entre autoavaliação de saúde e memória com hábitos de vida saudáveis como causais.
A COVID-19 influenciou de forma direta e indireta os hábitos de vida da população adulta e idosa residente em diferentes localidades. Na população estudada, os adultos que mantiveram uma alimentação saudável relataram autoavaliação da saúde positiva. Em relação a autoavaliação da memória, os adultos com hábitos de vida saudáveis durante o período de quarentena apresentaram maior chance de melhor avaliar a sua memória do que aquelas que não preservaram tais hábitos. Esse resultado reforça a importância de estratégias voltadas para a população durante a pandemia, com a finalidade de manter comportamentos de saúde e proporcionar o bem-estar dos indivíduos.
Contribuição dos autores
Marcela Silva: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Priscila Francisco: Análise formal; Metodologia; Administração do projeto; Validação; Redação - revisão e edição.
Samila Batistoni: Administração do projeto; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Meire Cachioni: Administração do projeto; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Bibiana Fabre: Administração do projeto; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Deusivania Falcão: Administração do projeto; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Constança Paúl: Administração do projeto; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Pedro Rocha: Administração do projeto; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Flávia Borim: Administração do projeto; Curadoria dos dados; Supervisão; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.