A satisfação materna no parto está relacionada, dentre outros fatores, às expectativas e experiências pessoais da mulher (Imtithal Adnan et al., 2020). As expectativas maternas no parto são individuais, construídas a partir de elementos como histórias sobre partos, medos, visões da sociedade e valores culturais (Türkmen et al., 2021).
A experiência do parto pode ser definida como a autoavaliação do evento, tendo como um dos elementos a realização das expectativas, além da confiança e controle pessoal por meio de envolvimento na tomada nas decisões, mesmo quando intervenções médicas são necessárias ou desejadas (Hollander et al., 2017; World Health Organization [WHO], 2018). É um julgamento baseado em valor que resulta da comparação entre o esperado e o recebido (Imtithal Adnan et al., 2020).
A OMS se baseia na premissa que a maioria das mulheres deseja um parto fisiológico e uma experiência de parto positiva, que atenda ou exceda suas crenças e expectativas pessoais e socioculturais anteriores. Refere ainda que as intervenções nocivas de rotina são antagonistas às expectativas das mulheres sobre a experiência do parto, pois tendem a minar a confiança da mulher em sua capacidade de dar à luz (WHO, 2018). Porém a pesquisa “Nascer no Brasil”, que teve como um de seus objetivos analisar as intervenções obstétricas em mulheres de risco habitual, mostrou que o nascimento no nosso país não é uma experiência natural, pois 52% dos nascimentos foram por cesariana e apenas 5,6% das mulheres tiveram parto normal sem nenhuma intervenção (do Carmo Leal et al., 2012).
Embora o manejo clínico do parto seja essencial, é importante também dar atenção à qualidade e aos impactos emocionais dessa experiência para a mulher (WHO, 2018). Os protocolos de acompanhamento do parto são frequentemente focados na saúde física da mãe e do bebê, havendo escassez da literatura de estudos que documentem os efeitos traumáticos do processo do parto (Medeiros & do Nascimento, 2022; Rodríguez-Almagro et al., 20190).
A satisfação materna é um importante indicador para a qualidade do atendimento, além da relevância pelas possíveis consequências graves e duradouras para a vida conjugal e reprodutiva da mulher e para vínculo da mãe com bebê (Hollander et al., 2017). Compreender os fatores que contribuem para a experiência positiva no parto pode ser um instrumento para gestores, visando o acesso das mulheres à assistência adequada (Imtithal Adnan et al., 2020).
Método
Foi realizada uma revisão integrativa por meio de ampla pesquisa na literatura médica utilizando as bases de dados eletrônicas: Medline (PubMed) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), através da seguinte estratégia de busca: (("pregnant women" OR "postpartum period") AND perception AND ("childbirth experience" OR "labor obstetric"). A pesquisa às bases de dados foi realizada em julho de 2022 e incluiu artigos publicados nos últimos cinco anos. Foram incluídos artigos que abordassem a percepção das mulheres sobre a sua experiência de parto hospitalar, nas linguagens: português, inglês, espanhol e francês. Utilizou-se como critérios de exclusão artigos que tratavam de temas específicos fora do foco do estudo (via de parto, terapias alternativas, procedimentos específicos, percepção pelo profissional). No Pubmed foram encontrados 56 artigos e nas bases de dados BVS foram encontrados 13 artigos, totalizando 69 artigos. Após remoção de uma duplicação e leitura de títulos e resumos, restaram 40 estudos com texto completo que foram lidos e analisados, sendo posteriormente excluídos 25 artigos pelos critérios citados. A pesquisa finalizou com 15 fontes bibliográficas (Figura 1).
Resultados
Dos artigos selecionados, 15 estudos (4 coortes, 5 estudos qualitativos, 4 estudos transversais, 1 estudo quase experimental prospectivo e 1 metanálise) foram incluídos na análise dos resultados desta revisão integrativa (Quadro 1).
Os resultados dos estudos selecionados convergem para a demonstração que a percepção da experiência no parto é influenciada positivamente pela educação para o parto, apoio e assistência com o mínimo de intervenções. Por outro lado, é influenciada negativamente pela falha de comunicação, dor e intervenções excessivas. Portanto, foram identificados 3 grupos principais de resultados: apoio, informação/preparação para o parto e intervenções.
Artigo | Desenho do estudo | Amostra | Objetivo | Resultados |
---|---|---|---|---|
Imtithal Adnan et al. (2020) Malásia | Estudo transversal multicêntrico | 110 mulheres | Identificar as intervenções adequadas para percepção positiva da experiência do parto. | Renda familiar alta, menor risco gestacional e maior idade gestacional se associaram com maior satisfação no parto. |
Smorti et al. (2020) Itália | Qualitativo | 105 mulheres | Analisar a correlação da experiência de parto, através de comparação do vínculo mãe-bebê no pré-natal e puerpério | A qualidade do vínculo pré-natal aumenta a experiência positiva no parto e o vínculo com o recém-nascido. O parto traumático tem influência negativa no vínculo pós-natal. |
Türkmen et al. (2020) Turquia | Descritivo longitudinal | 248 mulheres | Determinar a percepção do parto traumático | A ansiedade em relação ao parto está relacionada à percepção do parto traumático |
Zamani et al. (2019) Irã | Estudo transversal | 165 mulheres | Avaliar a correlação entre apoio social e experiência do nascimento | O apoio social durante a gravidez tem efeito importante na experiência do parto da mulher. Os resultados da regressão logística mostraram que o apoio de outras pessoas significativas (p = 0,042, OR = 1,56), idade gestacional (p = 0,003, OR= 1,56) e modo de parto (p = 0,004, OR = 0,33) são variáveis preditoras da experiência do parto |
Citak Bilgin et al. (2019) Turquia | Coorte | 121 mulheres | Avaliar o efeito da educação sobre parto | A educação sistemática para o parto afetou positivamente a percepção materna sobre o parto |
Hassanzadeh et al. (2019) Irã | Coorte | 204 primíparas | Avaliar o impacto da educação pré-natal na experiência do parto | A preparação pré-natal para o parto apresentou impacto positivo na experiência do parto |
Akadri e Odelola (2018) Nigéria | Estudo transversal | 132 mulheres | Avaliar a percepção da dor no parto pela mulher | Ocupação, índice de massa corporal e peso fetal foram variáveis importantes na percepção da dor no parto. |
Taheri et al. (2018) Irã | Metanálise | 22.800 mulheres de 12 países | Identificar as intervenções adequadas para percepção positiva da experiência do parto | Estratégias bem sucedidas para criar percepção positiva da experiência: apoio durante o parto (RR= 1.35 IC95% 1,07-1,71), assistência intraparto com mínimo de intervenção (RR= 1.29 IC95% 1,15-1,45), preparação para o parto. Estratégias de relaxamento e alívio da dor não impactaram a experiência positiva do nascimento |
Dias et al. (2018) Brasil | Qualitativo | 40 puérperas | Avaliar a percepção de puérperas sobre alívio da dor | Métodos não farmacológicos para dor se associaram com percepção de alívio da dor |
Hollander et al. (2017) Holanda | Qualitativo | 2192 mulheres | Avaliar através de questionário a percepção e experiência de mulheres que tiveram parto traumático | Os fatores mais associados ao parto traumático foram: perda de controle, falha de comunicação e falta de suporte físico ou emocional. |
Lansky et al. (2017) Brasil | Estudo transversal multicêntrico | 555 mulheres | Avaliar o impacto da participação na exposição educativa Sentidos do nascimento na percepção sobre práticas inadequadas no parto | A participação na exposição contribuiu para o aumento do conhecimento das mulheres grávidas sobre o assunto, |
Feitosa et al. (2017) Brasil | Qualitativo | 14 mulheres | Avaliar a percepção sobre fatores que influenciam a escolha da via de parto | São significativas as influências do “medo da dor” e das experiências individuais e de outras mulheres para a escolha da via de parto. |
Pazandeh et al. (2017) Irã | Qualitativo | 26 mulheres | Avaliar a experiência de parto com os cuidados de rotina | A percepção do parto foi influenciada negativamente pelas intervenções. |
Bossano et al. (2017) EUA | Coorte | 576 mulheres | Avaliar as diferenças de satisfação com base no tipo de parto uma década após o parto. | Mulheres que tiveram parto vaginal relataram maior satisfação (0,40 [-0,37 a 0,92] vs 0,15 [-0,88 a 0,66], p <0,001) e menos angústia (-0,34 [- 0,88 a 0,38] vs 0,20 [-0,70 a 0,93], p <0,001) do que as que tiveram cesariana. A satisfação materna é influenciada pelo tipo de parto. A experiência do parto deixa impressão nas mulheres por mais de uma década. |
Akca et al. (2016) Turquia | Coorte | 142 mulheres | Avaliar o efeito da educação sobre parto | A educação sobre o parto se associou com menos dor, melhor comunicação com a equipe e maior participação na tomada de decisões. |
As variáveis observadas nos diversos estudos foram: percepções de cuidado à saúde, morbidades, controle, autonomia, confiança, tipo de parto, dor e medo.
Apoio
Quanto ao cuidado, um estudo com 110 participantes relacionou as expectativas e experiências pessoais maternas com os fatores associados à satisfação no parto. As mulheres com alta renda familiar tendiam a ter maiores expectativas de cuidados e maior satisfação com o parto. Concluiu que a maior satisfação materna está relacionada com a atitude dos cuidadores e com a assistência mais centrada na mulher (Imtithal Adnan et al., 2020).
Um estudo transversal incluindo 165 mulheres de risco habitual, em fase latente de trabalho de parto, observou por meio das entrevistas realizadas duas horas após o nascimento, que o apoio profissional foi o fator mais associado à experiência positiva do parto. A falta ou perda do controle foi mais frequentemente percebida como uma das principais causas de trauma, corroborando com a importância da interação com os cuidadores, por meio de comunicação, explicação, escuta e apoio. A idade gestacional mais avançada e o parto vaginal espontâneo também foram variáveis preditoras da percepção da experiência positiva do parto no estudo (Hollander et al., 2017).
Da mesma forma, pesquisa retrospectiva que incluiu 2192 mulheres com experiências traumáticas no parto concluiu que a falta de apoio emocional ou prático dos cuidadores foi um dos principais fatores que contribuíram para a percepção negativa do parto, seguido de perda de controle e falta de comunicação. Inclusive a interação em torno das intervenções no parto pareceu ser mais importante que as próprias intervenções (Zamani et al., 2019).
Taheri et al. (2018) corroboram com esses achados através de revisão realizada com o objetivo de identificar as intervenções bem-sucedidas para a percepção positiva da experiência do parto. Encontraram quatro categorias de estratégias que foram preparação para o parto, relaxamento e alívio da dor durante o parto, intervenção mínima e o apoio à mulher durante o trabalho de parto, através de familiares e de cuidados obstétricos contínuos.
Smorti et al. (2020) incluíram em seu estudo 105 mulheres, entrevistadas entre 31 a 32 semanas de gestação e no pós-parto, com o objetivo de explorar a relação entre a vinculação pré-natal e pós-natal materna ao feto, estudando o papel desempenhado pela experiência traumática no parto. Destacaram a importância do apoio dos cuidadores à mulher também durante o pré-natal, com a identificação de dificuldades emocionais que podem impactar na experiência do parto e no vínculo com o filho.
Informação/ preparação para o parto
A informação, educação e preparação para o parto contribuem para autonomia da gestante e sua participação nas tomadas de decisões. Tal estratégia foi associada com a experiência positiva no parto e prevenção do parto traumático (Taheri et al., 2018; Zamani et al., 2019).
Neste contexto, Lansky et al. (2019) estudaram a percepção sobre a vivência do parto relatada pelas gestantes que visitaram a exposição Sentidos do nascer. A população estudada foi predominantemente de mulheres de escolaridade e renda altas. Observaram que 12,6% relataram violência no parto e as principais categorias citadas foram: intervenções não aceitas ou aceitas com informações parciais e abuso físico ou verbal. O reconhecimento de práticas obsoletas ou nocivas como forma de violência foi baixo e o relato das práticas foi mais frequente na população de baixa renda. Após a participação na exposição, o conhecimento das gestantes sobre violência no parto aumentou. Os autores concluíram que apoiar a disseminação de boas práticas pode reduzir intervenções desnecessárias e melhorar a experiência no parto.
Citak Bilgin et al. (2020) também concordam com o efeito da educação na percepção positiva de primíparas sobre a experiência do parto. Em estudo prospectivo realizado com 121 mulheres, as participantes do grupo de educação sistemática para o parto tiveram percepção mais positiva do parto em relação ao grupo controle, além de menor nível de dor e maior autoeficácia para amamentar. No entanto observaram que a educação não afetou o tipo de parto, outras intervenções obstétricas relacionadas ao parto ou os resultados obstétricos.
Em estudo prospectivo com 77 gestantes para avaliar a influência de programa sistemático multidisciplinar de preparação para o parto na satisfação com a experiência do parto, os autores concluíram que o programa permitiu que as mulheres se comunicassem melhor com os profissionais de saúde e participassem das tomadas de decisões durante o trabalho de parto, além de estar associado à diminuição da percepção da dor. Portanto, o programa melhorou a satisfação com a experiência do parto (Akca et al., 2017).
Türkmen et al. (2021) em estudo com 248 mulheres concluíram que a percepção de parto traumático é maior em gestantes que não confiam em sua capacidade e que não conseguem lidar com a dor. Compararam a percepção traumática no terceiro trimestre da gravidez e no pós-parto em estudo com 248 mulheres. Observaram que mulheres que tiveram parto vaginal tiveram menos percepção de parto traumático após o nascimento do bebê. No caso das cesarianas não houve mudança na percepção. Concluíram que as causas importantes da percepção traumática durante a gestação são: o medo do parto, visões da sociedade sobre o parto, valores culturais e histórias sobre parto. Observou ainda que o parto não é mais considerado traumático depois de vivenciado.
A percepção da dor do parto é influenciada por diversos fatores. No seu estudo Akadri e Odelola (2018) concluíram que as mulheres perceberam a dor do parto como intensa e que muitas desejavam alívio da dor durante o trabalho de parto. A ocupação, IMC, idade gestacional e o peso do bebê ao nascer foram variáveis mediadoras significativas na experiência da dor do parto.
Hassanzadeh et al. (2019) realizaram estudo com 204 gestantes, que avaliou o impacto das aulas de preparação para o parto em primíparas. Concluíram que o medo do parto e o medo de não tolerar as dores do parto são as razões mais importantes pelas quais as mulheres preferem cesariana, sem qualquer motivo médico. Portanto, a falta de conhecimento pode levar à ansiedade e intervenções médicas, tendo impacto na experiência do parto.
Feitosa et al. (2017) realizaram estudo qualitativo com 14 puérperas para compreender, a partir da percepção delas, os fatores que influenciam na escolha ao tipo de parto. Observaram que as mulheres desejavam parto sem intercorrências e com recuperação rápida. São significativas as influências do medo, da dor e das experiências individuais e de outras mulheres para a escolha da via de parto. Concluíram sobre a relevância do acesso ao pré-natal de qualidade, com ações que proporcionem escolhas seguras.
Intervenções
Pazandeh et al. (2017) entrevistaram mulheres no puerpério tardio para compreender a experiência no cuidado durante o trabalho de parto. Observaram que a percepção das mulheres sobre o parto foi influenciada pelo contexto medicalizado do parto. Observou ainda que as mulheres não estavam envolvidas na tomada de decisões sobre as intervenções e confiavam nos cuidadores para tomar as decisões por elas. As intervenções no parto resultaram em experiência de parto que muitas vezes culminou na preferência por cesariana, em vez de parto vaginal com múltiplas intervenções. Concluiu que o objetivo deve ser uma experiência de parto com qualidade e com intervenções mínimas.
Taheri et al. (2018) realizaram revisão sistemática com o objetivo de identificar condutas bem-sucedidas para promover uma percepção positiva da experiência do parto. Também concluiu que o cuidado intraparto com intervenção mínima, junto com o apoio e a preparação para o parto, está entre as estratégias mais eficazes.
A satisfação materna com o parto é influenciada pelo tipo de parto. A experiência do parto deixa uma impressão nas mulheres mais de uma década após o parto. Mulheres que tiveram cesariana recordaram sua experiência como menos gratificante e mais angustiante que as que tiveram parto vaginal (Bossano et al., 2017). Porém, não é incomum que as complicações da gestação sejam tratadas com cesariana e que ocorra a adaptação e aceitação das circunstâncias, nestes casos não havendo achado significativo entre o modo de parto e a satisfação (Imtithal Adnan et al., 2020).
Dias et al. (2018) realizaram pesquisa qualitativa quanto à percepção de 40 puérperas no pós-parto imediato sobre a eficiência do uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor no trabalho de parto. Concluíram que os métodos foram eficazes quanto à sua finalidade e se associaram a satisfação com o parto.
Discussão
Nos estudos analisados a informação se mostrou importante para a satisfação no parto, associada à maior autonomia e controle da mulher no processo. A educação para o parto melhora o entendimento do processo, desmistificando o medo e aumentando o conhecimento acerca de condutas e direitos, além da criação de expectativas mais realistas. Facilita a comunicação, a validação das preferências, a participação consciente e o consentimento da mulher na tomada de decisões, se associando à experiência positiva no parto e à prevenção do parto traumático (Akadri & Odelola, 2018; Citak Bilgin et al., 2020; Feitosa et al., 2017; Hassanzadeh et al., 2019; Lansky et al. 2019; Taheri et al., 2018; Türkmen et al., 2021; Zamani et al., 2019).
Apesar da educação para o parto ser uma estratégia simples, o estudo de Lansky et al. (2019) mostrou o baixo reconhecimento de práticas obsoletas ou nocivas, mesmo entre mulheres de maior renda, o que pode demonstrar que há falta de informação e subestimação do problema. Encontrou ainda relatos mais frequentes de tais práticas na população de menor renda, o que pode refletir iniquidades na atenção ao parto.
Ainda que práticas e procedimentos desnecessários, inadequados, não consentidos ou consentidos com informações parciais no trabalho de parto estejam incluídos num conceito de violência, os estudos mostraram que mediante a falta de informação ou não reconhecimento dos seus direitos, algumas mulheres se calam diante dessas práticas na assistência ao parto (Medeiros & do Nascimento, 2022; Rodríguez-Almagro et al., 2019). Nesse contexto, o estudo de Pazandeh et al. (2017) constatou que as mulheres não estavam envolvidas nas tomadas de decisões sobre as intervenções e confiavam nos cuidadores para tomar as decisões por elas. Porém que os profissionais seriam impulsionados para a medicalização, visando a segurança do parto, mas também devido a responsabilização legal pelo desfecho, adotando procedimentos padrão para moldar o processo do parto.
Quanto à percepção das puérperas em identificar com clareza possíveis práticas inadequadas sofridas, no estudo de Medeiros e do Nascimento (2022) oito de doze puérperas avaliaram o atendimento de forma positiva, apesar de falas que configuravam algum tipo de violência. Essas práticas geralmente não são percebidas como violência pelos profissionais, mas sim como o exercício de autoridade em contexto difícil, o que chama atenção para a questão institucional. O estudo de Pazandeh et al. (2017) observou ainda que com a realização de intervenções o desconforto do parto aumentava e as mulheres desejavam apressar o processo para que terminasse logo, solicitando cesariana para evitar a dor. São significativas as influências da dor, medo e experiências individuais e de outras mulheres para a escolha da via de parto (Feitosa et al., 2017). As intervenções no parto resultaram em experiência de parto que muitas vezes culminou na preferência por cesariana, em vez de parto vaginal com múltiplas intervenções (Pazandeh et al., 2017).
A falta de conhecimento se associa à ansiedade e aumento de intervenções médicas, com impacto negativo na experiência do parto (Hassanzadeh et al., 2019). Nesse contexto um estudo qualitativo com 32 mulheres mostrou que a dor e as complicações podem confundir a experiência do parto, tornando a experiência mais traumática (Rodríguez-Almagro et al., 2019). Porém, não é incomum que as complicações da gestação sejam tratadas com cesariana e que ocorra a adaptação e aceitação das circunstâncias, nestes casos não havendo achado significativo entre o modo de parto e a satisfação (Imtithal Adnan et al., 2020).
Esses achados chamam atenção para o modelo de parto internalizado ao longo do tempo pela sociedade. O processo de medicalização do nascimento reduziu os altos índices de óbitos maternos e neonatais, trazendo segurança e a confiança das mulheres no parto hospitalar, porém foi gradativamente diminuindo a autonomia da mulher e centrando a assistência no profissional de saúde, com a normalização de práticas que mais tarde não se mostraram efetivas. A ambiência precária em alguns centros e a medicina defensiva também contribuíram para um cenário que nem sempre é reconhecido como inadequado. Um achado importante foi que mulheres com maior renda, geralmente com melhor nível de informação acerca do processo e dos direitos, teriam expectativas mais altas e ainda assim tiveram também maior satisfação com o parto, reforçando a importância da atitude dos cuidadores e assistência mais centrada na mulher (Imtithal Adnan et al., 2020).
Em caso de intervenções no processo do parto, o controle passa para o profissional de saúde, e essa perda da autonomia pode ser desafiadora para mulher. É neste momento que a informação fornece os meios para participação nas decisões e consentimento para intervenções, garantindo que sua autonomia seja respeitada mesmo quando a interferência no processo fisiológico do parto for necessária, aumentando então seu controle sobre o processo e consequentemente a satisfação. Portanto, a informação aumenta a autonomia e o controle no processo e junto com o apoio contribui para que as mulheres se sintam seguras e tenham voz, tornando o cenário propício para exercer a autonomia e controle através da comunicação, escuta, apoio emocional e prático (Hollander et al., 2017).
Os estudos analisados mostraram a importância do apoio profissional ou de acompanhante na experiência do parto (Hollander et al., 2017; Imtithal Adnan et al., 2020; Smorti et al., 2020; Taheri et al., 2018; Zamani et al., 2019). No estudo de Hollander et al. (2017), o apoio profissional foi o fator mais associado à experiência positiva do parto, corroborando com a importância da interação com os cuidadores. No estudo de Zamani et al. (2019), a interação em torno das intervenções, para explicação do procedimento e sua indicação, pareceu mais importante que as próprias intervenções para a satisfação no parto. Esses achados estão em concordância com a revisão sistemática de Bohren et al. (2017) que mostrou que o apoio contínuo durante o trabalho de parto pode melhorar os desfechos para as mulheres e seus bebês, tais como: aumento de partos vaginais espontâneos, menor duração do trabalho de parto e redução de cesarianas, partos instrumentais e uso de analgesia, além de redução de sentimentos negativos sobre as experiências do parto.
Os resultados encontrados mostram que a informação, o apoio e intervenção mínima são elementos que se complementam, contribuindo para o controle e autonomia da mulher, o que se associa com a experiência positiva no parto. Os resultados convergem para a importância da educação para o parto, através da exploração das experiências anteriores e informação sobre os direitos e o processo do parto, para criação de expectativas mais realistas e difíceis de serem frustradas e para a participação nas tomadas de decisões, e demonstram o impacto desses fatores na percepção positiva da experiência no parto e na redução de parto traumático (Citak Bilgin et al., 2020; Hollander et al., 2017; Medeiros & do Nascimento, 2022; Smorti et al., 2020; Türkmen et al., 2021).
O apoio por profissionais ou acompanhantes melhora a comunicação, validando as expectativas da mulher e facilitando a interação acerca de eventuais intervenções. Os achados então se alinham mostrando que sem informação e apoio no parto, as mulheres aceitam ou até mesmo desejam as intervenções. Estas levam ao maior desconforto que por vezes levam a mais intervenções, num ciclo que faz a mulher perder a autonomia, podendo resultar em experiência negativa no parto
A assistência com o mínimo de intervenções, portanto mais centrada na mulher, com maior percepção de autonomia e controle do processo do parto, está associada com diminuição da ansiedade e medo e consequentemente com experiência mais positiva no parto.
Portanto estratégias simples e acessíveis a qualquer centro de assistência são apontadas como eficazes para a experiência positiva no parto. É importante que os serviços de saúde proporcionem além de partos seguros, uma assistência atenta aos aspectos sociais e psicológicos do parto.