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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.25 no.1 Lisboa abr. 2024  Epub 31-Mar-2024

https://doi.org/10.15309/24psd250101 

Artigo

Perspetivas sobre saúde mental: idadismo e participação cívica na adultícia avançada

Perspectives on mental health: aging and civic participation in old adulthood

1William James Center for Research, Ispa - Instituto Universitário, Lisboa, Portugal

2Ispa - Instituto Universitário, Lisboa, Portugal

3Center for Clinical Psychology, University of the Punjab, Lahore, Pakistan


Resumo

O idadismo pode a influenciar participação cívica dos idosos com efeito na saúde mental. Este estudo teve como questão de investigação: Como o idadismo e a participação cívica intervêm na saúde mental dos idosos? e apresentou três objetivos: Investigar o efeito do idadismo nas atividades cívicas dos idosos; Analisar a influência do idadismo na saúde mental; e Explorar o impacto da participação cívica na saúde mental dos idosos. Este estudo qualitativo transnacional, com amostragem por conveniência em sistema de bola de neve, incluiu 391 idosos. As entrevistas foram analisadas usando a análise de conteúdo. Para o primeiro objetivo, os resultados indicaram quatro temas: Recusa social (86%); Aptidão reduzida (84%); Expectativas de insucesso (83%); e, Incapacidade de contribuir (77%). Relativamente ao segundo objetivo, os resultados indicaram seis categorias: Desilusão (89%); Zanga (81%); Incompetência (77%); Irrelevância (71%); Ansiedade (68%); e Tensão emocional (63%). Para o terceiro objetivo, surgiram cinco temas: Desenvolver sentido de propósito (81%); Sentir-se socialmente integrado (80%); e, Aprender competências (71%); Praticar o sentido de agência (67%); Exprimir-se emocionalmente (54%). Os resultados indicaram a relação entre o idadismo, saúde mental e participação cívica e destacam a participação cívica como relevante para a saúde mental dos idosos.

Palavras-Chave: Envelhecimento; Idadismo; Idosos; Participação cívica; Saúde mental

Abstract

Ageism can influence the civic participation of older adults with an effect on mental health. The research question of this study was: How do ageism and civic participation affect the mental health of older adults? and it had three objectives: To investigate the effect of ageism on the civic activities of older people; To analyze the influence of ageism on mental health; and To explore the impact of civic participation on the mental health of older adults. This cross-national qualitative study, with snowball convenience sampling, included 391 older people. The interviews were analyzed using content analysis. For the first objective, the results indicated four themes: Social rejection (86%); Reduced ability (84%); Expectations of failure (83%); and, Inability to contribute (77%). Regarding the second objective, the results indicated six categories: Disappointment (89%); Anger (81%); Incompetence (77%); Irrelevance (71%); Anxiety (68%); and Emotional tension (63%). For the third objective, five themes emerged: Developing a sense of purpose (81%); Feeling socially integrated (80%); and, Learning skills (71%); Practicing a sense of agency (67%); Expressing oneself emotionally (54%). The results indicate a relationship between ageism, mental health and civic participation and highlight civic participation as relevant to the mental health of older adults.

Keywords: Ageing; Ageism; Older adults; Civic participation; Mental health

O idadismo engloba crenças e atitudes preconceituosas em relação à idade que resultam da exposição crónica, ao longo da vida, a perspetivas sociais (predominantemente negativas) e a estereótipos sobre os idosos, que são assimilados e influenciam as perceções, as emoções e o comportamento das pessoas em relação aos idosos e dos próprios (Lev et al., 2018; von Humboldt et al., 2021).

O idadismo pode impedir um envelhecimento ativo e saudável (von Humboldt et al., 2014, 2020; von Humboldt & Leal, 2015), ao interferir com a participação dos idosos de forma significativa na vida cívica. As atividades cívicas permitem ajudar os outros ou resolver um problema da comunidade, produzir o bem comum sem intenção política manifesta, ou explicitamente influenciar resultados políticos (Serrat et al., 2020).

A participação cívica inclui atividades realizadas individualmente (designadas por participação individual, privada ou informal) ou coletivamente (designadas por participação coletiva, pública ou formal). Estas atividades cívicas podem ter como principal objetivo ajudar os outros, resolver um problema da comunidade ou produzir o bem comum sem intenção política manifesta (designadas por participação social, civil, comunitária, pré-política ou política latente), ou podem procurar explicitamente influenciar os resultados políticos (designadas por participação política ou participação política manifesta). Combinando a primeira e a segunda dimensões de classificação, obtém-se uma tipologia de quatro tipos de atividades cívicas (Serrat et al., 2020).

Os estereótipos da idade, como o pressuposto de que os idosos não têm vitalidade, proficiência tecnológica ou conhecimentos pertinentes, reforçam dimensões do idadismo e podem inibir os idosos de participar em várias atividades cívicas (Reyes, 2023). Por outro lado, as perceções e atitudes positivas, têm um impacto positivo na saúde psicológica dos idosos (Griep et al., 2017). Estudo anteriores indicam que a participação em atividades cívicas, como o voluntariado ou o envolvimento na comunidade, melhoram a saúde mental dos idosos, ao proporcionar um sentido de objetivo e significado na vida e ao reduzir sintomas de isolamento e depressão (Griep et al., 2017).

O idadismo pode também minar a autoestima e a autoconfiança dos adultos idosos, reduzindo o seu incentivo para participar em atividades cívicas. Quando os idosos se deparam com atitudes de envelhecimento ou práticas discriminatórias, podem interiorizar essas crenças negativas, resultando numa diminuição do sentido de agência e da crença interior na sua capacidade de fazer contribuições significativas para a comunidade. Isto pode levar a um afastamento do envolvimento cívico, influenciando consequentemente o seu bem-estar e sentido de propósito (Reyes, 2023).

Os indivíduos discriminados pela idade podem ser mais vulneráveis aos efeitos negativos do envelhecimento, como a diminuição da autoeficácia e o aumento das emoções negativas (Eibach et al., 2010). Ao contrário, as perceções e atitudes positivas sobre o envelhecimento podem ter um impacto positivo na saúde psicológica (Bryant et al., 2012). Desta forma, as pessoas que sofrem discriminação com base na idade podem ser mais suscetíveis a ansiedade, stress e depressão que por sua vez, contribuem negativamente para a sua saúde mental (Kang & Kim, 2022).

A literatura reiterou que a participação em atividades cívicas, como o voluntariado ou o envolvimento na comunidade, pode contribuir positivamente para a saúde mental dos idosos, proporcionando sentido de propósito, significado na vida e uma melhor expressão emocional (Griep et al., 2017). O envolvimento cívico contribui para ligações sociais mais positivas e promove o desenvolvimento de uma rede de apoio social (Griep et al., 2017). As interações sociais contribuem para diminuir a solidão e o isolamento, para um maior sentimento de pertença e para um ambiente comunitário mais favorável (Griep et al., 2017).

Os idosos que participam em atividades cívicas sentem-se frequentemente valorizados e apreciados, o que aumenta a sua autoestima e o sentido de valor, com benefícios substanciais para a saúde mental (Goth & Småland, 2014). Além disso, a participação cívica pode proporcionar estimulação cognitiva, essencial reduzir o risco de declínio cognitivo em idosos. Muitas atividades cívicas requerem atenção mental, aprendizagem e capacidade de resolução de problemas, o que contribui fortemente para a manutenção da saúde mental (Haslam et al., 2014). Além disso, o envolvimento cívico cria oportunidades de praticar autonomia e sentido de controlo. Ao participar ativamente nos processos de tomada de decisão e ao ter uma voz nas suas comunidades, os idosos experimentam um maior sentido de agência, e um impacto positivo na saúde mental (Vega-Tinoco et al., 2022).

Até à data, poucos estudos se debruçaram sobre o idadismo e o potencial subaproveitado da participação cívica e relação com a saúde mental na adultícia avançada. Neste contexto, este estudo tem como objetivos: 1) Investigar o efeito do idadismo nas atividades cívicas dos idosos; 2) Analisar a influência do idadismo na saúde mental; e 3) Explorar o impacto da participação cívica na saúde mental dos idosos.

Método

Participantes

Para este estudo, foram recrutadas 391 idosas (Quadro 1). Os idosos foram recrutados em universidades seniores, através de mensagens, e-mails privados, as listas de centros comunitários e redes sociais. A amostragem foi realizada por conveniência em sistema de bola de neve.

Quadro 1 Características sociodemográficas e de saúde da amostra 

Características Portuguesa 130 (33,2) Brasileira 138 (35,3) Inglesa 123 (31,5) Total 391 (100,0)
Idade, média ± DP 75,1 ± 4,16
Sexo biológico, n (%)
Feminino 88 (67,7) 90 (65,2) 69 (56,1) 247 (63,2)
Masculino 42 (32,3) 48 (34,8) 54 (43,9) 144 (36,8)
Estado civil
Casado 116 (89,1) 108 (78,3) 117 (94,1) 340 (87,0)
Solteiro 14 (10,9) 30 (21,7) 6 (5,9) 51 (13,0)
Educação,n (%)
Escola primária 59 (45,4) 62 (44,9) 56 (45,4) 177 (45,3)
Ensino secundário 49 (37,7) 54 (39,1) 53 (43,1) 156 (39,9)
≥ Ensino secundário 22 (16,9) 22 (15,9) 14 (11,5) 58 (14,8)
Agregado familiar
Vive com alguém 117 (90,0) 120 (86,9) 113 (91,9) 349 (89,3)
Vive sozinho 13 (10,0) 18 (13,1) 10 (8,1) 42 (10,7)
Rendimento anual familiar,n (%)
≤ 25,000 € 61 (47,0) 59 (42,8) 60 (48,8) 180 (46,0)
> 25,000 € 69 (53,0) 79 (57,2) 63 (51,2) 211 (54,0)
Saúde percebida,n (%)
Boa 72 (55,4) 71 (51,4) 68 (55,3) 211 (54,0)
58 (44,6) 67 (48,6) 55 (44,7) 180 (46,0)

Nesta investigação, 63,2% dos participantes eram do sexo feminino e de três nacionalidades diferentes (brasileira, inglesa e portuguesa), 87,0 % eram casados e tinham idades compreendidas entre os 65 e os 88 anos (M = 75,1 ± 4,16). Apenas 89,3% partilhavam uma casa e 15,0% tinham um diploma do ensino secundário. Os critérios de elegibilidade foram os seguintes: os participantes tinham de ter pelo menos 65 anos de idade; compreender por que razão estavam a participar no estudo; não ter défices cognitivos, diagnóstico de doença psiquiátrica ou neurológica, consumo de substâncias e abuso de álcool; e participar ativamente em atividades cívicas.

Material

Este estudo incluiu um questionário sociodemográfico e entrevistas semiestruturadas. Estas exploraram o impacto do idadismo na participação cívica, por um lado, e da participação cívica na saúde mental dos idosos. Este estudo centrou-se em duas questões principais: "Na sua opinião, como é que o idadismo afeta a sua participação cívica?", “Na sua opinião como é que o idadismo afeta a sua saúde mental?”, e "Na sua opinião, como é que a participação cívica tem impacto na sua saúde mental?".

Procedimento

Os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo, tendo as entrevistas sido realizadas online utilizando plataformas como o Skype, Survey Monkey, Zoom e Whatsapp. As entrevistas, com duração de cerca de 30 minutos, foram realizadas entre julho e outubro de 2022. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do ISPA - Instituto Universitário e William James Center for Research, c cumpre as normas da Declaração de Helsínquia de 1964.

A análise de conteúdo foi utilizada para após a transcrição de todas as narrativas verbatim (Erlingsson & Brysiewicz, 2017). Em primeiro lugar, foi atribuído um código a cada categoria pertinente para gerar uma análise ordenada, resultando numa lista de códigos (Erlingsson & Brysiewicz, 2017). Três investigadores codificaram de forma independente todas as entrevistas. Os temas principais foram separados em grupos distintos e autónomos com rótulos concisos e óbvios. Os investigadores obtiveram consenso no final deste procedimento de classificação. As regras gerais de classificação e categorização de dados qualitativos, tiveram em conta os seguintes princípios: (a) homogeneidade: organização, tendo em conta elementos comuns; (b) relevância: significado das categorias; e (c) objetividade e fidelidade: categorias objetivas e fiáveis, não foram descuradas na criação de um sistema fiável e válido. Estes princípios foram mantidos durante todo o processo.

Posteriormente, foi estabelecida uma matriz de análise dos resultados para a discussão teórica e empírica dos dados, após as da análise descritiva e análise qualitativa das categorias que emergiram. Todas as discordâncias foram discutidas e a equipa chegou a um acordo. Verificou-se uma forte concordância entre os investigadores (0,86 < k < 0,90), com um valor de p inferior a 0,01 em todas as análises.

Resultados

Os participantes foram questionados sobre o efeito do idadismo na participação cívica, e as suas narrativas revelaram quatro temas: (1) Recusa social (86%); (2) Aptidão reduzida (84%); (3) Expectativas de insucesso (83%); e, (4) Incapacidade de contribuir (77%).

Tema 1: Recusa social (86%)

No primeiro tema, que foi o mais referido por todas as nacionalidades e mencionado por 86% dos participantes, os participantes relataram sentir-se socialmente rejeitados devido ao idadismo, afetando o seu envolvimento cívico. Sam disse: "A minha própria experiência mostrou que o idadismo pode levar a um sentimento de exclusão, fazendo com que os idosos se sintam menos respeitado na sociedade. Isso pode influenciar grandemente o desejo de alguém se envolver em atividades cívicas. Pode resultar numa falta de confiança, o que tornaria as pessoas menos dispostas a participar, a dar ideias ou mesmo a assumir posições de liderança" (Sam, homem, 76 anos).

Tema 2: Aptidão reduzida (84%)

O tema seguinte, maioritariamente relatado pelos participantes portugueses, foi o sentimento de competência reduzida, tendo sido verbalizado por 84% dos participantes totais. Penelope verbalizou: “Nem sempre me sinto competente ou confiante de que posso ter uma influência significativa devido à minha idade. E isto afeta-me muito no hospital onde faço voluntariado” (Penelope, mulher, 69 anos).

Tema 3: Expectativas de insucesso (83%)

Expetativas de fracasso foi verbalizado por 83% dos participantes idosos, sendo maioritariamente relatado por participantes brasileiros. Helena explicou: “Às vezes, eu queria ajudar, mas toda a gente diz que não vou conseguir. Então, porque é que hei-de tentar? Não tenho razões para acreditar nisso, se nem a minha família acredita. Se tivesse outra motivação, como formações avançadas, talvez pensasse duas vezes” (Helena, mulher, 72 anos).

Tema 4: Incapacidade de contribuir (77%)

Ainda que este tema tenha sido menos verbalizado por todas as nacionalidades, 77% dos participantes indicaram que o facto de não poderem contribuir era um fator que influenciou a sua participação cívica. Iana mencionou: "Faz-me sentir frustrada, impotente e como se os meus conhecimentos e talentos já não fossem reconhecidos ou úteis. Sinto que não estou a contribuir, pelo que me sinto desencorajada a participar ativamente em projetos cívicos." (Iana, mulher, 77 anos de idade).

Os participantes também foram questionados sobre o efeito do idadismo na saúde mental, e as suas respostas revelaram seis temas proeminentes: (1) Desilusão (89%); (2) Zanga (81%); (3) Incompetência (77%); (4) Irrelevância (71%); (5) Ansiedade (68%); e (6) Tensão emocional (63%).

Tema 1: Desilusão (89%)

O primeiro tema foi mencionado por 89% dos participantes, afirmando que experimentaram sentimentos de desilusão, afetando consequentemente a sua saúde mental. Este tema foi o mais referido por todas as nacionalidades. Emília declarou: "Tomei a decisão de me juntar a um clube desportivo do bairro há algum tempo. No entanto, muitas pessoas eram jovens e eu senti-me excluída e invisível. Reparei que hesitava em participar plenamente nas atividades, duvidando das minhas capacidades e perguntando-me se conseguiria acompanhar o ritmo dos membros mais jovens. Por isso, sentia-me desiludida com tudo (Emília, mulher, 69 anos).

Tema 2: Zanga (81%)

O tema seguinte que contribuiu negativamente para a saúde mental destes participantes mais velhos foi a zanga, sentida por 81% dos idosos em reação a atitudes e comportamentos discriminatórios. Este tema foi maioritariamente relatado pelos participantes portugueses. Hugo verbalizou: "À medida que envelheço, tenho observado situações em que indivíduos mais jovens, sejam eles amigos, estranhos ou mesmo membros da família, tendem a desacreditar os meus pensamentos com base na minha idade. Os meus contributos para conversas ou discussões foram ocasionalmente ignorados ou considerados irrelevantes. Sentir que as minhas opiniões e pontos de vista são imediatamente ignorados por causa da minha idade é irritante!” (Hugo, homem, 82 anos).

Tema 3: Incompetência (77%)

O sentimento de incompetência foi verbalizado por 77% dos participantes idosos, revelando que a sua saúde mental foi influenciada pela maior presença deste sentimento ao longo do envelhecimento, devido aos estereótipos de discriminação etária. Este tema foi maioritariamente relatado por participantes ingleses. Diana verbalizou: "Quando fui voluntária uma vez, a organização parecia ter medo de me dar responsabilidades que necessitavam de tomada de decisões, pois acreditavam que, pelo facto de eu ser mais velha, tinha menos conhecimentos tecnológicos ou não tinha a motivação ou ambição para fazer bem o trabalho" (Diana, mulher, 80 anos).

Tema 4: Irrelevância (71%)

71% dos participantes mencionaram que se sentiram irrelevantes e que as suas contribuições e opiniões foram ignoradas quando envelheceram, afetando negativamente a sua saúde mental. Este tema foi maioritariamente verbalizado pelos participantes portugueses. Carlos mencionou: "A minha capacidade de participar completamente nas conversas com os meus netos está a tornar-se cada vez mais difícil, uma vez que, apesar do meu interesse genuíno na vida deles, me sinto frequentemente como um estranho nestas conversas. Sinto-me alheio, indesejado ou irrelevante na situação" (Carlos, homem, 77 anos, idade).

Tema 5: Ansiedade (68%)

O tema seguinte, indicado por 68% dos participantes, foi o sentimento de ansiedade com impacto na saúde mental. Este tema foi maioritariamente verbalizado pelos participantes ingleses. Brian verbalizou: "Toda a gente parte do princípio de que os idosos estão fora de contacto ou são incapazes de acompanhar as rápidas mudanças na sociedade. Por isso, todos os dias e em todo o lado, tenho de lidar com estes estereótipos, que me deixam bastante ansioso porque, por vezes, também duvido de mim próprio" (Brian, homem, 72 anos).

Tema 6: Tensão emocional (63%)

O último tema mencionado foi o da tensão emocional (63% dos participantes) como resultado de experiências de discriminação em função da idade, que tiveram impacto na saúde mental dos idosos ao longo dos anos. O último tema foi relatado maioritariamente por participantes ingleses. Luís explicou: "Recordo-me de uma discussão recente que tive com um familiar mais novo sobre uma escolha que nos afeta diretamente a ambos. Partindo do pressuposto de que eu não era capaz de compreender corretamente o problema devido à minha idade, a minha perspetiva foi rapidamente descartada. Este desprezo irritou-me tanto que dei um murro na mesa e descontrolei-me" (Luís, homem, 74 anos).

Ao investigar o efeito da participação cívica na saúde mental, as respostas dos participantes nas entrevistas revelaram cinco temas: (1) Desenvolver sentido de propósito (81%); (2) Sentir-se socialmente integrado (80%); (3) Aprender competências (71%); (4) Praticar o sentido de agência (67%); e (5) Exprimir-se emocionalmente (54%).

Tema 1: Desenvolver sentido de propósito (81%)

81% dos participantes idosos mencionaram que a participação cívica ajudou a desenvolver um sentido de propósito que pode contribuir para a sua saúde mental, sendo referido pelas três nacionalidades. Eric explicou: "Tenho um forte sentimento de alegria quando disponibilizo o meu tempo e competências para iniciativas. O meu envolvimento em eventos cívicos deu-me um sentido de propósito. Assim não me sinto tão ansioso e sozinho nos meus pensamentos" (Eric, homem, 76 anos).

Tema 2: Sentir-se socialmente integrado (80%)

O segundo tema indicado por 80% dos participantes idosos foi o de se sentirem socialmente integrados em atividades cívicas, sendo verbalizado pelos participantes brasileiros. Gabriela explicou: "Criamos ligações fortes quando nos envolvemos ativamente nas nossas comunidades. E isso afasta-me de estar depressiva. Nem penso nisso. Experimentamos a integração social. Estas relações apoiam a nossa saúde mental" (Gabriela, mulher, 72 anos de idade).

Tema 3: Aprender competências (71%)

A aprendizagem de competências foi mencionada por 71% dos participantes essencialmente, verbalizado pelos participantes ingleses. Claire verbalizou: "A participação na vida cívica expõe-nos a uma variedade de pontos de vista, problemas e experiências. A nossa saúde mental e o nosso vigor cognitivo dependem desta aprendizagem contínua e da interação com o mundo que nos rodeia" (Claire, mulher, 78 anos).

Tema 4: Praticar o sentido de agência (67%)

Ao envolverem-se em iniciativas cívicas, 67% dos participantes identificaram a prática de um sentido de agência e de controlo sobre as suas vidas, o que influenciou positivamente a sua saúde mental. Este tema foi maioritariamente referido pelos participantes ingleses. Anthony verbalizou: "Quando percebemos que os nossos comportamentos têm um impacto nas nossas comunidades e no mundo à nossa volta, ganhamos um sentido de direção e significado, o que tem um impacto significativo na nossa saúde mental" (Anthony, homem, 81 anos).

Tema 5: Exprimir-se emocionalmente (54%)

Expressar-se emocionalmente foi também indicado por 54% como um tema positivo para a sua saúde mental desenvolvido com a participação cívica. Este tema foi principalmente verbalizado pelos participantes portugueses. Kyle verbalizou: "Como educador voluntário, dediquei o meu tempo a orientar crianças e a ajudá-las no desenvolvimento das suas capacidades académicas. Observar o seu crescimento e as boas melhorias nas suas vidas deu-me um forte sentido de significado e trouxe-me grande prazer" (Kyle, homem, 71 anos).

Discussão

O presente estudo qualitativo teve como objetivo explorar a influência do idadismo nas atividades cívicas dos idosos e na sua saúde mental e pretendeu investigar o papel do envolvimento cívico na promoção de uma saúde mental positiva entre os idosos.

No que diz respeito ao nosso primeiro objetivo, a grande maioria dos participantes relatou que o idadismo resulta em sentimentos de recusa social, o que dificulta a participação dos na vida cívica. Estas experiências negativas inibem a motivação e a inclinação dos idosos para participarem em atividades cívicas. Estudos anteriores sublinham a necessidade de combater o idadismo e de promover atitudes inclusivas para promover o envelhecimento ativo e a participação cívica (Swift et al., 2017).

Além disso, os participantes também observaram que o idadismo pode contribuir para uma perceção de aptidão reduzida. O idadismo pode perpetuar o estereótipo de que os idosos são menos aptos, menos adaptáveis ou incapazes de acompanhar os avanços tecnológicos. Estas crenças podem afetar a forma como os idosos são vistos e restringir as suas oportunidades de demonstrar a sua competência (Swift et al., 2017).

Estes participantes também salientaram que o idadismo levou a expetativas de insucesso. Estas expectativas negativas podem minar a confiança dos idosos nas suas capacidades e a sua convicção de que podem contribuir de forma significativa para a participação cívica. A expetativa social de fracasso pode agir como um impedimento, desencorajando os idosos de participar em atividades cívicas (Swift et al., 2017).

A incapacidade de contribuir foi o último tema referido por estes participantes. Segundo Reyes (2023), os idosos podem sentir-se menos inclinados a participar em atividades cívicas se acreditarem que os seus contributos e esforços não farão uma diferença significativa. O idadismo pode levar os idosos a desconfiarem das suas capacidades e a sentirem-se incapazes de contribuir eficazmente. Esta perceção pode reduzir a sua motivação para participar em atividades cívicas, uma vez que podem pensar que as suas competências e conhecimentos são subestimados ou irrelevantes (Reyes, 2023).

No que diz respeito ao nosso segundo objetivo, destinado a analisar a influência do idadismo na saúde mental dos idosos, seis temas pertinentes emergiram do nosso exame meticuloso: desilusão (89%), zanga (81%), incompetência (77%), irrelevância (71%), ansiedade (68%) e tensão emocional (63%). Estes temas ressoaram de forma consistente nas três nacionalidades, com uma ênfase notável na desilusão como o tema mais prevalente nas três nacionalidades.

O estudo de Han e Richardson (2015) indicou que os idosos que se apercebem de um tratamento injusto ou de estereótipos negativos associados ao envelhecimento podem sentir desilusão devido ao envelhecimento. Isto pode resultar num aumento do stress, numa diminuição da autoestima e num sentimento de impotência. Ayalon e Tesch-Romer (2018) enfatizaram os efeitos psicológicos do idadismo nos idosos. Sublinharam que o idadismo pode contribuir para sentimentos de desilusão e frustração, uma vez que os idosos podem encontrar barreiras, preconceitos e limitações que diminuem o seu sentido de controlo e agência.

Os participantes também notaram que o idadismo pode contribuir para a zanga. Devido ao tratamento injusto, à marginalização e às atitudes negativas enfrentadas pelos indivíduos idosos, o idadismo pode provocar sentimentos de zanga e raiva. Os estereótipos e as experiências discriminatórias podem provocar zanga nos idosos porque eles percebem a injustiça de serem considerados negativamente devido à sua idade (Phillips et al., 2006). Além disso, para Lamont et al. (2015), o idadismo pode provocar raiva porque desafia a identidade, a autonomia e a dignidade de uma pessoa.

Vários participantes indicaram que o idadismo também pode contribuir para sentimentos de incompetência. Kornadt e Rothermund (2011) analisaram a influência dos estereótipos da idade em vários domínios da vida, como a competência. Concluíram que o idadismo pode contribuir para as perceções de incompetência dos idosos, uma vez que estes podem ser estereotipados como sendo menos capazes, menos produtivos ou menos competentes devido à sua idade (Kornadt & Rothermund, 2011).

Um número substancial de participantes mais velhos experimentou sentimentos de irrelevância, devido a crenças antiquadas. Berger (2017) investigou o efeito da negação de estereótipos nas respostas afetivas a idosos e mais jovens. O idadismo pode resultar na perceção de irrelevância entre os indivíduos seniores, que podem ser estereotipados como irrelevantes, tecnologicamente inaptos ou desligados dos valores e tendências contemporâneos. Além disso, Ayalon e Tesch-Romer (2018) discutiram o conceito de irrelevância como uma manifestação de idadismo, em que os indivíduos idosos são vistos como irrelevantes em vários contextos sociais. As atitudes e os estereótipos do idadismo podem contribuir para a noção de que os idosos já não são valiosos, conhecedores ou capazes de fazer contribuições significativas para a sociedade.

A maioria dos participantes verbalizou que se sentia ansiosa devido ao idadismo. A ansiedade e o envelhecimento estão frequentemente interligados, uma vez que os idosos podem sentir maior ansiedade devido aos estereótipos negativos, à discriminação e às pressões sociais associadas ao envelhecimento. Nelson (2016) também investigou os efeitos psicológicos do idadismo e concluiu que este pode induzir ansiedade em adultos seniores que antecipam ou experimentam discriminação baseada na idade. O medo de ser desvalorizado, ignorado ou discriminado pode aumentar os níveis de ansiedade e afetar negativamente o bem-estar dos idosos.

Por último, estes participantes salientaram que os estereótipos negativos, os preconceitos e os comportamentos discriminatórios associados ao idadismo podem também provocar reações emocionais intensas nos idosos. Nelson (2016) argumentou que o idadismo pode provocar tensão emocional nos idosos, que podem sentir dor, humilhação ou raiva quando confrontados com estereótipos negativos ou comportamentos discriminatórios. Estas respostas emocionais intensas podem resultar de uma perceção de injustiça ou maus-tratos (Nelson, 2016).

Para o terceiro objetivo, revelou-se que o envolvimento cívico ajudou os idosos a desenvolver um sentido de propósito. De facto, Griep et al., (2017) descobriram que o envolvimento cívico, como o voluntariado, contribui positivamente para o sentido de propósito e a saúde geral dos idosos.

A integração social foi o segundo tema mais importante para estes participantes, uma vez que as atividades cívicas oferecem oportunidades para desenvolverem redes sociais e um sentimento de pertença à comunidade (Griep et al., 2017).

O terceiro tema relatado foi aprender competências, sendo referido que o envolvimento em atividades cívicas que envolvam estimulação intelectual, resolução de problemas e aquisição de conhecimentos pode ajudar a manter e melhorar as capacidades cognitivas (Keefer et al., 2023).

O sentido de agência foi verbalizado pela maioria dos participantes. O envolvimento cívico permite que os idosos participem ativamente nas suas comunidades e desenvolvam um sentido de agência sobre o seu meio envolvente. Os idosos podem moldar ativamente ambientes que satisfaçam as suas necessidades e preferências, participando em projetos comunitários, iniciativas de planeamento urbano ou associações de bairro (Vega-Tinoco et al., 2022). O envolvimento cívico é essencial para nutrir um sentido de autonomia nos indivíduos, incluindo os idosos. O envolvimento cívico permite que os idosos participem ativamente nos processos de tomada de decisão, defendam os seus interesses e contribuam para uma mudança social positiva (Vega-Tinoco et al., 2022).

A expressão emocional foi indicada por mais de metade dos participantes e pode ser facilitada para os idosos, através do envolvimento cívico. O envolvimento cívico implica frequentemente a participação em fóruns públicos, discussões comunitárias e esforços de debate onde os indivíduos podem expressar os seus pensamentos, preocupações e sentimentos abertamente. promovendo um sentimento de pertença e de agência (Gouin et al., 2009). Os idosos, podem expressar construtivamente as suas emoções através do envolvimento cívico, o que pode contribuir para uma melhor saúde mental e por sua vez partilhar preocupações, participando em debates comunitários, defesa de causas ou exposição pública (Gouin et al., 2009).

Este estudo tem algumas limitações. O idadismo e a participação cívica são multifacetados, e este estudo apenas avaliou estas variáveis de forma geral. Além disso, o idadismo é percecionado de forma diferente por diferentes indivíduos, com base em fatores biopsicossociais e culturais. Embora esta amostra fosse transnacional, os resultados foram bastante homogéneos nas diferentes culturas. Futuros estudos de investigação com métodos mistos podem também ser úteis para estudar os vários fatores e facetas subjacentes ao idadismo, à participação cívica e à saúde mental.

Em conclusão, este estudo destaca o impacto adverso do idadismo na participação cívica e na saúde mental dos idosos. Estes resultados podem contribuir para incentivar a integração dos idosos em atividades cívicas e por conseguinte, as interações intergeracionais. Ambientes de participação cívica sem idadismo são importantes para promover ambientes participativos favoráveis à idade avançada. Adicionalmente, intervenções adaptadas podem capacitar os idosos para a participação cívica e antecipar fatores que promovem a saúde mental. Este estudo também incidiu no impacto significativo do idadismo na saúde mental dos idosos. A influência do idadismo na saúde mental é maioritariamente sentido pelos idosos através pela desilusão, zanga e incompetência. No entanto, o forte efeito positivo da participação cívica na saúde mental é destacado, enfatizando o impacto fortalecedor desta para encontrar recursos psicológicos, e que se consubstancia sobretudo na experiência do sentido de propósito, integração social, competências e sentido de agência.

De facto, estes resultados sublinham a importância de combater o idadismo e de criar ambientes inclusivos e favoráveis à idade a nível mundial. Despromover atitudes e crenças inadequadas e promover espaços inclusivos é essencial para o bem-estar dos idosos e para a sua participação ativa na sociedade. Os decisores políticos, os profissionais de saúde e a sociedade em geral devem dar prioridade aos esforços para combater o idadismo e promover a saúde mental para melhor integrar os idosos na vida cívica.

Contribuição dos autores

Sofia von Humboldt: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Aquisição de financiamento, Investigação, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.

Andrea Costa: Redação do rascunho original.

Namrah Ilyas: Redação do rascunho original.

Isabel Leal: Redação - revisão e edição.

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Recebido: 05 de Novembro de 2023; Aceito: 18 de Dezembro de 2023

Autor de Correspondência: Sofia von Humboldt (sofia.humboldt@gmail.com)

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