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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.25 no.1 Lisboa abr. 2024  Epub 31-Mar-2024

https://doi.org/10.15309/24psd250105 

Artigo

Expressão sexual da díade de idosos na demência

Sexual expression of the elderly dyad in dementia

1Ispa - Instituto Universitário, Lisboa, Portugal

2William James Research Center, Ispa - Instituto Universitário, Lisboa, Portugal


Resumo

O diagnóstico de demência de um dos cônjuges da díade tem implicações na forma como os idosos se expressam sexualmente. Estudos anteriores focam-se na atividade sexual, negligenciando o amplo espetro da sexualidade. Este estudo tem como objetivo identificar o conceito de expressão sexual e perceber de que forma a díade de idosos expressa a sua sexualidade, após o diagnóstico de demência. A amostra, não probabilística, por conveniência e bola de neve, é constituída por dez idosos, cônjuges do parceiro com demência a residirem na comunidade. Os dados qualitativos foram recolhidos através de um questionário sociodemográfico e entrevistas semiestruturadas, posteriormente submetidos à análise de conteúdo. Para o conceito de expressão sexual identificaram-se oito categorias: Afetividade; Relações sexuais; Expressão amorosa; Comunicação; Suporte e cuidado; Bem-estar; Companheirismo e Atitudes. Relativamente a formas de expressão sexual obtiveram-se seis categorias: Manifestações de afeto e de cuidado; Diminuição do interesse sexual; Desejo sexual; Existência de relações sexuais; Surgimento de outros interesses e Impacto da menopausa na expressão sexual. Este estudo oferece uma representação diversificada da expressão sexual, enfatiza a importância do afeto e do cuidado para os idosos se manterem sexualmente ativos e contribui para o desenvolvimento de programas e intervenções de promoção de saúde e bem-estar sexual.

Palavras-Chave: Expressão sexual; Díade; Diagnóstico; Demência; Idosos

Abstract

The diagnosis of dementia in one of the spouses in the dyad has implications for the way elderly people express themselves sexually. Previous studies focus on sexual activity, neglecting the broad spectrum of sexuality. This study aims to identify the concept of sexual expression and understand how the elderly dyad expresses their sexuality, after the diagnosis of dementia. The non-probabilistic, convenience and snowball sample consists of ten elderly people, spouses of a partner with dementia living in the community. Qualitative data were collected through a sociodemographic questionnaire and semi-structured interviews, subsequently subjected to content analysis. For the concept of sexual expression, 8 categories were identified: Affection; Sexual relations; Loving expression; Communication; Support and care; Well-being; Companionship and Attitudes. Regarding forms of sexual expression, 6 categories were obtained: Manifestations of affection and care; Decreased sexual interest; Sexual desire; Existence of sexual relations; Emergence of other interests and Impact of menopause on sexual expression. This study offers a diverse representation of sexual expression, emphasizes the importance of affection and care for older adults to remain sexually active, and contributes to the development of programs and interventions to promote sexual health and well-being.

Keywords: Sexual expression; Dyad; Diagnosis; Dementia; Older adults

O processo de envelhecimento está associado ao funcionamento cognitivo, que diminui naturalmente com a idade, mas em alguns casos, podem surgir manifestações clínicas, como as doenças neurodegenerativas, especificamente a demência (Hartmans et al., 2015; Pinho & Pereira, 2019). A demência é o termo utilizado para caracterizar um grupo alargado de doenças, que causam um declínio global das funções cognitivas. O comprometimento dessas funções, ao longo do tempo, resultam na perda progressiva de capacidades que impedem o indivíduo de funcionar de forma independente, em diversos domínios da sua vida (D’cruz et al., 2020; Eskola et al., 2022; Evans & Lee, 2013). Para além da pessoa que vive com a demência, o diagnóstico pode ter um impacto significativo em todo o sistema familiar, incluindo os cuidadores, que são em grande parte dos casos, os cônjuges (Albert et al., 2022; Benbow et al., 2019). A responsabilidade da prestação de cuidados e a progressão da doença, podem afetar negativamente a qualidade percebida do relacionamento e ter impacto no funcionamento, experiências e expressão sexual da díade (Evans & Lee, 2013; Holdsworth & McCabe, 2017; Træen et al., 2016).

A sexualidade está presente ao longo da vida, no entanto, o impacto das alterações físicas e o comprometimento da capacidade funcional dos idosos, pode alterar a sua atividade sexual, muitas vezes a mudar de relações sexuais com penetração para outras formas de expressão sexual e intimidade (Fileborn et al., 2016; von Humboldt et al., 2020). A expressão sexual, particularmente na adultícia avançada, resulta de uma complexa interação de influências psicológicas, biológicas, económicas e socioculturais (DeLamater, 2012; von Humboldt et al., 2020). Nos idosos, este conceito corresponde a um espectro comportamental, complexo e amplo, que inclui um conjunto de atividades e experiências relacionadas à sexualidade, desde formas físicas de intimidade até à proximidade emocional e intelectual (DeLamater & Koepsel, 2014; Eskola et al., 2022; von Humboldt et al., 2020). A partir do momento, que a atividade sexual se torna mais difícil devido a limitações físicas, cognitivas ou ambientais, a intimidade torna-se um meio muito importante para manter a expressão sexual e foi associada a um maior prazer na vida e aumento do bem-estar geral (Rector et al., 2020; Roelofs et al., 2014; Smith et al., 2019).

O desenvolvimento sexual é um processo ao longo da vida, e a expressão sexual continua a ser uma componente vital para a saúde e bem-estar dos idosos de forma geral, tanto para aqueles que vivem com demência como para os seus parceiros. Após o diagnóstico, a expressão sexual da díade que antes podia estar mais relacionada ao ato sexual, pode transitar para a expressão de afeto, em que muitos idosos encontram prazer a partir de simples carícias como o beijo e o abraço ou com a partilha emocional, como palavras de amor (Eskola et al., 2022; Pinho & Pereira, 2019; Sandberg, 2020; Shavit et al., 2017). Assim, é necessário olhar para o conceito de expressão sexual de forma mais ampla e diversificada, incluindo componentes objetivas e subjetivas, de comportamentos motivados pela obtenção de prazer (DeLamater, 2012; von Humboldt et al., 2020). Este entendimento, é especialmente importante quando estudamos a sexualidade em idosos com demência, uma vez que, a progressão da demência pode ter efeitos profundos sobre a díade, particularmente no seu relacionamento sexual íntimo (Albert et al., 2022; Rector et al., 2020; Sandberg, 2020). No entanto, investigações anteriores centram-se principalmente na atividade sexual propriamente dita (Hartmans et al., 2015).

Além disso, existe uma tendência de ignorar o tema quando falamos em idosos, especialmente de considerar os idosos que sofrem alterações do funcionamento cognitivo, como incapazes de serem sexualmente ativos (Rector et al., 2020; Sandberg, 2020; Souza Júnior et al., 2020). Grande parte da literatura empírica sobre a expressão sexual dos idosos com esta condição, está associada a comportamentos patológicos (Eskola et al., 2022; Rector et al., 2020; Sandberg, 2020; Souza Júnior et al., 2020). Estas definições limitadas e patológicas, desconsideram a complexidade dos sentimentos dos casais que convivem com esta doença e influenciam negativamente a forma como se estes se percecionam sexualmente (Albert et al., 2022; Sandberg, 2020; Youell et al., 2015). Para muitos casais, formas não sexuais de expressão da sexualidade são consideradas importantes e as manifestações afetivas encontram-se relacionadas à qualidade de interação e podem assumir uma alternativa para os elementos da díade se sentirem próximos e se conectarem um com o outro (Bjørge et al., 2016; D’cruz et al., 2020). Assim, torna-se importante reconhecer as diversas formas pelas quais os casais se relacionam, nunca desconsiderando as suas necessidades sexuais, incluindo todas as nuances que enfatizam a sexualidade e a intimidade (Shavit et al., 2017).

O presente estudo torna-se relevante visto que, apesar do crescente reconhecimento da existência e importância da sexualidade na adultícia avançada, a expressão sexual do casal idoso com demência é um tópico de pesquisa relativamente negligenciado. Além disso, na população idosa portuguesa, não foi encontrada nenhuma investigação que explorasse o conceito de expressão sexual a partir de uma perspetiva afetiva e de intimidade da díade que convive com a demência de um dos cônjuges. Assim, este estudo foi desenhado dada a sua relevância para a saúde pública e o seu significativo potencial para fornecer conhecimento das experiências vividas na demência. O objetivo desta investigação é identificar o conceito de expressão sexual e perceber de que forma os idosos expressam a sua sexualidade, após o diagnóstico de demência.

Método

Participantes

A amostra é constituída por dez idosos, parceiros do cônjuge diagnosticado com demência. Os participantes tinham entre 68 e 94 anos (M = 77,18; DP = 8,26), sendo a maioria do sexo feminino (60%). Foram definidos como critérios de elegibilidade: ter idade igual ou superior a 65 anos; manter uma experiência conjugal (i.e., casamento, união de facto); um elemento da díade apresentar o diagnóstico de demência (i.e., qualquer tipo e estágio da doença), o outro elemento não apresentar diagnóstico de perturbações psiquiátricas ou uso de substâncias e assegurar a sua capacidade cognitiva. A maioria dos participantes residia no distrito de Lisboa (60%), enquanto os restantes residiam em diferentes distritos de norte a sul de Portugal. Todos os participantes estavam casados e residiam nas suas próprias casas. Em relação aos cônjuges com demência, a maioria era do sexo masculino (60%), o tempo de diagnóstico de demência variava entre 2 e 15 anos (M = 7,5; DP = 4,17) e prevalecia o diagnóstico de Alzheimer (50%).

Material

O presente estudo de natureza qualitativa, foi realizado através de um questionário sociodemográfico e uma entrevista semiestruturada, ambos elaborados tendo em conta os objetivos do estudo. O guião da entrevista foi composto por duas questões: 1. “O que entende por expressão sexual?”, 2. “Atualmente, como se expressa sexualmente?”.

Procedimento

O primeiro contacto com os participantes foi para garantir a sua disponibilidade, foram referidos os objetivos do estudo e agendado um dia para a realização da entrevista. No dia marcado, num primeiro momento foi solicitado e obtido o consentimento informado do participante, seguido do questionário sociodemográfico e posteriormente foi realizada a entrevista.

As entrevistas realizaram-se individualmente, a maioria presencialmente (70%) e as restantes por chamada telefónica (30%), tendo em conta a localização geográfica dos participantes. A duração das entrevistas variou entre 20 a 40 minutos e todas foram gravadas em áudio. O protocolo e os procedimentos foram aprovados pelo conselho de ética institucional do ISPA - Instituto Universitário e do William James Center for Research, ISPA.

Os dados foram analisados utilizando o método de análise de conteúdo. Este método consiste num conjunto de técnicas que visam analisar o que foi dito, construindo e apresentando concepções em torno de um objeto de estudo (Bardin, 1977). Primeiro, as entrevistas em áudio foram transcritas literalmente e lidas na íntegra, várias vezes, até que não houvessem novos dados. Em seguida, deu-se início à codificação da informação e foram criados os códigos. Para garantir a confiabilidade, realizaram-se reuniões regulares para discussão em conjunto dos dados. Este é um processo iterativo, que permite uma análise mais profunda, no qual os dados são discutidos e revistos repetidamente com a finalidade de dar credibilidade às descobertas (Laville & Dionne, 1997). Posteriormente, os códigos criados foram atribuídos e procedeu-se à categorização que originou um sistema de categorias, selecionadas atingindo a saturação teórica. Finalmente, as categorias finais foram organizadas hierarquicamente.

Resultados

A análise de conteúdo foi realizada para os seguintes temas: 1) “perceção da expressão sexual”; e 2) “formas de expressão sexual”. Cada tema procura responder a um objetivo do estudo.

Perceção da expressão sexual

Para o tema “perceção da expressão sexual” resultaram oito categorias: “afetividade”, “relações sexuais”, “expressão amorosa”, “comunicação”, “suporte e cuidado”, “bem-estar”, “companheirismo”, “atitudes”.

Afetividade. Os participantes indicaram que a expressão sexual assume um conjunto diversificado de manifestações de afeto, como o carinho, abraços, beijos, toque, olhar (n = 18). A maioria reconheceu a importância de formas não sexuais para expressar a sexualidade. “Acho que se baseia num conjunto de afetos demonstrados com maior ou menor intensidade (...)”. (João; masculino; 83 anos).

Relações sexuais. Os participantes associaram o conceito de expressão sexual à relação sexual penetrativa (n = 11). “Para mim a expressão sexual é a relação sexual (...)”. (Rosa; feminino; 84 anos).

Expressão amorosa. Os participantes mencionaram que após o diagnóstico de demência do cônjuge, sentimentos de amor são importantes para a sexualidade do casal (n = 9). “(...) o que eu tenho pelo meu marido é muito amor (...)”. (Fernanda; feminino; 70 anos).

Comunicação. Os participantes, principalmente do sexo feminino, destacaram a importância da comunicação entre o casal, para a expressão da sua sexualidade (n = 6). “(...) a expressão sexual (...) é uma troca entre as pessoas, de frases, palavras (...)”. (Ana; feminino; 75 anos).

Suporte e cuidado. Os participantes verbalizaram que cuidar do parceiro com demência proporciona segurança e integra a sua expressão sexual (n = 3). “(...) eu quero tratar dele até que eu seja capaz (...)”. (Fernanda; feminino; 70 anos).

Bem-estar. Os participantes indicaram a expressão sexual como uma componente vital para seu bem-estar (n = 1). “(...) expressão sexual é tudo o que há na vida, para uma pessoa sentir-se bem (...)”. (Artur; masculino; 73 anos).

Companheirismo. Os participantes referiram encontrar prazer na companhia um do outro, após o diagnóstico de demência do cônjuge, e indicaram o companheirismo como parte da sua expressão sexual (n = 1). “(...) para mim neste momento, o meu marido é a minha companhia, toda a vida fomos companheiros mas agora somos mais companheiros que nunca (...)”. (Fernanda; feminino; 70 anos).

Atitudes. Os participantes percecionaram o conceito de expressão sexual como um conjunto de atitudes (n = 1). “(...) portanto é um conjunto, eu acho que a expressão sexual é um conjunto de atitudes (...)”. (Ana; feminino; 75 anos).

Formas de expressão sexual

A partir da análise de dados, resultaram seis categorias para o tema “formas de expressão sexual”: “manifestações de afeto e de cuidado”, “diminuição do interesse sexual”, “desejo sexual”, “existência de relações sexuais”, “surgimento de outros interesses”, “impacto da menopausa na expressão sexual”.

Manifestações de afeto e cuidado. Os participantes indicaram expressar a sua sexualidade através de manifestações como o toque, o abraço, o beijo, a companhia e o carinho (n = 8). A maioria afirmou que estas manifestações surgem como uma alternativa prazerosa quando as relações sexuais deixam de ser possiveis para o casal. “(...) já não me diz nada em termos de relação sexual, mas o resto, o gostar de estar com ele, o carinho, a companhia dele, isso continua tudo igual, fazer carinhos, dar 19 festas e beijinhos (...)” (Ana; feminino; 75 anos).

Diminuição do interesse sexual. Os participantes indicaram que após o diagnóstico de demência do cônjuge, a necessidade e frequência das relações sexuais do casal diminui (n = 3). “ (...) naturalmente que na minha idade e na situação em que a minha mulher está, a necessidade de ato sexual é muito menos frequente do que antigamente.” (João; masculino; 83 anos).

Desejo sexual. Os participantes indicaram que o desejo sexual assume uma forma para os idosos continuarem a expressar a sua sexualidade, após o diagnóstico de demência do cônjuge (n = 2). “Atualmente, quer dizer relativa à situação atual, estou de férias, como se costuma dizer. Não quer dizer que não tenha desejos, mas estou de férias.” (Joaquim; masculino; 86 anos).

Existência de relações sexuais. Apenas um participante, afirmou que o casal expressa a sua sexualidade através das relações sexuais, depois do diagnóstico de demência (n = 1). “Expresso-me através da relação sexual (...)”. (Sílvia; feminino; 68 anos).

Surgimento de outros interesses. Os participantes explicaram que associado às mudanças causadas pela progressão da demência na sua expressão sexual, surgem outros interesses que ganham destaque e importância (n = 1). “Agora tenho outro tipo de coisas que me interessam mais, isso também muda”. (Ana; feminino; 75 anos).

Impacto da menopausa na expressão sexual. Participantes do sexo feminino, referiram que a menopausa diminuiu o interesse e necessidade de expressarem a sua sexualidade através da relação sexual (n = 1). “(...) eu acho que depois da menopausa comecei-me a desinteressar mais, não é por ele, pronto aconteceu.”. (Silvia; feminino; 68 anos).

Discussão

Este estudo pretende identificar o conceito de expressão sexual e perceber de que forma os idosos expressam a sua sexualidade, após o diagnóstico de demência do cônjuge. Os resultados mostram a relevância de uma variedade de categorias encontradas em cada tema.

Relativamente, à perceção dos idosos do conceito de expressão sexual, a “afetividade” foi a categoria mais referida (n = 18). Estudos já mostraram que a expressão sexual, para os idosos, corresponde a um conjunto amplo de manifestações que vão para além da relação sexual (Sales & Menezes, 2017; Syme et al., 2018). Além disso, a expressão de afetos foi associada a maior prazer na vida, aumento do bem-estar geral (Rector et al., 2020) e, maior satisfação com o relacionamento (DeLamater & Koepsel, 2014). A maioria dos participantes associou a expressão sexual à “relação sexual” (70%). Estes resultados podem ser explicados, pela educação que os idosos receberam e experiências que viveram no passado (Sales & Menezes, 2017). A “expressão amorosa”, a “comunicação” e o “companheirismo”, foram considerados importantes pelos idosos, para a expressão da sua sexualidade. Os resultados corroboram estudos (Bjørge et al., 2016; Eskola et al., 2022; Shavit et al., 2017; Træen et al., 2016) que identificaram que os sentimentos de amor, a comunicação e o companheirismo surgem como uma forma de união, que permitem ao casal manter a proximidade emocional e pode ajudá-los a ultrapassar as adversidades da vida, como a demência. Os resultados indicam que na adultícia avançada, o “suporte e cuidado” podem representar uma forma de expressão sexual. Manifestar cuidado, surge como uma extensão da intimidade, contribuindo para a manutenção de um relacionamento positivo entre a díade de idosos (von Humboldt et al., 2020; Youell et al., 2015). A expressão sexual foi associada, pelos idosos, ao seu “bem-estar”, o que indica que o bem-estar deve abranger as expressões e experiências sexuais reais dos idosos, ao invés de se limitar à ausência de doença e à relação sexual penetrativa (Syme et al., 2018). Os resultados também mostram, que a expressão sexual foi percecionada, pelos idosos, como um conjunto de atitudes. DeLamater (2012), mostrou que atitudes positivas sobre a sexualidade podem aumentar a expressão sexual dos idosos.

No que concerne a “formas de expressão sexual”, a maioria dos participantes indicaram as “manifestações de afeto e de cuidado” (50%), como a forma mais frequente de expressarem a sua sexualidade. Os resultados mostram que a progressão da demência, pode levar a díade de idosos a explorar outras formas, não sexuais, de expressão sexual (Albert et al., 2022; Nogueira et al., 2016; Sales & Menezes, 2017). Além disso, a identidade sexual do cônjuge cuidador pode ser substituída por uma identidade cuidadora, associada à prestação de cuidados (Eskola et al., 2022). Os idosos relataram a “diminuição do interesse sexual”, como consequência do diagnóstico de demência do parceiro. No entanto, este desinteresse sexual parece coincidir com a mudança na auto identidade do cônjuge cuidador, como prestador de cuidados em vez de parceiro conjugal (Pozzebon et al., 2016). Além disso, as mudanças que surgem após o diagnóstico de demência e a carga de cuidados, experienciada pelo casal, diminui o interesse sexual (Eskola et al., 2022; Sandberg et al., 2020). Categorias como, o “desejo sexual”, a “existência de relações sexuais” e o “surgimento de outros interesses”, demonstram que após o diagnóstico de demência do cônjuge, o casal de idosos continua a expressar a sua sexualidade. Os resultados evidenciam que o desejo sexual nem sempre diminui com a idade e, pode perdurar apesar do declínio cognitivo (DeLamater & Koepsel, 2014; Roelofs et al., 2014; Pinho & Pereira, 2019). Além disso, expressar a sexualidade através de relações sexuais, pode estar associada a estágios mais iniciais da doença (Sandberg et al., 2020). O facto da expressão sexual depender de uma série de variáveis, como a disponibilidade de um parceiro capaz, a saúde física e mental do casal, a privacidade, a história e as suas práticas sexuais (Abdo, 2013), pode explicar o surgimento de outros interesses como formas destes idosos se expressarem sexualmente. O “impacto da menopausa na expressão sexual”, parece estar relacionado com as mudanças que as mulheres sofrem ao longo do processo de envelhecimento, que podem ser acentuadas pela progressão da demência do seu cônjuge. O declínio gradual dos níveis de estrogénio, foi associado a frequência reduzida ou cessão da atividade sexual (DeLamater & Koepsel, 2014).

O presente estudo apresenta algumas limitações. A dimensão reduzida da amostra (n = 10), pode resultar na falta de representatividade. Além disso, o processo de amostragem, não probabilístico, condiciona a generalização dos resultados para amostras semelhantes, há necessidade de, no futuro, incluir uma amostra maior e mais diversificada. O facto de alguns participantes, poderem ter sentido alguma pressão para responder ou terem adaptado a sua narrativa, segundo alguma desejabilidade social também é uma limitação. Apesar das limitações, este estudo contribui para a literatura, para entender como os casais de idosos percecionam e experienciam a sexualidade, após o diagnóstico de demência de um dos cônjuges.

Concluímos que os idosos representaram o conceito de expressão sexual de forma diversificada, apesar deste surgir ainda muito associado à relação sexual. Por isso, futuros programas comunitários, deverão oferecer informações adequadas sobre a possibilidade do casal desenvolver meios alternativos para expressar a sua sexualidade e intimidade. Este estudo revela que o diagnóstico de demência não implica a cessão da sexualidade da díade, embora possa haver diminuição da relação sexual, os idosos mantém-se ativos na expressão da sua sexualidade. Os resultados destacam a possibilidade da sexualidade ser vivida como uma dimensão afetiva e realçam a riqueza da intimidade do casal de idosos, após o diagnóstico de demência de um dos cônjuges. Nesse sentido, futuros programas de sensibilização social e intervenções com casais de idosos com demência, devem ter em consideração as nossas descobertas para promover a saúde e o bem-estar sexual.

Contribuição dos autores

Patrícia Baião: Concetualização, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Redação do rascunho original.

Sofia von Humboldt: Supervisão, Validação, Redação - revisão e edição.

Isabel Leal: Supervisão.

Referências

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Recebido: 05 de Novembro de 2023; Aceito: 19 de Dezembro de 2023

Autor de Correspondência: Patrícia Baião (patricia.m.baiao.silva@gmail.com)

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