Inevitavelmente, um acontecimento como a pandemia causada pela COVID-19 tem resultado em elevados níveis de sofrimento psicológico para a população a uma escala mundial (Benfante et al., 2020; Pappa et al., 2020; Vizheh et al., 2020). Em Portugal, estudos recentes, demonstram que as principais perturbações evidenciadas são a ansiedade, depressão, stress pós-traumático, insónias, burnout, consumos e adições (Almeida et al., 2020; da Silva et al. 2021; Serrão et al., 2021).
Particularmente, os profissionais de saúde (PS), enfrentam um risco acrescido de desenvolvimento de psicopatologia, devido ao confronto diário e persistente com situações altamente desafiantes, stressantes e potencialmente traumáticas (Almeida et al., 2020; Benfante et al., 2020). Se, por um lado, no contexto pessoal, e do ponto de vista emocional e psicológico, enfrentam situações potenciadoras de medo (p.ex. de contágio ao próprio e/ou às pessoas mais significativas), incerteza, cansaço extremo, (entre outras), por outro lado, num contexto laboral, os PS enfrentam também situações relacionadas com a falta de recursos, os dilemas éticos, o excesso de horas de trabalho, a falta de suporte social, dificuldade em conciliar os dois contextos, entre outras situações, potenciadoras de sofrimento psicológico (Almeida et al., 2020; Finstad et al., 2021; Lai et al., 2020).
Uma pandemia é uma situação que, consoante a experiência individual, pode ser considerada um acontecimento traumático. De acordo com DSM-5 (American Psychiatric Association, 2013) um acontecimento traumático é aquele que envolve a morte ou a ameaça de morte de forma violenta ou acidental, como por exemplo a exposição a situações adversas como uma vivência/diagnóstico de uma doença grave/crónica. Porém, Tedeschi e Calhoun (1996; 2004) acrescentam que para um acontecimento ser considerado traumático não é necessário que este seja violento ou acidental, e que depende da perceção e avaliação que o individuo faz da severidade da sua experiência, e se essa vivência tem um impacto disruptivo nas suas crenças centrais (Tedeschi et al., 2018).
Metaforicamente, um acontecimento traumático que destrói o mundo assumptivo do individuo (i.e., os esquemas de crenças centrais de um individuo acerca da forma como este se interpreta a si, aos outros e ao mundo), assemelha-se a um terramoto que destrói os alicerces principais de um edifício. Tal como um edifício que se reconstrói, fortificando as suas estruturas, também o individuo tem a capacidade de “reconstruir” estas crenças centrais à medida que lida com o acontecimento e à medida que se esforça para compreender a nova realidade e atribuir-lhe um significado (Janoff-Bulman, 2006; Tedeschi et al., 2018). Esta reconstrução faz-se através da expressão emocional, do suporte social, de estratégias de coping eficazes e através do processamento cognitivo que é iniciado pela necessidade de o individuo questionar e reavaliar as crenças centrais pré-existentes. Este processamento cognitivo caracteriza-se por dois estilos de ruminação, primeiramente um estilo de ruminação mais intrusiva e mais tarde um estilo de ruminação deliberada (Tedeschi et al., 2018).
Além das consequências negativas que podem resultar de um acontecimento traumático, um acontecimento como a pandemia causada pela COVID-19 pode também resultar numa oportunidade para avaliar e percecionar mudanças positivas, fenómeno este que se designa por crescimento pós-traumático (CPT) (Tedeschi & Calhoun, 1996).
Neste âmbito, diversos têm sido os estudos que demonstram a prevalência de CPT considerando como acontecimento traumático, por exemplo o diagnóstico de doença oncológica (Yastıbaş & Karaman, 2021) vivência de situações de guerra (Ferris & O’Brien, 2022) e inclusive a Covid-19 (Cheng & Liu, 2022; Finstad, et al., 2021). Nomeadamente, Finstad e colaboradores (2021) demonstraram através de uma revisão de literatura que os PS reportaram níveis elevados de CPT durante a pandemia. Em particular, alguns estudos demonstraram que estratégias de coping adaptativas como a religião, o suporte social, meditação e relaxamento (entre outras), estão positivamente correlacionadas com níveis mais elevados de CPT, nos PS (Kalaitzaki & Rovithis, 2021).
Embora se verifique a implementação de intervenções promotoras da saúde mental durante a época pandémica, dirigidas quer à população em geral, quer aos PS especificamente (Cavalcante et al., 2020), são ainda escassos os estudos que demonstram a implementação de programas de intervenção promotores de CPT. Torna-se por isso fundamental continuar a desenvolver e a avaliar a eficácia de programas de intervenção desenvolvidos à luz do modelo teórico de CPT, que demonstrem e facilitem a compreensão da perceção de mudanças positivas individuais após a experiência de acontecimentos traumáticos, nestas e outras populações.
Aliando a necessidade de se implementarem medidas dirigidas aos PS (Almeida et al., 2020; Finstad et al., 2021) à necessidade de se desenvolveram medidas que contribuam para a compreensão do CPT, surgiu o GrowthCare (GWCA) - um programa de intervenção em grupo que visa: a) rastrear e mitigar o sofrimento psicológico; b) promover e desenvolver estratégias de coping eficazes, facilitar a expressão emocional e o suporte social e c) promover o CPT contribuindo para um melhor bem-estar físico e psicológico dos PS dos cuidados de saúde primários. O GWCA assenta nos 5 pressupostos fundamentais para o desenvolvimento de uma intervenção promotora de CPT como sendo: (a) a psicoeducação, (b) gestão do distress emocional, (c) promoção da expressão emocional, (d) reconstrução da narrativa de vida e (e) redefinição de novos objectivos de vida. Integra por isso, uma abordagem teórica integrativa, na medida em que permite não só a implementação de técnicas de intervenção especificas e direcionadas, mas também a criação de um contexto facilitador e orientador da interpretação do acontecimento traumático, da atribuição de significado e da sua integração na narrativa de vida (Tedeschi et al., 2018).
O presente estudo pretende apresentar o protocolo de intervenção do GWCA e avaliar os seus efeitos em contexto de cuidados de saúde primários, colocando-se a hipótese de que os participantes do GWCA demonstrem maiores níveis de CPT e níveis mais reduzidos de sintomatologia psicopatológica no final do programa de intervenção.
Método
Participantes
A amostra incluiu 9 participantes (M idade =40,56; DP=8,55; Mdn=40; IQR=12), maioritariamente mulheres (n = 7; 77,8%), com ensino superior (n=9; 100%) e casadas (n = 4; 44,4%). O Quadro 1 demonstra as características sociodemográficas da amostra. Como critério de inclusão, consideraram-se os PS a exercer funções no SNS, durante o contexto pandémico e não estar atualmente em processo psicoterapêutico.
Material
Os dados dos participantes relacionados com características pessoais (idade, género, escolaridade, etc.) e dados de serviço (categoria profissional, anos de serviço, etc.) foram recolhidos através um questionário sociodemográfico.
Para avaliar a ansiedade, depressão e stress, recorreu-se à versão portuguesa da Depression Anxiety Stress Scales-DASS, criada por Lovibond e Lovibond (1995) e adaptada por Pais-Ribeiro e colaboradores (2004) (EADS-21), composta por 21 itens (e.g. “Não fui capaz de ter entusiasmo por nada”) distribuídos por três sub-escalas: depressão, ansiedade e stress. As respostas são dadas numa escala tipo Likert de 4 pontos de gravidade ou frequência, sendo que 0 significa “não se aplicou nada a mim” e 3 “aplicou-se a mim a maior arte das vezes”. Os resultados variam entre 0 e 21 em cada escala, sendo que resultados mais elevados significam estados afetivos mais negativos (Pais-Ribeiro et al., 2004). A versão portuguesa do instrumento apresenta boas qualidades psicométricas, reportando valores de consistência interna para a escala da depressão (α = 0,85), para a escala de ansiedade (α = 0,74) e para a escala de stress (α = 0,81) (Pais-Ribeiro et al., 2004).
Variável | N | % |
Idade (M, DP) | 40,56 (8,55) | |
Género | ||
Feminino | 7 | 77,8 |
Masculino | 2 | 22,2 |
Outro | ||
Estado civil | ||
Solteiro(a) | 3 | 33,3 |
Casado(a) | 4 | 44,4 |
União de facto | 2 | 22,2 |
Habilitações literárias | ||
Licenciatura | 3 | 33,3 |
Mestrado | 6 | 66,7 |
Categoria Profissional | ||
Assistente técnico(a) | 1 | 11,1 |
Enfermeiro(a) | 4 | 44,4 |
Médico(a) | 4 | 44,4 |
Anos de serviço na USF | ||
Inferior a 1 ano | 1 | 11,1 |
De 1 a 3 anos | 4 | 44,4 |
De 4 a 7 anos | 4 | 44,4 |
Tipo de horário | ||
Fixo | 4 | 44,4 |
Rotativo | 5 | 55,6 |
A versão portuguesa da Posttraumatic Stress Disorder Checklist-PCL-5 (Weathers et al., 2013; Blevins et al., 2015) adaptada por Carvalho e colaboradores (2020) foi utilizada para avaliar a presença de sintomas de PPST. Contem 20 itens (e.g. “Dificuldades em recordar partes importantes da experiência stressante?”) distribuídos em quatro dimensões: critério B - sintomas intrusivos, critério C - sintomas de evitamento, critério D - sintomas de alterações negativas na cognição e humor e critério E - sintomas de alterações significativas na ativação e reatividade (de acordo com a DSM-V - APA, 2013). As respostas são avaliadas numa escala de Likert de 5 pontos sendo que 0 corresponde a “nada” e 4 corresponde a “extremamente”. A pontuação final varia entre 0 e 80 pontos, sendo que a pontuação mais elevada corresponderá à presença de sintomatologia clinicamente mais significativa (Blevins et al., 2015). A versão portuguesa do questionário apresenta excelentes qualidades psicométricas nomeadamente de consistência interna (α = 0,94) (Carvalho et al., 2020).
O crescimento pós-traumático foi avaliado através da versão portuguesa do Posttraumatic Growth Inventory - PTGI desenvolvido por Tedeschi e Calhoun (1996) e adaptado para a população portuguesa por Silva e colaboradores (2009) e Ramos e colaboradores (2016). É composto por 21 itens (e.g. “Consigo fazer coisas melhores com a minha vida”) divididos em 5 dimensões: relações interpessoais, novas possibilidades, competências pessoais, desenvolvimento espiritual e valorização da vida (Ramos et al., 2016). As respostas são dadas numa escala Likert de 6 pontos que varia desde 0 (0 “Eu não experienciei esta mudança como resultado da minha doença”) a 5 (“Eu experienciei completamente esta mudança como resultado da minha doença”) e os resultados variam 0 e 105 pontos, sendo que valores mais elevados indicam uma maior presença de crescimento pós-traumático. A versão portuguesa apresenta uma elevada consistência interna para a escala total (α= 0,92) e para as sub-escalas relações interpessoais (α= 0,85), novas possibilidades (α= 0,84), competências pessoais (α= 0,72), desenvolvimento espiritual (α= 0,85) e valorização da vida (α= 0,67) (Ramos et al., 2016).
O burnout foi avaliado através da versão portuguesa do Maslach Burnout Inventory - Human Services Survey (MBI-HSS) desenvolvido por Maslach et al., (1981; 1996) e adaptado para a população portuguesa por Vicente e colaboradores (2013). É composto por 22 itens (e.g. “Sinto-me emocionalmente esgotado/a pelo meu trabalho”), distribuídos por três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal. As respostas são dadas numa escala de tipo Likert de 7 pontos que varia desde 0 “Nunca” e 6 “Todos os dias”. Para a presença de burnout consideram-se os resultados mais elevados na dimensão de exaustão emocional e despersonalização e os resultados mais baixos na dimensão realização pessoal, uma vez que a escala não permite obter um cálculo da pontuação total do individuo. No estudo de validação português o MBI-HSS, apresenta uma consistência interna satisfatória, nas dimensões exaustão emocional (α=0,84) e despersonalização (α=0,59) e para a realização pessoal (α=0,70) (Vicente et al., 2013).
Para avaliar a vulnerabilidade ao stress recorreu-se ao Questionário de Vulnerabilidade ao Stress (23 QVS) desenvolvido por Vaz-Serra (2000). É composto por 23 itens, distribuídos por sete dimensões: perfecionismo e intolerância à frustração, inibição e dependência funcional, carência de apoio social, condições de vida adversas, dramatização da existência, subjugação e deprivação de afeto e rejeição. As respostas são dadas numa escala de tipo Likert de 5 pontos que varia desde 0 “Concordo em absoluto” e 4 “Discordo em absoluto”, e assume-se a vulnerabilidade ao stress a partir de um valor igual ou superior a 43. O questionário apresenta uma boa consistência interna para a escala total (α=0,84) (Vaz-Serra, 2000).
Para avaliação da satisfação dos participantes para com o GWCA foi desenvolvido um questionário composto por 25 questões considerando os conteúdos das sessões de intervenção, o desempenho da terapeuta, os métodos utilizados e a apreciação global da intervenção. A avaliação efetua-se em escala tipo Likert de 5 pontos (1- Nada; 2- Pouco; 3- Moderado; 4- Muito; 5- Bastante). A última sub-escala inclui uma questão (“Que nível de satisfação atribui à sua participação neste grupo de intervenção psicoterapêutica?”) cuja resposta é atribuída em escala analógica de 1 (Muito baixa) a 7 (Muito elevada).
Procedimento
O presente estudo piloto e quase-experimental foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde da ARS Lisboa e Vale do Tejo (063/CES/INV/2022), pela Direção Executiva do Aces Lisboa Ocidental e Oeiras e pela USF Lusa e realizou-se entre maio e junho de 2023. O protocolo de investigação foi apresentado aos potenciais participantes durante a apresentação do projecto GWCA à USF. Para a constituição do grupo psicoterapêutico, os participantes manifestaram a sua intenção e disponibilidade para integrar o GWCA através de uma folha de inscrição. Não houve lugar a grupo de controlo. Os participantes foram mais tarde contactados para agendamento da avaliação inicial (T0), onde foi 1) realizada uma entrevista clínica semi-estruturada (individual); 2) avaliados os critérios de elegibilidade e eventuais contraindicações para a participação no programa de intervenção; 3) recordados os objectivos do estudo bem como esclarecimento de dúvidas resultantes da apresentação do protocolo de investigação; 4) assinado o consentimento informado e explicada a garantia de confidencialidade e anonimização dos dados através da utilização de código alfanumérico; 5) recolhidos os dados sociodemográficos, clínicos e das variáveis psicológicas em estudo, através do preenchimento de questionários e 6) analisadas as expectativas relativamente ao GWCA. Após T0, foram iniciadas as sessões em grupo. O GWCA é uma intervenção psicológica em grupo que integra uma abordagem integrativa (Tedeschi et al., 2018) e decorre em 7 sessões, com periodicidade semanal e com a duração de 60 minutos cada. O quadro 2 demonstra a estruturação das sessões.
Sessão | Objectivo | Conteúdo Temático |
---|---|---|
1 | Apresentação; Construção do grupo psicoterapêutico; Expressão emocional. | Apresentação das regras e formato das sessões; Dinâmica de grupo; Expectativas do grupo para com o GWCA |
2 | Psicoeducação; Autorregulação. | Stress - Sinais, sintomas e consequências; Estratégias de autorregulação e gestão de stress |
3 | Autorregulação; Expressão emocional. | Estratégias de autorregulação; Exercícios de expressão emocional |
4 | Psicoeducação; Expressão emocional. | TRE, Reestruturação cognitiva; Role-play. |
5 | Autorregulação; Reestruturação cognitiva. | Relaxamento; Auto-monitorização de pensamentos |
6 | Autorregulação; Expressão emocional. | Relaxamento; Balanço entre ganhos e perdas Escrita narrativa. |
7 | Encerramento | Redefinição de objectivos de vida Analise das expectativas iniciais e aprendizagens Avaliação final (T1) |
Decorridas 7 semanas, no fim da última sessão, realizou-se a avaliação final (T1), onde foram recolhidos dados relativos às mesmas variáveis psicológicas que em T0 e também um questionário de satisfação para com o programa de intervenção. Passados 6 meses de T1 foi realizado um contacto de follow-up.
Análise Estatística
Foram avaliadas, com recurso ao software IBM SPSS Statistics v.29 medidas descritivas dos dados sociodemográficos e clínicos. Para se avaliarem as diferenças entre as duas medições, em T0 e T1, foi realizado o teste não-paramétrico Wilcoxon para amostras emparelhadas. Considerou-se em todas as análises estatísticas um nível de significância de p<0,05.
Resultados
A análise descritiva no quadro 3 apresenta valores de média, desvio-padrão, mínimos e máximos das escalas totais e subescalas, nos momentos de avaliação inicial (T0) e avaliação final (T1).
No que respeita ao CPT, após o GWCA, os participantes reportaram valores médios moderados na escala total (M = 63,11; DP = 19,02) e particularmente valores mais elevados na subescala relações interpessoais (M = 21,22; DP = 6,32). Relativamente às restantes variáveis, a análise descritiva demonstra níveis moderados de ansiedade, stress, depressão, burnout e vulnerabilidade ao stress e níveis reduzidos de stress pós-traumático.
T0 | T1 | |||||||||||
Variáveis | Min | Max | M | DP | Mdn | IQR | Min | Max | M | DP | Mdn | IQR |
CPT - Total | 15 | 76 | 48,89 | 17,64 | 47,00 | 19 | 34 | 89 | 63,11 | 19,02 | 65,00 | 33 |
Competências pessoais | 5 | 20 | 13,67 | 4,58 | 15,00 | 7 | 6 | 23 | 17,11 | 5,47 | 18,00 | 8 |
Desenvolvimento espiritual | 0 | 8 | 3,33 | 2,69 | 2,00 | 4 | 1 | 8 | 4,44 | 2,06 | 5,00 | 5 |
Valorização da vida | 4 | 10 | 7,00 | 2,12 | 8,00 | 4 | 4 | 14 | 9,33 | 3,04 | 10,00 | 5 |
Novas oportunidades | 0 | 18 | 10,78 | 5,29 | 12,00 | 7 | 4 | 20 | 14,00 | 5,61 | 17,00 | 9 |
Relações Interpessoais | 4 | 26 | 16,00 | 6,86 | 16,00 | 11 | 13 | 30 | 21,22 | 6,32 | 19,00 | 12 |
Ansiedade, Depressão e Stress - Total | 4 | 40 | 12,89 | 11,43 | 9,00 | 11 | 3 | 40 | 10,56 | 11,69 | 6,00 | 8 |
Depressão | 1 | 14 | 3,56 | 4,10 | 2,00 | 3 | 0 | 12 | 2,44 | 3,71 | 1,00 | 2 |
Ansiedade | 0 | 12 | 2,44 | 4,45 | 0,00 | 5 | 0 | 12 | 2,22 | 4,15 | 0,00 | 4 |
Stress | 2 | 4 | 6,89 | 3,92 | 6,00 | 6 | 2 | 6 | 5,89 | 4,43 | 5,00 | 6 |
Stress pós-traumático - Total | 1 | 47 | 10,11 | 14,80 | 3,00 | 11 | 0 | 47 | 10,44 | 14,65 | 6,00 | 12 |
Burnout - Exaustão emocional | 8 | 53 | 31,33 | 14,34 | 30,00 | 22 | 9 | 52 | 26,56 | 13,07 | 24,00 | 19 |
Burnout - Despersonalização | 2 | 13 | 7,33 | 5,00 | 5,00 | 10 | 1 | 10 | 4,56 | 3,21 | 4,00 | 6 |
Burnout - Realização pessoal | 22 | 41 | 33,33 | 5,52 | 32,00 | 7 | 20 | 45 | 34,89 | 7,04 | 36,00 | 8 |
Vulnerabilidade ao stress - Total | 32 | 55 | 46,11 | 6,53 | 46,00 | 7 | 38 | 57 | 44,78 | 5,83 | 46,00 | 8 |
Nota. CPT - Crescimento Pós-Traumático.
A análise de diferenças nas duas medições, obtidas através do teste não paramétrico de Wilcoxon demonstrou um aumento estatisticamente significativo no CPT (z=41,00, p=0,028) e uma diminuição dos níveis de depressão (z= 2,50, p=0,047) após a participação no GWCA, considerando um nível de significância de p<0,05.
O quadro 4 demonstra que não se verificaram diferenças estatisticamente significativas nas duas medições, obtidas para ansiedade, stress, stress pós-traumático, burnout e vulnerabilidade ao stress.
Variáveis | p |
---|---|
CPT - Total | 0,028* |
Ansiedade | 0,414 |
Stress | 0,351 |
Depressão | 0,047* |
Stress pós-traumático - Total | 0,944 |
Burnout - Exaustão emocional | 0,172 |
Burnout - Despersonalização | 0,096 |
Burnout - Realização pessoal | 0,528 |
Vulnerabilidade ao stress - Total | 0,612 |
Nota. *p<0,05; CPT - Crescimento Pós-Traumático
Discussão
O presente estudo teve como objectivo avaliar os efeitos do GWCA na promoção de CPT nos PS dos cuidados de saúde primários, considerando como acontecimento traumático a pandemia causada pela COVID-19.
Os resultados demonstram que os participantes do GWCA apresentam níveis mais elevados de CPT após a intervenção, o que sugere que o programa de intervenção foi eficaz na promoção de CPT. Considerando o modelo teórico proposto por Tedeschi e colaboradores (2018), a gestão cognitiva-emocional e o coping podem facilitar o surgimento de CPT como resultado da experiência traumática. Tendo em consideração a estrutura do GWCA, as estratégias de coping implementadas (autorregulação, facilitação e regulação da expressão emocional, promoção de suporte social, etc.) podem ter assumido um papel fundamental na obtenção destes resultados. Estudos recentes demonstraram que não só estratégias de coping focadas na resolução de problemas, que promovem o processamento cognitivo, (Yastıbaş & Karaman, 2021; Wu et al., 2022) como estratégias de coping focadas na emoção, que promovem a gestão e expressão emocional, (Darabos et al., 2021) facilitam o surgimento de CPT. Os resultados do presente estudo estão alinhados com os estudos recentes que demonstram que as estratégias de coping assumem-se como um factor fundamental no desenvolvimento de CPT, durante a vivência da pandemia Covid-19 (Finstad et al., 2021; Kalaitzaki & Rovithis, 2020).
Em termos metodológicos, tem vindo a verificar-se uma tendência crescente nos estudos que visam avaliar a eficácia de intervenções psicoterapêuticas na promoção de CPT (Li et al., 2020; Ramos et al., 2023).Roepke (2015) demonstrou através de uma meta-análise que programas de intervenção que contemplem a implementação de estratégias facilitadoras da expressão emocional e/ou estratégias de autorregulação (e.g. mindfulness) promovem CPT nos seus participantes. Estudos mais recentes também demonstraram a sua eficácia, quer em refugiados (Paloma et al., 2020) quer em mães de crianças com doença oncológica (Shakiba et al., 2020). Particularmente, em Portugal, um estudo, que assentou teoricamente nos 5 pressupostos fundamentais para intervenções promotoras de CPT, propostos por Tedeschi e colaboradores (2018), demonstrou-se como eficaz num grupo de mulheres com cancro de mama (Ramos et al., 2017). Este aspeto reforça a importância de se ter em consideração as recomendações metodológicas na elaboração de programas de intervenção promotores de CPT.
A prevalência de sintomatologia depressiva nos PS durante a época pandémica, tem sido amplamente evidenciada verificando-se níveis de depressão elevados, nesta população (Pappa et al., 2020; Sahebi et al., 2021; Yilmaz-Karaman et al., 2022). Particularmente, Yilmaz-Karaman e colaboradores (2022) analisaram as mudanças nos níveis de depressão e CPT, nos PS, ao longo da pandemia e constataram que os níveis de CPT diminuíram significativamente ao longo do tempo, enquanto os níveis de depressão aumentaram (ainda que de forma não estatisticamente significativa). Contrariamente, no presente estudo, os resultados demonstraram que após a participação no GWCA os participantes reportaram uma redução dos níveis de depressão, o que poderá indicar uma relação inversa comparativamente aos estudos anteriores.
Por outro lado, os resultados não demonstraram alterações estatisticamente significativas nos níveis de ansiedade, stress, burnout e vulnerabilidade ao stress. Tedeschi e Calhoun (1996; 2004) defendem que a presença de CPT não significa a ausência ou diminuição do distress, uma vez que são dimensões diferentes e podem por isso coexistir, ou seja, o mesmo indivíduo pode reportar como resultado da sua experiência traumática, simultaneamente, perturbações de ansiedade e stress, mas também crescimento. O CPT é um fenómeno complexo, mediado e influenciado por diversos factores que, pode considerar-se simultaneamente um resultado, mas também um processo (Tedeschi et al., 2018). Pode inclusive, não ocorrer CPT em indivíduos que se confrontam com um acontecimento traumático, pois este fenómeno não é universal (Tedeschi & Calhoun, 2004). O facto de em T0 os níveis de ansiedade, stress, burnout, stress pós-traumático e vulnerabilidade ao stress serem baixos a moderados pode suportar os resultados encontrados relativamente à inexistência de alterações estatisticamente significativas em T1, ou seja, o GWCA não se demonstrou eficaz na diminuição daqueles níveis, uma vez que os mesmos eram já reduzidos.
Uma das variáveis que pode justificar a ausência de alterações significativas nos níveis de psicopatologia, é a resiliência. Sabe-se que a resiliência está positivamente associada ao CPT e negativamente associada ao stress, ansiedade, depressão e burnout pelo que a existirem níveis significativos de resiliência, pode contribuir para a baixa prevalência dos níveis de psicopatologia. Lidar com uma situação como a pandemia causada pela COVID-19 forçou os PS a desenvolverem estratégias de resiliência, permitindo uma adaptação e respostas às adversidades experienciadas (Finstad et al., 2021; Kalaitzaki & Rovithis, 2021; Serrão et al., 2021).
Também o facto de amostra ser constituída por PS afetos aos cuidados de saúde primários e não profissionais de cuidados de saúde hospitalares (ditos de 1ª linha no combate à COVID-19) pode justificar a presença destes níveis reduzidos a moderados. Estudos recentes demonstraram que os PS de primeira linha apresentam níveis mais elevados de psicopatologia (stress, ansiedade, depressão, insónias) comparativamente a outros PS (Cai et al., 2020). Ainda, não só o facto de a pandemia provocada pela COVID-19 ter contribuído para um agravamento da sua saúde mental, atualmente os PS estão também sujeitos a uma serie de situações potencialmente desafiantes do ponto de vista psicológico. A conjuntura dos serviços de saúde em Portugal, serve por si só como factor de manutenção dos sintomas de ansiedade, stress e burnout. Nomeadamente, o burnout é atualmente a principal causa de absentismo em contexto laboral público, e está associado a perturbações de ansiedade e depressão verificando-se uma tendência crescente (Almeida et al., 2020; Serrão et al., 2021). Os PS, sentem-se cada vez mais exaustos, física emocional e psicologicamente, mais distanciados das suas funções e colegas e muito menos realizados profissionalmente, o que se reflecte não só na saude mental dos próprios profissionais como nos cuidados de saúde que prestam, tornando-se este não só num problema de saúde mental, mas também de saúde pública (Serrão et al., 2021). Este aspeto reforça a necessidade de se continuarem a implementar medidas urgentes na promoção da saúde mental dos PS, não só a um nível organizacional, mas fundamentalmente ao nível dos decisores políticos.
Como limitações deste estudo podemos considerar que estes dados não podem ser generalizados para a população portuguesa devido à reduzida dimensão amostral. Salienta-se que o GWCA é um programa que continua a ser implementado em mais unidades de saúde familiar pelo que se prevê um aumento na recolha de dados no âmbito deste programa de intervenção que possam contribuir para resultados mais consistentes. Recomenda-se que este estudo piloto e quase-experimental possa ser replicado e alargado para um estudo randomizado e controlado, e com uma amostra maior e mais heterogénea. Deste modo, conseguir-se-á uma melhor compreensão dos efeitos da participação do grupo de intervenção nas variáveis psicológicas.
Apesar das limitações, o presente estudo contribuiu para a compreensão do fenómeno de CPT nos PS em Portugal, evidenciando estratégias adaptativas que podem ser aplicadas em futuros programas de intervenção. Não sendo ainda suficiente a evidência científica acerca de programas de intervenção facilitadores de CPT, sugere-se que em estudos futuros se possa avaliar a eficácia de programas como o GWCA, não só nos PS como em outras populações.
Deste modo, conclui-se que o GWCA se constitui como uma intervenção psicológica em grupo promissora na promoção de CPT e na mitigação de sintomatologia psicopatológica inerente às situações potencialmente traumáticas nos PS.
Contribuição dos autores
Romina Nunes: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Catarina Ramos: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Supervisão, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.