A definição de saúde tem vindo a sofrer evoluções, colocando-se de lado a visão redutora de foco apenas na ausência de doença (Meneses, 2005; Pais-Ribeiro, 2009). Atualmente, considera-se a integração de todas as dimensões para uma melhor compreensão, uma vez que uma vivência prolongada com um quadro de dor origina uma alteração na dinâmica pessoal, familiar, social e profissional (Lemos et al., 2019).
O recrutamento de estratégias emocionais positivas conduz a uma melhor adesão terapêutica, proporcionando equilíbrio na saúde mental e bem-estar subjetivo que combina com uma saúde física mais ajustada (Vilhena et al., 2014). Para além disso, a evidência científica comprova que fatores de ordem cognitiva-comportamental, como são exemplo as crenças de Autoeficácia (AE), influenciam no modo de lidar com a dor (Keefe et al., 2018). Se os pensamentos adotados estiverem ligados à confiança de que é possível minimizar o impacto do quadro de dor, irá ser visível uma melhor compreensão e perceção da sua condição clínica (Petres & Ros, 2018).
Atualmente, o instrumento mais utilizado para a AE é a Escala de Autoeficácia Geral (General Self-efficacy Scale - GSE), desenvolvida por Jerusalem e Schwarzer, em 1995. Não obstante, no contexto de DC foram escassos os instrumentos identificados. Por esse motivo, emergiu a necessidade de desenvolver um instrumento breve para integrar no protocolo de avaliação.
Autoeficácia (AE)
Bandura apelidado de “Pai da AE” (Neves & Faria, 2009), desenvolveu ao longo dos anos este conceito, inicialmente, como um elemento-chave, frisando o seu papel regulador e mediador entre o comportamento, a cognição, a emoção e a motivação (Bandura, 1986).
Caracterizou-o como a confiança sobre a própria capacidade de organizar e executar as ações necessárias para atingir objetivos e resultados (Bandura, 2004). Por outras palavras, é a confiança percebida para tomar decisões sobre como irá alcançar a tarefa delineada. De salientar que Bandura reconhece este construto como uma característica especifica (Bandura, 1977).
Dor Crónica (DC)
A presença da dor no dia a dia de um indivíduo transcende para além de ser meramente um sintoma, constituindo-se, num primeiro momento, como um sinal de alerta (Smith, et al., 2001). Se a sintomatologia estiver presente há pelo menos 3 meses, seja de forma contínua ou recorrente deve ser analisada como uma doença em si mesma e, por isso crónica (Ritto et al., 2013). Mundialmente, a prevalência da DC ronda os 20% (Goldberg & McGee, 2011), em Portugal, 36,7%; desta fratria 14% indica dor como recorrente com intensidade moderada a intensa, ou seja, um valor superior a 5 uma escala numérica de 0 a 10 (Azevedo et al., 2012).
Auto-eficácia em indivíduos com Dor Crónica
Num estudo realizado a 177 indivíduos portadores de dor lombar crónica, com idades compreendidas entre os 18 e 45 (42,4%) e entre os 46 e 65 anos (57,6%), cuja maior prevalência correspondia ao sexo feminino (72,3%), por intermédio VAS e da Chronic Pain Self-Efficacy Scale, foi possível observar que grande parte dos indivíduos (61%) referiram ter sentimentos de medo e de evitamento à dor, repercutindo-se em níveis baixos de AE (80,7%). Para além disso, a dor considerada pelos autores como leve isto é, 1 a 4 em 10, teve a menor prevalência (6,8%), seguida pela dor moderada, de 5 a 7 em 10 (31,6%) e, por último, a dor intensa, de 8 a 10 (61,6%). O estudo enfatizou que quanto mais elevado era o nível de incapacidade e de dor, menores eram os níveis de AE e, por isso, os pacientes apresentavam 1,7 vezes maior probabilidade de terem menos recursos para gerir a sua patologia (Salvetti et al., 2012).
Numa amostra de 132 pacientes com DC, em que 116 (87,9%) correspondiam ao sexo feminino e apenas 16 (12,1%) ao sexo masculino, e com uma média de idades de 45 anos, o seu principal objetivo visava avaliar o modo como a AE estava presente. Destacou-se que as crenças adotadas podem modelar a experiência de DC, repercutiram-se numa diminuição da intensidade do quadro doloroso (Salvetti et al., 2007).
No contexto chinês, um estudo desenvolvido por Wu e colaboradores em 2004, revelou que as crenças de AE com maior impacto no bem-estar psicológico relacionaram-se com a capacidade de execução de uma atividade com sucesso em detrimento das crenças de que seria possível controlar a dor. Seguidamente, reiteraram que o melhor preditor para verificar o sofrimento psicológico dos pacientes é a AE, através da alteração do foco dos riscos que a patologia acarreta para formas como poderá ser controlada a dor, nomeadamente estratégias cognitivas a recorrer. Estes resultados alicerçaram-se num universo de 159 participantes do sexo feminino com idades entre os 60 e os 89 anos, com uma idade média de 74 anos, em que o diagnóstico mais dominante era a dor articular crónica ou artrite (74,2%). Os instrumentos utlizados foram: General self-efficacy Scale, Multidimensional Health Locus of Control Scale e General Health Questionnaire.
Curiosamente, uma investigação levada a cabo no Japão em 72 participantes (33 do sexo masculino e 39 do sexo feminino), com uma média de idades de 65,2 anos, que apresentavam DC persistente média de 52,6 meses, os participantes expuseram que a AE assumiu-se como um fator preditor de melhoria da qualidade de vida. Os instrumentos aplicados foram o Pain-related disability e o Pain-related self-efficacy (KarasawaI et al., 2019).
Dando continuidade à linha de pensamento sobre a preponderância do tipo de crenças, Pimenta, em 1999, extraiu do seu estudo que 41,7% dos participantes concordaram que conseguiam intervir no processo de controlo da dor mediante as crenças que utilizavam; 51% afirmaram que o seu processo de dor era sinónimo de impacto físico; e cerca de 63,3% julgaram que a terapêutica instruída era a única solução para o controlo da dor. Para além disso, as crenças pouco adaptativas identificadas: não acreditar no impacto dos seus pensamentos, não subscrever o impacto das emoções no quadro crónico e ter a convicção de que a medicação é o único caminho para o controlo da dor, contribuíram negativamente para o aumento da perceção de dor (Pimenta, 1999).
Assim, a comunidade científica parece ser unanime quanto à relação destes dois construtos, expondo que níveis reduzidos de crenças de AE estão relacionados com maior incapacidade e maior intensidade da dor, o que demonstra que o efeito das crenças pouco adaptativas de AE tem uma repercussão negativa na perceção de incapacidade e mobilidade (Silva et al., 2016). Esta conjetura encaminha para a necessidade de aprimorar esta ferramenta com a finalidade de atingir melhores resultados no tratamento da DC (Salvetti et al., 2012).
Inteligência Emocional, Dor Crónica e Autoeficácia
O carácter biopsicossocial que define os indivíduos orienta para a impossibilidade de dissociar as componentes afetivas, cognitiva e comportamental presentes em cada identidade. Por este motivo, a conceção de que as emoções vão para além de reações fisiológicas revolucionou a visão sobre o comportamento humano (Damásio, 1996), surgindo conceitos na esfera emocional, como é o caso da IE.
A IE surge como um construto que tem vindo a ganhar território na comunidade científica, sendo possível destacar o Modelo de Habilidades defendido por Salovey e Mayer (1990). Este integra diversas componentes, como é o caso da perceção, onde se insere a avaliação e expressão emocional; a emoção aliada ao pensamento; a compreensão, integração, análise e gestão emocional (Mayer et al., 2016).
Um dos fatores que maior preponderância tem na IE é a gestão e regulação emocional (Szczygiel & Mikolajczak, 2018). A literatura salienta a existência de duas estratégias de regulação emocional frequentemente utilizadas: a RC e a SE (Curvello & Mendes, 2020). A primeira remete para a avaliação da situação que desencadeia a emoção, procurando reinterpretar a situação de um modo positivo, já a SE remete para a inibição de qualquer expressão vivenciada pelo indivíduo (John & Gross, 2004, citado por Urry & Gross, 2010; Silva & Freire, 2014). No âmbito da dor, principalmente com o diagnóstico de fibromialgia, a compreensão e interpretação das emoções pode ficar enviesada, ocorrendo frequentemente negação e repressão das emoções (Passos & Lima, 2017).
Uma investigação orientada por Endler e colaboradores em 2001, explorou diferentes estratégias de coping na DC, incluindo a AE e a perceção de dor. Neste sentido, levantaram como hipótese que quem padecia de um quadro de DC apresentava mais preocupações, menos capacidade emocional, menor AE e menor capacidade de controlo da dor do que indivíduos com outros patologias. Para a verificação desta hipótese, participaram 274 sujeitos, em que 82 eram homens e 192 mulheres. A média de idades do sexo masculino foi de 43,69 anos e do sexo feminino de 38,14 anos. Ao nível dos instrumentos recorreram ao Coping with Health Injuries and Problems, The Personal Attitudes Scale e The Event Perception Measure. Os resultados foram ao encontro da hipótese inicial e, além disso, a AE demonstrou estar significativamente relacionada com a componente emocional, uma vez que quem demonstrou níveis reduzidos de AE tendia a apresentar maiores preocupações e menor capacidade de gerir as suas emoções mediante o seu diagnóstico. Neste sentido, foi possível concluir que os indivíduos que não se sentem ou que não se perspetivam como sendo passível ter sucesso na ação alteram o seu foco para os aspetos emocionais menos positivos que a sua patologia crónica acarreta (Endler et al., 2001).
No Arizona, um estudo desenvolvido por Kratz e Zautra (2007), abordou 110 mulheres, tendo 35 um diagnóstico de osteoartrite e 75 fibromialgia, as idades eram compreendidas entre os 35 e os 72 anos, a média correspondia a 54.57 anos de idade e grande parte pontuava uma dor moderada. O objetivo relacionava-se com o modo como a aceitação de um diagnóstico se refletia a nível emocional e com a intensidade da dor. Ao nível de instrumentos estiveram presentes o Chronic Pain Acceptance Questionnaire, The Worst Pain, o The Positive and Negative Affect Schedule e o The Vanderbilt Multidimensional Pain Coping Inventory. Deste modo, foi possível constatar que a aceitação do diagnóstico (não é uma atitude de desistência) está relacionada com uma redução da perceção da dor, bem como redução de emoções negativas. Além disso, o recrutamento de estratégias cognitivas adaptativas ao contexto de dor, permite o aumento de emoções positivas, com uma avaliação mais realista do diagnóstico. Por consequência, os indivíduos que tinham mais dificuldade em compreender e aceitar o seu quadro álgico desencadearam cognições mais resistentes e geriram de forma negativa as suas emoções.
Neste âmbito, um estudo conduzido com 100 participantes, predominantemente do sexo feminino, com uma idade média de 44 anos e com um diagnóstico de Fibromialgia, procurou compreender o papel das emoções na intensidade de dor, utilizando a VAS e o Life Style Index. Os resultados demonstram que os pacientes que pontuaram níveis mais intensos de dor recrutavam como estratégias emocionais a supressão, reprimindo as suas emoções, lidando de forma desajustada com o diagnóstico (Grekhoff, 2022).
Tendo em consideração a investigação prévia revista, o presente estudo tem como objetivos: caracterizar a AE de indivíduos com DC, explorar a relação entre IE e AE em função da DC e analisar a relação entre IE e AE na DC (geral e para a DC).
Método
Participantes
Como critérios de inclusão, foram admitidos adultos (idade mínima de 18 anos), utentes da consulta de Psicologia-Dor com um quadro de DC de um Hospital Público da Zona Norte. Deste modo, a amostra foi concebida com 120 participantes, 92 sujeitos do sexo feminino e 28 do sexo masculino. Relativamente à idade, o participante mais novo tinha 22 anos e o mais velho 82 anos, com uma média de 54,42 anos. Para além disso, o desvio padrão é de 13,43, com uma dispersão moderada de 25%, ou seja, metade da amostra tem pelo menos 55 anos. Tendo em conta as características clínicas, o diagnóstico mais prevalente é o de Fibromialgia, com 22 indivíduos. A quantificação da dor no momento da administração dos questionários, levou a que a dor moderada (3-7/10) fosse a mais prevalente (M= 6,26; DP=2,00).
Material
Num primeiro momento, foi administrado um Questionário Sociodemográfico e um Questionário Clínico desenvolvido pelas autoras para efeito. A VAS apresentada pela DGS, em 2003, também se encontra inserida neste questionário, com vista a numerar de 0 a 10 a dor do paciente, onde 0 corresponde a uma dor leve e 10 a uma dor intensa, sendo que uma dor de 0 a 2 foi classificada como dor leve, de 3 a 7 uma dor moderada e de 8 a 10 uma dor intensa. Num terceiro momento, recorreu-se ao Questionário de Regulação Emocional, adaptado para a população portuguesa por Vaz e Martins, em 2008. Pontuações mais elevadas indicam maiores níveis de RC e de SE (Vaz & Martins, 2008). Neste estudo, o Alfa de Cronbach é de 0,933 na RC e da SE de 0,566. A General Self-Efficacy Scale adaptada para a população portuguesa por Miguel Araújo e Octávio Moura, em 2011. A média e o desvio padrão deste instrumento para a população portuguesa é (M = 21,6; DP = 6,4) (Araújo & Moura, 2011). Pontuações mais elevadas indicam maiores níveis de autoeficácia. O valor do Alfa de Cronbach neste estudo de 0,923. A média e o desvio padrão deste instrumento para a população portuguesa é (M = 21,6; DP = 6,4) (Araújo & Moura, 2011).
Por último, foi administrado o Módulo de AE para a DC, desenvolvido pelas autoras para o presente estudo, onde as mesmas opções de resposta são iguais à General Self-Efficacy Scale, mas os itens estão adaptados para a realidade de um doente crónico. Um score mais elevado corresponde a maiores níveis de autoeficácia para a dor.
Procedimento
Este projeto obteve o parecer positivo da Comissão de Ética do Hospital em questão. Foi solicitado o consentimento informado dos utentes, para que tivessem conhecimento e decidissem em consciência participar (ou não) no projeto. Para o efeito, foi concebido um documento de informação complementar, com o intuito de garantir o anonimato, a confidencialidade e a participação ciente de todas as condições inerentes. Seguidamente, foi entregue para preenchimento os questionários já mencionados. Todos os participantes têm idade mínima de 18 e um diagnóstico de DC. Seguidamente, foi levada a cabo uma rigorosa análise quantitativa, através do IBM SPSS, versão 28 - Statistical Package for the Social Sciences, recorrendo-se à Correlação de Pearson.
Resultados
Caracterização da AE
AE geral. O item com a média mais elevada foi o item 2, já o item 7 obteve a média mais baixa (Quadro 1).
AE para a DC. Nos itens 13 formulado no sentido inverso dos restantes obteve-se a maior pontuação (Quadro 2).
General Self- Efficacy Scale (GSE) n(%) | |||||
1 | 2 | 3 | 4 | M | DP |
2. Se alguém se opuser, consigo encontrar os meios e as formas de alcançar o que quero. | |||||
10 (8,3%) | 12 (10,0%) | 41 (34,2%) | 57 (47,5%) | 3,21 | 0,93 |
7. Perante dificuldades consigo manter a calma porque confio nas minhas capacidades. | |||||
25 (20,8%) | 21 (17,5%) | 37 (30,8%) | 37 (30,8%) | 2,72 | 1,1 |
Nota. 1: De modo nenhum é verdade; 2: Dificilmente é verdade; 3: Moderadamente verdade; 4: Exatamente verdade.
Caracterização da IE
As respostas recolhidas acerca da RC permitem concluir que o item com a média mais elevada diz respeito ao item 8 e que o item com a pontuação média mais baixa refere-se ao item 3 (Quadro 3).
As respostas obtidas no parâmetro da SE revelam que o item com a média mais elevada é o item 2, tendo os participantes respondido com opções de resposta mais baixas ao item 4 (Quadro 4).
RC n (%) | ||||||||
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | M | DP |
3. Quando quero sentir menos emoções negativas (como tristeza ou raiva) mudo o que estou a pensar. | ||||||||
42 (35,0%) | 5 (4,2%) | 1 (0,8%) | 19 (15,8%) | 2 (1,7%) | 10 (8,3%) | 41 (34,2%) | 4,07 | 2,60 |
8. Eu controlo as minhas emoções modificando a forma de pensar acerca da situação em que me encontro. | ||||||||
32 (26,7%) | 4 (3,3%) | 0 (0%) | 29 (24,2%) | 3 (2,5%) | 2 (1,7%) | 50 (41,7%) | 4,44 | 2,49 |
Nota. 1: Discordo Totalmente; 2: Discordo Parcialmente; 3: Discordo; 4: Não concordo, nem discordo; 5: Concordo Parcialmente; 6: Concordo; 7: Concordo Totalmente.
SE n (%) | ||||||||
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | M | DP |
2. Guardo as minhas emoções para mim próprio. | ||||||||
24 (20%) | 1 (0,8%) | 0 (0%) | 16 (13,3%) | 1 (0,8%) | 0 (0%) | 78 (65,0%) | 5,34 | 2,43 |
4. Quando estou a sentir emoções positivas, tenho cuidado para não as expressar. | ||||||||
79 (65,8%) | 3 (2,5%) | 0 (0%) | 15 (12,5%) | 1 (0,8%) | 1 (0,8%) | 21 (17,5%) | 2,53 | 2,34 |
Nota. 1: Discordo Totalmente; 2: Discordo Parcialmente; 3: Discordo; 4: Não concordo, nem discordo; 5: Concordo Parcialmente; 6: Concordo; 7: Concordo Totalmente.
Relação entre IE e AE na DC
Para analisar a relação entre estes construtos, foi calculado o coeficiente de Correlação linear de Pearson e testada a sua significância estatística. Os valores de referência para a classificação da magnitude da correlação são os definidos em Pestana e Gageiro (2014): valores absolutos inferiores a 0,20 - muito fraca; entre 0,20 e 0,39 - fraca; entre 0,40 e 0,69 - moderada; de 0,70 a 0,89 - forte; e pelo menos 0,90 - muito forte. O nível de significância utilizado foi de 0,05. Primeiramente, foi analisada a existência de correlação entre os dois scores dos dois constructos (Quadro 5). Observou-se que quanto maior a autoeficácia maior a RC e a SE, sendo ambas as relações lineares, positivas e estatisticamente significativas. A correlação entre a AE e a RC é forte e entre a AE e a SE é moderada.
RC | SE | |
General Self-Efficacy Scale | <0,001** | 0,001** |
Módulo de AE para a Dor | 0,19 | 0,44 |
Nota. Os valores de significância observados correspondem aos testes de hipóteses unilaterais; *p < 0,05; **p < 0,001.
A seguir, considerando a intensidade declarada de DC (de 0 a 10), foi analisada a sua correlação com cada dimensão psicossocial. Todas as correlações são negativas e estatisticamente significativas (Quadro 6), ou seja, quando maior for a intensidade de dor, menor é a RC (correlação muito fraca); menor a SE (correlação muito fraca); menor a AE (correlação fraca); e menor é a AE para a dor (correlação fraca).
Relação entre IE e AE na Dor Leve
Relativamente aos coeficientes da correlação de Pearson obtidos entre os scores de inteligência emocional e de autoeficácia verificaram correlações que variaram entre fraca e moderada, mas sem significância estatística.
Relação entre IE e AE na Dor Moderada
No âmbito da dor moderada, os valores obtidos demonstram a presença de uma correlação linear positiva. fraca entre a AE e a SE. Por outras palavras, quanto maior for score da AE, maior será a SE (Quadro 8).
Relação entre IEA e AE na Dor Intensa
No que diz respeito à Dor Intensa, verificou-se entre a AE e a RC, uma correlação linear, negativa, estatisticamente significativa e fraca (Quadro 9).
Discussão
De um modo global, o valor da AE, apesar de ligeiramente inferior, é bastante próxima ao descrito na literatura (M= 30,23; DP=4,8), assim como em comparação com valores médios da população portuguesa (M= 32,43; DP= 3,921) (Araújo & Moura, 2011). O facto da AE não ser tao robusta como o estado da arte, também justifica a significativa intensidade de dor referida pela maior parte dos inquiridos, já que quanto mais elevado é o nível de dor menor é o nível de AE (Salvetti et al., 2012).
Segundo a literatura, a relação entre a AE e a RC é inequívoca, atestando os resultados obtidos. Um individuo com dor apresenta maior predisposição para apresentar mais distorções cognitivas, o que conduz a que o seu nível de tolerância à dor esteja reduzido, bem como a sua disponibilidade mental para gerir um quadro de dor encontre-se alterada (Salvetti et al., 2012). Sujeitos que, apesar de viverem com dor, investem na reestruturação dos seus pensamentos e atitudes, acreditando que podem encontrar estratégias para suportar um momento de dor, ativam as suas ferramentas emocionais para auxiliar neste processo e, por este motivo, ocorre um desenvolvimento de RC (Endler et al., 2001; Bandura, 1997).
Por outro lado, o facto de existir uma correlação linear positiva entre a AE e a SE não espelha os dados da literatura. A investigação científica revista considera que, perante níveis de AE elevados, a probabilidade de experienciar emoções mais negativas e, consequentemente, as reprimir diminui (Bandura, 1997). Em contrapartida, em indivíduos com baixos níveis de AE, que ao analisar a situação sentem-se menos capazes de a superar, existindo deterioração emocional (Bandura, 1994; Salvetti et al., 2007). O resultado que contrasta com a literatura analisada pode ser explicado pela prevalência do diagnóstico de Fibromialgia. De facto, neste diagnóstico a compreensão e interpretação das emoções altera-se, ocorrendo frequentemente negação e repressão das emoções (Passos & Limas, 2017).
A personalidade de uma paciente com fibromialgia é propensa à dor, o que torna a sua interpretação distorcida. Por outras palavras, a forma como interagem com um processo de dor, para além de subjetiva, é associado ao autocontrolo e à introversão emocional (Grouper et al., 2021). Embora a Vas seja pontuada no seu mínimo, a versão vivenciada pelas utentes tem um carácter catastrófico com inibição das suas emoções, existindo estudos que denotam uma relação significativa entre a componente da alexitimia e a fibromialgia (Luna et al., 2021).
Relativamente à correlação entre os 3 construtos, a literatura atesta parte dos resultados, na medida que quanto mais dor um individuo sentir, maiores serão as repercussões emocionais e cognitivas. Indivíduos com um quadro de dor intenso pontuam níveis mais reduzidos de AE e, por isso, apresentam maiores dificuldades em gerir este quadro, sendo comum surgirem pensamentos relacionados com a perceção de incapacidade e de uma débil mobilidade (Salvetti et al., 2012; Silva et al., 2016). Alguns autores consideram que o construto AE é o melhor preditor para verificar o sofrimento psicológico nestes pacientes (Wu et al., 2004), sendo um fator de proteção no desenvolvimento de DC (KarasawaIe et al., 2019). Por consequência, um quadro de dor também interfere a nível emocional tendo impacto na perceção de dor no momento (Loor-Rivadeneira et al., 2018).
A literatura refere que com um quadro de dor latente existe uma menor capacidade emocional, que conduz a menor capacidade de controlo da dor, apresentando níveis de intensidade mais elevados (Endler et al., 2001; Kratz & Zautra, 2007). Deste modo, à medida que aumenta a intensidade de dor, a RC diminui. Esta desorganização emocional, contribui para o desenvolvimento da SE, onde níveis mais elevados de dor estão associados a maior SE (Grekhoff, 2022), o que, todavia, não se verificou no presente estudo. Os resultados encontrados justificam a análise das correlações entre os construtos e os níveis de DC que seguidamente se apresenta. Surpreendentemente, o facto de nenhum ser estaticamente significativo na dor leve poderá relaciona-se com a reduzida amostra.
A correlação positiva entre a AE e a SE na dor moderada não se encontra visível na literatura. Indivíduos maioritariamente com dor moderada, revelaram que o facto de adotarem cognições ajustadas à situação vivencial, evitando a catastrofização, conduziu ao recrutamento de estratégias emocionais adaptativas (Kratz & Zautra, 2007; Salvetti et al,, 2007), o que contradiz os resultados obtidos.
Além do mais, estes autores referem dados contrários aos expostos quanto à correlação entre a AE e a RC na dor intensa, onde existe uma correlação negativa, ao invés de positiva. Nestes pacientes, o facto de os indivíduos estarem perante um momento fisicamente desconfortável e limitativo, influencia na perceção emocional, o que poderá estar na base da correlação negativa entre estas duas variáveis.
Deste modo, mesmo que os pacientes acreditem na sua capacidade de ultrapassar o momento de dor, a interpretação que fazem da realidade encontra-se emocionalmente alterada, estando a dimensão emocional mais desgastada (Pimenta, 1999; Salvetti et al., 2007). Além do mais, o facto de a dor ser intensa, enviesa a leitura positiva da realidade, que está subjacente à RC.
Neste estudo verificou-se que a IE e a AE tinham uma relação significativa com a DC. No entanto, os valores baixos de AE comparativamente com a média da literatura exposta salientam a necessidade deste construto ser explorado. No que diz respeito às limitações do estudo, o facto de o Questionário de Regulação Emocional apenas ter descrito as opções de resposta 1, 4, e 7, veiculou que grande parte da amostra concentrasse as suas respostas nestes itens, o que poderá enviesar a interpretação dos resultados obtidos.
Para além disso, o facto de a recolha dos dados se ter efetuado em indivíduos com um quadro de dor latente pode ter contribuído para a existência de constrangimentos na capacidade de resposta, ainda que se tenha tido o cuidado de não utilizar um protocolo de avaliação muito extenso. É crucial sublinhar que os resultados dizem respeito à amostra estudada, limitada em termos de dimensão e por envolver apenas pacientes de um determinado Hospital. Deste modo, a generalização dos resultados carece de uma maior robustez da dimensão da amostra e inclusão de outros pacientes de outras instituições clínicas.
Além do mais, numa futura investigação deve ser testado o módulo, a fim de estudar as suas propriedades psicométricas. Assim, é necessário promover uma reflexão sobre o reportório de competências emocionais e de AE, com o intuito de avaliar as dimensões que estão em défice, independentemente da intensidade de dor referida, já que a literatura identificada que analisava os três foi escassa. Deste modo, a relação estatisticamente significativa encontrada merece a atenção dos profissionais de saúde com vista a promover uma melhor resposta e adesão no tratamento da DC.
Contribuição dos autores
Joana Damas: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Redação do rascunho original.
Rute Meneses: Concetualização, Metodologia, Administração do projeto, Supervisão, Redação - revisão e edição.
Virgínia Rebelo: Concetualização, Administração do projeto, Recursos, Redação - revisão e edição