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Cadernos de Estudos Africanos
versão impressa ISSN 1645-3794
Cadernos de Estudos Africanos no.29 Lisboa jun. 2015
ARTIGO ORIGINAL
Migrações e Estratégias de Desenvolvimento dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. Estudos de caso: Cabo Verde e São Tomé e Príncipe
Migration and development strategies of Small Island Developing States. Case studies: Cape Verde and São Tomé and Príncipe
Manuela Cardoso*
*Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal, manela.cardoso@netcabo.pt
RESUMO
A problemática da emigração nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID/SIDS)[1] é abordada neste trabalho com a apresentação de dois estudos de caso: Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, com independência e percursos políticos formais semelhantes, mas com níveis atuais de desenvolvimento diferentes. Para isso apresenta-se uma análise da interação de múltiplos fatores distintivos, quer em termos territoriais quer económicos, políticos, sociais e culturais, condicionante dos seus percursos. São ainda feitas duas reflexões teóricas que ajudam a orientar esta análise: uma sobre a classificação deste grupo de países com base nas suas estratégias de desenvolvimento e uma outra sobre a evolução das teorias da emigração.
Palavras-chave: Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, migração, remessas, desenvolvimento, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe
ABSTRACT
This paper discusses the issue of emigration in Small Island Developing States (SIDS) through the analysis of two case studies, Cape Verde and São Tomé and Príncipe, with similar paths in terms of independence and formal political processes but with considerably different levels of development. To do so, the article analyses the interaction between a multiplicity of distinctive economic, social, and cultural factors that affect the paths of these two countries. To inform the analysis, two theoretical dimensions are discussed: one related to the classification of this group of countries on the basis of their development strategies and another to the evolution of theories of migration.
Keywords: Small Island Developing States, migration, remittances, development, Cape Verde, São Tomé and Príncipe
Esta análise pretende aprofundar a reflexão sobre o efeito da emigração no nível de desenvolvimento dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento que irei designar por SIDS (Small Island Developing States). O facto de constituírem um conjunto elevado de países determinou que, a nível internacional, lhes fosse dada uma atenção especial.
As Nações Unidas identificaram 52 países do mundo integrados no grupo dos SIDS, sendo 10 deles países de desenvolvimento económico baixo. Neste pequeno conjunto viverá 23% da população dos SIDS (UN, 2013, p. 3), tendo a sua taxa de crescimento económico sido muito baixa entre 1970 e 2011 e os níveis de pobreza elevados. O facto de terem custos acrescidos em infraestruturas, que podem condicionar o acesso aos mercados, aos diferentes níveis de ensino e qualificação ou mesmo aos serviços de saúde, aumenta a sua vulnerabilidade. Também a sua maior fragilidade ambiental e o seu importante papel no equilíbrio ecológico mundial determinaram uma atenção especial das Nações Unidas. Houve mesmo o reconhecimento da necessidade de assegurar a mobilização de capitais, privados e públicos, associados à boa governação, estabilidade política, melhores políticas macroeconómicas e construção de Capital Humano (Boto & Biasca, 2012, p. 21) como essenciais à sustentabilidade do seu desenvolvimento. Mas essa captação de capitais está muito dependente das estratégias de desenvolvimento do país e da população emigrada e suas remessas que, em muitos casos, superam a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) ou o investimento privado. A análise destes pontos foi baseada no trabalho de campo realizado em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe e que será desenvolvida ao longo deste artigo[2].
O facto de terem sido criadas taxonomias para a classificação dos SIDS, atendendo aos aspetos citados, levou também à sua análise, questionando-se a integração destes dois países numa ou noutra das suas categorias, o que será analisado nos subtítulos referentes a cada um.
Também o facto de haver desenvolvimentos teóricos sobre as causas e consequências dos movimentos migratórios, que não se podem desligar das estratégias seguidas por cada um dos países, determinou que se lhe fizesse referência num ponto autónomo. Isso serviu de base a uma reflexão sobre a integração destes dois países na classificação SIDS.
Esta investigação, partindo de fontes primárias e secundárias, foi aprofundada e atualizada através de entrevistas semiestruturadas feitas a diferentes intervenientes. A existência de muita documentação local em Cabo Verde e a sua grande dispersão territorial determinou que se centrassem apenas nos representantes institucionais das duas ilhas mais populosas (Santiago e São Vicente). Foram razões opostas que levaram a que para São Tomé e Príncipe as entrevistas se tivessem alargado também à população dos diferentes distritos e das duas ilhas: quase ausência de fontes documentais e maior concentração territorial. Para a sua realização escolheu-se uma amostra da população que, embora não se possa considerar representativa, abrangeu todos os distritos da ilha de São Tomé e também a Região Autónoma do Príncipe. Esta dispersão territorial e o número de entrevistados (48 entre a população das diferentes regiões, que representavam 274 pessoas tendo em conta a dimensão média dos seus agregados familiares) permitiram obter informação com alguma fiabilidade.
Por outro lado, estas entrevistas permitiram também fazer uma análise qualitativa do nível de vida da população e dos efeitos da emigração na sua alteração em termos de acesso ao consumo, à saúde e à educação ou à capacidade de realização de investimentos.
Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento: sua vulnerabilidade e resiliência
Este ponto procura caracterizar os SIDS e apresentar a evolução das propostas de taxonomia em função das estratégias de desenvolvimento, olhando sempre para os dois países objeto do estudo empírico, pontos mais aprofundados em itens dedicados a cada um.
Embora com características distintas, todos os SIDS (pequenas ilhas ou arquipélagos com menos de 1,5 milhão de habitantes) pelo facto de serem territórios insulares de reduzida dimensão territorial e populacional apresentam constrangimentos e custos acrescidos ligados ao pequeno mercado, ao isolamento geográfico e à vulnerabilidade aos desastres naturais. Estes fatores determinam a necessidade de maiores investimentos em infraestruturas de comunicações, transporte e energia, reforçando-se no caso dos arquipélagos. A dispersão territorial exige acréscimos de instalações e equipamentos com destaque nos sectores da saúde e educação. Se houver capacidade financeira para o fazer facilitará o acesso à saúde e potenciará a formação interna de quadros, minorando o risco de fuga de cérebros quando completam a sua formação no exterior. As vulnerabilidades associadas a esses fatores vêm sendo reconhecidas pelas diversas cimeiras da ONU sobre SIDS. A Cimeira do Rio em 1992, a Conferência de Barbados de 1994 e o seu Plano de Ação, a Estratégia das Maurícias e a recente Conferência da Samoa (setembro de 2014) constituíram momentos de reflexão sobre as fragilidades e o papel da comunidade internacional na sua superação. Os resultados desta última, sintetizados no Samoa Pathway, voltaram a destacar estes aspetos, mas enfatizaram os problemas do desemprego jovem, feminino e das pessoas sem qualificações, o decréscimo do investimento externo associado à crise mundial, a importância da educação e formação e dos seus grandes recursos naturais a explorar de forma sustentável. A relevância dos SIDS no equilíbrio ambiental global e na manutenção da biodiversidade determinou o apelo à comunidade internacional no estabelecimento de parcerias com este grupo de países, mas pouco acrescentou sobre o financiamento do seu desenvolvimento.
A estratégia de cada país ou território, condicionante do seu desenvolvimento, determinou a sua inserção num primeiro modelo classificativo (MIRAB[3], TOURAB[4] ou BD[5]).
Após a II Guerra Mundial houve alterações de soberania de muitos territórios. Alguns SIDS preferiram manter-se como territórios ultramarinos de países europeus. Outros optaram pela independência política e definiram uma estratégia de desenvolvimento centrada no sector público, dependendo também fortemente das remessas dos seus emigrantes e da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). Inseriam-se no modelo MIRAB. Cabo Verde e São Tomé e Príncipe foram aqui integrados. No entanto, o desenvolvimento do turismo e a diminuição do peso da APD, no caso de Cabo Verde, e as reduzidas remessas, no caso de São Tomé e Príncipe, parecem não permitir a inclusão inequívoca neste grupo.
Outros SIDS, de que são exemplo as Maldivas e as Seychelles, conseguiram diversificar a sua atividade para sectores industriais, não descurando também a agricultura e o turismo, integrando o grupo BD. Outros ainda relevaram o turismo como fator estratégico complementarmente às remessas e à APD, atingindo maior nível de desenvolvimento económico e social. Constituíam o grupo TOURAB, de que faria parte a Reunião.
Estudos mais recentes, fundamentados em dados empíricos, colocam em causa estas classificações. A investigação realizada, já no início deste século XXI, por McElroy e Mahoney (2000), Baldacchino e Milne (2000), Armstrong e Read (2000), Bertram (2006), Baldacchino (2006, 2010) ou McElroy (2006) conduziu a uma nova proposta de taxonomia para caracterizar as ilhas segundo as suas estratégias de desenvolvimento. Embora ainda não completamente estabilizada, agrupa as pequenas ilhas em três categorias:
- MIRAB (Migration, Remittances, Aid and Bureaucracy)
- PROFIT Island (People, Resource management, Overseas Engagement/
Diplomacy, Finance and Transportation); - SITE (Small Island Tourism Economies).
As ilhas PROFIT, conceito desenvolvido por Baldacchino e Milne, em 2000, seguiriam estratégias de desenvolvimento focadas na população, incluindo os movimentos migratórios, gestão dos recursos locais (minerais, naturais, políticos e de carácter imaterial) e compromissos internacionais conseguidos pela diplomacia ou para-diplomacia, incluindo vantagens fiscais, visando atrair Investimento Direto Estrangeiro (IDE). Paralelamente criaram zonas offshore destinadas a atividades financeiras, registo de navios e bases militares, com impostos reduzidos (paraísos fiscais). A APD e as remessas passaram a recursos secundários. Esta estratégia de desenvolvimento multissectorial tem permitido tornarem-se não só economicamente mais ricas mas também socialmente mais desenvolvidas e demograficamente mais maduras. Apresentam taxas de mortalidade e fecundidade baixas, população estabilizada, esperança de vida alta, e ambos os membros do casal estão no mercado de trabalho, permitindo níveis de rendimento relativamente elevados. São exemplos Bahamas, Malta ou Madeira (Bertram, 2006, p. 7).
Em 2006, McElroy introduziu o termo SITE para explicar a estratégia das pequenas ilhas de águas quentes (exemplificando com ilhas das Caraíbas, mas cujo grupo incluirá ilhas de outras regiões geográficas), que ultrapassaram as suas desvantagens decorrentes da monoprodução da era colonial para acederem a um crescimento mais sustentável, optando pela atividade turística como impulsionadora do seu desenvolvimento com o apoio do IDE na construção de infraestruturas necessárias ao sector. São exemplos as Maldivas, Curaçau, Bali ou Aruba (Bertram, 2006, p. 7). O facto de muitas vezes as suas estratégias de desenvolvimento incluírem plataformas bancárias offshore, como Caimão e Bermudas (ibid.), faz com que as suas características se cruzem com as do grupo PROFIT. Esta situação levou a que Ashley Oberst e Jerome McElroy (2007) propusessem apenas duas categorias (MIRAB e PROFIT-SITE, em que as ilhas SITE seriam uma subdivisão das PROFIT.
Armstrong e Read identificaram outro conjunto de ilhas, as Sub-national Island Jurisdictions (SNIJ) definidas por McElroy e Mahoney (2000) como territórios ultramarinos insulares de pequenas dimensões, que apresentam melhores resultados que os seus homólogos de maiores dimensões e com independência política[6]. No entanto, estas sub-regiões não seriam um grupo autónomo mas integrar-se-iam nas tipologias anteriores, atendendo às suas estratégias e ao seu desenvolvimento sectorial.
Considerando esta nova tipologia (MIRAB ou PROFIT-SITE) a maioria dos estudos continua a integrar Cabo Verde e São Tomé e Príncipe no grupo MIRAB (Oberst & McElroy, 2007, p. 175). A apresentação de dados, em itens dedicados a cada um dos países, permitirá uma maior reflexão sobre a adequação desta integração.
A mutação das estratégias de desenvolvimento determinará a alteração da categoria taxonómica em que se incluem, sendo exemplo as ilhas Caimão. Em apenas uma década, de uma economia MIRAB, altamente dependente das remessas, da ajuda e do emprego no sector público, com rendimentos que faziam com que se apresentasse como uma das ilhas mais pobres das Caraíbas, transformou-se na terceira ilha mais rica desta região (Bertram & Poirine, 2007, p. 332).
Estes modelos estão associados às opções estratégicas dos países e à sua maior ou menor dependência das remessas de emigrantes, da ajuda pública ao desenvolvimento, das receitas do turismo, do desenvolvimento de atividades industriais, agrícolas ou financeiras. A importância da emigração no desenvolvimento dos países, de maior relevância nos SIDS, determinou algum desenvolvimento teórico, aspeto apresentado no ponto seguinte.
As migrações como espaços de oportunidades
Explicação dos movimentos migratórios
A mobilidade internacional das pessoas tem por base diferentes fatores que variam consoante o período histórico e o ângulo de análise.
Ravenstein (1885) foi o primeiro autor que procurou estudar com consistência o fenómeno migratório, tendo estruturado as leis da migração baseado em dados empíricos.
Mas foi no século XX que houve um maior desenvolvimento desses estudos e a formulação de teorias sobre migrações. A ênfase colocada em diferentes causas, económicas ou também sociais, no indivíduo e/ou no sistema, determinou que se apresentasse uma sistematização em macroteorias (neoclássica, sistema-mundo, dualidade do mercado de trabalho), microteorias (push-pull, neoclássica, espaços sociais transnacionais) e mesoteorias (capital social, redes sociais, novas teorias das migrações).
Até à década de 80 do século XX as análises eram essencialmente de caráter macroeconómico e a emigração era vista como mecanismo de equilíbrio (Hagen-Zanker, 2008, p. 8) do sistema capitalista. A partir daí as teorias focaram-se também em aspetos microeconómicos, procurando a identificação dos fatores individuais de emigração. Mais recentemente, procuram integrar aspetos macroeconómicos e microeconómicos, relevando a família e a comunidade.
Quer numa análise micro quer macroeconómica a teoria neoclássica focava-se no modelo de economias com níveis de desenvolvimento diferentes. Seriam os movimentos de capitais e mão-de-obra entre o mundo capitalista desenvolvido e o não desenvolvido que determinariam os equilíbrios no mercado de trabalho e nos fluxos de capital. As migrações desempenhariam aí um papel importante. Lewis (1954) foi um dos principais teóricos desta corrente. Wallerstein (1974), na sua teoria do sistema-mundo, analisou a interdependência das economias e dos processos migratórios. Seria a própria génese do sistema capitalista ao agrupar os países em centro, periferia e semiperiferia, que criaria fluxos de capital em direção às regiões menos desenvolvidas e fluxos de mão-de-obra das regiões periféricas em sentido inverso.
Por sua vez, a teoria da dualidade do mercado de trabalho, desenvolvida por Piore (1979) baseou-se na observação de que os fluxos migratórios estavam dependentes de vários fatores de atração de mão-de-obra. Seria a segmentação do mercado de trabalho pela deslocação dos nacionais para profissões mais bem remuneradas ou profissionalmente mais protegidas que abriria lugar aos novos trabalhadores dos países mais pobres.
Partindo dos pressupostos de análise de Ravenstein, Lee (1966) criou o seu modelo push-pull para justificar os movimentos migratórios através dos fatores repulsivos (push) e dos fatores atrativos (pull) de cada país. Para Cabo Verde, seriam os fatores repulsivos que levariam a fluxos de emigração permanentes (secas, fomes, pobreza).
Taylor (1986) acrescentou aos fatores atrativos a existência de redes sociais como elemento atenuante dos custos da emigração. Foi um ponto de vista reaproveitado pela Teoria dos Espaços Sociais Transnacionais. Pries (1999) e Faist (2000) desenvolveram-na, justificando a intensificação do fenómeno migratório através da existência e dinâmica das redes e laços familiares, linguísticos ou religiosos que atravessam o mundo. Estes espaços transnacionais e o capital social surgem como recursos do emigrante, sendo a sua intensidade uma das justificações das dinâmicas dos processos migratórios. Sendo este um capital menos tangível, baseado na solidariedade e na confiança, apresenta-se como uma sinergia facilitadora da integração social e do fortalecimento das relações económicas num mundo global.
Nas décadas de 80 e 90 surgiram as Novas Teorias da Emigração (NELM)[7]. Procuraram integrar novos elementos de análise como o papel das famílias e das próprias comunidades nas escolhas individuais sobre a emigração. Seria a racionalidade dos agregados familiares em termos de custos (impacto na família, incluindo custos monetários e não-monetários), proveitos (remessas, ascensão social, acesso a investimentos e consumos, incluindo a educação) e risco (risco da emigração, risco de continuar na pobreza, risco de não diversificar fontes de rendimento) que determinaria os fluxos de pessoas.
Demetrios Papademetriou e Philip Matin (1991) ao dizerem que a migração internacional é o produto de uma complexa interação de forças económicas, políticas, culturais, linguísticas e religiosas (p. 6), chamam a atenção para a complexidade do fenómeno. Apontam para a necessidade de circunscrever a análise a três aspetos que consideram fundamentais (recrutamento, remessas e retorno) de forma que seja possível a construção de um quadro teórico que contribua, de forma mais articulada, para a compreensão da dinâmica do fenómeno.
Estes estudos, focados nos problemas da emigração, constituem tentativas de explicação do fenómeno migratório em cada momento histórico. Servirão como orientação para a análise feita para cada um dos países.
Os processos migratórios recentes
Os processos migratórios mais recentes são ainda mais complexos. A criação de espaços económicos e sociais abertos, decorrentes da globalização e da facilitação das comunicações e dos transportes, determinou fluxos de pessoas mais informadas e melhor formadas. Surge aqui o conceito de mobilidade como um conjunto de competências linguísticas, técnicas ou sociais facilitadoras da deslocação espacial dos indivíduos, dentro do país e além-fronteiras. Também os conflitos armados motivados por causas económicas, sociais ou religiosas impulsionam estes movimentos. Existem, no entanto, fatores restritivos: as leis de imigração ou o desemprego nos países de destino. A análise dos movimentos migratórios, suas causas e consequências passou a envolver uma variedade de fatores que se interligam e se condicionam.
A maioria dos SIDS tem elevadas taxas de emigração, sendo as remessas enviadas pelos migrantes consideradas como um recurso com crescente importância no financiamento do desenvolvimento e do bem-estar, especialmente naqueles países com altas taxas de emigração como os SIDS (UN, 2013, p. 14). De acordo com a mesma fonte, as remessas globais atingiram 510 mil milhões em 2012 (ibid.), mais do triplo da APD, sendo menos influenciadas pela crise económica. No entanto, o seu verdadeiro valor deverá ter sido muito maior, por não serem contemplados os fluxos informais. Os SIDS estão na dianteira das remessas em percentagem do PIB por razões ligadas ao volume de população emigrada, laços familiares e culturais ou perspetivas de regresso. Representavam, no período 2000-2009, em termos de média mundial, 0,63% do PIB, subindo para 1,84% do PIB nos países menos desenvolvidos e para 7,23% nos SIDS (Feeny, Iamsiraroj & McGillivray, 2012, p. 12). De acordo com esta fonte e com dados mais recentes do Banco Mundial, as pequenas ilhas que estiveram na linha da frente na receção desses fluxos foram Tonga, Haiti, Samoa, Jamaica e Guiana, com valores que ultrapassaram os 15% do PIB (UN, 2013, p. 12), na média dos dez anos entre 2002 e 2011. Cabo Verde ter-se-á situado nos 12,67% (Feeny et al., 2012, p. 12), apesar de os fluxos formais se situarem apenas nos 9,8% (BCV, Relatório Anual, 2012, p. 40).
A emigração surge como um espaço de oportunidade individual e familiar, mas também com efeitos macroeconómicos na balança de pagamentos, em especial para os que também pertencem ao grupo dos países menos desenvolvidos (LDC)[8]. Por não terem tido crescimento nas últimas décadas são dos mais vulneráveis do mundo, necessitando de todos os recursos externos.
A origem das remessas está, na maior parte dos casos, noutros países em desenvolvimento, justificado pelo facto de 43% dos emigrantes dos países mais pobres viverem noutro país em desenvolvimento, percentagem semelhante ao dos que vivem em países de elevado rendimento da OCDE, 42,8% (World Bank, 2011, p. 12). A incapacidade económica de financiar grandes viagens, a permeabilidade das fronteiras e as dificuldades de entrada nos países desenvolvidos explicam estes movimentos mais próximos. São as oportunidades de emprego, as diferenças salariais e os laços culturais a base das escolhas.
Os fluxos de IDE são também importantes no financiamento dos SIDS mas concentraram-se em poucos. Com dívidas públicas elevadas, uma parte importante destes pequenos estados continua dependente da ajuda pública ao desenvolvimento (UN, 2013, p. 15).
A análise dos efeitos dos movimentos migratórios internacionais ainda não é concludente. As transferências de tecnologia, o aumento da competitividade, as remessas e a criação de redes sociais e económicas podem apresentar-se como fatores positivos desta mobilidade. Mas a fuga de cérebros é, muitas vezes, apontada como uma das consequências mais negativas. Estima-se que a diáspora africana tenha um nível de formação três vezes superior à média da população (Gulbenkian, 2006, p. 35).
Estudo de caso – Cabo Verde
Este ponto procura analisar as estratégias de desenvolvimento de Cabo Verde e demonstrar a importância das migrações nesse processo, tendo subjacente os modelos taxonómicos e as teorias explicativas dos processos migratórios. Pretende ainda perceber a alterações recentes destes movimentos e a importância do turismo como sector dinamizador da economia e como gerador de maior autonomia em relação à APD. Esta análise contribuirá para esclarecer as questões: será o modelo MIRAB o que melhor traduz as estratégias de desenvolvimento de Cabo Verde atualmente? Poder-se-á integrar este país já na classificação PROFIT-SITE?
Os movimentos migratórios e o investimento
Como foi referido, as vulnerabilidades dos SIDS aparecem acrescidas nos arquipélagos como Cabo Verde. A grande dispersão territorial (nove ilhas habitadas), o clima árido com secas quase constantes e a inexistência de água potável em algumas ilhas[9] determinaram carência alimentar crónica e níveis de pobreza elevados, apresentando-se como fatores potenciadores dos fluxos históricos de emigração.
Fluxos de emigração
Historicamente os destinos da emigração têm-se alterado. Entre 1900 e 1920 foram os EUA o país escolhido pela grande maioria dos emigrantes do país, com 62% (Estêvão, 2001). A ligação com este país no período da caça à baleia determinou esta escolha. A crise económica de 1929, as políticas restritivas dos EUA e a II Grande Guerra terão sido as causas da descida líquida dos fluxos no período 1920-1950. A partir do fim deste conflito houve um novo crescimento mas com outra orientação. A Europa, nomeadamente a Holanda, a Itália e mais recentemente Portugal, passaram a ser os principais destinos, ficando os EUA a alguma distância. Se relativamente a Portugal terão sido os laços culturais, económicos e linguísticos que explicam a escolha, no caso da Holanda foram as oportunidades de emprego no porto de Roterdão que estiveram na génese destes fluxos. Para Itália foram essencialmente mulheres jovens para trabalho doméstico levadas por Frades Capuchinhos presentes na ilha de S. Nicolau (Jesus, 1986, como citado por Góis (p. 295) ou por empreiteiros que estiveram envolvidos na construção do aeroporto do Sal. A independência e a consequente mudança para passaporte cabo-verdiano, em substituição do português, criaram novas dificuldades na emigração para a Europa. No período 1970-1975 as taxas migratórias líquidas foram de (-) 19,1%º habitantes, entre 2005-2010 atingiram (-) 5,1%º habitantes e é estimado para o período 2010-2015 um valor de (-) 4,7%º habitantes (OIM, 2010, p. 17).
Atualmente Cabo Verde está noutra fase, com uma situação privilegiada face à Europa: assinou uma Parceria de Mobilidade com a União Europeia que lhe dá algumas facilidades de movimentação sob proposta dos países-membros. Também a inserção no espaço da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde), os três primeiros como regiões de países da União Europeia, facilitará a realização de projetos comuns e a circulação de pessoas, com destaque para estudantes e cientistas. Como exemplos temos os projetos Investigación em salud: el problema de la nutrición en Açores, Canárias y Cabo Verde (Pre-NUTRIACC), coordenado pela Universidade dos Açores, ou o projeto Cooperação Científica e Tecnológica da Rede UNAMUNO no Eixo Atlântico com Cabo Verde, financiado pela União Europeia.
A emigração é vista como um projeto instrumental para ascender a um padrão de vida razoável em Cabo Verde, o que é difícil com a média salarial cabo-verdiana (Carling, 2004, p. 116). A diáspora mantém uma forte ligação ao país, o que tem justificado o elevado peso das remessas na balança corrente e na melhoria das condições de vida dos familiares.
Embora Cabo Verde, desde a independência, tenha investido massivamente na educação, com a universalização do ensino básico, com a expansão do ensino secundário e com a dispersão das escolas superiores pelas diferentes ilhas, uma parte significativa dos emigrantes continua a ter médias ou baixas qualificações. No entanto, na diáspora, atualmente, já há muitos quadros qualificados. Uma percentagem elevada desses quadros (quase 70%) trabalha em países desenvolvidos, nomeadamente em países membros da OCDE (OIM, 2010, p. 22). Para essa diáspora qualificada os países de acolhimento não têm imposto restrições, especialmente na área da saúde: 51% dos médicos e 41% dos enfermeiros nascidos no país terão emigrado. Relativamente aos estudantes que deixam o país para obterem mais altas qualificações no estrangeiro, no período 1997/98 e 2000/2003, estima-se que 77% não tivesse regressado (ibid.). Para evitar esta fuga de cérebros o país investiu fortemente no sector. Mas se o desenvolvimento do país tem estado ligado, desde sempre, à força do seu povo e à sua diáspora, ela pode potenciar-lhe mais-valias. Os emigrantes podem ser elementos potenciadores da difusão cultural, com destaque para a música, do estabelecimento de redes sociais e políticas facilitadoras da integração social dos emigrantes e seus descendentes ou pelo estabelecimento de relações económicas vantajosas. Muitas vezes, a ajuda bilateral a projetos de desenvolvimento resulta da intervenção direta de emigrantes qualificados. Carling (2004, p. 128) e Cardoso (2000) referem como exemplo a ajuda entre Luxemburgo e a ilha de Santo Antão, como muito importante em áreas-chave do desenvolvimento humano: saúde e educação.
As remessas, embora com decréscimo acentuado em relação ao PIB, tendo passado de 15,9% do PIB em 1993 para 9,8% (BCV, 2012, p. 40) em 2012, representam um valor importante para o equilíbrio das contas externas.
Apesar desse andamento, em termos absolutos e não obstante as suas flutuações, mantém um crescimento a longo prazo (quadro 2). Em 2011 tiveram um aumento de 30% e em 2012 de 1,4%[10], enquanto a APD teve um decréscimo de 6,8% em 2010, 37% em 2011 e 3,5% em 2012 (BCV, 2012, p. 40), passando a representar neste último ano apenas 3,8% do PIB (ibid.).
A resiliência das remessas, apesar da crise internacional, estará ligada às perspetivas de retorno dos cabo-verdianos ou à ajuda de familiares em Cabo Verde. Os estudos realizados por Cardoso (2007 e 2011) e por André Tolentino, Carlos Rocha e Nancy Tolentino (2008, p. 21), levam à conclusão de que é a família a destinatária das remessas. São as despesas de consumo, saúde, educação e melhoria das condições de habitação as principais utilizações dos rendimentos recebidos. Só marginalmente são usados em investimentos, destacando-se o pequeno comércio.
Por outro lado, a crise financeira internacional, a credibilidade e estabilidade de Cabo Verde e a legislação favorável aos depósitos de emigrantes, com isenção de impostos, permitiram a mobilização da diáspora e o aumento dos depósitos bancários no país. Em 2008 dois terços dos depósitos no Banco Comercial do Atlântico, um dos maiores bancos comerciais do país, eram de emigrantes (Carling, 2008, p. 34). Em 2011 o crescimento global dos depósitos foi de 9% (BCV, 2013, p. 21), mas de 400% entre 1996 e 2010 (Ministério do Turismo, Indústria e Energia de Cabo Verde, 2013, p. 52), constituindo uma fonte importante de financiamento dos bancos comerciais.
O comportamento das receitas do turismo
Foram os investimentos no sector turístico, especialmente investimento estrangeiro de origem espanhola e italiana, mas também alguns investimentos portugueses e nacionais que explicam o elevado peso do sector. O Programa de Governo para 2011-2016 dá grande ênfase à importância da alteração do tipo de turismo, de massas para turismo de alto valor acrescentado, com impacto na economia interna e no emprego de quadros nacionais (Governo de Cabo Verde, 2011, pp. 12-13). Em 2012, 89,8% do pessoal ao serviço nas unidades hoteleiras já era nacional (INE-CV, 2012, p. 26).
De acordo com os dados do Banco de Cabo Verde, o turismo tem tido uma importância significativa em relação ao PIB e no total dos serviços (quadro 4), tendo crescido 21% em 2012 (BCV, 2012, p. 40). Contribuiu neste mesmo ano com 24,3% para o PIB e com 65,8% para o sector dos serviços (BCV, 2013, p. 36, quadro 4), ultrapassando o valor das remessas e da ajuda.
Administração Pública
Quando se fala nas estratégias de desenvolvimento de Cabo Verde e a sua aproximação a um modelo taxonómico dos SIDS não pode deixar de se fazer uma referência a este sector. O seu contributo para o PIB continua elevado (quadro 5), o que está muito ligado ao investimento no sector educativo e ao recrutamento de professores, mas também a outros serviços de caráter social (segurança social e saúde).
Conclusão
Cabo Verde já apresenta algumas características que o intercetam com os SITE: as receitas do turismo têm uma importância significativa e crescente, representando cerca de dois terços do total dos serviços, e a APD recebida é decrescente. O país fez também investimentos grandes em sectores facilitadores do turismo: aeroportos, telecomunicações, água ou energia, educação e formação. No entanto, a administração pública mantém um peso elevado, apesar da privatização de muitas empresas de serviços que eram da esfera pública.
Cabo Verde continua muito dependente das remessas, determinantes na capacidade de importação e dos níveis de consumo. O turismo ainda não gera o valor acrescentado suficiente, apesar do seu grande contributo para o sector terciário e para o emprego nacional.
Cabo Verde tem seguido uma estratégia que o orienta para a integração no modelo SITE mas ainda apresenta muitas características dos MIRAB. Entrecruza ambas as tipologias, estando a fazer um percurso que permitirá a sua futura inclusão no primeiro grupo.
Estudo de caso – São Tomé e Príncipe
Esta análise procura fazer uma reflexão mais profunda sobre as estratégias de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe e o papel das migrações no seu desenvolvimento e na segurança alimentar da população. Também aqui se colocam duas questões: como tem sido o percurso do país e que razões existem para que a maioria dos estudos o inclua na tipologia MIRAB? Qual é a importância da emigração e das respetivas remessas?
As migrações e o investimento em São Tomé e Príncipe
O povoamento de São Tomé e Príncipe por europeus, após a descoberta em 1470, enfrentou dificuldades em resultado da sua pouca resistência às doenças tropicais. O aproveitamento da ilha em termos económicos esteve na base de um complexo sistema de recrutamento de mão-de-obra. Se inicialmente era apenas um entreposto de escravos, ainda durante os séculos XV e XVI passou a ser também um local de produção de açúcar. Foi a época da Primeira Colonização das ilhas, em que a atividade económica se organizou em torno de roças, estruturas dedicadas à monoprodução daquela mercadoria. A transferência da produção açucareira para a América, onde era conseguido um açúcar de melhor qualidade, levou a que o arquipélago entrasse numa fase de certa letargia, confinado ao reabastecimento de navios e ao tráfico de escravos até 1888, ano em que este foi oficialmente extinto pela coroa portuguesa.
No século XIX surgiu o interesse pela produção de café e cacau e o território foi reativado em termos económicos em torno destas produções de exportação. Foi a época da Segunda Colonização.
A imigração, embora com caráter forçado, esteve na base de todo o processo de desenvolvimento das ilhas desde o seu descobrimento (na 1ª fase como escravatura, na 2ª fase como contratação em termos mais ou menos formais). Com a independência, houve a nacionalização das roças e a criação de grandes empresas agrícolas geridas pelo Estado. A incapacidade de gestão dessas unidades e o seu abandono após a liberalização económica, na década de 90, levou a um declínio da produção, quer de culturas de exportação quer da agricultura como base da sustentabilidade económica do arquipélago. Este processo, apesar da implementação de vários programas e projetos, ainda não foi revertido. A indefinição de novas estratégias de desenvolvimento e a gestão pouco eficiente dos dinheiros da APD destinados ao sector produtivo são razões justificativas desta situação. A instabilidade governativa, que tem caraterizado esta II República, também tem potenciado a desestruturação da economia por descontinuidade e incoerência das políticas económicas, determinando escasso investimento e poucas oportunidades de trabalho. Esta difícil situação económica, associada à pouca coesão desta sociedade de imigrantes forçados, provenientes de regiões com diferentes culturas, serão fatores que poderão ajudar a explicar a emigração. Mas esses fluxos não têm contribuído para o desenvolvimento do país ao não se refletirem na melhoria dos processos produtivos através de transferência tecnológica, no envio de remessas (gráfico 3) que ajudassem os familiares a superar a situação de pobreza ou no contributo para o equilíbrio das contas externas. Têm constituído mais uma oportunidade individual que coletiva, um voltar de costas pela maioria dos que partem.
De acordo com as estimativas do Banco Mundial (World Bank, 2011, p. 4) 21,9% da população de São Tomé e Príncipe estaria emigrada em 2010. De acordo com a mesma publicação a taxa de emigração da população com educação ter-ciária teria sido, em 2000, de 22%, com um agravamento para os trabalhadores da saúde: 61% dos médicos e 46,4% dos enfermeiros teriam emigrado (ibid., p. 215).
Os são-tomenses estarão espalhados por muitos países (quadro 6) mas a sua quantificação apenas foi possível para Cabo Verde e para Portugal. De acordo com o Censo de 2010 de Cabo Verde só haveria no país 772 indivíduos dessa origem. Por sua vez, em Portugal em 2011 foram identificados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal (SEF, p. 17) 10 518 indivíduos originários de São Tomé e Príncipe. Estes valores em conjunto corresponderiam a menos de 1/3 do total de emigrantes tendo em conta a população do país e a taxa de emigração: a população total seria de 187 356 indivíduos em 2012 (INE-STP, 2012) e a taxa de emigração de 21,9% em 2010 (World Bank, 2011, p. 215).
Relativamente ao valor das remessas, as estatísticas divergem consoante a fonte. No gráfico 3 apresentam-se as do Banco Mundial (World Bank, 2011, p. 215) por serem mais coerentes com os resultados da investigação.
Os fluxos das remessas foram reduzidos em ambos os sentidos, mas no caso das remessas recebidas não refletem o fluxo de emigrantes. Percecionou-se, pelo trabalho de campo, que a sua escassa relevância poderia ter várias causas, diferentes consoante o grau de qualificação. No caso dos não qualificados, os baixos rendimentos que auferem no estrangeiro daria pouca margem para o envio de remessas a familiares. Mas a própria estrutura familiar não tem uma coesão suficientemente forte que torne quase obrigatório esse envio, esmorecendo os laços familiares com os que permanecem no país. No caso dos emigrantes qualificados as razões serão um pouco diferentes: quando saem do país para obter formação superior, se conseguem trabalho, ficam no país de acolhimento. Estes técnicos sabem que o seu país não tem um nível de desenvolvimento e de crescimento que lhes permita a sua inserção profissional e a obtenção de rendimentos similares. Procuram antes o reagrupamento familiar e estabelecem-se definitivamente no estrangeiro. Esta foi a perceção transmitida pelos responsáveis governamentais entrevistados e pelas pessoas inquiridas em São Tomé e Príncipe.
Se se comparar o peso das remessas recebidas, que não chega a 1% do PIB[11], com o da APD, também em percentagem do PIB, nota-se a relevância desta última, traduzindo uma forte dependência.
Os dados resultantes do inquérito realizado permitem conclusões na mesma direção. Dos entrevistados que constituíram a amostra um pouco mais de 33% (quadro 8) disse ter familiares emigrantes.
No entanto, do total de agregados familiares da amostra, apenas 4,1% deles tinha recebido com regularidade remessas, 22,9% nunca tinha recebido e 6,3% apenas de forma esporádica e, neste último caso, em espécie. Ou seja, dos agregados familiares objeto de estudo apenas 10,4% (quadro 9) afirmou alguma vez ter beneficiado das remessas dos familiares, apresentando-se estas como fonte principal de rendimentos apenas em 2% dos casos[12].
Esta análise permite inferir a escassa ligação dos entrevistados e seus agregados familiares aos benefícios das remessas: 66,7% não tinha qualquer familiar emigrado e dos que tinham (33,3%) pouco mais de 1/3 disse ter recebido algum benefício dessa ligação[13]. A importância das remessas era, por isso, muito pequena.
Grande parte das remessas para os países de rendimentos mais baixos é enviada por via informal em resultado das elevadas taxas de transferência que, em 2009, atingiram em média 12% (UNCTAD, 2012, p. VIII). Essas remessas são canalizadas essencialmente para alimentação e habitação, educação e saúde, segundo a investigação realizada durante este estudo de campo, dados confirmados com outros desta organização (ibid., p. 66). Em São Tomé e Príncipe sentia-se, em 2012, um esforço muito grande dos agregados familiares no acesso à educação, contrariamente à perceção de 2008, quando os agregados familiares ainda não lhe davam tanta importância. Se, por um lado, os governos, apoiados pela APD, conseguiram criar infraestruturas escolares dispersas, as famílias têm conseguido custear as demais despesas. Apenas 7% dos agregados familiares disse, segundo o INE-PNUD (2010, p. 75), ter dificuldade em que os filhos renovem as matrículas.
Comportamento das receitas do turismo
São Tomé e Príncipe tem vindo a dar uma atenção especial ao sector turístico. Houve investimentos privados importantes em algumas unidades hoteleiras e há voos charter semanais, o que se tem refletido no aumento do seu contributo para o PIB. A escassez de infraestruturas aeroportuárias tem constituído um entrave mas também um benefício em termos ambientais. A pequenez e a fragilidade dos ecossistemas das duas ilhas não são compatíveis com turismo de massas. A ilha do Príncipe, apenas com 139 km2 e com o estatuto de Reserva Mundial da Biosfera, exige uma atenção muito especial. A construção do aeroporto internacional do Príncipe e de novas unidades hoteleiras de luxo pode ser indutora do emprego de nacionais e de aumento de rendimentos. No entanto, a interdição de acesso da população a algumas praias pode vir a criar enclaves turísticos pouco desejáveis.
Administração Pública
A referência a este sector liga-se com as características dos modelos taxonómicos.
A importância da administração pública é reduzida, contribuindo em 2010 com apenas 3,7% para o PIB (AfDB, OECD, UNDP & UNECA , 2012, p. 4). A justificação poderá estar na escassez de serviços de caráter social e não na sua eficiência.
Conclusão
Do estudo realizado pode inferir-se o reduzido impacto das remessas na melhoria do nível de vida da população, beneficiando delas uma percentagem diminuta da população. A administração pública tem também um peso reduzido no PIB. Pelo contrário, a ajuda assume valores significativos (quadro 7). Por estas razões questiona-se a inclusão de São Tomé e Príncipe no modelo MIRAB. No entanto, os estudos internacionais têm integrado o país neste modelo.
Conclusões finais
As migrações podem constituir ou não espaços de oportunidade para os pequenos países insulares. Tudo depende da existência de políticas económicas coerentes e estáveis, da capacidade de os estados de origem e recetores criarem políticas de integração conjuntas, da maior ou menor identidade nacional dos emigrantes, da manutenção de elos com familiares que permaneçam no país, das remessas ou mesmo da criação de redes facilitadoras da sua integração. A capacidade de a diáspora criar redes sociais e políticas pode também ser potenciadora do investimento no país.
Os dois países objeto deste estudo, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, apresentam características distintas em termos de movimentos migratórios, remessas e APD.
Cabo Verde está na dianteira nas remessas entre os países africanos estudados por Ratha, Mohapatra, Shimeles, Ozden, Plaza & Shaw (2011, p. 7). Embora os emigrantes não sejam os grandes impulsionadores da economia pela via do investimento, são os garantes do financiamento dos bancos e do bem-estar dos familiares e, por isso, determinantes do nível de consumo. A sua forte identidade nacional, a estabilidade política, a boa governação e a existência de uma política sustentada de desenvolvimento, que já permitiram que o país se afastasse dos países menos desenvolvidos, são fatores justificativos da sustentabilidade das remessas. Pelo contrário, São Tomé e Príncipe continua pouco ligado aos seus emigrantes, apesar de a população emigrada ultrapassar os 20%. As remessas são exíguas, sendo o seu contributo para a melhoria do bem-estar das famílias e para o equilíbrio das contas externas muito reduzido. A emigração tem sido mais uma oportunidade individual do que coletiva.
Por outro lado, a ajuda pública ao desenvolvimento começa a ter, em Cabo Verde, um peso reduzido enquanto em São Tomé e Príncipe ela é expressiva e crescente. A frágil economia do país tem criado uma crescente dependência da ajuda externa, gerando algumas turbulências pelo aumento das assimetrias sociais resultantes da sua utilização pouco criteriosa.
Os dois países são também diferentes no contributo da administração pública para o PIB. É elevada em Cabo Verde e reduzida em São Tomé e Príncipe.
O desenvolvimento do sector turístico já apresenta um peso significativo em Cabo Verde, fazendo com que essas receitas substituam o decréscimo da ajuda. Em São Tomé e Príncipe o seu peso é muito menor.
Esta análise permite colocar a questão: com diferenças tão marcantes poderão ambos estar integrados no modelo MIRAB? Cabo Verde parece estar num processo de afastamento deste modelo e de aproximação ao SITE: diminuição da ajuda e aumento das receitas do turismo, já com peso importante no PIB. Continua, no entanto, a ter forte peso da administração pública e das elevadas remessas, aspetos que caracterizam os MIRAB.
São Tomé e Príncipe apresenta algumas características desse grupo: forte ajuda e emigração. No entanto, outros dos seus pressupostos não se encontram neste país. O valor das remessas é escasso e o sector público tem um peso pouco significativo. A sua integração neste grupo parece basear-se apenas na impossibilidade de inclusão noutro qualquer desta tipologia.
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Recebido a 15 de julho de 2014; Aceite a 17 de abril de 2015
NOTAS
[1] Small Island Developing States.
[2] Realizado em Cabo Verde entre 01 e 29 de março de 2012 e em São Tomé e Príncipe entre 08 de novembro e 30 de dezembro de 2012 e em agosto de 2008 no âmbito do projeto PTDC/AFR/104597/2008, do CEA/ISCTE e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
[3] Migration, Remittances, Aid and Bureaucracy.
[4] Tourism, Remittances, Aid and Bureaucracy.
[5] Balanced Diversification.
[6] Em 2010 foram identificados por Baldacchino 37 desses territórios onde o bem-estar económico dos cidadãos de jurisdições subnacionais tem permanecido significativamente acima do que o de muitos de seus pares independentes (p. 56). Outros estudos sobre as SNIJ francesas mostram que nem sempre isso acontece. Gay (2012) indica fatores que determinarão o menor desenvolvimento destas últimas, com assimetrias de rendimento grandes e com um turismo pouco competitivo. A dependência de elevadas transferências da metrópole, a criação de uma elite dependente dessas remessas e o retrocesso na atividade turística são as possíveis causas desta situação. Martinica e Guadalupe fazem parte deste conjunto de SIJ que integram o modelo MIRAB, entrecruzando também algumas características das SITE.
[7] New Economics of Labour Migration.
[8] Least Developing Countries.
[9] O que também implicou elevados investimentos em infraestruturas de dessalinização.
[10] Cálculos efetuados a partir das estatísticas inseridas nos Relatórios Anuais do BCV, 2011 e 2012.
[11] Este valor médio foi calculado com base na evolução do PIB e das remessas que constam na publicação do Banco de Portugal Evolução das economias dos PALOP e Timor-Leste.
[12] Percentagem de entrevistados em que o rendimento das remessas é superior a 50% na totalidade da população da amostra, segundo dados obtidos no estudo empírico.
[13] 10,4% em 33,3%.