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Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.32 Lisboa dez. 2016

https://doi.org/10.4000/cea.2121 

ARTIGO ORIGINAL

 

Vungu Téla

Estudo da Música Santomense: Uma proposta de métodos, técnicas e objetivos

 

Vungu téla

Study of the Santomeanmusic: A proposal of methods, techniques and objectives

 

 

Magdalena Bialoborska

Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal, endereço de correio eletrónico: magdabi@gmail.com

 

 


RESUMO

A música de São Tomé e Príncipe, pequeno arquipélago situado a cerca de 300 km da costa ocidental de África, que alguns consideram ser uma sociedade crioula, é relativamente pouco conhecida. O circuito musical, tanto antigamente como atualmente, limita-se aos habitantes das ilhas e à diáspora santomense. O défice de fontes que se debruçam sobre os vários géneros musicais e também a música que acompanha os rituais, teatro, festividades é significativo. Adicionalmente, a execução da maioria dos géneros provenientes das ilhas é cada vez menos frequente. O presente artigo surge como a proposta de um estudo exaustivo da música santomense e tem como objetivo a apresentação de possíveis métodos e técnicas de recolha e análise de material musical, assim como a definição de etapas e objetivos desta pesquisa. Apresenta também uma possível classificação da música de São Tomé e Príncipe.

Palavras-chave: São Tomé e Príncipe, música santomense, musicologia africana, sociedade crioula


ABSTRACT

The music of Sao Tome and Principe, small archipelago located about 300 km off the west coast of Africa, which is considered to be a Creole society, is relatively little known. The musical circuit, both past and present, is limited to the inhabitants of the islands and Santomean diaspora. There is a significant lack of sources that focus on the various musical genres and also on the music that is part of rituals, theatre and festivities. Additionaly, the interpretation of most of the genres from the islands is becoming less frequent. This article comes as a proposal for a broad study of the Santomean music and it aims to present possible methods, techniques of collecting the dates and the ways of analysing the musical material, as well as the definition of the steps and the objectives of this research. It also presents a possible classification of the Santomean music.

Keywords: Sao Tome and Principe, Santomean music, African musicology, creole society


 

 

Of importance to us is the fact that the articles were written by ‘owners’ of the musical traditions. The expressions and analytical approaches are also truly African. Our position is that true and objective African musicology can only be developed by Africans themselves as no outsider can fully comprehend the meaning of African music than Africans themselves[1].

As opiniões de académicos africanos, como a citada acima, são bastante frequentes e foram articuladas também por académicos santomenses – não exatamente em relação ao estudo da música, mas no sentido mais geral, em relação a várias áreas de estudo que carecem de pesquisas aprofundadas levadas a cabo por santomenses[2]. A reflexão sobre estas afirmações, desde sempre rejeitadas como improcedentes, resultou na leitura de vários estudos da área da musicologia africana, tanto os dedicados às questões mais gerais e teóricas sobre a disciplina propriamente dita, como os exemplos concretos de estudos elaborados por musicólogos africanos. A conclusão a que chegámos nesta pesquisa bibliográfica levou à confirmação dos nossos pressupostos discordantes da tese proferida por alguns estudiosos africanos: não é a origem do investigador que qualifica o resultado da pesquisa. Contudo, a reflexão sobre as questões levantadas por investigadores africanos permitiu definir melhor os objetivos e também as ferramentas propostas para a pesquisa a ser realizada. Com a atenção mais aguçada para os eventuais obstáculos que podem influenciar o estudo da música de São Tomé e Príncipe, foi definido o leque de técnicas e métodos que serão utilizados durante a investigação, assim como um plano bastante alargado em relação à recolha e posterior utilização dos materiais. Ao longo desta fase, diversas questões foram frequentemente discutidas com santomenses para confrontar a análise da bibliografia com as opiniões baseadas na experiência própria e no conhecimento da realidade, e o discurso académico com as afirmações de pessoas familiarizadas com a situação atual do panorama musical santomense. O objeto de estudo escolhido para a análise, a música, exige uma maior abertura para uma polifonia de vozes, especialmente se um dos objetivos da investigação é disponibilizar o material recolhido e o conhecimento construído às pessoas de São Tomé e Príncipe, e não apenas elaborar uma monografia acessível a um limitado círculo de pessoas ligadas ao estudo da música ou da cultura.

Este artigo surge no momento de passagem entre a preparação da investigação e o início da parte empírica do trabalho sobre um tema concreto relacionado com os géneros musicais santomenses. Contudo, a proposta aqui apresentada é bastante mais abrangente e, em vez de definir as ferramentas para este caso concreto, constitui um plano do amplo estudo da música santomense, não limitado a certos géneros, a tipos de manifestações musicais ou, de alguma forma, delimitado no tempo. No entanto, não se inclui a análise da música da mais nova geração de artistas santomenses, já que o seu estudo exige que se recorra a outro tipo de ferramentas teóricas e a uma reflexão mais generalizada sobre a identidade cultural dos jovens no século XXI.

O artigo é constituído por três partes principais: (i) o contexto, em que é desenhado um breve esboço histórico das ilhas de São Tomé e Príncipe, restringido aos factos significativos para o estudo da música, especialmente focado na criação e transformação desta sociedade crioula, seguido por uma apresentação de questões relacionadas com o tema da investigação em que vários problemas serão articulados; (ii) o percurso da musicologia africana, como uma tentativa de definir os principais objetivos desta disciplina e tentar responder se, de acordo com os fatores a apresentar, esta será a mais adequada para servir como fundamento deste estudo; (iii) proposta de métodos e técnicas para o estudo da música santomense.

 

Contexto

São Tomé e Príncipe é um pequeno arquipélago (1.001 km²), situado a cerca de 300 km a oeste da costa oeste africana, constituído por duas ilhas e vários ilhéus, sendo habitado por cerca de 187 mil pessoas (Instituto Nacional de Estatísticas [INE], 2013). A sua população, de número bastante reduzido, é diversificada e constituída por vários grupos socioculturais. Apesar de alguns considerarem a cultura santomense como homogénea, se observarmos as manifestações culturais no arquipélago, por exemplo a música, deparamo-nos com situações de heterogeneidade, sendo esta uma das consequências do percurso histórico do território. As ilhas desabitadas foram encontradas possivelmente entre dezembro de 1470 (São Tomé) e janeiro de 1471 (Príncipe) pelos navegadores portugueses Pêro Escobar e João de Santarém, tendo sido povoadas a partir dos últimos anos do século XV (São Tomé) e primeiros anos do século XVI (Príncipe). “Os portugueses pretendiam estabelecer uma sociedade europeia cristã, sustentada por uma economia de exportação, que usaria mão-de-obra africana abundante e submissa” (Seibert, 2002, p. 34). As plantações de açúcar e o tráfico de escravos foram os principais pilares da economia das ilhas. Era um território novo, tanto para europeus como para africanos escravizados – os segundos levados gradualmente de várias partes da costa africana para as ilhas – o que exigiu uma adaptação por parte de ambos os grupos às novas condições de vida. A consequência principal deste facto foi o processo de crioulização que decorreu no século XVI, resultando no surgimento de uma sociedade crioula, com a sua própria cultura e língua. As características geográficas do território, assim como o curso da história, levaram à formação de três grupos crioulos, distintos em relação à língua e às manifestações culturais: os forros e os angolares na ilha de São Tomé, os principenses na ilha do Príncipe. Após o período de cultivo intenso de açúcar, que terminou nos finais do século XVI, seguiu-se a fase de estagnação económica, chamada por Tenreiro de “grande pousio” (Tenreiro, 1961). Nesta altura, aumentou a importância dos forros, crioulos maioritários. A partir da segunda metade do século XIX, as plantações de novas culturas, como o café (desde 1787) e o cacau (por volta de 1820), introduzidas desde o Brasil, aumentaram e tornaram-se rentáveis. No entanto, por falta de mão de obra local e após a abolição da escravatura em 1876, os trabalhadores para as roças[3] eram recrutados no continente africano: em Angola (desde 1876), Cabo Verde (desde 1903) e Moçambique (desde 1908). Estes trabalhadores, chamados serviçais ou contratados, assinavam um contrato de prazo definido com a possibilidade de este ser renovado. Eram obrigados a permanecer ao longo de todo o período contratado nas roças e o seu contacto com a população local era bastante reduzido (Nascimento, 2013). Os forros habitavam os arredores da cidade, as pequenas vilas e os lúchans – pequenas comunidades, bastante dispersas –, os angolares situavam-se nas povoações do sul da ilha e os serviçais nas roças em várias partes das ilhas (Seibert, 2002, p. 61). Também dentro das roças “angolanos, moçambicanos e cabo-verdianos raramente se misturam, e isso compreende-se: não só a terra de origem os distingue, mas muito particularmente hábitos e costumes diversos” (Tenreiro, 1961, p. 191). Os serviçais trouxeram para o arquipélago as suas manifestações culturais, que eram reproduzidas com eventuais modificações em face das condições em que viviam. Algumas destas manifestações, especialmente as introduzidas por serviçais provenientes de Angola, foram gradualmente assimiladas pela população local, tornando-se manifestações santomenses, como é o caso da dança/música puíta ou do ritual chamado djambi. Um facto interessante é que o mesmo não aconteceu com a música cabo-verdiana, que era bastante executada nas roças; a par disso alguns santomenses, após a independência, juntavam-se aos dançarinos de tchabeta e executavam esta dança durante os convívios e bailes organizados pela comunidade cabo-verdiana[4].

Após a independência, a grande maioria dos que estavam nas ilhas nesta altura foi repatriada para os seus países. No entanto, muitos cabo-verdianos ficaram nas ilhas de São Tomé e Príncipe. Ao mesmo tempo, milhares de santomenses que tinham emigrado para Angola e para a Guiné Equatorial regressaram para o seu país, trazendo os discos com a música que se ouvia em vários países do continente africano, especialmente em Angola, na Nigéria e na República Democrática de Congo, mas também nas Antilhas e no Brasil, o que certamente deixou marcas na música que foi surgindo em São Tomé e Príncipe neste período. As influências diretas podem ser notadas em algumas das músicas dos conjuntos criadas na primeira década do país independente[5]. A independência trouxe, também, a liquidação da estratificação colonial a todos os habitantes das ilhas, tanto aos forros, angolares e principenses como aos ex-contratados que permaneceram no arquipélago e tiveram, a partir daí, formalmente estatuto igual.

A complexidade da sociedade santomense, assim como a diversidade das manifestações culturais presentes nas ilhas, é o resultado do percurso histórico do arquipélago. Além da população designada como local, já ela própria resultado do processo de crioulização, há ainda os ex-contratados e também os seus filhos e netos que nasceram em São Tomé e Príncipe e que se identificam como santomenses. A atual cultura santomense engloba manifestações diversas e de várias origens, algumas limitadas a certos grupos socioculturais e outras de carácter nacional, praticadas pela maioria dos habitantes das ilhas.

Assim como outras manifestações culturais, também a música das ilhas resulta de diversas influências, sendo bastante distintas as origens dos vários géneros e manifestações musicais. Um estudo da música santomense está condicionado por vários fatores, enumerados adiante. Para ser realizado exige uma investigação interdisciplinar, especialmente quando se faz referência aos géneros mais antigos. A análise da música do período anterior ao século XX revela-se complexa por praticamente não existirem os materiais para o seu desenvolvimento. Também a história da música do século XX, especialmente da primeira metade, requer a utilização de vários métodos com vista à reconstrução dos caminhos das manifestações musicais ao longo do tempo. O fator tempo é de elevada importância – os informadores que ainda se lembram da música anterior aos anos 50 do século XX estão a ficar cada vez mais velhos e, muito em breve, as histórias que têm para contar já não poderão ser ouvidas. Essas histórias constituem as fontes importantes para o estudo da música santomense, já que nunca foram recolhidas e escritas. As fontes históricas – documentos, relatórios da época colonial – pouco falam sobre a música. Na bibliografia sobre a história das ilhas dos finais do século XIX e início do século XX as menções sobre as manifestações musicais não aparecem (Burtt & Horton, 1907) ou limitam-se a poucas linhas e observações bastante gerais (Cadbury, 1910; Matos, 1842). Os únicos livros com uma descrição um pouco mais atenta para a dança e música são dos finais do século XIX e também não fornecem uma análise exaustiva destas manifestações (Almada, 1884; Negreiros, 1895). O mesmo acontece com o período menos distante – o século XX. O défice das fontes escritas é grande e poucos investigadores apresentam resultados de pesquisa sobre a história da música santomense. Em relação à cultura do arquipélago existe obra de Fernando Reis (1969) sobre o folclore e também trabalhos de autores santomenses, mais no sentido descritivo do que analítico, que registam várias manifestações culturais e rituais (Amado, 2010; Salvaterra, 2009). As obras de Reis (1969, 1970, 1973), Santo (1998), Amado (2010) e o artigo de Barros (1956) fornecem alguma informação sobre os géneros musicais, mas os textos aí apresentados carecem de profundidade. Existe ainda uma breve reflexão sobre a música popular santomense (Bragança, 2005), que inclui uma análise do período pós-1950 (focada na “indústria musical” e não nos géneros tradicionais). Estes trabalhos podem servir como ponto de partida e orientação, mas necessitam de um desenvolvimento mais profundo dos materiais proporcionados pelos autores. À falta de fontes escritas, tanto de registos históricos como de estudos, junta-se o défice de fontes áudio e audiovisuais que pudessem fornecer material para uma análise de géneros e manifestações musicais originários de São Tomé e Príncipe, especialmente em relação aos géneros tradicionais, às cantigas de trabalho, à música que acompanha os rituais. Alguns géneros deixaram de ser praticados, como é o caso do lundum, mencionado por Almada (1884) e Negreiros (1895). Outros géneros passaram por um processo de transformação que resultou em alterações significativas entre as formas de interpretação anteriores e as atuais. Também em relação ao significado que estes tinham no passado. Como, por exemplo, a puíta, que adicionalmente ultrapassou as fronteiras do grupo que a criou, tendo sido assimilada por outros grupos, e tornou-se um género que atualmente é considerado como um dos mais representativos de São Tomé e Príncipe. Outra música, mormente a que acompanhava os rituais ou as festividades anuais percorreu, provavelmente, um caminho bastante similar – deixou de ser praticada ou a sua forma atual é bastante diferente da de outrora. Usualmente os músicos atuais não mexem no baú – por exemplo consultando os mais velhos – de forma a obter nas composições mais antigas as referências das suas criações. Para além do gradual desaparecimento de alguns géneros musicais, perdeu-se também o hábito de transmissão da música, espontânea ou mais organizada, de geração para geração. A falta de prática normalmente influencia, de forma prejudicial, a memória. Mesmo que ainda se possam encontrar pessoas que faziam parte de socopés[6] dos forros ou que aprenderam puíta com angolanos nas roças, algumas interpretações, se fossem recriadas por elas agora, não seriam exatamente iguais às de antigamente. Urge a recolha de histórias dos que ainda chegaram a praticar ou a assistir a estas manifestações.

A complexidade da sociedade e a multiplicidade de influências que formaram as manifestações musicais das ilhas constitui outro fator que deve ser tido em conta no estudo da música santomense, especialmente se se optar por uma análise histórica, que pretenda recriar o percurso de géneros musicais, desde as suas origens até a extinção da prática ou até a forma como são executados atualmente. Numa sociedade crioula as manifestações de grande parte da população são heterogéneas e resultam de um processo em que “new common culture – in the sense of cultural forms and content (lifestyles, music, religion, etc.) – and a new common identity are created” (Knorr, 2010, p. 733). Além disso, a recolonização trouxe, através de trabalhadores contratados vindos de Angola, Cabo Verde e Moçambique, novas influências que foram, em maior ou menor grau, assimiladas pela cultura local, sobretudo depois da independência. Mesmo que inicialmente o contacto entre vários grupos tenha sido bastante limitado, com o passar do tempo, os elementos culturais trazidos do continente africano ou do arquipélago cabo-verdiano começaram a deixar marcas naquilo que atualmente é considerado a cultura santomense, aumentando ainda a sua heterogeneidade. Finalmente, o processo de circulação da música através de discos e, a seguir, através da rádio nacional santomense, também tem que ser debatido, especialmente na análise da música dos conjuntos – grupos musicais que começaram a surgir nos anos 30 e atingiram o seu auge nos anos 70/80 do século passado. Nos estilos musicais criados por estes grupos, as influências, tanto de África como de América do Sul, são bastante visíveis.

 

Musicologia africana: um olhar específico para a música africana

As primeiras tentativas de distinguir a musicologia africana da etnomusicologia surgiram após a II Guerra Mundial (Kidula, 2006, p. 100), praticamente na mesma altura em que começou a ser utilizado o termo etno-musicologia (nos anos 50), cuja grafia foi alterada em 1956 para etnomusicologia (Nettl, 2005, p. 12). A musicologia comparada, que surgiu nos finais do século XIX (anos 80)[7], era na altura bastante etnocêntrica, definindo entre os seus objetivos o “estudo da música na cultura”[8] (Merriam, 1964). Em muitos dos casos era o estudo da música dos “outros” no sentido “não-europeus” ou “não-norte-americanos”. A disciplina, cujas origens estão localizadas na Europa e América do Norte, nasceu para responder à necessidade de conhecer e de entender as músicas das outras culturas, sempre do ponto de vista e de acordo com as perceções dos investigadores europeus ou norte-americanos. Mesmo que, posteriormente, os ângulos teóricos fossem gradualmente alterados, a música começou a ser estudada como cultura[9], nos contextos globais e locais. A importância do trabalho de terreno foi sublinhada – os principais conceitos e os pontos de referência provêm da cultura europeia/norte-americana. Tal foi objeto de crítica por parte dos académicos africanos (Kidula, 2006, p. 100). Foi aconselhada uma maior consciencialização relativamente ao uso do legado proveniente da academia europeia/norte-americana e foram lançados os postulados da criação de uma metodologia própria para a análise da música africana, que tivesse em consideração o contributo da etnomusicologia no campo do estudo da música.

A música africana despertava a curiosidade dos europeus. As suas descrições podem ser encontradas em vários textos escritos por exploradores, comerciantes, administradores coloniais, missionários e, posteriormente, por antropólogos, numa época em que o seu estudo sistemático ainda não tinha sido iniciado. Estas fontes podem fornecer algumas informações históricas e evidenciar as dificuldades que os seus autores encontravam em entender plenamente e em descrever devidamente a música africana. Como sublinha J. H. Kwabena Nketia:

These difficulties were created not only by the apparent strangeness of the sounds to some observers but also by the assumption that the aesthetic principles or critical values of western art music provide a valid basis for approaching the music of other cultures (Nketia, 1986, p. 37).

Alguns académicos europeus que se dedicaram ao estudo da música africana, especialmente os que passaram prolongados períodos de tempo no terreno, também tinham a consciência do défice de ferramentas apropriadas para a análise da música, assim como da linguagem adequada a uma melhor descrição dos materiais estudados. Depararam-se com as limitações que tinham como etnomusicólogos outsiders das culturas estudadas, moldados por um sistema de educação europeu, limitados por causa do seu olhar para o mundo através do prisma da sua própria cultura (Merriam, 1964).

O estudo da música africana por académicos europeus e norte-americanos iniciou-se na primeira metade do século XX. Como base de análise eles serviram-se das fontes secundárias – os materiais recolhidos durante as expedições e guardados nos arquivos e museus: as gravações de música, os instrumentos musicais e os dados etnográficos. Eric von Hornbostel e os seus assistentes foram os primeiros a interpretar fragmentos de música africana, fornecendo uma análise inteligível aos musicólogos europeus da época (Nketia, 1986, p. 37). Nos anos 20 do século XX, começou a conferir-se uma maior importância ao trabalho de terreno, de preferência bastante prolongado, no sentido de proceder a uma investigação mais aprofundada. Foram pioneiros desta fase Percival Kirby, Hugh Tracey, Arthur Morris Jones e Klaus Waschmann. Os estudos com o trabalho de campo prolongado continuaram a dominar também na época que se seguiu e os pesquisadores dos anos 50/70 desse século – John Blacking (1973), Simha Arom (1991 [1985]) e Gerhard Kubik (1970, 1998a, 1998b), entre outros – forneceram materiais importantes para o estudo da música africana.

The integration of transcription, structural analysis, and relevant cultural data can be more readily done by the scholar who has observed and recorded music in the field, since he is able to establish correlations between music and relevant aspects of the context of performance, including details of performance techniques, multipart organization, as well as the interrelations of music and movement, music and dance, and music and ritual. […] There is also considerable interest in the terms and concepts used by African peoples to refer to their music, musical instruments, aspects of performance, categories of musicians, and the social context of music. […] Because of the insight that such terms provide, scholars are now more cautious in their use of Western terms and descriptive categories than they were thirty years ago (Nketia, 1986, p. 42).

Apesar desta evolução de métodos e técnicas de investigação, os vestígios de etnocentrismo permaneceram presentes no trabalho sobre a música africana desenvolvido por investigadores europeus (ibid., p. 43). Para conseguir mudanças foi sinalizada a necessidade de conceber um diálogo entre estudiosos não-africanos e africanos que possibilitasse a troca mútua de ideias, conceções e o desenvolvimento de uma metodologia mais apropriada para o estudo da música africana (Nketia, 1998, p. 13). No entanto, este não acontecia da forma desejada pelos académicos africanos, apesar da evolução contínua do discurso académico africano sobre a música do continente. A difusão do conhecimento produzido em África foi, e continua a ser, bastante limitada e raramente entra no circuito global da literatura científica. Um exemplo concreto é assim apresentado por Kofi Agawu:

Uzoigwe’s book, published in Nigeria, would have remained unknown in North America had the author not brought copies of it himself to a 1999 conference in the USA. Nzewi’s book, published in Germany, is available to a handful of scholars who have been lucky to receive personal copies from the author. None of the official ethnomusicological channels has given notice to these books (Agawu, 2001, p. 187).

Este pode ser alargado a parte significativa da produção científica desenvolvida por investigadores ligados às universidades africanas.

Mesmo que o contributo dos não-africanos para o estudo da música africana tenha sido significativo, o desenvolvimento da área de musicologia africana, distinta da etnomusicologia, teve lugar em África e entre os investigadores africanos e está relacionado com a respetiva situação política, social e cultural. Assim, a musicologia africana tem as bases para ser considerada como uma área independente, mesmo que as suas ligações com o legado europeu e norte-americano – em termos metodológicos e teóricos – continuem, em maior ou menor grau, a ser notadas.

A escrita dos africanos sobre a sua música teve início na mesma época em que surgiram os primeiros estudos baseados em pesquisa de terreno elaborados por europeus. No período entre 1920 e 1950, foram criadas as bases para o estudo sistemático da música africana através de textos publicados em vários jornais, por pessoas não formadas em estudos musicais, mas igualmente importantes por evidenciarem curiosidade e consciência necessárias para a análise da sua própria música (Nketia, 1998, pp. 17-18). Nesta altura, também vários africanos tiveram oportunidade de estudar na Europa e na América (ibid., p. 18). De seguida, com as ferramentas metodológicas e teóricas conseguidas, desenvolveram trabalhos de terreno nos seus países de origem.

Entre as primeiras pessoas que deixaram um legado significativo estavam: George Ballanta[10] da Serra Leoa, e Ephraim Amu[11] do Gana. Nos anos 50 foi realçada a necessidade de um estudo mais sistemático da música africana. Importa sublinhar aqui o papel de J. H. Kwabena Nketia[12], ligado desde 1952 à Universidade de Gana, fundada em 1948.

As graduais mudanças da situação política e as atividades dos movimentos nacionalistas tiveram também um papel significativo no desenvolvimento do estudo da música. A necessidade de criar consciência e identidade nacional levou à maior valorização das culturas de vários países africanos onde a partir dos anos 50 se começou a exigir a independência. Os jornais, os programas de rádio, e as associações que promoviam e preservavam a cultura tradicional, despertavam a curiosidade das pessoas em relação à sua cultura, e especialmente a música. Com isso aumentou a necessidade de desenvolvimento da investigação, sobretudo em termos da análise que se seguia à recolha do material (Nketia, 1998). O leque de temas, aprofundados nesta época por autores africanos, cresceu de forma significativa. Foram também criados programas de investigação e ensino nas universidades no Gana, Nigéria, Quénia e Zâmbia (ibid., pp. 37-38). As décadas seguintes, particularmente os anos 70, trouxeram o surgimento de políticas culturais que começaram a ser elaboradas pelos governos de vários países africanos, e a importância da musicologia, como disciplina académica, foi reconhecida a nível governamental, devido ao contributo que esta podia ter no desenvolvimento cultural (ibid., p. 43).

Além da forte correspondência às mudanças de contexto político e social, a musicologia africana desenvolvida em África possuía duas outras características importantes: os pesquisadores, na sua maioria, estavam de alguma forma ligados à prática musical, muitos deles eram músicos ou compositores que conheciam não só a tradição, mas também as formas de executar a música ou tinham a capacidade de as aprender com mais facilidade do que as pessoas vindas de fora, isto é, de outras paragens ou sem saber ou experiência de execução de música. A ligação da música africana com outras componentes culturais, como dança, teatro ou rituais, exigia uma capacidade de análise do conjunto da performance. Ademais, as investigações realizadas eram aproveitadas para a criação de artes performativas contemporâneas, portadoras de um simbolismo baseado na sabedoria tradicional. Como conclui J. H. Kwabena Nketia:

As a field of scholarly research, African musicology thus brought together African composers, teachers, and others, to pursue advanced knowledge and understanding of music in Africa. Its theoretical stance and methods, and its practical aims, were related to the challenges presented by the nature and scope of African musical materials in their cultural, social, and political environments. […] In addition to studies of the foregoing in different societies and regions, and in the continent as a whole, studies of African musicians (both traditional and contemporary) also received particular attention, partly because of the need for a better understanding of individual contributions to African musical cultures, and partly because the anonymity of the past was no longer the rule (Nketia, 1998, p. 46).

Nas razões que incentivam a pesquisa da música africana, por um lado, e nos objetivos estabelecidos, por outro, situa-se a principal diferença que distingue a musicologia africana desenvolvida nas universidades em África do estudo da música africana realizado por académicos ligados às universidades europeias e americanas. Porém, não é o facto de um investigador não ser africano que impede o desenvolvimento da investigação enquadrada na área da musicologia africana. A sua bagagem cultural, os conhecimentos que possui em relação à cultura estudada e, principalmente, os objetivos que estabelecer para a sua pesquisa podem resultar num trabalho que corresponda aos requisitos de um estudo possível de ser classificado como trabalho realizado na área da musicologia africana.

 

Uma proposta de estudo da música santomense: métodos, técnicas, etapas e objetivos

Antes de apresentar a proposta de uma investigação da música de São Tomé e Príncipe, procedemos à sua classificação, não limitada somente aos géneros musicais independentes, mas considerando-a também como um dos componentes de práticas e atividades mais complexas, enumeradas adiante. Este fator serve como aspeto principal na classificação da música santomense, o que leva à distinção de dois grupos e vários subgrupos.

O primeiro grupo é constituído por manifestações musicais independentes. Fazem parte deste grupo todos os géneros musicais que não estão diretamente ligados com nenhuma atividade, e que, embora possam ser executados em várias ocasiões, como por exemplo as festas anuais, não são característicos ou interpretados exclusivamente durante alguma delas. Na maioria dos casos, estes géneros musicais são acompanhados por danças. Neste grupo podemos distinguir três subgrupos, tendo em conta, por um lado, as circunstâncias em que surgiram e, por outro lado, os instrumentos/equipamentos utilizados para a sua execução. Também o fator cronológico pode servir como um dos distintivos, mesmo que haja sobreposições temporais, especialmente no caso do primeiro e segundo subgrupo.

O primeiro subgrupo é composto por géneros musicais tradicionais, criados por santomenses de todos os grupos socioculturais e de vários lugares em ambas as ilhas, mas também por contratados que foram levados para as ilhas nos séculos XIX e XX. Neste último caso consideramos como santomenses somente os géneros que foram criados em São Tomé e Príncipe e que continuaram a ser executados nas ilhas mesmo que a maior parte dos que os criaram, voltaram aos seus países de origem. Os géneros musicais mais antigos que conhecemos e que podem fazer parte deste subgrupo surgiram entre os forros: a irmandade, chamada também de assembleia e lumandádgi (Negreiros, 1895, p. 168), o lundum[13] e a ússua; o género criado ou levado para as ilhas por trabalhadores contratados angolanos, a puíta; o género musical executado por angolares, a quiná, e a dêxa dos principences. Os géneros que surgiram mais tarde são: o socopé (forros/S. Tomé), a tafua (ex-contratados angolanos/S. Tomé) e, o mais recente, o bulawê (forros e ex-contratados/S. Tomé). Fazem parte do segundo subgrupo os géneros musicais que foram criados pelos conjuntos – agrupamentos musicais que surgiram nas primeiras décadas do século XX, ganharam força e aumentaram em número nos anos 50 e 60 do século passado e atingiram o seu auge nos anos 70/80. Inicialmente utilizavam os instrumentos acústicos e diversas vezes recorriam aos instrumentos locais (ex. idiofones e membranofones da terra). Foram estes grupos que com mais atenção seguiram as tendências vindas de fora e mudaram os seus instrumentos, primeiro nos anos 50 (deixaram de incluir os violinos, adicionaram a bateria e aumentaram o número de violas) e depois nos anos 70 (aparecimento de equipamentos eletrificados). Além dos instrumentos, também a música criada por estes agrupamentos era sujeita a influências externas, tanto do continente africano e sul-americano, como – nos anos 70 e 80 – das Antilhas. Entre os géneros musicais que foram criados pelos conjuntos, podem-se enumerar: a rumba santomense, a samba-socopé e a puxa. Já os nomes dos dois primeiros estilos indicam as influências diretas da música da América do Sul e do Caribe.

O terceiro subgrupo inclui os géneros musicais mais recentes, cujo aparecimento está ligado à mecanização da criação musical. O uso dos programas de computador, para a criação de música, tornou-se popular em São Tomé e Príncipe no início deste século e atualmente predomina na criação musical. Embora estes géneros não estejam definidos, se continuarem a ser produzidos poderão ganhar as características que os distinguirão dos géneros que serviram como fonte para o seu surgimento. Aqui podemos indicar como exemplo o buladuro, uma mescla de bulawê de São Tomé e kuduro de Angola, proposto pelo grupo Os Vibrados, que ganhou bastante popularidade entre os jovens das ilhas. O outro género, ainda por classificar, tem quase todas as características da kizomba angolana, mas há uma pequena divergência na execução de ritmo pela bateria que a distingue do ritmo angolano[14]. A kizomba angolana também é muito frequente no repertório dos artistas santomenses, por isso a tentativa de criação de algo diferente, não limitado à mera cópia do original, poderá levar ao surgimento de um género musical mais definido, característico para São Tomé e Príncipe, mas baseado neste ritmo angolano, que – por sua vez – surgiu a partir do zouk das Antilhas.

O segundo grande grupo nesta proposta de classificação da música santomense está composto pela música que acompanha outras práticas e atividades. E assim temos a música que é tocada durante os rituais, por exemplo durante o djambi. Este, assim como a puíta e a tafua, tem origem angolana e foi levado para as ilhas por serviçais angolanos. É um ritual curativo realizado no exterior de habitações em que participam os familiares e conhecidos da pessoa doente. Durante a cerimónia, que pode durar várias horas, o curandeiro efetua várias ações para afastar as forças malignas que atacaram o doente. Ao longo da cerimónia, acompanhada desde o início até ao fim pelo ritmo dos tambores e cantos, o curandeiro entra em contacto direto com as forças sobrenaturais, sendo várias vezes possuído por elas. Também as pessoas que assistem ao ritual entram em transe. A importância da música, ritmicamente muito próxima da puíta, é inegável neste ritual – de certa forma é ela que mais proximamente acompanha as ações do curandeiro.

Outro subgrupo que pode ser distinguido é bastante abrangente pois inclui a música que acompanha o teatro: Tchiloli e Danço Congo na ilha de São Tomé e Auto de Floripes na ilha do Príncipe. Estas manifestações culturais foram bastante estudadas e descritas (Ambrósio, 1992; Baptista, 2001; Éboli, 2010; Kalewska, 2005; Neves, 1995; Reis, 1969, 1970; Santo, 1998; Valverde, 1998, 2000), mas a música que as acompanha não chegou a ser analisada. Estamos perante três manifestações híbridas, resultado de adaptação de textos dramáticos portugueses (no caso do Tchiloli é a “Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno” de Baltasar Dias e no caso do Auto de Floripes as peças similares do norte de Portugal) ou da história do rei do Congo (em Danço Congo dos angolares).

Entre os contos populares, chamados em São Tomé e Príncipe a soya, há um grupo distinto, designado soya cantada. Cada conto deste género é composto por partes faladas e fragmentos cantados. Estas músicas poderiam ser consideradas como mais um subgrupo na classificação da música santomense. As partes cantadas da soya são interpretadas por outra pessoa e não pelo próprio contador da história. Acrescentam algo à história, desenvolvendo ou comentando alguns motivos. O canto não é acompanhado por instrumentos e, tendo algumas regras a cumprir, em grande parte é baseado na improvisação.

Dentro do grupo da música que acompanha outras práticas e atividades, podemos distinguir ainda um grande e diversificado subgrupo de música presente nas festividades anuais, relacionadas com as festas religiosas. A música está presente na igreja, mas as festas religiosas não se limitam a este espaço. A missa, com partes cantadas, faz parte importante de celebrações, contudo há diversas atividades desenvolvidas antes e depois dela. Entre estas manifestações culturais, com forte componente musical, podemos indicar o Tlundu (uma apresentação teatral realizada durante o Carnaval), a Estleva (apresentada na Quarta-feira de Cinzas), Plo Mon Dessu (representada na Quinta-feira Santa), Vindes Meninos (antigamente praticada na ilha do Príncipe na noite de 31 de dezembro para 1 de janeiro), festas dos padroeiros das localidades em todas as partes das ilhas, realizadas também por santomenses a viver na diáspora.

Por fim, fazem parte do último subgrupo as canções que acompanhavam o dia a dia das pessoas: as cantigas de trabalho, as músicas de embalar, as canções infantis, entre outras.

Esta é uma das classificações possíveis da música santomense.

É necessário proceder à recolha e ao estudo de toda a música acima indicada – o que exige a formação de uma equipa que possa desenvolver um exaustivo trabalho de terreno. Alguns destes géneros muito em breve serão de impossível recuperação, uma vez que aqueles que ainda se lembram da sua prática (através de experiência própria: participação, tanto passiva como ativa, na sua execução) estão a envelhecer e a maioria deles não passou os seus conhecimentos a gerações mais novas, por falta de qualquer interesse das últimas. Por esta razão o fator tempo tem significado bastante importante no estudo da música do arquipélago. Nos anos 80, Simha Arom (1991) chamou a atenção para a urgência da recolha do material musical, citando as palavras de Erich von Hornbostel de 1928: “As yet we hardly know what African music is; if we do not hasten to collect it systematically and to record it by means of the phonograph, we shall not even learn what it was” (p. 6). Quase um século depois de Hornbostel e 30 anos depois de Arom, a nossa conclusão em relação à música santomense é a mesma.

A importância de uma recolha exaustiva, de toda a música existente nas ilhas, não tem somente a ver com a necessidade de arquivamento dos materiais sobre esta manifestação cultural (mesmo que este seja um dos objetivos com peso significativo). Tal recolha poderá contribuir para uma análise comparativa, servir para identificar as influências que moldaram os vários géneros musicais em determinadas alturas. O défice de fontes, assinalado no início deste artigo, e a falta de análises da música, requerem uma recolha escrupulosa do material musical, acompanhada pela recolha de memória das pessoas mais velhas que permita a reconstrução da história musical do arquipélago.

Assim, o estudo da música santomense, bem como outros estudos no âmbito da musicologia africana e etnomusicologia (Arom, 1991; Merriam, 1964; Nketia, 2005), deverá ser composto por quatro etapas constituídas por várias fases, que podem muitas vezes decorrer em simultâneo. Posteriormente, para que os resultados do trabalho possam chegar a um número mais elevado de pessoas, a difusão através de vários meios (importância do envolvimento da comunicação social) e em diversas formas (CDs, DVDs, programas de rádio e televisão, entre outras) deverá ser planeada.

O trabalho de terreno, minucioso e prolongado, constitui a primeira etapa e o ponto de partida para o desenvolvimento do estudo. A recolha do material musical em todas as partes das ilhas deveria ter como suporte a gravação áudio e audiovisual. A observação direta durante todo o processo poderia ser enriquecida com observação participante, sempre que esta for possível e se existirem na equipa pessoas com qualificações adequadas para a sua realização. A recolha de memórias, através de entrevistas com as pessoas que têm conhecimentos das práticas musicais, deveria incluir não só as testemunhas diretas (das pessoas que participaram nas manifestações) mas também as indiretas (as histórias que lhes foram passadas por mais velhos). As entrevistas a realizar têm que abranger um leque bastante alargado de pessoas: tanto cantores, músicos, compositores, construtores de instrumentos que desenvolvem a sua atividade atualmente (incluindo a geração mais jovem), como os que já deixaram de participar ativamente nas performances musicais ou outras atividades que a música acompanha. Para permitir uma perceção mais completa das manifestações musicais, propõe-se a recolha e o estudo de outros componentes relacionados com música: os interligados diretamente com a música (danças e inventário dos instrumentos locais) e os paralelos à música (contos, peças teatrais, rituais, componentes de festividades anuais).

A recolha de memórias, por não existirem fontes escritas sobre as manifestações musicais, é uma das etapas mais importantes do trabalho de terreno. Além de entrevistas estruturadas e semiestruturadas com as pessoas que executavam a música ou que participavam em várias atividades das quais a música era parte relevante, o registo de histórias de vida pode ser bastante útil para a reconstrução da história da música santomense, por exemplo no tocante aos músicos, cantores, compositores. Os construtores de instrumentos, tanto os que exercem ainda esta profissão, como os que tiveram alguma experiência neste campo, serão uma fonte principal para a catalogação de instrumentos musicais, composta por uma parte técnica – processo de construção, materiais utilizados, formas de execução – e por outra parte histórico-social – quando apareceram, em que tipos de música eram utilizados, tocados por quem, o processo de aprendizagem, entre outros aspetos da história da música nas ilhas.

Em relação às entrevistas, importa sublinhar a importância das que serão realizadas com as pessoas diretamente envolvidas na criação ou execução de música: cantores, músicos, compositores, autores de letras e, ainda, construtores de instrumentos. A visão destes informantes é bastante diferente da perceção da música por pessoas que não participam ativamente na sua execução. Além de ser mais completa, pode fornecer pormenores significantes, que passam despercebidos às pessoas que não pertencem a este grupo. As entrevistas aos artistas que atualmente desenvolvem a sua atividade musical, tanto da nova geração, quanto aos que já têm o seu percurso desenhado, deverão ser realizadas, não somente para construir a estrutura para o futuro estudo da atual cena musical santomense, mas também para obter a sua visão sobre o passado musical do arquipélago e para perceber a origem das suas opções musicais.A recolha de todos os componentes paralelos à música, no caso do teatro popular, dos contos tradicionais, das festividades anuais, dos rituais, pode fornecer um contributo para a análise da música que acompanha estas atividades. Não se pode esquecer que estamos diante de uma sociedade crioula e que as suas manifestações culturais são compostas por distintos elementos de várias origens, nem sempre de fácil identificação no resultado final que será objeto da nossa análise. Supomos que podem ocorrer casos em que a análise da música poderá tornar-se menos complexa se for justaposta com a análise dos outros componentes das várias práticas performativas, como por exemplo no caso da dexa da ilha do Príncipe: a música com o característico ritmo trinário é acompanhada pela dança muito parecida com a vira do Minho. A heterogeneidade da cultura dos habitantes das ilhas tem a ver com o percurso histórico do arquipélago: além do processo de crioulização, que decorreu no século XVI, quando se criou a sociedade santomense, as mudanças culturais ocorreram ao longo do século XX, em consequência da permanência nas ilhas dos trabalhadores contratados provenientes de Angola, Moçambique e Cabo Verde. Mesmo que o contacto destas pessoas com os nativos estivesse bastante limitado antes da independência, algumas das manifestações trazidas dos territórios de origem ou criadas já em São Tomé por estes trabalhadores, foram, posteriormente, apropriadas por santomenses e transformadas em manifestações da terra, como por exemplo a puíta e o djambi. Outras não tiveram o mesmo percurso e a sua execução limita-se aos grupos das quais são originárias, como a tchabeta (cabo-verdianos e descendentes de cabo-verdianos) ou a tafua (angolanos ou os descendentes de angolanos). Uma tentativa de reconstrução do caminho que as manifestações culturais percorreram exige a capacidade de perceber as dinâmicas da sociedade, além de um estudo de fontes históricas e da história oral.

A documentação fotográfica e videográfica deve acompanhar todo o trabalho de terreno, para servir como mais uma fonte para a análise dos dados. Contudo, a utilização destes materiais exige uma reflexão sobre várias questões, já abordadas em antropologia e sociologia visual (ex. Banks & Morphy, 1999; Harper, 2000), para garantir um trabalho consciente e atento.

A segunda fase do estudo é constituída por uma dupla análise – antropológica e musicológica – do material musical recolhido. A musicológica, além de análise da forma musical (ritmo, melodia, harmonia, heterofonia, timbre), das formas de execução e de performance, deve incluir também as transcrições, tanto musicais, como das letras. A transcrição musical pode ser bastante útil para proceder à análise da forma musical, já que o material recolhido será previamente decomposto através de uma notação adequada e apresentado em forma escrita, permitindo uma visualização mais precisa de componentes das peças musicais. A análise antropológica vai dar especial atenção aos diversos processos de transformação cultural que estão refletidos nas manifestações musicais. Os processos de aculturação ocorreram na música santomense e a sua identificação pode ser feita durante a análise antropológica. É nesta análise que se enquadra o estudo da música como cultura, com quatro pontos principais definidos por Nketia (2005):

•  The etnography of music – including observations of musical occasions and events, performing groups, the status, role and training of musicians, the use of music, and general observations on musical life.
•  The role and function of music considered in terms of the interrelations of music and other aspects of culture, or in terms of “nexus analysis” such as the analysis of music and ritual, music and recreation, music and politics, etc.
• Socio-cultural values that operate in music and contexts of music making, including the problem of extrinsic meaning and symbolism.
•  Music, culture and history – studies of change and historical processes, acculturation, transculturation, interculturation and music (pp. 107-108).

A fase seguinte terá como objetivo a catalogação e o arquivo do material recolhido – tanto em relação à cultura material (por exemplo, instrumentos musicais), como à cultura imaterial (material musical). O acervo criado poderá servir tanto aos futuros investigadores, como a todas as pessoas interessadas em conhecer as manifestações musicais das ilhas.

Por fim seguir-se-á o estudo do material recolhido e pré-analisado sob o ângulo dos temas e questões previamente definidas, com o recurso às ferramentas metodológicas e teóricas de antropologia e musicologia e às fontes já existentes, mesmo que estas não estejam diretamente ligadas com música: documentos históricos, recortes de imprensa, etc., tanto referentes a São Tomé e Príncipe, como a outras regiões africanas com as quais o arquipélago manteve relações.

A realização de um estudo da música santomense poderá atingir melhores resultados se este for desenvolvido por uma equipa adaptável às necessidades de cada etapa. Um grupo de especialistas tanto na área de musicologia, como de antropologia, poderia ainda incluir os profissionais da área audiovisual, o que permitirá uma captação áudio e vídeo de qualidade mais elevada. Adicionalmente, a colaboração com os santomenses falantes de línguas locais[15] poderia facilitar o processo de recolha, transcrição e análise de textos, assim como uma melhor perceção do contexto social e, consequentemente, das manifestações musicais. Esta necessidade tem também a ver com a importância da letra na música santomense. Os textos com diversas metáforas e compostos de jogos de palavras são duas das características mais distintivas desta música (Amado, 2010; Bragança, 2005). Vários santomenses, quando avaliam a música, prestam mais atenção à letra do que à estrutura e à interpretação musical. Facilitaria também a observação, principalmente a participante. A importância da observação participante foi sublinhada por vários autores que se dedicaram ao estudo da música africana, como sendo a mais apropriada para atingir uma perceção completa, correta e pormenorizada, da execução da música e de todos os fatores que a influenciam (p. ex. Blacking, 1973).

A fase posterior e complementar ao estudo em si tem a ver com a difusão do material recolhido e dos resultados do estudo. Para garantir que isso chegue a um público mais alargado, não limitado aos académicos, propõe-se vários tipos de difusão da informação e também da música recolhida. Sublinha-se aqui duas vertentes desta difusão: a primeira tem a ver com a introdução do ensino de música em São Tomé e Príncipe, tanto a nível das escolas básicas como a nível profissional (criação de uma escola de música). A segunda vertente está relacionada com a difusão da música santomense e a informação sobre ela através de vários meios indicados de seguida.

Em relação ao ensino, devem ser tidos em conta os dois eixos: (1) a introdução do ensino de música nas escolas básicas, (2) a introdução do ensino profissional na área da música – criação de uma escola de música. A música não faz parte dos programas escolares no ensino básico em São Tomé e Príncipe, mesmo se os benefícios do estudo de música pelas crianças são largamente conhecidos. Além de desenvolver a memória, a criatividade e a sensibilidade, a aprendizagem de música enriquece os conhecimentos da cultura nacional, especialmente se o programa escolar for devidamente elaborado e baseado no património musical santomense. Também no ensino profissional, um modelo culturalmente adequado deveria ser criado, não necessariamente resultante de uma mera cópia dos programas de ensino nos conservatórios nacionais da Europa. A definição dos objetivos do estudo profissional de música e a escolha da opção para a construção da estrutura mais adequada para isso deverá ser debatida a nível nacional. A análise dos programas e estudos já desenvolvidos noutros países africanos poderá ter algum contributo para a criação do programa adequado à realidade santomense.

Quanto à difusão da música nacional, pelo menos dois fatores devem ser considerados: a maior valorização dos géneros santomenses e a aposta na maior qualidade de apresentação da música. Importa assinalar aqui que o atual panorama musical santomense está bastante descaracterizado: os géneros nacionais não são devidamente apreciados, não é dado apoio aos criadores e intérpretes de música, as condições para apresentação de música ao vivo são bastante precárias e em muitos dos casos, mesmo nos grandes festivais, recorre-se ao playback[16]. É notável o cada vez menor interesse dos jovens na música do arquipélago, e todas as ações que têm como objetivo a difusão dos conhecimentos sobre a música, assim como a apresentação em condições adequadas das músicas santomenses, podem potenciar a maior valorização dos géneros nacionais. A apresentação da música de São Tomé e Príncipe a um público internacional e a produção de espetáculos de elevada qualidade podem ser uma das vias que, além de difundir a música fora do país, terá consequências também entre os santomenses. A difusão de conhecimento sobre os géneros santomenses dentro e fora do arquipélago pode decorrer ao mesmo tempo e o conhecimento produzido pode influenciar-se reciprocamente. A nível nacional, além de concertos (sempre com música tocada ao vivo), a criação de uma plataforma virtual de um acesso aberto, que apresente, de forma estruturada, a música santomense e também o conhecimento eventualmente produzido ao longo do estudo poderia ser uma das opções a considerar, já que o acesso à internet é cada vez mais facilitado. O envolvimento da comunicação social no processo de divulgação da música, incluindo a rádio, a televisão e os jornais, pode ser feito através da criação de programas, documentários, artigos, reportagens, assim como da transmissão de concertos ou divulgação destes. E, por fim, a organização de concursos dedicados a géneros musicais santomenses poderia ser uma das formas de revitalizar esta música e de iniciar o caminho da sua reinterpretação e recriação, especialmente por jovens músicos santomenses.

O esquema acima apresentado propõe uma estrutura geral de várias etapas de um estudo completo da música, neste caso concreto, de São Tomé e Príncipe, conquanto possa ser utilizado em qualquer sociedade após uma adaptação às condições locais.

 

Conclusão

Há um fundão[17] nos arredores de Lisboa onde aos fins de semana se pode participar no sacodé poeira, um baile com música ao vivo, com os ritmos originários das ilhas de São Tomé e Príncipe. A pequena sala enche-se de pessoas que dançam, conversam e cantam os êxitos mais conhecidos. Além deste espaço, há mais alguns locais que esporadicamente ou com regularidade recebem os grupos santomenses. Nos meses de verão, praticamente cada semana há uma festa dedicada aos santos padroeiros de várias localidades santomenses, organizada tanto nas ilhas como na diáspora, para possibilitar aos que estão longe do seu país a comemoração destas datas importantes do calendário de festividades santomenses. A música faz parte das celebrações: tanto a que acompanha a missa, como a que acompanha a festa que se segue. A importância da música para os habitantes do arquipélago pode ser constatada através destes e vários outros exemplos. Ainda assim, notamos que o circuito da música santomense é limitado aos santomenses. No sacodé poeira num bar na Damaia, além de santomenses, participam alguns cabo-verdianos residentes na zona. Raramente aparecem aí pessoas de outras origens e o grupo que anima o baile, o MV4, não toca nos sítios frequentados por um público mais diversificado. O leque dos cantores convidados para atuarem nas festas religiosas[18] permite observar as transformações da atual cena musical santomense, especialmente em relação aos artistas da nova geração. Há quem defina isso como a descaracterização da música santomense[19], mas este tipo de transformações foi constatado por vários investigadores de música e sempre ligado às transformações da própria sociedade (Blacking, 1973; Seeger, 1998). Pode-se considerar que é um processo natural, que ocorre em todo mundo, especialmente na era de globalização, quando as facilidades em termos de comunicação são significativas. Daí a necessidade da maior valorização dos géneros musicais que surgiram nas ilhas e aí se desenvolveram. A construção do conhecimento sobre a música – tanto um conhecimento concreto e prático, como um discurso teórico mais geral, que possa dialogar com o debate em torno da música do continente africano e da música africana criada na diáspora – poderá contribuir para a valorização da música santomense.O dado significativo desta proposta do estudo da música santomense prende-se com o facto de nunca ter sido desenvolvido qualquer trabalho deste género e também com a premência com que este deve ser executado, atente aos motivos expostos neste artigo. A escolha da área da musicologia africana como a mais adequada para o desenvolvimento do estudo tem a ver com a proposta da construção de um saber sistematizado, de acordo com o conhecimento disperso, e de incluir São Tomé e Príncipe no discurso académico sobre a música.

Além deste objetivo no âmbito das ciências musicais, podem lograr-se outros benefícios de cariz mais prático. A difusão da música santomense e dos resultados obtidos durante esta investigação podem contribuir para a maior valorização da música. A sensibilização para a música no ensino, assim como a sua divulgação através de diversos meios da comunicação social, pode criar os fundamentos da redescoberta de alguns géneros musicais santomenses. Por fim, a internacionalização da música de São Tomé e Príncipe pode ter consequências positivas, por exemplo pela sua contribuição para a continuidade da música.

***

Vungu téla, a primeira parte do título deste artigo, significa em crioulo forro – a língua local mais falada em São Tomé e Príncipe – “a música da terra”.

 

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Recebido: 12 de fevereiro de 2015

Aceite: 21 de abril de 2016

 

 

Notas

[1]   Extrato da nota de abertura, “About this Edition”, do primeiro volume de African Musicology On-Line 1(1) de 2007. Disponível em: http://africanmusicology.com/

[2]   Os comunicados deste género são frequentes no discurso santomense.

[3]   Estruturas agrárias do cacau e do café.

[4]   Entrevista com músico santomense radicado em Portugal, realizada em agosto de 2014. Tendo em conta o facto de se tratar de uma pesquisa ainda em curso, optamos por não revelar, nesta fase, os nomes dos entrevistados.

[5]   Por exemplo, a sonoridade do nigeriano Prince Nico Mbarga ou as influências do compa, do cadance, e – mais tarde – do zouk antilhano, são aparentes na música dos conjuntos santomenses.

[6]   Os intérpretes de socopé – músicos, cantores e dançarinos – eram organizados em grupos da comunidade dos forros, também chamados socopés (Barros, 1956; Reis, 1969, 1970; Santo, 1998). “Quase todos os grupos de socopé têm uma organização cuja estrutura vai do Presidente aos sócios” (Santo, 1998, p. 246).

[7]   A invenção do fonógrafo por Thomas Edison em 1877, que possibilitou a gravação e reprodução de sons, teve um papel significante no surgimento e no rápido desenvolvimento da disciplina.

[8]   Music in culture.

[9]   Music as culture.

[10]  Músico, compositor e investigador serra-leonino (1893-1962), concluiu os estudos na Inglaterra (Durham University) e nos Estados Unidos (Institute of Musical Art, Nova Iorque). Realizou a recolha e o estudo de música da costa oeste africana (Serra Leoa, Libéria, Senegal, Guiné, Gana, Nigéria), analisando tanto a forma musical do material recolhido, como o contexto social que influenciava as transformações musicais (Nketia, 1998).

[11]  Músico, compositor, investigador e professor do Gana (1899-1995), que procedeu à recolha de canções tradicionais, que influenciaram as suas posteriores composições. Indicava a importância do estudo das músicas tradicionais, cantadas em línguas locais e postulava a sua maior valorização. Apelava também à inclusão da música e dança tradicionais nos programas de ensino nas escolas ganesas (Nketia, 1998).

[12]  Musicólogo, compositor e professor do Gana (n. 1921), cujo papel no desenvolvimento da musicologia africana é imprescindível. Algumas leituras recomendadas para conhecer a vida e a obra do J. H. Kwabena Nketia: Akrofi, 2002; Nketia, 1974, 1998, 2005; Wiggins, 2005.

[13]  Apesar de informações sobre o surgimento deste género em São Tomé a partir de nblôlô nblalá (Barros, 1956, p. 101; Santo, 2001, p. 315; Santo, 1998, p. 240) e da sua posterior expansão nos continentes europeu a americano (Santo, 1998, p. 242), nenhuma outra obra que analisa este género musical, praticado também no Brasil, em Cabo Verde e em Portugal (Gonçalves, 2006; Tavares, 2005; Tinhorão, 2007), menciona São Tomé e Príncipe como o lugar onde este surgiu. De acordo com a pesquisa do musicólogo brasileiro José Ramos Tinhorão, o lundum, chamado também lundu, surgiu entre os africanos no Brasil no século XVIII, mas foi muito rapidamente absorvido pela sociedade branca brasileira e, pouco tempo depois, pela sociedade portuguesa e tornou-se numa das danças obrigatórias no teatro lisboeta, assim como – já sob a forma estilizada – nos salões e nos bailes das elites (Tinhorão, 2007, pp. 19-21).

[14]  Como exemplos podem servir as músicas “Adewacongo” ou “Na solá fa” de Leo Bocacopo, “O vizinho caenche” de Sander Love ou “Aqui estou eu“ de Haylton Dias.

[15]  Atualmente nem todos os santomenses possuem conhecimento de crioulos locais. De acordo com os dados de último Censo (2012), 62 mil santomenses falam o crioulo forro, 11 mil utilizam o crioulo angolar e somente 1753 pessoas falam o crioulo lunguié. O crioulo cabo-verdiano é falado por 14 mil habitantes de São Tomé e Príncipe (Veiga, 2014).

[16]  Esta última alternativa é frequente não só no arquipélago, mas também por cantores, especialmente da nova geração, a viver na diáspora.

[17]  Designação santomense do espaço de diversão, com a música ao vivo. “Primeiro foi na Vila de Trindade, junto da sua rua principal, e ficava fundo, a baixo do nível da referida rua. Daí o nome generalizado de fundões” (Reis, 1969, p. 23).

[18]  Designação geral utilizada para todas as festas dos santos padroeiros.

[19]  Opinião de vários entrevistados, especialmente dos músicos mais velhos, que aparece nas entrevistas realizadas em Lisboa em 2014-2015.

 

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