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Cadernos de Estudos Africanos
versão impressa ISSN 1645-3794
Cadernos de Estudos Africanos no.33 Lisboa jan. 2017
https://doi.org/10.4000/cea.2243
ARTIGO ORIGINAL
Importância do Caminho de Ferro de Benguela para o Desenvolvimento Regional
Importance of the Benguela Railway for regional development
André Tchoia Relógio1; Fernando Oliveira Tavares2 ; Luís Pacheco3
1Instituto Superior Politécnico Lusíada do Huambo, Rua Teixeira da Silva (Ex Colégio Adventista), Cidade Alta Huambo, Angola, endereço de correio eletrónico; tchoiarelogio@gmail.com
2Departamento de Economia, Gestão e Informática, Universidade Portucalense Infante D. Henrique, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 541-619, 4200-072 Porto, Portugal, endereço de correio eletrónico: ftavares@upt.pt
3Departamento de Economia, Gestão e Informática, UniversidadePortucalense Infante D. Henrique, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 541-619, 4200-072 Porto, Portugal, endereço de correio eletrónico: luisp@upt.pt
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar a importância do Caminho de Ferro de Benguela (CFB) para o desenvolvimento regional em Angola, em particular no seu Planalto Central. A metodologia de investigação utilizada tem por base a análise quantitativa e qualitativa. Foram recolhidos dados quantitativos e efetuada uma entrevista semiestruturada, com a posterior análise estatística e de conteúdo. Observa-se que o CFB contribuiu para a transformação profunda da geografia económica, desencravou regiões e assegurou mercados para produtos manufaturados das indústrias dos países mais desenvolvidos. Além disso, o CFB deu início a novas povoações que estiveram na origem de vilas e cidades. Conclui-se que, num futuro próximo, o CFB pode assumir um papel fundamental no desenvolvimento e diversificação da economia angolana, em particular no Planalto Central.
Palavras-chave: Empresa Pública do Caminho de Ferro de Benguela, Angola, desenvolvimento regional, infraestruturas ferroviárias
ABSTRACT
The objective of this paper is to analyze the importance of the Benguela Railway (CFB) for Angolas regional development, particularly in its central highlands. The research methodology is based on quantitative and qualitative analysis. Quantitative data were collected and an semi-structured interview was conducted with statistical and content analysis. We observe that the CFB contributed to a profound transformation of economic geography, connecting regions and assuring markets for manufactured products from the industries of more developed countries. Also, the CFB has initiated new settlements that have led to present towns and cities. We conclude that, in a near future, CFB may have a fundamental role in the Angolan economic development and diversification, particularly in its central highlands.
Keywords: Benguela Railway Public Company, Angola, regional development, railway infrastructures
Os grandes projetos de infraestruturas ferroviárias, construídos durante a segunda metade do séc. XIX e inícios do séc. XX na Ásia, na Austrália, em África e na América Latina eram, do ponto de vista económico, um meio de ligar alguma área produtora de bens primários a um porto, a partir do qual aqueles poderiam ser enviados para as zonas industriais e urbanas no mundo. Nesses locais, a rede ferroviária tinha a particularidade de ser complementar à de navegação internacional, cuja função era basicamente a de assegurar a ligação marítima aos destinos de exportação (Allis, 2006; Campos, 2012).
O caminho de ferro em África contribuiu para uma transformação profunda da geografia económica, pois permitiu desencravar regiões no interior e assegurar os mercados para produtos manufaturados das indústrias dos países industrializados. A descoberta de minas de diamantes e de ouro, de cobre, de carvão, etc. na África Central e Austral trouxe grandes mudanças económicas e socioculturais (Esteves, 2000).
As necessidades de matérias-primas de origem agrícola e mineral justificavam a exportação de material fixo e circulante e explicavam o imperialismo económico, que procurava garantir pelo melhor preço um abastecimento regular do seu comércio e da sua indústria. O Caminho de Ferro de Benguela (CFB) permitiu o aparecimento de cidades, o que é visto como um dos seus pontos positivos e, por outro lado, levou ao aparecimento das maiores florestas de eucaliptos plantadas no mundo. Os eucaliptos tinham importância para uso como combustível para a máquina a vapor daquela época. Esta ação por parte do CFB de alguma forma contribuiu para a mudança de atuação no consumo do combustível vegetal e da flora natural, sobretudo a de Miombo no Planalto Central, uma vez que se destinava à companhia do CFB e as suas famílias (Delgado-Matas, Jiménez & Kiala-Kalusinga, 2007; Amaral, Vieira & Dentinho, 2004).
A Companhia do CFB no seu Relatório de 1952, citado por Esteves (2003), considera que em termos de influências o CFB também foi o elemento integrador de diferentes grupos, tornando assim a região do Planalto Central numa região de convergência de culturas, um terreno onde homens partilhavam as experiências profissionais, as convivências interculturais e foram constituindo uma classe operária ferroviária. Fora do ambiente profissional, foram interagindo com os outros grupos sociais (nativos, industriais, comerciantes, agricultores), de onde nasceram novos elementos sociais e culturais.
Este trabalho tem como objetivo analisar a importância do CFB para o desenvolvimento regional. Está dividido em quatro partes. Numa primeira parte é efetuada a introdução ao tema e a revisão da literatura sobre o mesmo. Na revisão da literatura, são referidos aspetos como a migração no território, a evolução dos transportes e o caminho de ferro e o seu espaço envolvente. Na segunda parte é apresentada a metodologia de investigação. Na terceira parte é efetuada a apresentação da análise e discussão dos dados. Na quarta parte deste trabalho são apresentadas as conclusões e as suas principais limitações.
A migração e o território
A migração, a urbanização e a terceirização remetem-nos para os processos estruturais, de mudanças de grande amplitude e profundidade, que se têm vindo a fazer sentir à escala de todo o planeta. As migrações e a urbanização têm implicações profundas ao nível da especialização das relações sociais, alterando radicalmente o modo como os indivíduos e as sociedades se inscrevem no espaço geográfico, que é ele próprio alterado na sua configuração (Almeida, Machado, Capucha & Torres, 1994).
A migração entende-se como sendo qualquer movimento coletivo de população, isto é, movimentos sociais de caráter temporário ou permanente, entre dois espaços geográficos. Esse movimento pode ocorrer dentro de um mesmo país, podendo ocorrer de uma área rural para uma zona urbana ou entre países diferentes. No caso de Angola tal facto ocorreu e tem ocorrido, obrigando assim a que, de alguma maneira, o espaço geográfico seja modificado com a construção de novas zonas urbanas acompanhadas de uma terceirização da economia (ibid.).
A ação da companhia de caminho de ferro de Benguela, no que toca à questão da migração, teve um papel preponderante. Iniciou a movimentação dos povos para diversas localidades permitindo, de certa forma, o acelerar da ocupação efetiva e a reorganização administrativa das regiões do interior de Angola. Pode notar-se que, em 1950, toda a zona de influência do CFB no seu conjunto tinha seis distritos, vinte concelhos e oitenta e um postos administrativos. Pese embora a implantação de tais estruturas ter sido erguida num espaço já ocupado pelas então autoridades nativas, a nova organização do espaço e a exploração dos recursos naturais resultaram no aparecimento de novos tipos de povoações tanto para os europeus como para os nativos (Esteves, 2003; Gonçalves, 2013; Tostões, 2015), um aspeto a que voltaremos mais adiante.
Evolução dos transportes
A evolução dos transportes em Angola não foge à regra do que aconteceu noutras partes do mundo, apesar de se ter registado em momentos temporais diferentes. Constam como as principais redes de trilha dos séculos XVIII e XIX, as ligadas com as costas atlântica (Ambriz, Luanda, Benguela) e índica (Tete, Zanzibar, etc.) que penetravam nas extensas regiões da África Central e Meridional (Esteves, 2003).
A entrada dos Bóeres da África do Sul em Angola não afastou a incerteza do transporte pré-ferroviário, apesar de marcar uma nova era na história do transporte. Estes introduziram um elemento mais evoluído no transporte: a estrada carreteira e o carro de tração animal. Começaram a explorar a indústria do transporte para o litoral e por esta via deu-se início à concorrência com o carregador indígena. No período compreendido entre 1872 e 1896, a sede do distrito de Benguela ficou ligada por estradas carreteiras às regiões do interior (Dombe Grande da Kizamba, Catumbela, Caconda e Moxico) cujo preço da travessia de alguns rios era de 50 réis por carga e pessoa. Por sua vez, em face da realidade na altura, as estradas carreteiras acabaram por desempenhar um papel determinante tanto no domínio económico como no domínio militar (Esteves, 2003). No entanto, de acordo com Esteves (2000), o trilho, a estrada carreteira e os meios de transporte neles aplicados eram morosos e menos económicos. Assim, foram considerados incapazes de assegurar o escoamento para o litoral de mercadorias, nomeadamente do café e da borracha. De acordo com Ferreira (2004), em 1870 Angola exportou 70 toneladas de borracha, mas essa quantidade subiu para 2.046 em 1892 e para 3.380 toneladas em 1899. Posteriormente, estes números foram diminuindo de forma progressiva, devido à concorrência da borracha sintética. No porto de Benguela, todas as mercadorias transacionadas pelo rio Catumbela eram sujeitas a inúmeras baldeações, pelo que essa situação exigia cada vez mais um outro tipo de meio de comunicação, mais económico, moderno e rápido (Esteves, 2003). Foi nesta ótica que nasceu a ideia de ligar Benguela e a Catumbela por uma via férrea, ponto inicial do que virá a ser o caminho de ferro de Benguela.
Campos (2012) realça que a ferrovia possibilitou novas condições e ampliação de mercados. A revolução moderna dos transportes não aumentou apenas as velocidades, mas teve também outros efeitos sobre a supressão da incerteza que os elementos antigamente impunham.
Durante a segunda metade do século XIX e início do século XX, o desenvolvimento da construção de caminho de ferro em Angola evoluiu lentamente. São diversos os projetos concebidos, entre os quais seis foram concretizados: Caminho de Ferro de Ambaca (1848 a 1909), de Malanje (1903), de Benguela (1903 a 1928), de Moçâmedes (1905 a 1961), do Amboim (1923 a 1941) e de Kwiyu, totalizando cerca de 2.958 km, ou seja, um quilómetro por cada 412,46 km2 de território. As linhas férreas de Ambaca, Benguela, Amboim e de Kwiyu eram privadas, ao passo que as de Malanje e Moçâmedes eram pertença do Estado português. Refira-se que as linhas férreas de Ambaca, Malanje, Benguela e Moçâmedes eram consideradas como linhas de penetração (por exemplo, a linha de Ambaca destinava-se a desviar o comércio de borracha do Congo), sendo a mais importante a de Benguela, ao atravessar Angola de oeste a leste, com a possibilidade de ligação entre os oceanos Atlântico e Índico (Esteves, 2000; Esteves, 2003; Gonçalves, 2013).
Causas do surgimento do CFB
Antes ainda do projeto de criação do caminho de ferro de Benguela, o centro de Angola entrou na era da máquina a vapor com a construção do caminho de ferro de Catumbela (1889-1893) e com a projeção da linha de Caconda (1894). Só anos mais tarde é que teve início a construção e exploração do Caminho de Ferro de Benguela (1903-1928) (Esteves, 2003; Batsîkama, 2014).
Relativamente à questão da escolha do melhor traçado para a linha a construir, Esteves (2003) considera de grande importância as informações dos sertanejos portugueses que percorreram as regiões leste e sul de África, permitindo a Portugal ter ideias mais ou menos exatas sobre as possibilidades económicas das mesmas regiões e facilitando de certa forma o desenho das linhas férreas. Assim, o Governo português concebeu como ideia primária uma linha férrea que partiria do Lobito para Caconda e completar-se-ia com três ramais, com o primeiro ramal a partir de Caconda para atingir o Cuvango e daí prosseguiria até à fronteira de Barotze; o segundo ramal partiria de Caconda ao Bié e prosseguiria até Garanganze, seguindo os trilhos das caravanas e, por fim, o terceiro ramal seria o troço de Caconda a Moçâmedes (Esteves, 2003).
Tal como afirma Santos (1988), a base da diretriz do caminho de ferro de Caconda tendia a aproximar-se, o mais possível, tanto das regiões ricas em minérios e produtos naturais como das rotas com intensas atividades comerciais. Esta diretriz foi assim a resposta encontrada à já referida preocupação dos portugueses nos séculos XVIII e XIX de encontrar uma via rápida de acesso às regiões mais ricas da fronteira leste de Angola, como Garanganze, Monomotapa, Chicova e Butwa.
Concretamente no caso de Benguela, a cidade era vista como um grande mercado de destino da borracha, pelo que a autoridade colonial pretendia instalar uma via férrea. O caso de Caconda, que seria de ligação para este mercado, deparou-se com muitas dificuldades a partir do momento em que os concessionários se recusaram a aceitar a proposta do Estado português. Portugal pretendia que a arrecadação de grande parte dos fundos necessários para o lançamento da via férrea fosse suportada numa base taxada, calculada sobre determinados produtos de eleição, tais como a borracha, o álcool e o algodão (Esteves, 2003). Refira-se que os mecanismos engendrados para a sustentação dos projetos ferroviários em Angola não eram novos, tendo ocorrido noutras partes do mundo, sendo o Brasil um exemplo (Campos, 2012).
De acordo com o relatório do CFB atrás citado, Esteves (2003) considera que foi com base na descoberta das minas de cobre no Katanga, em 1901, que ficou comprovado que o Lobito era a via melhor posicionada para o seu escoamento. Foi nesse pressuposto que se deu lugar à assinatura do contrato, a 28 de novembro de 1902, entre o Governo português e a Tanganyika Concessions Limited. Os trabalhos de construção, iniciados em 1903, só foram concluídos em 1928, podendo considerar-se que o Planalto Central e Sul de Angola entraram numa nova era.
O caminho de ferro e os espaços envolventes
Para Angola, o período de 1912 (início do consulado de Norton de Matos) a 1975 (independência nacional e início da guerra civil) é considerado o período da progressiva instalação do caminho de ferro em regiões maioritariamente habitadas por população nativa. Este processo provocou algum descontentamento por parte das populações espoliadas das suas áreas residenciais pois, fruto de alguma supremacia do colonizador, não lhes restava outra alternativa senão a de cedência de espaço para os imigrantes europeus, o que, na essência, resultou na ocupação militar e administrativa do Planalto Central.
Refira-se que esta ocupação militar e administrativa era algo de fundamental para Portugal, no contexto da afirmação do domínio sobre territórios disputados por outras potências europeias (Ferreira, 2004). Além disso, era também um objetivo fomentar a fixação de colonos no Planalto Central e aí desenvolver uma agricultura de plantação, sobretudo de café e de algodão. Como resultado desta nova fase, assistiu-se a um rápido aumento da população europeia, à fundação de cidades, à abertura de fábricas, ou seja, à consolidação da construção do CFB (Delgado-Matas, Jiménez & Kiala-Kalusinga, 2007).
Ao CFB, para além da formação de novas cidades, também é importante associar a utilização de combustíveis ligados à era da máquina a vapor. Assistiu-se ao consumo excessivo de recursos naturais, sobretudo de Miombo do Planalto Central, pois eles destinavam-se tanto à companhia do CFB como às suas famílias, sendo usados como combustível. Perante esta realidade, a desflorestação desta zona de Angola tornou-se uma realidade, o que obrigou da parte do CFB à busca de alternativas que resultaram no plantio de um perímetro florestal, à base sobretudo de eucaliptos, ao longo do percurso. Se antes o CFB tinha apenas a flora natural do Miombo no Planalto Central, com o nascimento do perímetro florestal, este permitiu à Companhia uma maior margem de manobra, já que ganhou mais reservas (Delgado-Matas, Jiménez & Kiala-Kalusinga, 2007; Castro & Carvalho, 2014).
Em termos de atividade económica, as transformações começaram pela integração das populações na economia colonial, com o processo de integração a consistir em transformar as populações autóctones em trabalhadores assalariados, incutindo-lhes o espírito de trabalho com vista a contribuir para o desenvolvimento da economia colonial, na qual se destacam setores como o agropecuário, as pequenas indústrias de transformação e o comércio. Estes setores foram encorajados e estimulados por serem fonte de matérias-primas para a indústria europeia e americana e de financiamento do aparelho do Estado português (Esteves, 2003).
Esteves (2003) considera que o desenvolvimento da construção do caminho de ferro no continente africano, e em Angola em particular, foi condicionado pelas conveniências políticas, estratégicas, económicas e sociais. Segundo Fernandes (2014), a procura de saídas para uma indústria em expansão, necessidades de matérias-primas, as perspetivas financeiras e a instauração de um império colonial contribuíram tanto na evolução da rede de caminho de ferro como na expansão colonial e inscreveram-se numa perspetiva protecionista devido ao fecho dos mercados nacionais.
O incremento das exportações para as colónias com produtos que antes eram relativamente diminutos (por exemplo, produtos metalúrgicos) visava acelerar a construção das vias férreas e dos equipamentos portuários. Ao proceder assim, as colónias ganhavam novas condições para aí realizar o comércio que vivia uma asfixia na Europa, e que de algum modo ganha alguma notoriedade, o que lhes permitiu passarem a contar com o alargamento das suas infraestruturas (Esteves, 2003; Fernandes, 2013).
Indiscutivelmente, um dos méritos do CFB foi a criação de postos de trabalho. Desde o desembarque do material, passando pela construção até à exploração da linha férrea, surgia uma variedade de postos de trabalho. Dada a fraca densidade demográfica do litoral e a situação política do interior, a firma construtora Griffiths & Company viu-se obrigada a recrutar (1904-1907) os primeiros contingentes de trabalhadores nos países da África Ocidental, Central e Austral (Libéria, Gana, Serra Leoa, Cabo Verde, República Democrática do Congo e província do Natal), na Europa (Portugal, Reino Unido, Itália, Espanha, etc.) e na Ásia (Índia). Os trabalhadores tinham sido iniciados nas novas técnicas, aprendendo várias profissões (mecânico, serralheiro, eletricista, maquinista, condutor, guarda-freios, assentador de via, agulheiro, fogueiro, contabilista, guarda de passagem de nível, etc.) (Esteves, 2003).
Considerando os relatórios de exploração e de fiscalização da Companhia do CFB para os períodos 1905-1953 e 1903-1928, citados por Esteves (2003), nota-se que na primeira fase da construção do CFB, o recrutamento de trabalhadores nativos fora difícil, enquanto que, na segunda fase da exploração, o quadro inverteu-se a favor dos nativos. Nesta segunda fase, a Companhia do CFB era a única companhia no Planalto Central que conseguia atrair jovens nativos e estrangeiros que procuravam melhorar as suas vidas, após a conclusão do ensino primário nas escolas das missões, e entrar no mercado de trabalho. Os jovens nativos acorriam primeiramente à Companhia do CFB, solicitando o primeiro emprego e daí habilitavam-se a aprender uma profissão segundo as suas capacidades intelectuais, até se tornarem verdadeiros ferroviários (Goularti Filho & Chimbulo, 2014).
Um dos marcos mais profundos da construção do CFB foi o aparecimento de aglomerações ferroviárias. O CFB constituiu um ativo criador e fator de desenvolvimento de cidades, com a criação de cerca de 78 estações e apeadeiros, surgindo novas cidades como Robert Williams, Luso, Silva Porto e Teixeira de Sousa (respetivamente, as atuais Cáala, Luena, Cuíto e Luau) ou impulsionando o desenvolvimento de Benguela e de Nova Lisboa (atual Huambo). Dada a importância de determinadas estações, algumas viriam a ter funções administrativas, comerciais e industriais e atraíram uma grande parte da população da região do Planalto Central (Esteves, 2003).
Evolução recente do contexto socioeconómico de Angola
O início da década de sessenta do século XX trouxe importantes transformações à economia angolana, à qual grande parte dos países africanos não ficou alheia. O arranque industrial foi uma consequência, em termos gerais, da alteração da política colonial com a substituição do Pacto Colonial pelo Espaço Económico Português (EEP), verificando-se com o EEP a integração económica dos espaços metropolitano e ultramarino. Apesar da transformação política a que se assistiu, tal não impediu que Angola ficasse refém uma década (1961 a 1971) da presença de políticas uniformes que pudessem identificar uma estratégia para a industrialização do país, que emergia sobretudo como consequência da alteração do regime de condicionamento industrial no contexto de um mercado interno em expansão (Valério & Fontoura, 1994).
O início das hostilidades da guerra de libertação veio condicionar em parte o funcionamento do CFB. No entanto, a total interrupção do seu funcionamento só ocorreu já no decurso da guerra civil, iniciada em 1975, e que se prolongou até ao início do novo século. Refira-se que, em 1973, antes da independência, o caminho de ferro tinha cerca de 12.000 funcionários, transportava mais de 3,2 milhões de toneladas de carga e auferia 30 milhões de dólares em receitas de transporte. Quando Angola se tornou independente em 1975, praticamente todos os funcionários qualificados da empresa, dos quais 1.800 eram portugueses, fugiram do país, congelando todos os projetos de construção e manutenção. Grupos de guerrilha rivais assumiram o controle de secções da linha e, em agosto desse ano, o Governo do Zaire decidiu fechar a fronteira, impedindo todo o tráfego internacional. O fim da guerra civil de 27 anos, em abril de 2002, conduziu a várias mudanças nos planos político e económico em Angola. No plano político, o processo de consolidação das instituições democráticas e a progressiva abertura ao sistema pluripartidário e, no plano económico, os progressos significativos na estabilização macroeconómica e na adoção de um sistema de economia de mercado e favorável à iniciativa privada. Esta estabilização política, económica e também social favoreceu os influxos de investimento estrangeiro, essenciais para a recuperação da economia angolana e que, em particular, foram fundamentais na recuperação e reabilitação da linha do CFB, um aspeto a que aludimos mais adiante.
Metodologia de investigação
A investigação de suporte a este artigo foi na sua totalidade realizada na cidade do Lobito, sede do CFB. Tal ocorreu pois a estrutura extremamente hierarquizada e centralizadora do CFB faz com que a sua representação no Huambo não disponha das competências e dos dados necessários ao estudo.
Em termos de metodologia, utilizámos uma análise quantitativa, baseada fundamentalmente nos relatórios do CFB e outras referências bibliográficas, a par do recurso a uma entrevista semiestruturada. Essa entrevista, realizada no Lobito, permitiu compilar informações oficiais por parte do responsável indigitado pelo Conselho de Administração do CFB, que se disponibilizou a responder ao nosso guião. Nessa entrevista foi possível recolher informações sobre a atualidade do CFB, o que seria impossível de obter apenas com base nos relatórios escritos.
A principal questão abordada neste artigo prende-se com perceber qual o contributo que o CFB terá dado para o progresso económico e social da região do Planalto Central angolano, em particular na Província do Huambo. Dadas as limitações em termos de bibliografia e acesso a dados, apenas podemos esperar proporcionar um pequeno contributo para um maior conhecimento dessa questão.
Apresentação e discussão dos dados
Discussão descritiva dos dados
De acordo com os dados obtidos da análise documental da empresa pública do CFB e da entrevista semiestruturada efetuada, foi possível apurar que a anterior Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, SARL (CCFB, SARL), empresa privada com 10% do capital pertencente ao Estado e 90% pertencente à Tanks Consolidated Investments (TCI), uma subsidiária da Société Générale de Belgique, foi fundada em 1903 e completou a linha férrea até à fronteira com a República Democrática do Congo (RDC) em 1928. Terminado o período de concessão em 27 de novembro de 2001, reverteram para o Estado angolano todos os meios fixos e circulantes. Em face disso, a 9 de setembro de 2003 foi exarado o Decreto nº 59/03 que deu origem à Empresa Pública do CFB.
A Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, SARL, inicialmente, e depois a Empresa Pública do CFB, sempre teve como propósito o transporte de passageiros e carga através de Angola, desde o porto do Lobito, via Huambo, Cuíto e Luena até à fronteira com a RDC, permitindo interligar com a rede da Société Nationale des Chemins de Fer du Congo (SNCFC), perfazendo 1.348 km de linha ferroviária internacional que, salvo alguma intermitência e escala reduzida, na prática esteve paralisada desde 1975 até 2008. O período de 1981 a 1983 está ligado ao itinerário intermitente e de escala reduzida e, por sua vez, as operações ferroviárias descontinuadas em toda linha geral resumiam-se em 1993 ao troço do Lobito a Benguela, num percurso de apenas 34 km.
Da construção ao funcionamento e à reabilitação do CFB
Como referimos atrás, a essência do surgimento do CFB foi fundamentalmente político-económica e pretendia dar corpo à ideia de existência de uma via rápida de escoamento dos minérios então descobertos na região de Katanga, atual Shaba na RDC. Sendo assim, em 1902, o Governo português optou por conceder a um particular a construção e exploração do CFB. Nasce assim no Lobito o futuro CFB, cuja exploração (bem como os direitos de mineração numa faixa de 120 km para cada lado da linha) é concedida a Robert Williams, por 99 anos. Em troca, este compromete-se a formar uma empresa portuguesa, fazer um depósito inicial e abrir o primeiro troço num prazo de três anos (Ferreira, 2004). Por outro lado, e como referido anteriormente, o gesto das autoridades na altura visava de alguma forma acelerar a ocupação de territórios na região do Planalto Central e, assim, poder dirimir alguma apetência de outras potências da altura. Em face desta realidade, o Decreto de 27 de novembro de 1902 deu corpo a esta pretensão e face a isso, no dia seguinte foi outorgado o referido contrato de concessão entre as partes (Governo português e Robert Williams).
Os trabalhos de construção do CFB foram iniciados em 1 de março de 1903, e concluídos na totalidade em 1 de fevereiro de 1929. De acordo com a Tabela 1, o período longo foi justificado pelas enormes dificuldades oferecidas pela natureza e topografia da região, que obrigaram a superar um desnível superior a mil e setecentos metros de altitude. Relevantes foram também as dificuldades encontradas em termos de salubridade e as doenças enfrentadas pelas equipas de construção, a par das dificuldades em encontrar e manter mão de obra minimamente qualificada (Esteves, 2003). Considerando que foi projetada a construção de 150 km por ano, os 1.348 km de extensão seriam concluídos em nove anos. Porém, a realidade impôs um tempo superior a dezasseis anos, correspondendo a uma média de 84 km/ano. Por outro lado, se considerarmos que a construção do CFB acabou por demorar cerca de 25 anos, então a queda acentua-se ainda mais para os 54 km de média anual.
A este cenário já difícil são acrescentados os problemas financeiros derivados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a disponibilidade de mão de obra local, que se apresentava insuficiente na fase de construção do CFB, o que motivou nos empreiteiros da altura a necessidade de contratarem trabalhadores com alguma experiência de construção de linhas férreas. O número aproximado de trabalhadores integrados na obra de construção do CFB situou-se nos 2.800 indivíduos.
Considerando as várias fases percorridas pelo CFB (período colonial e período pós-independência), o ano de 1975 marca o fim dos tempos áureos, dando origem a um período de inoperância que se vai prolongar até ao início da década dos anos noventa. Nesse período, as operações ligadas ao transporte de pessoas e mercadorias eram descontínuas e a atividade desoladora.
O quadro desolador criado com a descontinuação das operações na linha geral do CFB registou em 2001, ano em que terminou o período de concessão, um novo alento, quando o Estado realizou um primeiro investimento de cerca de dezoito milhões de dólares, o que permitiu alguns anos mais tarde a reabertura parcial do tráfego comercial de passageiros e mercadorias nas províncias do Huambo, numa extensão de 44 km, de Santa Iria à Calenga (entre 25 de junho de 2004 e maio de 2008) e de Benguela, numa extensão de 154 km, entre o Lobito e o Cubal (desde 18 de dezembro de 2004).
Os dados obtidos na entrevista permitiram apurar que a exploração de cerca de 47 meses (25 de junho de 2004 a maio de 2008) na linha de Santa Iria à Calenga, bem como do troço de 154 km em Benguela, visou ensaiar a dinamização do corredor do Lobito na base de um estudo de viabilidade elaborado pelo Ministério dos Transportes, permitindo beneficiar o público-alvo, pese embora reconhecerem ainda haver muito por fazer.
Centrados de momento nos poucos dados dos cerca de 47 meses de exploração do troço Stª Iria-Calenga foi-nos possível apurar que foram realizadas 3.572 viagens, num percurso total de 314.336 km, com um total de tempo gasto de 5.358 horas.
Decompondo os totais obtidos acima sobressai que, em média, foram realizadas diariamente três viagens de comboio (de segunda a sábado) e uma viagem aos domingos, o que no conjunto da semana permitia a realização de 19 viagens, num percurso de 1.672 km semanais e com o tempo total de 28 horas e meia.
Em dezembro de 2004, imbuído da vontade de restabelecer o tráfego em toda a extensão da linha, o Governo de Angola rubricou um Memorando de Entendimento com um consórcio da República Popular da China (RPC), para reabilitação tanto da linha férrea e das infraestruturas do CFB, bem como para restabelecer as comunicações até à fronteira com a RDC. Este memorando visou, em primeira instância, colocar à disposição da população angolana e não só, serviços modernos e eficazes de transporte de passageiros e de mercadorias, por forma a contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações e minimizar os custos logísticos, permitindo assim o desenvolvimento do setor produtivo nas esferas da indústria extrativa e da agroindústria ao longo da linha férrea.
O memorando assinado com a RPC permitiu também que se rubricasse um contrato com a empresa chinesa CMEC com vista a fornecer à empresa do CFB, entre outras, locomotivas, carruagens, furgões e vagões, num valor total de oitenta e nove milhões de dólares.
Em janeiro de 2006, os trabalhos de reabilitação e modernização do CFB tiveram o seu início em Benguela, sob a responsabilidade da China Railway 20 Bureau Group Corporation (CR20BGC), mais conhecida por Grupo CR20. O projeto foi do tipo chave-na-mão, adotando padrões chineses e todo o equipamento foi importado da China. No Huambo, a reabilitação fez-se sentir dois anos depois, em 2008, mas num tipo de projeto diferente do de Benguela. No global, a previsão para a conclusão dos trabalhos até à fronteira com a RDC era o ano de 2012. Mas, apesar de ter sido realizado um grande número de importantes obras nas vertentes de infraestruturas da via, entre elas a reconstrução de 34 pontes e 74 estações e a construção e apetrechamento das oficinas localizadas no Lobito, no Huambo e em Luena, aquela previsão não foi cumprida, tendo sido alargado o período para mais três anos, estando atualmente concluídos os trabalhos.
Devido aos trabalhos iniciados em 2008, o tráfego já de si reduzido que se verificava desde 2004 nas províncias do Huambo e de Benguela, alterou-se, ficando confinado em Benguela aos troços Lobito-Negrão e Lobito-Cubal, perfazendo apenas 170 km do total de 1.348 km do CFB.
Evolução do quadro de transporte e de recursos humanos no CFB
Durante o período colonial, a empresa do CFB produziu relatórios quinquenais (1905 a 1965). Na Tabela 2 podemos constatar que, depois de um arranque tímido com o transporte de apenas 759 passageiros, o número foi crescendo de forma acentuada de 1910 a 1930, só sendo tal crescimento quebrado em 1935. No entanto, nos anos subsequentes, o crescimento foi sempre uma realidade. Numa primeira fase, que durou 25 anos (1905 a 1930), não se registaram quaisquer movimentos para fora de Angola (em trânsito), o que se justifica pelo facto de o CFB só ter chegado à fronteira em 1929. Este quadro sofreu uma mudança aquando da exploração da ligação externa desta linha férrea, durante 30 anos (1935 a 1965). Finda esta fase de êxito, o CFB voltou a encerrar o tráfego para o exterior, muito por causa das ações armadas protagonizadas pelos movimentos nacionalistas da altura (MPLA, UNITA e FNLA).
Por outro lado, o aparente mau desempenho verificado na Tabela 2 no que diz respeito ao transporte de passageiros em trânsito também pode ser explicado pela demora na conclusão das obras pois, na realidade, o seu andamento ficou aquém do esperado dos já referidos 150 km/ano, resumindo-se na prática a 54 km por ano. Só mais tarde, depois de 1965, é que a instabilidade militar foi ganhando uma dimensão que aconselhou a interrupção do transporte de passageiros em trânsito em tal itinerário, muito antes da independência de Angola.
Este último período (1965-1973) é acompanhado pelo início de um aspeto novo, pois o declínio esperado do CFB dá lugar a um desempenho sem precedentes, ao ponto de nesta fase se registarem as melhores performances em cinco anos de transporte anual, ultrapassando o milhão de passageiros e chegando ao ponto de, em 1973, atingir um número recorde de 1.592.602 passageiros.
O transporte de mercadorias (Tabela 3) aponta para um período de exploração de cerca de 13 anos (1961 a 1973), em que, ao contrário do que se verificou com o movimento de passageiros, o transporte de carga funcionou de forma permanente em todo o seu percurso de 1.348 km até à fronteira.
Nota-se que, de uma forma geral, observam-se registos quase constantes, ainda que com uma ligeira oscilação no transporte das mercadorias.
Relativamente ao transporte de mercadorias pelo CFB para o exterior de Angola, observamos que a prestação é crescente, apesar de ter um início relativamente baixo, mas que melhorou ao longo dos anos. Com o passar dos tempos este propósito foi sendo cumprido, ao ponto de ter um desempenho positivo até 1973, ano em que se verifica um registo assinalável de 1.609.387 toneladas de mercadorias. Quanto ao transporte de mercadorias pelo CFB nota-se que há um declínio, o que se justifica por causa dos progressos que se foram registando na construção do CFB, com a conclusão das suas diferentes estações. Esta situação altera-se ao longo do tempo, estabilizando em termos de mercadorias em torno das 700.000 toneladas transportadas por ano. A Tabela 3 mostra ainda que há uma queda no transporte de mercadorias comparativamente aos dois primeiros anos (1961 e 1962), tudo por causa do volume de transporte de mercadorias para o próprio CFB, que foi diminuindo ao ponto de estabilizar próximo das 2.600.000 toneladas de mercadorias por ano, até que em 1973 volta a ter uma subida para 3.279.439 toneladas. À semelhança do que foi dito acima, este comportamento está associado aos progressos nas obras do caminho de ferro.
Considerando agora o período recente (pós-independência), relativamente aos passageiros e carga transportados, o quadro abona claramente a favor do período colonial.
A Tabela 4 mostra que, em 2010, o movimento de pessoas e mercadorias não foi em pleno, pois nesse ano não existem dados para as mercadorias. Por sua vez, o movimento de passageiros acabou por ter o melhor registo (385.875 passageiros) dos cinco anos de funcionamento. O ano de 2011 regista a entrada em funcionamento das duas opções (passageiros e mercadorias) e acaba por apresentar números inferiores para passageiros quando comparado com o ano de 2010, porque foi dada prioridade ao transporte de mercadorias. Refira-se que o transporte de mercadorias tem o seu pior registo (4.005 toneladas) no ano de 2012 e o melhor em 2014 (20.000 toneladas).
Os dados para o transporte no período pós-independência são ilustrativos de como não se conseguiram atingir os propósitos gizados aquando do relançamento do CFB, quer para o transporte de pessoas (4.000.000 de passageiros), quer de mercadorias (20.000.000 de toneladas). Este cenário é demonstrativo, por um lado, das dificuldades económicas que os utilizadores deste tipo de transporte viviam, e que era extensivo também ao próprio CFB, fazendo com que houvesse predominância dos passageiros em relação às mercadorias. Por outro lado, o transporte nas duas vertentes (passageiros e mercadorias) limitou-se ao itinerário dentro das fronteiras de Angola, contrariando a forma de funcionamento do passado colonial.
Relativamente aos seus recursos humanos, e tendo em consideração apenas o período recente (pós-independência), a Tabela 5 permite-nos verificar que no funcionamento do CFB sobressai que o número de colaboradores masculinos supera em larga escala os femininos, na ordem de 60% a 66% nos diferentes anos, embora o número de mulheres registe algum crescimento. Olhando para o número total de trabalhadores em 2014, 1.457, que pode ser considerado reduzido, tal é justificado pelo Conselho de Administração da empresa do CFB por razões de fraca capacidade financeira, não sendo possível a admissão de mais trabalhadores, nem a reposição do quadro de pessoal por motivos de morte ou reforma.
Refira-se que, procurando Angola promover cada vez mais a igualdade da mulher, a comparação entre homens e mulheres permite perspetivar que se deverá observar futuramente um maior equilíbrio entre sexos, a exemplo do que acontece em outras áreas. Igualmente, quando o percurso do CFB for coberto nos seus 1.348 km, o quadro de pessoal terá de aumentar, pois estaremos a falar da admissão de trabalhadores operacionais e para os serviços, mas também para outras áreas, como o hospital do CFB e o centro social e de artes e ofícios.
Relativamente ao período antes da independência, há sérias limitações em termos de dados, não estando disponível a evolução do número total de trabalhadores ou a sua distribuição por sexo ao longo dos anos. Dados obtidos num relatório de 1973 revelam a existência de 12.149 trabalhadores, valor que contrasta fortemente com os números alcançados após a independência e apresentados acima.
Efeitos do CFB no tecido social
A influência do CFB é marcante em Angola, sobretudo quando vista em termos regionais, isto é, no Planalto Central que engloba as províncias de Benguela no litoral centro sul, Huambo e Bié no interior, e Moxico, na zona da fronteira leste. No total, o caminho de ferro possibilitou o surgimento de cerca de 34 apeadeiros e 67 estações, bem como 8 cidades, considerando a era colonial. Atualmente, no âmbito do processo de recuperação da linha, foi construído um total de 74 apeadeiros e estações.
Todo o percurso do caminho de ferro que vai do litoral centro sul passando pelo interior do Planalto Central até ao Moxico foi alvo de uma grande transformação urbana quando nos referimos à construção de apeadeiros e estações que de alguma forma influenciaram grandemente o surgimento e desenvolvimento de centros urbanos. Muitos destes evoluíram de simples concentrações urbanas para autênticas vilas e mais tarde para cidades. São os casos da Província de Benguela, com 6 apeadeiros e 28 estações, em que 3 estações deram início às cidades do Lobito, do Cubal e de Benguela. Por sua vez, na Província do Huambo pontificaram 5 apeadeiros e 15 estações, na qual 2 estações passaram a ver os seus nomes ligados às cidades da antiga Robert Williams atual Caála e Nova Lisboa atual Huambo. Para o troço da linha na Província do Bié construíram-se 13 apeadeiros e também 13 estações, das quais uma viu o seu nome ligado à cidade de Silva Porto atual Cuíto. Por fim, na Província do Moxico, com 10 apeadeiros e 11 estações, sobressaem duas cidades, Luso atual Luena e Teixeira de Sousa atual Luau.
O processo de influência do CFB constitui um facto assinalável, que se iniciou na era colonial até à presente data da reconstrução da linha férrea.
Os efeitos do CFB não se limitam apenas ao surgimento de apeadeiros, estações, cidades ou mesmo a obras de engenharia no campo da construção civil. Estendem-se para o domínio ecológico, conforme atestam os dados fornecidos pela empresa do CFB, que considera existir ao longo do percurso da linha as maiores florestas plantadas de eucaliptos do mundo, com mais de 100 milhões de árvores. Estas, em face do conflito civil armado viram o abandono da sua exploração por parte do CFB. Ainda assim, foram de grande utilidade para as populações, sobretudo como cortina contra os ventos, como fonte de energia através da produção de carvão e na agricultura, para a produção de adubos orgânicos e para a exploração da apicultura.
Em termos da região do Huambo, o CFB permitiu além do surgimento de vários centros urbanos, a construção da estação central do CFB, que comporta no seu perímetro adjacente as oficinas gerais de todo o caminho de ferro e um hospital que serviu para atendimento dos trabalhadores. Refira-se que este hospital acabou também por beneficiar a população geral durante a era colonial, mas também no período pós-independência, visto ter sido utilizado por algum tempo como maternidade principal do Huambo. Na vertente social recreativa, ainda dentro do perímetro da área adjacente do CFB no Huambo, ressaltam um centro cultural e um estádio de futebol, com uma zona anexa de duas piscinas para banhistas.
Portanto, estes elementos de cariz mais social e recreativo atestam bem a importância da empresa do CFB para a vida das populações, em particular da cidade do Huambo e, em termos gerais, do Planalto Central.
Conclusões
Com base no material recolhido para a revisão de literatura e para a análise dos dados e na entrevista, foi-nos possível constatar que, de facto, o meio social e humano pode ser influenciado por diversos fatores. No caso do tema investigado neste artigo constata-se que o CFB contribuiu para a transformação profunda da geografia económica ao ponto de permitir desencravar regiões no interior e assim assegurar mercados para produtos manufaturados vindos das indústrias dos países mais avançados. O CFB não fugiu à regra e influenciou no período colonial todo o percurso do corredor que vai desde o litoral do Lobito rasgando todo o Planalto Central até à fronteira leste de Angola, vindo ainda a beneficiar a República Democrática do Congo e a Zâmbia.
Se na fase pré-colonial a população nativa ligada ao Planalto Central tinha o seu equilíbrio social assente em pequenos reinos, com a extensão do caminho de ferro este equilíbrio viu-se perturbado, pois de alguma forma permitiu a ocupação efetiva desta região interior, não obstante toda a resistência imposta pela população nativa contra este domínio. O processo de extensão do caminho de ferro na região do Planalto Central teve como efeito a modificação de toda a malha social ao ponto de influenciar os hábitos, usos e costumes desses povos. Por outro lado, é apontado ao CFB o mérito da criação de postos de trabalho associados ao desembarque do material, à construção e exploração da linha férrea, o que, fruto da fraca densidade demográfica e da escassez de trabalhadores qualificados oriundos da população nativa, obrigou à intensificação dos movimentos sociais para o Planalto Central de outros povos oriundos da Europa, Ásia e África. Fora do ambiente profissional, o CFB influenciou outros grupos sociais a população nativa, industriais, comerciantes e agricultores , que por sua vez deram origem a novos elementos sociais e culturais, dos quais sobressaem os aglomerados ferroviários nascidos a partir de estações e apeadeiros que em muitos casos evoluíram para vilas e cidades, pontificando aqui Lobito, Benguela, Bié, Moxico e Huambo. Além disso, por via do caminho de ferro foi também possível o surgimento de um vasto polígono florestal de eucaliptos com mais de 100 milhões de árvores, que forneceu o combustível necessário ao CFB, bem como às populações nativas.
Na atualidade, o CFB consta das prioridades das autoridades angolanas, ao ponto de este fazer parte do projeto da Rede Ferroviária Nacional que prevê a prazo a introdução na linha da alta velocidade ferroviária, com a passagem do diesel para a energia elétrica de origem hídrica em toda a sua extensão, criando-se assim uma linha férrea estruturante, com velocidades entre os 160 e 250 km por hora. Refira-se o papel estruturante que uma via férrea modernizada poderá ter no desenvolvimento e diversificação da economia do Planalto Central e, em geral, em Angola.
Resultam como principais limitações do presente artigo os dados numéricos consultados que se apresentaram incompletos, o que reduziu a profundidade da análise no tocante ao funcionamento atual do CFB a um período curto e dificulta as comparações com o período anterior de exploração. Ficou assim por analisar a quantidade de passageiros e mercadorias totais, bem como os períodos em que se registavam os maiores fluxos. No tocante à atual fase de operacionalidade, os dados associados a passageiros e mercadorias não estão disponíveis por localidades ou por províncias, o que acabou por dificultar uma avaliação comparativa nos anos mais recentes. Também não foi possível fazer o levantamento e comparação da evolução do quadro de pessoal no período colonial e no pós-independência. Foram igualmente sentidas muitas dificuldades no contacto/entrevista com os responsáveis da empresa do CFB, pois a obtenção de dados por via do CFB no Huambo tornou-se inviável porque aquela direção não tinha autorização para o efeito, o que fez com que houvesse necessidade de deslocações a Benguela.
Esperamos que este artigo contribua para um maior conhecimento acerca do CFB, evidenciando-se o seu carácter estrutural e potencial fator de desenvolvimento de Angola e, em particular, do Planalto Central.
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Recebido: 16 de março de 2016
Aceite: 27 de setembro de 2017