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Cadernos de Estudos Africanos
versão impressa ISSN 1645-3794
Cadernos de Estudos Africanos no.36 Lisboa dez. 2018
ARTIGO ORIGINAL
Políticas de Adaptação às Mudanças Climáticas e a Produção Transescalar da Sujeição Social na Guiné-Bissau
Adaptation policies to climate change and the cross-scale production of social subjection in Guinea-Bissau
Boaventura Santy1; Norma Valencio2
1Universidade de São Paulo (USP), Av. Trabalhador Sancarlense, 400 - Parque Arnold Schimidt, São Carlos - SP, 13566-590, Brasil, vazsanty@gmail.com
2Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Rodovia Washington Luís, km 235 - SP-310, São Carlos-SP, 13565-905, Brasil, norma.valencio@hotmail.com
RESUMO
Através de uma perspectiva sociológica, esse artigo focaliza as interações do Estado guineense em três níveis de relações de poder. O primeiro deles focaliza a posição do Estado nacional frente às forças multilaterais nos temas ambientais. O segundo analisa padrões de interação entre o Estado nacional, as ONGs e demais parceiros em políticas socioambientais. O terceiro é o nível local no qual circunstâncias ambientais deterioradas, relacionadas a inundações, geram um sofrimento coletivo. O estudo conclui que os laços intracomunitários criam estratégias de apoio mútuo, porém, o modo de gestão institucional das catástrofes continua a expressar o Estado suave na Guiné-Bissau.
Palavras-chave: políticas de adaptação, sofrimento social, mudanças climáticas, catástrofes, Guiné-Bissau, África
ABSTRACT
From a sociological perspective, this paper focuses the interactions of the state of Guinea-Bissau on three levels of power relations. The first one focuses the position of the national state vis-à-vis multilateral forces in environmental issues. The second level analyses some patterns of interaction between the national state, NGOs and other partners in socioenvironmental policies. The third is the local level in which degraded environmental circumstances, related to floods, generate a collective suffering. The study concludes that the intra-communitarian bonds create strategies for mutual support. However, the institutional management of catastrophes continues to express the soft state in Guinea-Bissau.
Keywords: adaptation policies, social suffering, climate change, catastrophes, Guinea-Bissau, Africa
Projeções ambientais resultantes de estudos científicos multidisciplinares sobre mudanças climáticas indicam o aumento de ocorrência de eventos severos e extremos em todo o planeta, tais como: precipitações pluviométricas intensas, secas prolongadas, proliferação de pragas, perda de ictiofauna e outros. Tais cenários têm sido cada vez mais objeto de preocupação dos Estados nacionais. Os estudos que focalizam as especificidades socioambientais dos mencionados eventos em termos do regime de chuvas e ventos, da emissão de gases de efeito estufa, do comprometimento da qualidade de saúde pública, dos desafios de drenagem urbana frente às inundações, dos riscos de quebra de safras agrícolas e afins têm prestado valiosos subsídios ao reforço de compromissos multilaterais no âmbito das Conferências das Partes (COPs). Em decorrência, tais estudos também trazem contributos que, ao nível nacional, podem ser absorvidos no processo de construção de políticas públicas correspondentes aos setores implicados, quais sejam o de monitoramento meteorológico e climatológico, o de saúde, o de planejamento urbano, o de agricultura e segurança alimentar e assim por diante.
Inseridos de forma subordinada no âmbito dessas discussões multilaterais, estão os países denominados, pelas Nações Unidas, Países Menos Avançados(PMAs) (CQNUMC, 1992). Devido à sua incapacidade econômica estrutural para fazer frente às medidas adaptativas requeridas pelo contexto socioambiental acima mencionado, os PMAs obtiveram prioridade, em termos de apoio multilateral, para elaborar e implementar os seus respectivos Planos Nacionais de Adaptação às Mudanças do Clima (PANA). Um PANA tem como finalidade identificar vulnerabilidades socioambientais num dado contexto nacional, assim como definir compromissos públicos com a melhoria do bem-estar social e das infraestruturas nos lugares considerados suscetíveis dentro do país. Isto é, focaliza prioritariamente aquelas localidades cujas condições reprodutivas da vida social local são consideradas inadequadas ou incapazes de fazer face às ameaças climáticas projetadas. A tese desse artigo é a de que, não obstante a pertinência dos esforços das nações para elaborar e implementar os seus respectivos PANAs com a brevidade possível, há que se ter em conta que esses planos são processos institucionais de interpretação da sociedade e de suas demandas, de modo que estão sujeitos ao conjunto de relações de poder entre distintas competências técnicas, campos disciplinares, interesses políticos, forças econômicas que transitam no aparato estatal. Disso decorre o risco de que a ótica institucional adotada no PANA, no que refere ao diagnóstico dos problemas socioambientais e às estratégias de equacionamento dos mesmos, possa vir a recrudescer os processos de vulnerabilização dos grupos sociais focalizados por essas políticas ao invés de saná-los. Neste artigo, analisamos o caso da construção e implementação de ações do âmbito do PANA da Guiné-Bissau e analisamos especificamente um caso de catástrofe ocorrido na tabanca[1] de Benfica, região de Gabu, a fim de responder à seguinte questão: o conjunto de relações de poder em torno dessa política permitiu que a referida comunidade estivesse melhor preparada para lidar adequadamente com esse contexto adverso?
A Guiné-Bissau é um dos países da África subsaariana que apresenta significativos níveis de pobreza e está muito suscetível a eventos climáticos severos e extremos, tais como secas e inundações. O Estado guineense iniciou, no ano de 2001, o processo de elaboração do seu PANA. Após a publicação de uma sucessão de documentos complementares e posteriores sobre o assunto, que priorizaram as dimensões físicas e naturais do problema das mudanças climáticas, apresentou o primeiro documento final do PANA em 2006 (RGB, 2006), o qual embasou o início de um projeto-piloto de adaptação às mudanças climáticas em Gabu, na região leste do país, em 2011, sobre o qual nos deteremos mais abaixo. Tal projeto regional sinalizava para a perspectiva alvissareira que as comunidades locais em Gabu seriam capacitadas prioritariamente para se tornarem mais resilientes ante as ameaças climáticas sazonais, como a das inundações. Porém, o que se verificou foi que a capacitação não cumpriu esse desiderato.
Esse estudo problematiza a lógica sociopolítica que inviabilizou o cumprimento desse objetivo institucional, a qual não se origina nas relações sociais no terreno ainda que com as mesmas se entremeie , mas com as posições do Estado guineense na arena multilateral das COPs. Tal problematização se insere no debate da sociologia dos desastres, especialmente no eixo dedicado à compreensão dos nexos entre esses acontecimentos sociais trágicos e estressantes e o modo corrente de funcionamento da sociedade (Quarantelli, 1998). Fez-se um recorte transescalar das relações de poder considerando, a saber: a posição do Estado guineense frente às forças multilaterais de desenvolvimento e do ambiente, isto é, no bojo das arenas decisórias; as características basilares da interação do Estado com organizações não governamentais e demais organizações que auxiliam na consecução das políticas socioambientais, como as de caráter humanitário; por fim, o nível local, onde as comunidades sofrem os reflexos e as injunções dos níveis superiores no contexto de vivência das catástrofes.
Metodologicamente, para desvelar este panorama transescalar, apoiamo-nos em literatura e em revisão documental, seguida de pesquisa de campo na qual se focalizou uma catástrofe recente ocorrida na comunidade fula de Benfica, inserida na região de Gabu. A síntese de literatura viabilizou a compreensão dos conceitos de “catástrofe”,de “processo de vulnerabilização”, de “sujeição social” e de “Estado suave”, assim como forneceu subsídios para uma breve caracterização do conturbado percurso recente do Estado guineense. A revisão documental foi centrada em documentos internacionais e nacionais relacionados com questões ambientais e climáticas, tais como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima CQNUMC (1992), o Protocolo de Quioto (1998), o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima da Guiné-Bissau PANAGB (RGB, 2006), o Projeto de Reforço da Resiliência e da Capacidade de Adaptação dos Sectores Agrário e Hídrico às Mudanças Climáticas na Guiné-Bissau PRRCASAHMC-GB (RGB, 2011) e relatórios sobre vulnerabilidade e adaptação elaborados pelo Painel Intergovernamental sobre as Mudanças do Clima IPCC (2001, 2007, 2014).
No referente à pesquisa de campo, a tabanca de Benfica foi focalizada por fazer parte do conjunto de dezesseis tabancas selecionadas para intervenção estatal no âmbito do Projeto de Reforço da Resiliência e da Capacidade de Adaptação dos Sectores Agrário e Hídrico às Mudanças Climáticas na Guiné-Bissau (PRRCASAHMC-GB), um projeto-piloto o qual abrangeu os setores de Pitche e Pirada, região de Gabu. Trata-se de uma região muito suscetível à desertificação e seca assim como à inundação, fortes chuvas e ventos, além de ataques de gafanhotos. A comunidade de Benfica é habitada essencialmente por indivíduos de etnia fula, sendo tchon[2] dos fulas. Com quase 1.300 habitantes, a mesma tem sofrido cumulativamente com eventos severos e extremos do clima, contabilizando sucessivas inundações nos últimos quinze anos. Os efeitos sociais frente aos danos ocorridos com a inundação havida em setembro de 2015 são o nosso foco. A coleta de dados foi feita, pelo primeiro autor, em cinco visitas ocorridas entre os meses de agosto e novembro de 2015, sendo duas de caráter mais amplo à região, para compreender o contexto do projeto-piloto, e as três últimas mais focadas em Benfica após as inundações. Entremeou-se entrevistas em profundidade, com lideranças e moradores, e observação de campo.
Eventos podem ser naturais, mas as catástrofes são sociais
As catástrofes associadas aos eventos severos e extremos do clima apresentam aspectos sociopolíticos essenciais os quais, contudo, são pouco discutidos no debate sobre a elaboração e implementação dos PANAs. Para entender esse hiato convém explicitar, primeiramente, a distinção entre evento e catástrofe. Enquanto o primeiro se refere a um acontecimento físico potencialmente adverso ao meio social por exemplo, uma nevasca, um escorregamento de encosta, uma enxurrada, uma tempestade de raios, uma explosão, a propagação de um vírus letal e outros , uma catástrofe se refere ao acontecimento social disruptivo associado a tal evento físico, como a interrupção do tráfego de veículos, o desmoronamento de moradias, a morte de pessoas. Enquanto as discussões institucionais comumente se detém no detalhamento dos eventos, o modo de reação institucional às catástrofes não está aberto à discussão pública, pois são deliberados hermeticamente por um grupo técnico bem posicionado na máquina pública, restando aos grupos suscetíveis afetados aceitar passivamente tais deliberações e comportar-se conforme as recomendações dadas por este (Gilbert, 1998). Lavell (2003) denuncia o caráter tecnocêntrico subjacente às deliberações políticas que se atém ao monitoramento de elementos e dinâmicas do meio físico, aos respectivos gastos com equipamentos sofisticados e, ainda, adverte em relação à falta de transparência e ao controle corporativo das informações no estilo top-down adotado.
Em contraposição a essa abordagem institucionalmente dominante, as ciências sociais vêm convergindo na produção de um debate sobre catástrofes (Quarantelli, 1998, 2005, 2015), de onde resultam reflexões tanto voltadas ao questionamento de princípios de gerenciamento adotados pela máquina pública quanto no concernente às arquiteturas políticas envolvendo as comunidades afetadas nesses episódios trágicos (Oliver-Smith, 1998, 2006). As dimensões de afetação humana são variadas, dentre as quais destacamos as de caráter físico (com mortes e ferimentos); psíquico (suscitando traumas); material e simbólico (perda de moradia e de diferentes tipos de bens); econômico (perda de meios de trabalho) e social (perda de pessoas com as quais se mantinha estreitos vínculos) (Valencio, 2015). Ademais, uma dada dimensão de afetação pode redundar num tipo distinto de afetação em outro indivíduo ou família, assim como no global da comunidade implicada, compondo modos de sofrimento individual e coletivo que não estão compartimentalizados, mas se interpenetram (Valencio & Valencio, 2018).
Para Quarantelli (2006), a vivência de catástrofes ditas naturais também não está adstrita à comunidade afetada, uma vez que possa apontar para os vínculos sociais que ultrapassam a sua espacialidade; por exemplo, apontar para os vínculos fracos com os diversos níveis do Estado, os quais resultam na incapacidade política destes em compreender e atuar adequadamente no referido contexto localmente adverso. Vê-se frequentemente quadros técnicos compenetrados no monitoramento de eventos preocupantes da natureza como secas ou tempestades sem sincronia com aqueles que necessitariam agir no terreno, quando a catástrofe já está em curso; ou seja, o conhecimento climático ou meteorológico não resulta em intervenção espacial preparativa que proteja o meio social naquele enfrentamento ambiental. Isso faz com que os eventos se manifestem numa tal configuração espacial que os tornam perigosidades e que estas, ao invés de serem eliminadas ou atenuadas, se multipliquem (Lourenço, 2015).
Das (1995) interpreta catástrofes/desastres como “eventos críticos” que revelam, de forma intensa, a violência com a qual os grupos marginalizados são tratados pelo Estado, sendo o abandono social uma de suas expressões. Quando as catástrofes passam a ser interpretadas como construções sociais, nas quais as vulnerabilidades sociais são forjadas nas relações de poder de largo espectro temporal (Garcia-Acosta, 2005), se torna mais fácil compreender a existência e persistência desses espaços sujeitos ao abandono social. Nessa perspectiva, vê-se que comunidades afetadas frequentemente nas catástrofes tendem a ser aquelas com piores condições materiais de autoproteção e que, desde sempre, ficam à margem das deliberações políticas e das oportunidades econômicas no meio social mais amplo cidades, nações no qual estão inseridas. Analisar a tessitura do “viver nas margens” é uma forma de entender a atitude estatal para com problemas sociais (Das & Poole, 2008), isto é, permite ir além do sistema de significados que ancora o discurso oficial de preocupação e solução de tais problemas. Ao nosso ver, tão proveitoso quanto analisar como a catástrofe é vivenciada pelos que estão à margem, é entrelaçar essa vivência dolorosa com o modus operandi das arenas institucionais diante tal problema, que é ao que nos dedicamos nesse estudo.
No nível mais alto, o das arenas institucionais, convém ponderar que os PMAs não têm como arcar com os custos das medidas protetivas necessárias aos grupos sociais mais suscetíveis de seus respectivos países frente aos perigos climáticos recorrentes ou emergentes (Silva, 2015). Porém, quando fundos multilaterais viabilizam algum apoio, as instituições estatais responsáveis por elaborar e implementar os projetos em prol de tais grupos vulneráveis agem como se fossem os únicos portadores de um saber válido e tendem, portanto, a estabelecer uma relação do tipo paternalista. Assim, há uma reprodução e perpetuação de uma relação assimétrica, tanto a nível global como a nível local, na qual a subordinação dos PMAs nas arenas multilaterais se reflete na subordinação dos grupos sociais mais fragilizados do país ao meio político e técnico que toma deliberações relevantes sobre o seu devir (O’Brien & Leichenko, 2000; Ribot, 2011).
Disso decorre a nossa compreensão de que o problema de fundo não se refere apenas ao clima, mas àquilo que Acselrad (2006) denominou “processos de vulnerabilização”. Trata-se das formas de exercício do poder que, apesar de identificar déficits nas capacidades de adaptação dos indivíduos ou grupos sociais, os impede de ter autodeterminação, no tocante às estratégias a serem adotadas, e garantir direitos de cidadania. Passaremos, assim, a nos deter sobre essa relação sociopolítica tendo em consideração o contexto guineense de elaboração e implementação do PANA assim como o de vivência de uma catástrofe relacionada a inundações.
Desafios socioambientais ante a arquitetura sociopolítica do “Estado suave”
Situada na região ocidental do continente africano, a Guiné-Bissau é um país de clima tropical úmido e tem duas estações do ano bem demarcadas: a estação da chuva, de maio a outubro, e a seca[3], de novembro a abril. A região sul registra a maior precipitação, com uma média anual superior a 2000 mm. Já a região norte tem registrado uma variação anual média de 1400 a 1800 mm, enquanto a região leste é a que registra menor precipitação pluviométrica, estimada numa média anual inferior a 1400 mm (RGB, 2011). Entretanto, dados oficiais (RGB, 2011) indicam um aumento na variabilidade climática caracterizado por picos de precipitação acima da média (RGB, 2011), o que é passível de causar grandes transtornos no espaço das comunidades que enfrentam tais eventos.
Conforme analisado por Santy e Valencio (2017), os problemas socioambientais guineenses relacionados a tais variabilidades climáticas estão longe de dependerem apenas das nuvens e têm raízes profundas nas articulações e tensões entre diferentes povos africanos e, mais tarde, na forma como os mesmos se relacionaram com o colonizador europeu e dele tentaram se desvencilhar e recompor relações na contemporaneidade. O que cumpre salientar, para os propósitos do presente estudo, é que vários dos povos africanos que interagiram nesse processo mantiveram a concepção cultural de que as famílias que descendem diretamente dos ancestrais considerados como espíritos poderosos são herdeiras da terra, o que as torna responsáveis por zelar pelo cumprimento das regras dentro de suas respectivas comunidades. O termo nativo tchon capta muito bem a essência da construção social e sagrada duradoura do lugar, vínculo que se renova por meio de ritos e cerimônias que reiteram os valores e a presença dos ancestrais que mantêm a coesão social do grupo. No tchon, o espaço dedicado à habitação é a tabanca e cada uma alberga várias moransas, que são núcleos de famílias alargadas, os quais podem chegar a centenas de membros (Bicari, 2004).
Na Guiné, a colonização portuguesa enfrentou resistências e ataques daqueles que desejavam defender o seu tchon. No entanto, entre confrontos e articulações, também nasceu uma sociedade mestiça, na qual se destacaram os mulatos (descendentes de um europeu e de uma africana) e os mestiços (de mãe guineense e de pai cabo-verdiano) (Cardoso, 2004). Embora fosse partidária da presença colonial na Guiné, esta sociedade mestiça constituiu uma espécie de elite intermediária afro-portuguesa que vislumbrava a consolidação da Guiné, então denominada portuguesa, como um Estado-nação, num protonacionalismo que irá influenciar os nacionalistas que conduziram a luta armada contra a colonização portuguesa (Lopes, 1986, 2003). Por exemplo, Amílcar Cabral, que mais tarde viria a liderar a luta contra a colonização, pertencia a esta elite. A partir da década de 1950, alguns movimentos de libertação nacional começaram a surgir no cenário guineense, liderados por uma elite mestiça, que iniciou uma luta de libertação em 1963 e que logrou êxito em 1974, quando Portugal reconheceu formalmente a independência da Guiné (Semedo, 2009). No período subsequente, os grupos guineenses que disputam o poder político interno se enfrentam e dissemina-se o uso da violência contra alguns líderes de grupos étnicos (Fernandes, 1993). Quatro décadas após a independência, a Guiné-Bissau apresenta hoje um quadro sociopolítico bastante instável, no qual “o legado político as ideias, práticas e instituições do governo colonial e da colonização foram assimilados, transformados e reapropriados por África” (Chabal, 1993, p. 47), resultando na criação de um Estado suave, isto é,
um Estado com instituições que são fundamentalmente incapazes de traduzir objetivos políticos em ações políticas; um Estado incapaz de consolidar um sistema político-administrativo nacionalmente eficaz; e um Estado que tenta, mas não consegue impor a nível nacional um sistema de extração econômica sobre o seu setor econômico mais produtivo […] Além disso, como consequência destas dificuldades, um Estado suave tende a ser marcado por um afastamento anormalmente grande entre o conjunto dos cidadãos normais e a liderança do Estado, existindo poucos ou nenhuns conjuntos formais de ligações entre o Estado e a sociedade (Forrest, 1993, p. 58).
Assim, sem arrecadação suficiente de impostos, a nova estratégia política para a manutenção deste Estado suave, autônomo, foi a busca de financiamentos internacionais para projetos de desenvolvimento nacional (Forrest, 1993). Paradoxalmente, esta situação facilitou o estabelecimento de novas relações de dependência, isto é, submeteu os guineenses às exigências e imposições dos seus credores externos. Isso seria uma consequência da “instabilidade estável” na história política do país, isto é, a busca por estabilidade através de inúmeras formas de articulação e pressão política que ampliaram o quadro de deslegitimação dos sucessivos governos e ampliaram as incertezas quanto à solidez das instituições públicas, movida por relações baseadas em patrimonialismo, em redes de caráter supraestatais ou paralelas ao Estado, assim como baseadas mais em alianças convenientes do que em ideologias (Vigh, 2009).
O tempo político da Guiné-Bissau contemporânea tem sido dividido entre o antes e o pós-conflito de 1998, oriundo de um golpe de Estado e que resultou em milhares de mortes. O pós-conflito ocasionou um nível tal de disputas pelo poder dentro do aparato estatal que o desorganizou estruturalmente, deslegitimando autoridades circunstanciais e ampliando o quadro social de insegurança e medo, no qual a apropriação privada do patrimônio público persistiu (Bordonaro, 2009; Cardoso, 2004; Trajano Filho, 2008; Vigh, 2009).
Nesse contexto, chega a haver mesmo uma irrelevância do Estado na Guiné-Bissau, ocorrendo crises violentas por exemplo, quando o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas e o Presidente da República em exercício foram assassinados quase simultaneamente, em 2009 sem que afetassem a ordem das coisas no país (Bordonaro, 2009), numa rotina social que corria em paralelo. Quanto mais propenso tem sido o Estado guineense a sofrer influência por parte de diferentes grupos de pressão que vão de ONGs nacionais e internacionais às agências multilaterais, passando por grupos econômicos, facções do Exército e traficantes de drogas (Bordonaro, 2009) mais debilitado tem ficado. Tal debilitação contamina o processo de formulação e implantação de políticas públicas nos diversos temas, como nos temas socioambientais relacionados às mudanças climáticas, como passaremos a ver a na seção subsequente.
Mudanças climáticas: da construção de políticas à (in)ação
A concepção e a execução de políticas socioambientais na Guiné-Bissau têm sido compartilhadas por várias instituições e técnicos atuantes no Estado guineense, assim como por ONGs nacionais e internacionais. Os mesmos adotam um enquadramento interpretativo que apraz à visão dominante das arenas multilaterais. Na década de 1980, o Estado guineense procurou ajustar-se através de algumas reformas políticas e econômicas que favoreceram a entrada de ONGs como parceiras do Estado na consecução de políticas públicas. É este contexto, em 1988, que leva a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) a se estabelecer no país (RGB, 1997) com o papel de facilitadora e de assistência técnica em atividades de conservação ambiental. Ademais, influenciou a criação do primeiro órgão estatal direcionado ao planejamento de políticas socioambientais, o Gabinete de Planificação Costeira, a formação de recursos humanos na área da conservação da biodiversidade e no estímulo à criação de várias ONGs conservacionistas, assim como a criação de áreas protegidas.
Em 1992, em meio à preparação do país para participar na Cúpula da Terra na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, onde foi assinada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CQNUMC), criou-se na Guiné-Bissau o Conselho Nacional do Ambiente (CNA), voltado para a formulação e coordenação das políticas ambientais do país. Outras iniciativas estatais da mesma natureza emergiram desde então, tais como, em 1997, a criação do Ministério do Desenvolvimento Rural, dos Recursos Naturais e do Ambiente, o qual englobou a Secretaria de Estado dos Recursos Naturais e do Ambiente. Desde 2009, esta pasta passou a ser denominada Secretaria de Estado do Ambiente e do Desenvolvimento Durável (SEADD), tendo o propósito de fazer convergir questões ambientais e de desenvolvimento (Biai, 2009). Os projetos e políticas que tiveram continuidade no tema ambiental foram aqueles que contaram com financiamento internacional regular, o que favoreceu a manutenção de seus respectivos grupos técnicos no poder, beneficiados por seu domínio das estratégias de obtenção de financiamentos internacionais. Tais grupos construíram um capital social intransferível, baseado no entendimento do histórico de negociações, na compreensão dos acordos tácitos em torno dos procedimentos de tramitação dos projetos, assim como na fluidez do uso dos jargões condizentes com as expectativas dos avaliadores, no atendimento aos requisitos das parcerias e em relações de confiança personalizadas entre as Partes, conforme observamos no curso dessa investigação.
As agências e fundos internacionais que financiam o país entendem que a cooperação do Estado com as ONGs ambientalistas é benéfica e útil no contexto de instabilidades governativas ao qual nos referimos acima. A formação do quadro humano do Estado na área da conservação é, sobretudo, oriunda das subáreas das engenharias, obtida em reputadas instituições acadêmicas do exterior. Isso reflete expectativas internacionais de constância na assimilação estatal da tecnologia que lhe for transferida para a execução de obras voltadas para o “progresso” do país, sob o comando de qualquer que seja a autoridade política, turbulências institucionais, coloração partidária e ideológica ou demais interesses em jogo.
Os cenários sombrios para a África subsaariana, de eventos severos e extremos relacionados com mudanças climáticas globais particularmente, grandes inundações, secas e pragas e seus efeitos na saúde humana e segurança alimentar , são elaborados pelo meio científico e endossados por documentos multilaterais, o que justifica a manutenção dessas redes e alianças. É com base na garantia explícita ou velada dos governantes de que esses técnicos se manterão à frente das rotinas burocráticas relativas a tais projetos, que os recursos externos continuam a adentrar o país. Nesse contexto, ONGs se apresentam como portadoras do objetivo de induzir novas dinâmicas sociais em vista do que foi estabelecido em projetos; por exemplo, produzir processos deliberativos de reorganização do espaço comunitário através de arenas participativas locais (Temudo, 2009, 2012).
Num caso específico, tratado por Temudo (2009), estas novas dinâmicas incluíam a alteração das regras de acesso e uso dos recursos naturais, o barramento da construção de novos assentamentos, a criminalização de práticas ambientais tradicionais assim como a marginalização dos “donos do chão” humanos no que tange ao processo decisório sobre o lugar e aos rumos da comunidade. Casos específicos observados pelo país revelam que tais ONGs podem ser atores cuja legitimidade é mínima localmente; porém, anteparadas pelo Estado nacional, vão constituir nova estrutura de poder, situação que tende a suscitar tensões e conflitos locais, em muitos casos, irreversíveis. Suas ações estão blindadas por um discurso altamente técnico e baseado em certas evidências científicas, reduzindo a possibilidade de réplica da população local e a possibilidade de estabelecimento de uma relação política simétrica (Temudo, 2009, 2012; Santy, 2012, 2016).
A construção discursiva estigmatizante que menciona a necessidade de salvação dos africanos de si mesmos, sua incapacidade de autogoverno, a inadequação de suas soluções paliativas a problemas concretos de sua vida cotidiana e a impossibilidade material de lidar com ameaças naturais futuras, eventualmente mais intensas tem tido efeitos perversos na configuração de poder local dentro das comunidades tradicionais assim como em sua interlocução com o Estado. Em casos específicos, como os tratados por Temudo (2009) e Santy (2012), vão se revelando interações de ONGs com as comunidades tradicionais que resultam em deslocamento do poder intracomunitário. As ONGs legitimam os jovens e as relações interétnicas como as vozes mais qualificadas em comitês locais de gestão ambiental, desconsiderando a autoridade tradicional dos “donos do chão” (Temudo, 2009).
À medida que o Estado guineense foi se envolvendo nas arenas multilaterais ambientais, como nas Conferências das Partes (COPs), no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (CQNUMC), essas ensejaram a articulação de técnicos e de ONGs, relação que se incrementou no âmbito político interno do país. Em 2001, em meio a impasses nas negociações políticas multilaterais na 7ª Conferência das Partes (COP7), foi lançado o terceiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), cujo conteúdo diminuiu significativamente a incerteza científica sobre as mudanças do clima, dando provas de sua ocorrência, projetando ocorrências futuras de alterações climáticas, bem como alertando para a irreversibilidade das mesmas (Viola, 2002). Esse relatório colaborou para que as Partes concordassem em disponibilizar recursos do Fundo Mundial do Ambiente (FMA/GEF na sua sigla em inglês) para apoiar os PMAs na elaboração de seus respectivos PANAs. Em particular, os países africanos acessaram esses recursos através do reforço de seu tom de lamento ao longo das discussões multilaterais, assumindo manifestamente a sua fragilidade político-constitucional, técnica e financeira para lidarem com os desafios climáticos. Os Estados-membros da União Africana procuraram construir uma plataforma única para apresentação de suas proposições, esforços que culminaram, em 2009, na criação de uma comissão responsável pela coleta de informação junto aos Estados-membros para delinear uma política continental de enfrentamento das mudanças climáticas a curto, médio e longo prazo. De igual modo, a construção de uma política continental deveria, como uma das metas, subsidiar a proposição de uma Posição Única Africana durante as negociações nas COPs futuras (African Union, 2015).
A Guiné-Bissau assinou e ratificou os principais acordos no âmbito da CQNUMC. Em 1995, ratificou a CQNUMC; em 2005, ratificou o Protocolo de Quioto (RGB, 2011) e, em 2016, assinou o Acordo de Paris. Entre a assinatura de acordos e protocolos internacionais e o acesso aos fundos para implementação de políticas e programas a nível nacional, como para a confecção e implementação do PANA, existe um conjunto de pré-requisitos que são exigidos aos países a que se destinam os fundos. O “critério de elegibilidade” constitui um importante instrumento de controle de posicionamento político dos países receptores dos recursos do fundo nos debates estratégicos sobre o clima. Um dos critérios é a ratificação nacional dos protocolos assinados nas Convenções, no sentido de engajar politicamente as instituições do Estado no cumprimento das metas estabelecidas pelas Partes. É dizer que a confecção do PANA precisa passar necessariamente pelas diretrizes e prioridades estabelecidos a nível internacional, as quais, muitas vezes, não coincidem com o leque de expectativas que a sociedade local tem em relação à atuação do Estado. Isso compromete a efetividade de um ambiente político interno dialógico na proposição de políticas públicas, posto que se impõe a orientação exógena de quais seriam as prioridades a serem atendidas. As ONGs que intervêm no processo de implementação de tais políticas reforçam esse desequilíbrio, pois se afinam instrumentalmente com o ponto de vista dominante nesses espaços multilaterais.
No sentido de cumprir sucessivos “critérios de elegibilidade”, a Guiné-Bissau tem feito significativos progressos. Publicou, no ano de 2001, a sua Primeira Comunicação Nacional sobre Mudanças Climáticas, a qual serviu de base para o documento mais conciso do PANA, publicado em dezembro de 2006. O PANA é um conjunto de diagnósticos sobre o contexto socioambiental do país bem como propostas de soluções técnicas aos desafios climáticos. O PANA apontou as regiões rurais e as atividades produtivas ali realizadas, como a agricultura, a pesca, a pecuária, o extrativismo florestal, como as mais suscetíveis às alterações no regime de chuvas e ocorrência de eventos extremos (RGB, 2006). O documento oficial mais recente, o Reforço da Resiliência e da Capacidade de Adaptação dos Sectores Agrário e Hídrico às Mudanças Climáticas na Guiné-Bissau (PRRCASAHMC-GB) (RGB, 2011) destaca que a elevação do nível do mar, assim como as construções de assentamentos litorâneos, poderão contribuir para as perdas das várzeas e manguezais costeiros, ocasionando a quebra de safras através da salinização de arrozais. Eventuais mudanças do regime de chuva poderiam impactar as estratégias correntes de segurança alimentar, aumentar a subnutrição infantil além de provocar o aumento de casos de doenças e mortes relacionadas a ondas de calor, inundações, tempestades e afins.
Mediante tais diagnósticos de ambos os documentos o PANA, de 2006, e o PRRCASAHMC-GB, de 2011, que é uma versão atualizada do PANA algumas das recomendações mais enfáticas foram relacionadas à garantia do abastecimento hídrico e à prevenção de catástrofes ditas naturais. No documento PRRCASAHMC-GB, de 2011, nota-se uma transição do conceito das mudanças climáticas para o de variabilidade climática. Neste último, põe-se foco no aumento da probabilidade de ocorrência de eventos extremos sem vincular tal probabilidade, necessariamente, ao recorte temporal geológico que seria preciso ter em conta para constatar mudanças do clima. Esse novo argumento-força é utilizado para orientar gastos públicos no reforço à capacidade institucional de monitoramento de tais eventos, tanto no relativo ao aumento do quadro técnico e sua capacitação quanto no referente à aquisição de equipamentos com tecnologias avançadas. Todavia, os documentos supramencionados desconsideram as relações históricas das comunidades focalizadas com os seus territórios, isto é, os seus valores culturais ancestrais que perpassam seus hábitos individuais e coletivos bem como suas práticas de territorialização.
O caso da catástrofe associada a inundações em Benfica
A região de Gabu, com características semiáridas, sofre ameaça de desertificação nas projeções climáticas (RGB, 2006, 2011; Embaló, 2008). A baixa disponibilidade de água superficial e a dificuldade de acesso à água subterrânea marcam a vida cotidiana de seus moradores. No Setor de Pitche, a maioria da população é fula, uma etnia islamizada, seguida dos mandinga e, em menor número, de demais grupos étnicos (RGB, 2009).
O indivíduo é considerado fula em razão de sua descendência patrilinear. A família fula tem uma base alargada constituída, em média, por vinte membros, entre o chefe de família, suas esposas, filhos e parentes próximos e inquestionável autoridade patriarcal. A concepção fula do casamento, como instituição que propicia a procriação e a riqueza, constitui uma das justificativas para a prática masculina da poligamia (Djaló, 2012). Assim, as mulheres fula são socialmente moldadas para a submissão ao homem (RGB, 2009).
Benfica é uma das tabancas fula do Setor de Pitche e seus 1.300 habitantes estimados estão divididos em dezenas de famílias com vinte membros aproximadamente. A abordagem à tabanca, em três visitas focalizadas, iniciou semanas após ao acontecimento trágico, quando o acesso viário foi possível, e estava em processo de reabilitação, e respeitou preceitos sociais comunitários, isto é, a hierarquia etária e de gênero. Dirigiu-se os cumprimentos iniciais ao chefe da tabanca, explanando os propósitos de pesquisa. O mesmo era uma liderança idosa masculina, a qual assentiu com a interação e convocou os demais homens, igualmente anciãos, para uma conversa coletiva. Nesse grupo focal, o problema da vivência da catástrofe foi explanado pelos presentes através de um discurso coletivo, no qual as narrativas foram compartilhadas e complementadas pelos presentes, os quais manifestavam concordância com os sentidos atribuídos à experiência havida. Nas visitas posteriores, foi solicitado às lideranças que se pudesse ter um grupo focal apenas com mulheres, o que foi concedido. E, ainda, pudemos observar diretamente suas práticas rotineiras na tabanca e realizar entrevistas individuais com homens e mulheres. Todos os entrevistados são da etnia fula. Complementarmente, a equipe do projeto institucional em execução (PRRCASAHMC-GB, de 2011) forneceu materiais documentais e nos deu orientações sobre possíveis medidas de combate a inundações futuras na localidade.
Na tabanca de Benfica, todas as famílias têm direito à terra, sendo a divisão territorial feita pelo líder ancião local, o qual leva em conta a demanda e a capacidade de trabalho das famílias. Como ocorre com outras etnias, os fula conferem à terra um valor sagrado. Mas, são discretos em relação a esse sentido como, ainda, no referente aos ritos propiciatórios relacionados à agricultura. Isso devido a sua crença mulçumana exigir que seu vínculo territorial manifesto seja puramente utilitário e os frutos obtidos se devam apenas ao seu esforço e às bênçãos de Allah (Nóbrega, 2003; Djaló, 2012). Tanto a agricultura quanto a pecuária apresentam uma divisão do trabalho de acordo com o gênero. Homens se dedicam à agricultura de sequeiro de milho bacil, milho cavalo, amendoim e feijão enquanto as mulheres produzem arroz nas bolanhas, terrenos alagadiços que necessitam de chuva para o seu manuseio antes de se semear. Mas, na tarefa de preparo da bolanha, as mulheres obtêm apoio masculino. Os fula de Benfica e de outras tabancas da região são os principais criadores e fornecedores de gado bovino a nível nacional e criam também caprinos e ovinos. O trabalho de criação de gado é compartilhado por homens e mulheres. O cuidado inicial com animais pequenos, que precisam de acompanhamento constante, é feito pelas mulheres.
Em Benfica existem três poços artesianos, dois construídos pela população local e um construído por um dos projetos externos que foram implementados na região. “Projeto” foi a forma usual como os membros da comunidade aludiram à intervenção territorial havida, sem discriminar claramente quem foram os atores externos à frente dos mesmos. Os dois primeiros poços são utilizados normalmente para coleta de água para beber, cozinhar, entre outras utilidades. O terceiro poço, embora com melhor infraestrutura e sendo mais profundo, tendo água mesmo nas circunstâncias adversas em que, nos demais, o recurso escasseia, raramente é utilizado para coleta de água de beber, pois, de acordo com a comunidade, a água “possui um gosto estranho”. Mulheres e crianças são as responsáveis pela coleta de água, no mais das vezes obrigadas a percorrer quilômetros de distância em busca de fontes consideradas propícias para o consumo humano.
No início de setembro do ano de 2015, ocorreu uma grande inundação em várias tabancas do sector de Pitche; entre elas, Benfica. A comunidade menciona inundações ocorridas anteriormente nos anos de 1998, 2003 e 2012 , mas considera que a intensidade tem sido gradativamente maior. Os moradores e líderes relatam que uma chuva forte havia começado num final de tarde e se estendido noite adentro, quando a inundação se alastrou e começou a invadir as casas, o que teria feito com que a comunidade permanecesse desperta, assistindo o volume da água se elevar. Ao amanhecer, os homens adultos e jovens utilizaram o material cedido anteriormente pelos técnicos do projeto de mudanças climáticas PRRCASAHMC-GB, como parte constitutiva do Plano de Contingência para tal contexto, a saber: pá, galocha, enxada, carrinho de mão, vistos como equipamentos indispensáveis no plano de contingência para essas circunstâncias. Os equipamentos serviriam para abrir canais, a principal estratégia que lhes foi ensinada pelos técnicos. A rota terrestre a ser seguida nessa recomendação dava, a certa altura, em outras áreas alagadas, de modo que foi um trabalho em vão. O movimento das águas pluviais no terreno não seguiu exatamente aquilo que o conhecimento técnico previu. Parecia imperativo à comunidade tentar fazer aquilo para o qual havia sido capacitada a fim de que não fosse culpabilizada pelos técnicos, que retornariam posteriormente, pela danificação material sofrida. Seguir as orientações dadas, apesar de sua pouca eficácia, tomava um tempo e uma energia preciosos em seu esforço de reabilitação espacial e endossava a relação subordinada com atores externos. À medida que o nível da água aumentava, latrinas transbordaram e a água dos poços foi contaminada. A maior parte das latrinas em Benfica localiza-se fora de casa, com uma espécie de fossa séptica de qualidade precária. Devido à inundação, a água tomou conta das fossas fazendo com que os excrementos se espalhassem por todo lugar, inclusive para os poços.
Pessoas idosas e adoentadas não tinham como se movimentar. A rotina produtiva e doméstica cessou, os meios de subsistência, as suas moradias, a sua segurança, entre outros, em poucas horas foram afetadas de forma crítica. Práticas cotidianas desde cozinhar, tomar banho e buscar água para o consumo humano até os cuidados com as bolanhas foram prejudicadas, recaindo sobre as mulheres a busca por opções de acesso à água e fazer o racionamento dos alimentos. Os homens, além da reconstrução de edificações, tinham que lidar com os animais de grande porte, atolados. Para satisfazer necessidades fisiológicas, era preciso andar quilômetros de distância em meio à água para encontrar lugar não inundado para o efeito. O banho ficou inviabilizado. A água que havia penetrado no campo estragou toda a produção. Por conta do material construtivo utilizado nas moradias, feitas de barro e cobertura de colmo, muitas famílias as viram desmoronar aos poucos, provocando sua situação de desabrigo. Aquelas moradias que permaneceram de pé tinham enormes rachaduras nas paredes, suscitando medo e incerteza quanto ao que podia acontecer com os seus residentes a qualquer momento. Tais perigos de desabamento incluíam as moradias que estavam servindo de albergue coletivo. Mesmo construções mais robustas, como a da escola local, sofreram colapso de parte de sua estrutura. A altura da água havia chegado a quase um metro no interior das casas. Muitos móveis e objetos pessoais foram danificados ou destruídos pela água volumosa e contaminada com matéria orgânica.
Fora de casa, com a água parada, várias pessoas apresentaram estados febris, diarreia, e paludismo, mas ficaram sem acesso a tratamento médico e houve registro da morte de uma criança adoecida na ocasião. O centro de saúde mais próximo de Benfica, na área urbana de Pitche, a quinze quilômetros, era difícil de alcançar, pois a evacuação de doentes, feita usualmente por meio da motocicleta, deparou-se com estradas obstruídas pela inundação. A situação acima descrita durou por volta de um mês até a água baixar.
A despeito de terem sido comunicadas/prevenidas, as autoridades e técnicos do Estado demoraram mais de duas semanas para chegar ao local, segundo os depoimentos locais. Ao chegarem, tomaram nota do problema, filmaram e fotografaram o cenário de destruição, o que, no entanto, não resultou em soluções, incluso em relação à organização e distribuição de donativos de primeira necessidade. Portanto, o fato de terem ido pessoalmente ao local não correspondeu a efetivas providências públicas de resposta emergencial diante à catástrofe havida, segundo os relatos. Algumas medidas, como a distribuição de sacos para serem enchidos com areia, foram tardias e inadequadas à situação, uma vez que isso é medida para prevenir inundação e a mesma já havia ocorrido. Questionada sobre a demora em responder ao chamado da população local, uma autoridade local governamental invocou a falta de recursos da administração pública. Enquanto isso, dias após a crise aguda, técnicos do PRRCASAHMC-GB se fizeram acompanhar de uma grande comitiva, que incluía representantes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD na Guiné-Bissau, para realizar levantamento de perdas materiais e necessidades locais mais urgentes, além de avaliação de possíveis causas da inundação. Os dados levantados ao longo da visita dos técnicos foram sistematizados em forma de relatório e enviados para instituições como o PNUD, o Ministério do Ambiente, a Cruz Vermelha, entre outras instituições e organizações que a comunidade não soube especificar. No entanto, nada se viu de retorno nos dias subsequentes. A administração regional, representada pelo governador do setor, foi uma das últimas dentre as instituições públicas que se fizeram presentes no cenário da catástrofe, e sugeriu que os residentes se mudassem para a capital do setor, Pitche, o que subestimava o sentido de pertencimento referido ao tchon, e também não ofereceu ajuda para esse deslocamento, segundo os relatos obtidos.
Sentindo-se frustrada em seguir as recomendações técnicas prescritas para o enfrentamento de eventos de inundações, que se mostraram insuficientes e/ou inadequadas, desamparada na vivência da catástrofe e desconsiderada pelas autoridades, a comunidade de Benfica lançou mão de seu próprio repertório cultural tradicional para a sua penosa reabilitação autônoma do lugar. Seus membros puseram-se à construção de um bentém[4] feito de madeira, com estruturas basilares altas para conservar a colheita evitando o estrago causado pela água e os animais. As famílias que tiveram suas moradias destruídas buscaram terrenos mais altos na comunidade para reconstruí-las, embora o principal material de construção continuasse sendo o adobe. Durante a inundação, os mantimentos foram racionados e os que realizavam três refeições ao dia passaram a fazê-lo uma única vez, na incerteza do que aconteceria no dia seguinte. Em moradias com alguma parte de sua área a salvo das águas, as mulheres improvisaram cozinhas coletivas. Sob chapas de zinco, eram colocadas pedras e lenhas para fazer fogo e cozinhar. Homens, especialmente os mais jovens, tiveram que migrar para a capital ou para a colheita sazonal do algodão no Senegal a fim de obter recursos financeiros para comprar novos mantimentos para a sua família.
Se para um homem fula como para a identidade masculina guineense de modo geral a capacidade de sofrer em silêncio é uma qualidade a ser exercitada para enfrentar as vicissitudes da vida, para as mulheres fula existe uma representação de que o sofrimento feminino constitua algo nato (Santy, 2016). Isto é, não se coloca, no interior da comunidade, a questão sobre se as mesmas sofrem ou não, pois as formas de sociabilização a que são sujeitadas desde a tenra idade são feitas à base do apagamento de sua subjetividade para eliminar quaisquer resistências ao poder patriarcal. Portanto, através da vocalização feminina não se consegue acessar toda a ordem do sofrimento vivido, pois uma parte deste está contida em seu silêncio e relativa resignação diante as árduas tarefas adicionais que os ditames culturais apontam como sendo seus, tais como: recuperar utensílios domésticos para as diversas funções da moradia; prestar maior anteparo físico e psicossocial aos idosos e crianças que se encontram assustados, adoecidos e com problemas de mobilidade naquele contexto; auxiliar as vizinhas com dificuldades na sobrecarga de tarefas; limpar o terreno, retirando escombros e detritos, para permitir aos homens a construção de uma nova morada e assim por diante. Tais tarefas são assumidas para possibilitar a retomada mais rápida das rotinas do grupo, conforme observado e detalhado no estudo mais abrangente de Santy (2016) sobre a organização sociopolítica nesta tabanca fula.
Dos cinco depoimentos individuais que fomos autorizados a tomar, três de mulheres e dois de homens, destacam-se alguns elementos convergentes e distintos de representação do problema segundo a perspectiva de gênero. No relativo às distinções, mulheres enfatizaram: o local em que estavam na ocasião, dentro da casa; seus afazeres de cuidado, do marido e das crianças; o efeito que a inundação teve no conteúdo e na estrutura da casa assim como nas bolanhas, a saber, repercutindo na saúde dos membros da família e na (in)segurança alimentar; e, por fim, como as ações imediatas dos homens na abertura dos canais teve insucesso. Já os relatos dos homens focalizaram: a falta de explicações dos técnicos governamentais para o sucedido, qual seja, o grande volume de água e a forma como a mesma “brotava do chão”; a perda das lavouras, como as de arroz, milho e amendoim; finalmente, a chegada extemporânea de técnicos governamentais, ONGs e outras organizações para fazer avaliações, as quais não resultam na chegada emergencial de donativos e comida, que era aquilo do que mais imediatamente a comunidade necessitava. Convergiram os relatos no referente à frustração sentida em relação à expectativa de recebimento de apoio material externo, que não foi atendida.
Longe se de configurar numa catástrofe pontual, “natural”, o caso de Benfica ilustra as conexões entre diferentes escalas de sujeição social, indo do viés de gênero na relação intracomunitária de poder, desta com a esfera decisória pública no âmbito local, regional e nacional, até a sujeição nacional aos ditames da esfera deliberativa multilateral. Sujeição social é uma noção aqui empregada para aludir aos processos nos quais há conexões sociais perversas entre duas partes quando uma delas incapacita a outra a ter condições emancipadas de deliberação sobre o seu destino. E, como adiciona Butler (1997), a relação de sujeição não apenas aponta para uma dependência radical de uma parte em relação à outra, mas para a diluição do caráter externo das restrições através de processos de normalização que moldam o comportamento daquele que é sujeitado, isto é, internaliza neste a unilateralidade do mando. O abandono social desta comunidade fula no momento agudo de seu padecimento revela indícios de que a presença institucional dessincronizada com a catástrofe está baseada em pressupostos dessa relação de sujeição. Isto é, capta-se informações antecipadas para balizar argumentos nas esferas multilaterais, faz-se treinamentos não condizentes com a dinâmica das ameaças ambientais preditas, suscitando esperanças na comunidade de que ela está sendo devidamente cuidada, e, ao fim, não se responde tempestivamente com providências institucionais diante a catástrofe havida. Isto é, não havia capacidades institucionais constituídas para uma efetiva gestão desta crise. Ao nosso ver, o desleixo das diferentes entidades que estiveram no terreno pode não representar uma deliberada vontade de que a comunidade padecesse, porém indica que esse padecimento, uma vez ocorrido, é algo socialmente aceitável no contexto dos laços de dependência radical que comunidades como a de Benfica foram acostumadas a ter de “projetos”. Isto é, indica uma crença institucional de que a sujeição sociopolítica daqueles que padecem e ficam desatendidos permanecerá intocada até a próxima fase do projeto em curso ou de outros projetos que virão no futuro.
Conclusões
O Estado guineense é uma instituição frágil, forjada por diferentes grupos de poder que estabelecem alianças instáveis entre si. No tema das mudanças climáticas, ora calibrado para questões de variabilidade climática, alianças têm perdurado à custa de uma subsunção institucional nacional à interpretação dominante multilateral, o que garante o apoio econômico vital à condução de suas atividades-fim. Tal estratégia tem resquícios da colonialidade e depende daquilo que designamos como um abandono social monitorado, isto é, uma sujeição social dos diferentes povos e subgrupos sociais que constituem a nação, especialmente dos que vivem nas zonas rurais. Trata-se, portanto, de diferentes escalas sociais de um processo político de manutenção da “margem”, aquela composta pelos que não podem se expressar em seus próprios termos diante os que deliberam sobre o seu destino. Ou, ainda pior, dos que gradualmente internalizam as razões alheias como sendo suas. No referente aos projetos voltados à redução dos riscos de catástrofes, grupos étnicos situados historicamente nas margens da sociedade guineense e do tecido institucional padecem por terem se tornado alvos de uma inclusão perversa na dinâmica central do Estado no que concerne à mobilização de fundos multilaterais. Os ganhos locais concretos são pálidos e não atendem às demandas comunitárias.
A continuidade da situação de precariedade material nas comunidades, em especial nas zonas rurais, não chega a frustrar os condutores das referidas políticas, na medida em que isso permite a persistência desse duplo vínculo de dependência: do Estado para com as agências multilaterais e de ONGs para com o Estado (Santy, 2016). Tudo se passa como se as catástrofes só revelassem a passividade das comunidades, supostamente incapazes de se ajustar aos riscos contemporâneos. Os registros ostensivos realizados por técnicos do Estado e representantes de agências multilaterais na sua visita à tabanca de Benfica ilustram essa desconexão entre a preocupação com a coleta de dados e o descaso efetivo com o bem-estar comunitário, uma vez que os dados não correspondem às ações tempestivas de proteção daqueles que, nos documentos oficiais, seriam objeto de intervenção estatal prioritária. Ambiguamente, a superação da vulnerabilidade comunitária, tal como chega a ser recomendada por autoridade governamental local, do Setor de Pitche, exigiria a negação de valores profundamente sedimentados na identidade tradicional, como os relacionados ao tchon, o que remete à reiteração de um processo de vulnerabilização sociopolítica. Circunstâncias como estas aumentam o sofrimento social enquanto prometem atenuá-lo (Das, 2008).
A catástrofe de 2015 coroa uma série de inundações gradativamente mais severas, conforme os relatos das lideranças tradicionais de Benfica. Tal como ocorreu nas catástrofes anteriormente vivenciadas, a comunidade evocou os desígnios divinos como um parâmetro moral para lidar com as perdas e danos, o que amorteceu o seu eventual anseio de confrontar as instituições públicas que a abandonaram à própria sorte. O repertório cultural tradicional desta comunidade fula foi acionado para ressignificar o seu sofrimento em termos religiosos, mas essa dimensão não obnubilou questões práticas. Ao contrário, dos desígnios de Allah à resistência no tchon, extraiu-se fundamentos para o fortalecimento da coesão interna diante a adversidade ambiental bem como a força coletiva para a reconstituição do lugar servindo, ainda, de anteparo simbólico contra o abandono técnico e as recomendações governamentais para que renunciassem à sua base física de reprodução social. Há que se destacar que, dentro do panorama de vínculos de subserviência com os agentes condutores de projetos e da preocupante manutenção de assimetria nas relações comunitárias de gênero, ainda permaneceu preservado o espaço dos laços comunitários nos quais as práticas de solidariedade e de ajuda mútua se associaram à busca de mecanismos criativos de reabilitação. Socorrendo a si mesmos, refazendo as suas rotinas através de soluções provisórias, porém autodeterminadas, comunidades como a de Benfica sinalizam que o Estado suave avilta a sua dignidade coletiva, mas não os imobiliza.
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Recebido: 24 de outubro de 2016
Aceite: 17 de setembro de 2018
Notas
[1] O termo designa aldeia no crioulo da Guiné-Bissau.
[2] Numa tradução literal significa “chão” em crioulo da Guiné-Bissau.
[3] Seca é o termo utilizado na Guiné-Bissau para caracterizar o período em que não chove, de dezembro a junho, o que não implica, necessariamente, fenômeno natural extremo.
[4] Uma espécie de despensa.