SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número36Mozambique and Brazil.: Forging New Partnerships or Developing Dependence?Arroz Negro.: As Origens Africanas do Cultivo do Arroz nas Américas. índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

Compartilhar


Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.36 Lisboa dez. 2018

 

RECENSÃO

 

Luís Bernardino. Angola in the African Peace and Security Architecture: The Strategic Role of the Angolan Armed Forces. Lisboa: Mercado das Letras. 2017. 543 pp.

 

No âmbito das Relações Internacionais, desde há muito que existe uma vasta literatura que aborda a guerra, as causas e as motivações que lhe estão inerentes, as forças armadas – criação, meios e as suas ações – e o impacto político, económico e social das mesmas.

Mas quando o leitmotiv é a existência – e o que a ela levou – das Forças Armadas de um país, como no caso que Luís Bernardino analisa, o das Forças Armadas de Angola (FAA), a obra exposta apresenta-se oportuna e importante.

Luís Manuel Brás Bernardino é um investigador académico que, a par da sua atividade profissional como militar do Exército Português – de que é oficial superior –, e por via disso, nos tem oferecido uma vasta obra sobre a temática da segurança militar e os esforços das Forças Armadas – e no caso do autor, de diversos países – na persecução e manutenção da paz, no contributo para o desenvolvimento económico e social dos seus países e na formação do carácter dos futuros dirigentes nacionais.

Foi baseado nestes princípios, e no evoluir da sua carreira militar, que Luís Bernardino após o seu doutoramento nos ofereceu, em 2013, a obra A Posição de Angola na Arquitectura de Paz e Segurança Africana: Análise da Função Estratégica das Forças Armadas (Coimbra: Almedina, 964 pp.), onde nos recorda a evolução histórica da formação das FAA, da sua profissionalização e do preponderante papel que, na opinião do Professor Ives Gandra da Silva Martins, as FAA vêm tendo na “estabilização institucional à luz [do que o autor denomina de] trilogia do D (Defesa, Desenvolvimento e Diplomacia)” (Bernardino, 2013, p. 11).

Tendo em conta o acolhimento que a inicial obra, baseada na sua tese de doutoramento, em português, obteve junto da comunidade angolana em geral, e castrense em particular, Luís Bernardino, em boa hora, dispôs trabalhar e produzir esta obra na língua de Shakespeare, e que ora se analisa. Esta iniciativa atende a carência de obras fora do âmbito da língua portuguesa sobre a temática castrense angolana e do seu relevante papel para a sustentabilidade da paz e desenvolvimento social e económico, quer no seio da comunidade angolana, em geral, e em particular no da África Central e Austral.

Ao longo da obra e das suas 543 páginas, oito capítulos e excelentes documentos e fotos inéditos, Bernardino oferece-nos, com muita clareza, uma importante contribuição para a historiografia militar angolana, evidenciando a evolução histórica das forças militarizadas angolanas. O autor apresenta desde o colonialismo até às lutas pelo nacionalismo angolano, com a presença de três movimentos nacionalistas onde, cada um deles, ostenta seu braço armado (pp. 45-47, 58-67), ao atual posicionamento estratégico e historiográfico de, como, porquanto e quando as FAA foram criadas (pp. 118-120), não esquecendo o relevante contributo de forças armadas estrangeiras para a sua efetiva criação, tendo por base os militares das FAPLA e os guerrilheiros das FALA (UNITA), face ao que foi prescrito nos Acordos de Bicesse de 31 de maio de 1991.

Também o impacto da criação das FAA para a segurança interna de Angola – seja por via de intervenções em países vizinhos, quer no âmbito da SADC, quer em cooperação com forças militares do Zimbabué e da Namíbia, na República do Congo e na República Democrática do Congo, em defesa das fronteiras angolanas, nomeadamente em Cabinda (p. 176) – nos apresenta como as FAA se tornaram num fator-chave para a estratégia política e diplomática de Angola, tanto no concerto regional (pp. 177, 229-230, 281-297), como no apoio a outros países de língua portuguesa, no caso da Guiné-Bissau e na tentativa de modernização das suas Forças Armadas, em 2011, por via da Missão Militar Angolana na Guiné-Bissau (MISSANG) (p. 174).

A análise à crescente profissionalização das FAA, que Bernardino realça, as torna num dos parceiros mais importantes nos exercícios militares, por via da União Africana, através das African Standby Brigade (pp. 281-307), como no seio da CPLP (exercícios militares Felino, pp. 333-337) ou na parceria estratégica com a US AFRICOM (pp. 291, 293-297).

Com a extensa e adequada análise destes pontos, Luís Bernardino apresenta-nos como as FAA estão preparadas para fazer face aos propósitos que consubstanciam a estratégica afirmação de Angola para a paz regional fundamentadas numa Arquitetura de Paz e Segurança Africana (pp. 301-310), assente em cinco organizações sub-regionais, e subordinada aos princípios da Carta da União Africana.

Igualmente de realçar o vasto leque de anexos, alguns dos quais inéditos – até para a maioria dos membros das FAA – que Bernardino nos oferece no final da obra e que nos ajuda a compreender alguns factos que levaram tanto à criação das Forças Armadas de Angola e ao seu posicionamento pré e pós-2002, como ao fim da guerra civil angolana.

Tendo por base estes importantes anexos, dois factos se destacam para o novo posicionamento das FAA no pós-2002, dentro do conceito político-militar que Bernardino aborda ao longo da sua obra: primeiro, o falecimento do líder da UNITA, Dr. Jonas Malheiro Savimbi, em 22 de fevereiro de 2002 (p. 161), e depois com os Acordos de Luena – e que inclui o Memorando de Entendimento do Luena, assinado em 30 de março de 2002 –, em 4 de abril de 2002 (p. 161), entre os generais Armando da Cruz Neto e Abreu Muengo Ukwachitembo “Kamorteiro”, à época, respetivamente, Chefe de Estado-Maior das FAA e Chefe de Estado-Maior das FALA (UNITA).

Como destacou o Tenente-general das FAA Miguel Júnior na apresentação do livro, na data do 26º aniversário da assinatura dos Acordos de Bicesse, e citando Kofi Annan, antigo Secretário-geral das Nações Unidas, por quando das apreciações que fez, em 2016, sobre Africa and Global Security Architecture (Kofi Annan Foundation[1]), a paz e a segurança no continente africano têm que desembocar em contributos à paz e à segurança mundiais.

É neste princípio que Luís Bernardino descreve, nesta sua obra, as FAA e o seu importante contributo para a observância das missões constitucionais e para a ajuda à garantia da paz e da segurança no continente africano, de modo que os perenes desafios de África e do seu papel na segurança global sejam reais e efetivos, tendo em conta o papel do continente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, aliado ao contributo da União Africana e das organizações sub-regionais, para o aproveitamento de jovens futuros líderes, no estabelecimento de sistemas eleitorais credíveis e no reforço dos sistemas democráticos em que, no caso das FAA, estas estão integradas, valorizando o seu papel e o seu lugar no contexto da segurança nacional.

Perante esta análise, considero que a obra de Luís Bernardino vai trazer um relevante e forte contributo para os académicos – além das próprias Forças Armadas de Angola – nos seus estudos de e sobre Angola e sobre o contributo de ambos (Angola e FAA) para a segurança e paz africanas – regional e continental – bem como para o harmonização da estabilidade política e social nacional e internacional.

 

 

Eugénio Costa Almeida

Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Lisboa, Portugal, eugenio.luis.almeida@iscte-iul.pt

 

 

Nota

[1]   Kofi Annan Foundation (2016, April 16), Africa and the Global Security Architecture (Tana High-Level Forum on Security in Africa). Acedido em 18 julho de 2018, de http://www.kofiannanfoundation.org/speeches/africa-global-security-architecture/

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons