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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa
versão impressa ISSN 1645-4464
Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão v.8 n.1 Lisboa mar. 2009
Cuidados integrados: um novo paradigma na prestação de cuidados de saúde
Resumo: Os sistemas sociais e de saúde enfrentam grandes desafios. Este trabalho apresenta e analisa conceitos e ferramentas estratégicas inerentes ao modelo de cuidados integrados actualmente em discussão e aplicação na Europa e aborda a aplicação de conceitos, metodologias e ferramentas da área da Gestão ao estudo e implementação desta nova forma de estar e actuar no sistema de saúde.
Palavras-chave: Cuidados Integrados, Sistema de Saúde, Sistema Social, Europa
Título: Integrated care: new paradigms in health care
Abstract: Nowadays, social and health systems are facing new and ambitious challenges. This exploratory work identifies and analyses concepts and strategic tools supporting integrated care organization model actually being discussed and implemented in Europe. The main purpose is to argue about the application of management concepts, methodologies and tools to these new ways of being and acting in health systems.
Key words: Integrated Care, Health System, Social System, Europe
Título: Atención integrale; un nuevo paradigma en la prestación de atención a la salud
Resumen: Los sistemas sociales y sanitarios se enfrentan a grandes retos. Este artículo resenta y analiza conceptos estratégicos y herramientas relacionadas con el modelo integrado de atención actualmente en discusión y aplicación en Europa y se analiza la aplicación de conceptos, metodologías y herramientas para el campo de la gestión de estudio y la aplicación de esta nueva forma de estar y de actuar en el sistema salud.
Palabras clave: Atención Integrale, Sistema de Salud, Sistema Social, Europa
O mundo ocidental está a envelhecer. Do ponto de vista sociológico, este facto resulta em desafios incontestáveis para os governos e as sociedades, particularmente para os sistemas sociais e de saúde, que devem garantir a acessibilidade, a equidade e a qualidade na prestação de cuidados de forma sustentada.
As respostas disponíveis não parecem adequadas. Existe hoje uma diversidade de serviços e profissionais, sociais e de saúde, que respondem às necessidades das pessoas, mas de um modo tão disperso e compartimentado que compromete a acessibilidade e a eficiência dos serviços. Tal reflecte-se no uso ineficiente de recursos caros, em listas de espera inaceitáveis e numa desadequada transmissão de informação, que pode pôr em risco a vida do doente. Uma vez que as pessoas em situação de dependência requerem respostas sociais e de saúde, é fundamental uma maior integração dos cuidados.
Este trabalho, com um carácter marcadamente exploratório, apresenta e analisa conceitos e ferramentas estratégicas inerentes ao modelo de cuidados integrados actualmente em discussão e aplicação na Europa. Este é o ponto de partida para a posterior discussão sobre a aplicação de conceitos, metodologias e ferramentas da área da Gestão ao estudo e implementação desta nova forma de estar e actuar em saúde.
Cuidados integrados
«São considerados cuidados integrados iniciativas de cooperação intersectoriais, entre prestadores de cuidados tanto da área social como da saúde, com vista à disponibilização de cuidados de forma contínua, sem interrupções, a pessoas vulneráveis e com múltiplas necessidades» (Raak et al., 2003). Os cuidados integrados são vistos como uma solução para a fragmentação e a descontinuidade, características dos sistemas sociais e de saúde na Europa.
A integração é uma questão central no desenho e desempenho organizacional. Todas as organizações são, de certa forma, estruturas hierárquicas formadas por partes inter-relacionadas, embora separadas, que desempenham papéis complementares. No entanto, a divisão e a especialização encontradas na arquitectura de organizações mais complexas geralmente interferem com objectivos de eficiência e qualidade. Daí que, para se atingirem esses objectivos, seja necessária a cooperação entre as várias partes da organização ou sistema (Kodner e Spreeuwenberg, 2002).
Estas abordagens aplicam-se, claramente, ao sistema social e de saúde, bem como a outros que com estes se relacionem. Falar de integração a este nível não significa que a fusão tenha que ser completa, até porque existem nestes sectores descontinuidades inevitáveis. Esta deverá antes ser encarada como uma forma de se dispor de sistemas mais abrangentes e preocupados com o todo.
Os termos cuidados continuados e cuidados integrados, muitas vezes usados como sinónimos, têm, no entanto, diferentes conotações.
Regulamentados pelo Despacho Conjunto nº 407/98, de 18 de Junho, dos Ministérios da Saúde, do Trabalho e da Solidariedade, os cuidados continuados têm como objectivo a criação de respostas integradas entre os sectores social e da saúde, quer no domicílio quer em ambulatório, para pessoas em situação de dependência e que necessitam de cuidados complementares e interdisciplinares de longa duração. O conceito de cuidados integrados é mais amplo, envolvendo não só a perspectiva do utente, mas também as implicações em termos de tecnologia, economia e gestão dos serviços.
Os cuidados integrados não são um fim em si mesmo. Os objectivos são a eliminação das redundâncias, a promoção da continuidade e da personalização na prestação de cuidados e o aumento da autonomia dos utentes. Tal traduz-se numa melhoria da qualidade, em termos de acesso, eficácia, eficiência e satisfação do utilizador.
Para que as estratégias de cuidados integrados sejam bem sucedidas, é fulcral envolver todos os interessados (utentes, prestadores de cuidados, responsáveis pelo planeamento, instituições), mas as estratégias conducentes a melhorar os cuidados ou os serviços prestados aos utentes poderão levar a perdas ao longo do sistema, nomeadamente de poder e controlo de alguns profissionais e/ou instituições, o que gerará resistências.
O processo de integração pode implicar a criação de equipas multidisciplinares (integração horizontal) dentro do mesmo nível de cuidados ou a ligação entre os vários níveis, primários e secundários (integração vertical) (Leichsenring, 2003). As estratégias de gestão, as estruturas organizativas e os sistemas de controlo desempenham um papel importante na integração, bem como a questão do financiamento.
A temática dos cuidados integrados está muito relacionada com a qualidade do serviço prestado. Donabedian (1980) identifica três tipos de abordagens a esta questão: estrutura, processo e resultados. A estrutura representa os recursos disponíveis para os profissionais e as instituições; o processo envolve a relação entre profissionais e utentes; e os resultados, mais difíceis de medir, referem-se aos efeitos no estado de saúde do utente, evitando as interrupções na prestação dos serviços.
A ideia-chave de uma organização integrada é a da existência de uma porta de entrada única que possa ser acedida pelos utilizadores potenciais, sem que necessitem de entender a estrutura que está por detrás. Esta entrada poderá funcionar como uma estrutura de aconselhamento, de clarificação das necessidades do utente e de coordenação entre as várias organizações e profissionais prestadores de cuidados. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e, mais concretamente, os Sistemas de Informação, podem ser usados para criar organizações virtuais que permanecem unidas pela partilha de informação, apesar de formalmente separadas.
Programas e ferramentas em aplicação na Europa
O interesse da União Europeia nos cuidados sociais e de saúde tem vindo a aumentar e as prioridades passam, não só por garantir o acesso a serviços existentes, mas também pela sua adequação aos novos desafios, designadamente, sócio-demográficos.
Os exemplos de boas práticas analisados de seguida envolvem profissionais e organizações de países Europeus. A abordagem inicia-se com uma reflexão sobre o aumento da sensibilidade geral para a necessidade de uma mudança de paradigma na prestação de cuidados, nomeadamente quando está em causa a população idosa e continua com a apresentação e discussão de programas e ferramentas de actuação ao nível estratégico e operacional, envolvendo os processos, os prestadores de cuidados e os utentes dos sistemas.
Novo paradigma na prestação de cuidados
Os desafios actuais exigem respostas como a prestação de cuidados centrados na pessoa, a definição de planos de cuidados individuais, mais centrados naquilo que as pessoas ainda podem fazer e menos nas suas incapacidades, a constituição de equipas multidisciplinares, a oferta de formação em competências transversais e o desenvolvimento e adopção de indicadores para medir a qualidade dos serviços prestados (Boydell, 1996).
No entanto, a criação de um único modelo europeu não parece ser a melhor solução, existindo reservas devido a questões de autonomia e à sensibilidade das matérias sociais. As estruturas, os modelos de apoio social e de organização dos sistemas de saúde, o financiamento, as culturas profissionais, as políticas e as relações de poder apresentam especificidades em cada país. Tratando-se de questões sociais, o contexto local e regional acaba por ter mais relevância do que o nacional ou o europeu (Leichsenring, 2003).
Em praticamente todos os países, os serviços sociais têm uma história bem mais curta do que os serviços de saúde, embora com diferenças entre o Norte e o Sul da Europa.
No Norte da Europa, desde 1950 que se tem vindo a desenvolver e a adequar uma grande diversidade de serviços, instituições e profissões de apoio social. Já no Sul, os serviços de apoio social são insuficientes, enfrentando escassez de recursos financeiros e de profissionais qualificados, realidade contrastante com a da saúde, caracterizada por profissões bem diferenciados em termos de competências e valores.
Em termos estruturais, a primeira grande questão, comum a todos os países, é a da existência de diferentes jurisdições na área social e na área da saúde. Logo à partida, o direito à saúde é tratado de modo distinto do direito ao apoio social. Em termos de legislação específica para cuidados integrados, embora escassa, tem vindo a desenvolver-se algum trabalho no que respeita ao financiamento e à organização.
A diferença entre as áreas social e da saúde acentua-se pelo simples facto de, em muitos países, os cursos de Medicina e de Enfermagem serem incontestados, enquanto algumas profissões da área social não dispõem, sequer, de enquadramento legal adequado. Questões relevantes colocam-se a este nível, nomeadamente como promover o trabalho em conjunto e os cuidados integrados de modo a ultrapassar as diferenças entre as instituições, com vista a melhorar a qualidade dos serviços prestados e qual o papel das famílias, dos amigos e dos vizinhos na prestação de cuidados (Leichsenring, 2003).
São inevitáveis as discussões decorrentes da introdução de mecanismos de mercado e da mudança do papel do sector público, de fornecedor a comprador de determinados serviços, ao invés de os prestar directamente, e da consequente necessidade de dispor de mecanismos de regulação. Tem-se assistido por toda a Europa a uma preocupação crescente em privatizar alguns serviços públicos nesta área, em regulamentar as relações entre o Estado e as instituições sem fins lucrativos, bem como em incentivar a prestação integrada de cuidados entre a área social e a área da saúde.
No entanto, o foco tem sido colocado, quase sempre, nas reformas da saúde e nos instrumentos para contenção de custos no sector da saúde, o que não conduziu, necessariamente, a um pensamento integrado e integrador. Assiste-se, sim, ao aparecimento de dois mercados distintos, um no sector social e outro no sector da saúde (Leichsenring, 2003). Mesmo na investigação, por comparação com a área da saúde, quase não existem publicações relativas a cuidados integrados (Leichsenring, 2004).
É geralmente assumido que a integração dos cuidados resulta em mais qualidade dos serviços, mais eficiência e redução de custos. No entanto, há que gerir as expectativas que podem ser, nesta fase, pouco realistas. Pouco se sabe relativamente aos níveis de eficiência conseguidos em diferentes cenários, com profissionais de áreas diversas e com níveis de formação e treino distintos. Na verdade, muitos projectos nesta área são de curto prazo e financiados ao abrigo de programas específicos, nacionais ou regionais pelo que a sua avaliação, nomeadamente económica, se revela bastante importante para trazer mais maturidade a esta questão.
Os recursos pessoas, tempo, equipamento e conhecimento são escassos, pelo que têm que ser efectuadas escolhas relativamente à sua afectação. Os custos reais desta afectação não se traduzem realmente em euros no orçamento desse mesmo programa, mas nos resultados que se poderiam obter com esses recursos seguindo opções não consideradas. Referimo-nos aos custos de oportunidade (Vondeling, 2004). As análises poderão envolver apenas a eficiência e os custos, ou incluir aspectos qualitativos.
Os resultados podem ser medidos em termos de «número de casos de sucesso» ou «anos de vida ganhos» mas, se se introduzir o conceito de «qualidade de vida», tratar-se-á de uma análise de custo-utilidade, do valor criado para o indivíduo. Para que haja uma avaliação económica, terão de ser avaliados os custos e os efeitos dos programas e das alternativas. Poderá comparar-se o sistema tradicional de prestação de cuidados com um sistema de prestação inovador, eventualmente uma equipa de reabilitação multiprofissional que contribua para a redução da permanência do utente no hospital.
Ferramentas estratégicas, culturais e estruturais
Estudos comparativos realizados na Europa (Raak et al., 2003) permitem concluir que é fundamental desenvolver ferramentas estratégicas, culturais e estruturais.
Das ferramentas estratégicas, há a realçar a necessária criação da visão, tarefa focada na continuidade da prestação de cuidados que deve envolver todas as partes: políticos, gestores e prestadores de cuidados. O mais importante é centrar a abordagem nos utentes e nos seus familiares, pelo que se deve partir das suas perspectivas, experiências e expectativas. Também os aspectos económicos podem e devem ser tidos em conta na visão, nomeadamente o facto de os cuidados integrados permitirem optimizar a relação custo/qualidade, a actuação preventiva e diagnósticos mais adequados, porque mais informados e completos (Raak et al., 2003).
Relativamente às ferramentas estruturais, uma estrutura viável é a constituição de redes de cooperação, que devem ter como base informação adequada. Ao nível da prestação de cuidados, a rede pode ser um grupo que se forma em torno de determinados objectivos ou de um determinado grupo de utentes. Também aqui as TIC são indispensáveis na partilha de informação.
Trabalhar em rede representa uma mudança significativa face à tradicional fragmentação, tanto ao nível da gestão como da prestação de cuidados, impondo a revisão e até o desenvolvimento de novas competências. Ao nível da gestão, é imprescindível um conhecimento profundo dos processos e dos interesses dos envolvidos, a capacidade de usar bem a informação e a capacidade de decisão. Ao nível da prestação de cuidados, para trabalhar em equipas multidisciplinares são fundamentais as competências de relacionamento interpessoal, bem como as competências de gestão, capacidade de usar bem o recurso informação e os Sistemas de Informação.
Diagnóstico de necessidades e plano individual de cuidados
Tem vindo a discutir-se a importância da existência de uma porta de entrada única no sistema, uma discussão indissociável de uma outra: a do diagnóstico das necessidades. Inevitavelmente surgem as abordagens multidisciplinares, o que implica a constituição de equipas com competências diversas e complementares.
O objectivo da prestação de cuidados integrados, com um ponto único de acesso, é a consideração integral das necessidades do utente. Se as necessidades forem avaliadas só do ponto de vista médico, é natural que as pessoas sejam unicamente medicadas. Da mesma forma, se a avaliação envolver apenas a perspectiva social, poderão ficar ocultas outras necessidades. O utente acaba por usufruir de um serviço mais dispendioso mas menos eficiente e fica menos satisfeito (Leichsenring, 2004).
Em Itália existem as chamadas «unidades de avaliação geriátrica», mas estas só são chamadas a intervir quando os idosos procuram lugares em lares ou instituições afins. Na Holanda existem os «gabinetes regionais de avaliação», que são um ponto de partida para as estratégias integradas, onde se decide o tipo de apoio e de recursos de que o utente deve dispor. Existem outras iniciativas do mesmo tipo no Reino Unido e em França, mas em muitos outros países o processo de avaliação está ainda muito fragmentado e assente numa perspectiva de diagnóstico médico (Leichsenring, 2004).
Descrevendo com mais detalhe o caso holandês, surgiu o modelo RIO (Regional Assessment Board), que não é mais do que uma porta única de acesso do utente ao sistema e que revela que, cada vez mais, o ponto de partida está do lado de quem requisita o serviço. É de referir que os idosos holandeses apresentam um nível de exigência cada vez maior (Ex et al., 2003). Os RIO são organismos independentes de informação e avaliação de necessidades individuais. A independência destes organismos de potenciais prestadores de serviços é importante, bem como a tendência para a personalização do serviço.
Recentemente introduziram-se algumas alterações, como a criação de orçamentos individuais. Neste sistema é facultada informação ao utente relativamente aos serviços e às estruturas disponíveis. Cada município decide o modo como o serviço de informação é disponibilizado, mas, regra geral, este assume a forma presencial, podendo ser também efectuado através de telefone ou de uma «janela electrónica».
Embora estas iniciativas apresentem vantagens claras, existem alguns pontos fracos, nomeadamente as diferenças entre os vários municípios na prestação dos serviços, muito relacionadas com as autonomias regionais, o excesso de burocracia e o facto de os prestadores informais de cuidados continuarem a colmatar algumas falhas no sistema, o que leva à ocultação das reais necessidades dos utentes nas avaliações dos RIO. Pode concluir-se que a fragmentação ainda excede a integração, embora de um modo menos acentuado do que no passado (Raak et al., 2003).
O objectivo do plano individual de cuidados, que resulta do diagnóstico de necessidades, é conciliar a oferta e a procura e construir uma rede de serviços ou recursos, com um enfoque central no utente e nas suas famílias (Leichsenring, 2003). Depois do diagnóstico e do desenho do «pacote de cuidados», segue-se a sua implementação e monitorização.
A redução de ineficiências é um objectivo, bem como a minimização das perdas e da duplicação de informação. Discute-se, entretanto, se não estará a haver cortes em serviços caros, mas necessários (Leichsenring, 2004). Defende-se também que modelos mais desburocratizados, com equipas capazes de dar respostas preventivas eficazes, podem evitar admissões desnecessárias nos hospitais ou noutras instituições e que este apoio intermédio pode ser complementado com serviços de reabilitação, para ajudar os utentes a reconquistar a sua independência e reduzir a sua estadia nestes locais.
Na Dinamarca, equipas de geriatria efectuam visitas preventivas a casa de pessoas idosas, existem acordos entre os municípios e os hospitais no que se refere às saídas dos utentes dos hospitais e realizam-se reuniões frequentes entre profissionais das áreas social e da saúde (Leichsenring, 2003).
Financiamento e livre escolha
O financiamento dos utentes ou das famílias privilegia a liberdade de escolha. As atribuições variam em função da avaliação feita em termos de necessidades, tipo de serviços e instituições a que se recorre.
Na Holanda, é atribuída uma verba para pagamento dos serviços, após a indicação dos RIO, que determinam os cuidados necessários. O poder de decisão passa para as mãos do indivíduo, que decidirá quando e onde os serviços serão prestados. As verbas ainda se destinam, unicamente, aos sectores de cuidados propriamente ditos e/ou alojamento, mas o eventual envolvimento de outros sectores neste regime pode ser interessante (Ex et al., 2003).
Na Alemanha, os beneficiários podem escolher entre a pensão, preferencial no momento, os serviços em géneros ou uma combinação dos dois. Na Áustria, os beneficiários são livres de decidir se usam as verbas atribuídas para comprar serviços ou para financiar os prestadores informais de cuidados, como a família. Na Alemanha, já existe a obrigatoriedade de usar parte desse orçamento na compra de serviços. Desta forma, o utente ou a sua família são uma espécie de «gestores do plano de cuidados», o que pode levantar questões como o uso incorrecto dos fundos públicos, mas a atribuição destas pensões pode também ser um primeiro passo para uma abordagem mais orientada para a procura e, deste modo, estimular a diferenciação nas várias instituições prestadoras de cuidados. Deve ser assegurada a disponibilidade de uma informação vasta acerca da oferta disponível, para que os utentes possam fazer escolhas informadas (Leichsenring, 2003).
Multidisciplinaridade e trabalho em equipa
São conhecidas as diferenças hierárquicas, estruturais e culturais entre as instituições e profissionais da área social e da saúde. O sistema dinamarquês de cuidados a idosos apresenta algumas propostas a este nível (Leichsenring, 2003). Em primeiro lugar, são os municípios que pagam as despesas dos utentes nos hospitais quando, depois de terminado o tratamento, aguardam um lugar num lar. Está estabelecido que os hospitais devem informar as instituições de apoio social três dias antes da sua saída, caso este necessite de apoio. Experiências envolvendo equipas de geriatria, reuniões conjuntas antes da saída dos utentes do hospital e treino conjunto são algumas das iniciativas levadas a cabo nesse país.
No Reino Unido tem existido colaboração entre as áreas social e da saúde, com destaque para o projecto Community Assessment and Rehabilitation Teams (CART). A constituição de equipas multidisciplinares está no centro do desenho deste serviço, equipas essas que ficam alojadas num só local, neste caso, os centros de saúde. Estas equipas recebem informação dos hospitais relativamente a eventuais entradas e saídas, sendo o seu objectivo intervir antes de se atingir uma situação de crise que implique o internamento do utente (e.g. intervenção domiciliária) e acompanhar o utente na fase de reabilitação (e.g. terapias de reabilitação). O serviço está disponível 24 horas por dia (Alaszewski et al., 2003).
Estas equipas são geralmente constituídas por enfermeiros, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, o que permite efectuar uma avaliação integrada da condição do utente. Um destes profissionais assume a liderança da equipa, recaindo a escolha sobre o profissional cuja terapia é mais necessária na situação em causa. Outros especialistas, como terapeuta da fala ou nutricionista, poderão vir a fazer parte destas equipas, caso seja necessário. Estas iniciativas são suportadas por fundos conjuntos, geridos quer pelos serviços sociais quer pelo Sistema Nacional de Saúde. O projecto apresenta, no entanto, algumas debilidades, nomeadamente a ausência de avaliação externa e o facto de se tratar de um projecto-piloto, com financiamento futuro incerto (Alaszewski et al., 2003).
Importa realçar que o envolvimento das famílias ou de outros prestadores informais de cuidados, como vizinhos ou amigos, é crucial na criação de redes para cuidados integrados, porque nenhum sistema de cuidados é capaz de cobrir completamente todo o tipo de necessidades. A rede informal deverá ser envolvida no planeamento, implementação e controlo dos projectos, para que se assegure que se está a ir de encontro a necessidades reais (Kodner e Spreeuwenberg, 2002.). Ainda assim, a rede formal de cuidados parece ainda ver a família como um oponente e não como um recurso a ser utilizado (Leichsenring, 2004).
Discussão e conclusão
No dealbar do Séc. XXI, as interrogações em torno da capacidade dos Estados para garantirem protecção social aos cidadãos estão na ordem do dia. Novos conceitos e modelos têm vindo a ser introduzidos, utilizados e depois descontinuados, frequentemente após curtos espaços de tempo de implementação, incompatíveis com um correcto diagnóstico dos seus contributos, insuficiências e ineficiências, em boa medida pela não consideração de ferramentas de diagnóstico que acompanhem as diversas fases do planeamento e da execução.
Por outro lado, os utentes dos sistemas estão mais exigentes quanto à qualidade dos mesmos, materializada em possibilidade e comodidade de acesso a uma diversidade de serviços, tempos de atendimento, desempenho dos prestadores de cuidados, custos e, cada vez mais, uma série de atributos imateriais e de difícil avaliação, porque de carácter extremamente pessoal e subjectivo.
O conceito de cuidado integrado surge como um novo paradigma, capaz de contribuir para a solução de diversos problemas criados pela fragmentação dos serviços sociais e de saúde, geradora de ineficiências na gestão dos recursos disponíveis, baixa qualidade na prestação dos serviços e, concomitantemente, insatisfação no cidadão-utente.
Em Portugal, o interesse por esta temática é relativamente recente, quer ao nível da investigação quer das práticas. Na Europa, a experiência é mais vasta, nomeadamente nos países do Norte, pelo que existe já alguma experiência que merece ser analisada, no sentido de daí retirar lições que possam contribuir, depois de devidamente enquadradas e adaptadas à realidade portuguesa, quer para o delinear de novas estratégias, programas e políticas (por exemplo, das formas de financiamento dos sistemas), quer para a definição de novos modos de trabalhar, formar e informar e mesmo de actuar ao nível da necessária mudança das mentalidades e da cultura e subculturas dos diversos grupos de interesse envolvidos.
Os exemplos aqui analisados mostram práticas interessantes, onde se podem rever princípios de gestão e métodos de organização do trabalho há muito estudados e implementados em empresas dos diversos sectores de actividade. Ao nível empresarial, a necessidade de manter e aumentar a competitividade impele as empresas para a melhoria contínua, que passa pela obrigatoriedade de inovar aos mais diversos níveis, como estratégico, organizacional e operacional.
As ferramentas da gestão empresarial parecem estar a ser cada vez mais aplicadas nos sistemas social e de saúde, sendo comum a referência a conceitos como a orientação para o utilizador, a focalização nos objectivos e nos resultados e a reengenharia de processos (Leichsenring, 2004). Deixando, por enquanto, de lado a discussão sobre os méritos de dado sistema ou modelo específico sobre outro, nomeadamente os baseados em financiamento público e privado, com maior ou menor intervenção por parte do Estado, afigura-se pertinente discutir a utilidade de algumas metodologias e ferramentas amplamente utilizadas no meio empresarial, quanto mais não seja porque auxiliam no esforço de estruturação da informação e na modelação das diferentes realidades, essenciais no processo de pensar e realizar um futuro diferente para o sistema de prestação de cuidados em Portugal.
Concretamente, a gestão da qualidade pode ajudar a promover a cooperação entre as instituições, se forem construídos indicadores de desempenho para a rede, definidos de comum acordo, e se forem reconhecidas as particularidades dos serviços social e de saúde ao longo deste processo. Os sistemas devem ser orientados para a satisfação dos utentes, o que só é possível através da análise do desempenho e da melhoria contínua. A avaliação rigorosa e isenta aparece como fundamental. Por detrás do processo de melhoria contínua estão conceitos como a visão sistémica e a optimização dos processos, bem como as ferramentas de controlo e melhoria da qualidade, a avaliação da satisfação dos utentes, o benchmarking e a reengenharia dos processos (Mezomo, 2001).
A abordagem dos cuidados integrados é complexa, daí que se devam avaliar, sistematicamente as intervenções e os resultados, sejam eles em termos de saúde do utente ou económicos. Os estudos deveriam focar-se também nas experiências vividas pelos próprios utentes. Sugere-se o uso de ferramentas quantitativas e qualitativas no sentido de avaliar a eficiência e eficácia destas iniciativas (Kodner e Spreeuwenberg, 2002).
O conceito de cadeia de valor (Porter, 1985) assume bastante importância neste contexto e, mais concretamente, o conceito de sistema de valor, que inclui não só cada organização que presta o serviço individualmente, mas todas as outras que com esta se relacionam, incluindo os próprios utentes. O conceito de cadeia de valor passa pela desagregação da organização em múltiplas actividades, funções ou processos que representam as estruturas elementares para a criação de vantagens competitivas, pela obtenção de custos mais reduzidos e oferta de serviços diferenciados. A margem de lucro das organizações depende da eficiência com que esta desempenha as várias actividades, para que o utente esteja disposto a pagar um valor que exceda o custo dessas mesmas actividades na cadeia. Conseguindo isolar essas actividades, é aí que a organização tem oportunidade de gerar um valor superior. A criação de vantagens competitivas é possível através de eventuais reconfigurações da cadeia de valor. Uma vantagem de custo pode ser conseguida através de mudanças estruturais ou organizativas e a diferenciação pode ser alcançada através de, nomeadamente, mais articulação, aprendizagem e integração. Porter (1985) refere a importância das sinergias no que se refere à partilha de recursos, que podem resultar em reduções significativas de custos e respostas rápidas às solicitações externas.
No conceito de cadeia de valor refere-se sempre as relações e interdependências das várias actividades de cada organização. No entanto, e embora no conceito de sistema de valor a filosofia subjacente seja idêntica, a organização é vista como parte integrante de um sistema mais vasto, que inclui outras organizações e os próprios utilizadores do serviço. Existem interdependências importantes também fora da organização, entre várias cadeias de valor. As tecnologias de informação e de comunicação podem ajudar a desenvolver a nova cadeia/sistema de valor, suportando nomeadamente a comunicação entre as partes na «organização virtual».
A dimensão regional assume, neste contexto, uma importância extrema. Ora, as políticas de desenvolvimento regional na Europa têm sido criticadas por se terem baseado, durante muito tempo, em modelos exógenos, criados de fora para dentro, sendo as regiões consideradas receptoras passivas de decisões sobre o seu futuro, tomadas unilateralmente pelos governos centrais sem a sua participação activa. As regiões não vivem na ausência de redes de cooperação, mas o que existe é, fundamentalmente, de carácter vertical, ou seja, assente em relações de dependência face ao poder central. Ora, uma rede vertical dificilmente se traduz em confiança e cooperação.
Existem hoje perspectivas assentes no desenho de novas políticas, com base em modelos endógenos e em torno da construção de um capital social, que resulta das relações entre os elementos da região e entre esta e o exterior (Morgan e Henderson, 2002). Os elementos-
-chave são confiança, voz, reciprocidade e disponibilidade para a cooperação, recursos intangíveis que assumem hoje um grande valor. Mas a proximidade não é condição suficiente para trabalhar redes interactivas de aprendizagem. Elas têm de ser construídas de modo consciente e com esforço das partes envolvidas. Há todo um conjunto de entidades entre o Estado e o mercado, tais como instituições privadas, instituições públicas, associações e agências de desenvolvimento regional, cuja importância não deve ser menosprezada.
A promoção dos cuidados integrados significa «mudança», nomeadamente a necessária tomada de consciência de todas as partes de interdependências importantes, a atenuação de fronteiras institucionais e profissionais e a aplicação de ferramentas estratégicas com o objectivo de construir e manter uma rede. Trata-se de estruturar um novo modelo de actuação, que resulte numa prestação de cuidados mais ajustada às necessidades de cada cidadão, mais preventiva, menos «aguda» e mais eficiente.
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* Ana Dias
Assistente Convidada do Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal.
Assistant in the Department of Economics, Management and Industrial Engineering, University of Aveiro, Aveiro, Portugal.
Asistente invitada, Departamento de Economía, Gestión e Ingeniería Industrial de la Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal.
** Silvina Santana
Professora Auxiliar do Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial do Instituto de Engenharia Electrónica e Telemática de Aveiro, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal.
Assistant Professor in the Department of Economics, Management and Industrial Engineering of the Institute of Electronics Engineering and Telematics of Aveiro, University of Aveiro, Aveiro, Portugal.
Profesor Asistente, Departamento de Economía, Gestión e Ingeniería Industrial del Instituto de Ingeniería Electrónica y Telemática de Aveiro, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal.
Recebido em Novembro de 2007 e aceite em Janeiro de 2009.
Received in November 2007 and accepted in January 2009.