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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa
versão impressa ISSN 1645-4464
Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão v.8 n.4 Lisboa out. 2009
Os múltiplos sujeitos da publicidade contemporânea
Eneus Trindade* e Clotilde Perez**
Resumo: O texto procura apresentar as categorias das manifestações de sujeito/pessoa mais recorrentes no discurso publicitário contemporâneo, apresentando uma tipologia que pretende discutir a partir da cultura e dos signos midiáticos instaurados pela publicidade, modos de analisar a sintaxe e a semântica no encadeamento das estruturas discursivas publicitárias, justamente por tentar compreender os mecanismos formais de constituição das subjetividades discursivas, neste objeto midiático plural. Tal entendimento é particularmente relevante quando constatamos a complexidade das relações sociais, a fragmentação cotidiana dos mídias e as necessárias ressignificações que o discurso publicitário é prescrito a fazer na busca da persuasão dos receptores/consumidores.
Palavras-chave : Enunciação Publicitária, Produção de Sentido na Publicidade, Pessoas, Personagem, Mascote, Multivíduos
Title: The multiple actors of contemporary advertising
Abstract: The article aims to present some categories of people manifestations more recurrent in contemporary advertising discourse, presenting a typology to discuss cultural and mediatics aspects generated by advertising semantic and syntax discourses. We want to understand the formal discursive mechanisms of people inside speech advertising executive , considering this kind of text as plural object of media. This kind of comprehension is particular and important when we have a perception about the complexity of social relations with daily fragmentation by media. And we can understand the new means that speech advertising executive is prescribed to persuade receptors and consumers.
Key words: Advertising Enunciation, Production of Meaning in Advertising, People, Character, Mascot, Multi-individuals
Título: Los múltiplos temas de la publicidad contemporánea
Resumen: Este trabajo tiene como objetivo presentar las categorías de las expresiones del sujeto / persona más recurrente en el discurso publicitario contemporáneo, presentando una topología que quiere discutir a partir de la cultura y los signos mediáticos interpuestos por la publicidad, las maneras de analizar la sintaxis y la semántica de la serie de estructuras de la publicidad discursiva, sólo por tratar de comprender los mecanismos de constitución de la subjetividad discursiva, en los medios de comunicación plurales. Esta comprensión es particularmente importante cuando nos damos cuenta de la complejidad de las relaciones sociales, la fragmentación de los medios de comunicación y las resignificaciones que hacen necesario que el discurso publicitario requiere para hacer la búsqueda de convencer a los receptores / consumidores.
Palabras-clave: Enunciación Publicitaria, Producción de Sentido en la Publicidad, Personas, Personajes, Mascote, Multivíduos
Nosso objetivo é apresentar uma análise teórico-metodológica que situa a personagem e suas múltiplas possibilidades de manifestação, como um sujeito privilegiado nos processos de enunciação publicitários nas diferentes mídias.
É de caráter fundamental elucidar que o sujeito, em nosso entendimento, refere-se à subjetividade evidenciada no discurso publicitário. Este sujeito pode então se manifestar de várias formas no discurso, podendo ser entendido como o indivíduo/sujeito, conceito criado pela pesquisadora Baccega (1995), que remete à categoria de pessoa presente no discurso.
Para as Ciências Humanas, o indivíduo é um sujeito que interage com o seu mundo, deixando nele seus vestígios e influências passíveis de dedução investigativa. Na perspectiva do discurso, o sujeito é dado e analisado a partir de suas inscrições cotidianas. Porém, o sujeito no discurso, também é construído sinestesicamente por signos sonoros, visuais, olfativos, táteis que não remetem à categoria pessoa/indivíduo, mas sim à subjetividade presente no discurso.
A publicidade idealiza sujeitos modelos que modulam o ser/estar no mundo dos sujeitos receptores, assim como os receptores alimentam a publicidade com as novas tendências comportamentais e estilos de subjetividade que surgem no interior da vida social e cultural que passam a ter lugar nas mensagens da publicidade. É um processo contínuo de influências mútuas. Nesse sentido, fomos buscar apoio nos estudos da identidade pela Psicologia Social, no trabalho de Ciampa (1994); nas reflexões da psicanálise lacaniana, do «eu como espelho do outro» (Lacan, 1966); nos estudos sobre os processos de inclusão, pertinência e pertencimento em uma dada categoria identitária, a partir dos trabalhos antropológicos de Cunha (1987) e Geertz (1989); e também nos estudos de Hall (2000) e Canevacci (2001, 2005, 2008) sobre a identidade cultural no mundo contemporâneo e o locus da publicidade nesse contexto.
As diferentes filiações teóricas mencionadas se justificam por uma tentativa de explicar nuanças complexas dos objetos midiáticos, no que se refere às questões da identidade, subjetivada no âmbito das suas relações sociais e das suas representações. É importante esclarecer que reconhecemos os riscos e críticas advindas do fato de adotarmos uma postura epistemológica plural, híbrida e, por que não dizer, impura. Contudo, a complexidade dos fenômenos midiáticos passa por questões de natureza distintas que, na nossa perspectiva, extrapolam os limites de um olhar mais hermético, dependendo muito mais de um conjunto de formulações teórico-metodológicas que busquem a melhor forma de dar conta do problema estudado. O próprio conceito de público-alvo tão utilizado em publicidade é erodido quando nos deparamos com a complexidade e mobilidade do indivíduo contemporâneo, ou, como Canevacci (2005) nos auxilia no entendimento, somos na contemporaneidade indivíduos múltiplos transitando de modo fluído e plural dentro e fora de si.
Canevacci constrói o conceito de multivíduo para contemplar essa pluralidade característica dos tempos de hoje. Em função disso, afirmamos que todos os autores citados anteriormente, de maneira direta ou indireta, vincularam-se aos nossos estudos sobre a produção de sentido na cultura, o que, por uma questão de coerência teórica à nossa proposta de investigar a enunciação midiática publicitária, buscou construir uma abordagem interdisciplinar para dar conta de aspectos complexos das representações de sujeito/pessoa, espaço e tempo nos processos de enunciação e enunciados das mensagens da publicidade.
Com essa perspectiva teórica, foi possível estabelecer tipologias constituídas por categorias inovadoras de classificação das possibilidades de representação destes elementos, que dão o funcionamento e se constituem como aparelhos formais e constitutivos de todo e quaisquer tipos de discursos, ou seja, os dêiticos de pessoa, espaço e tempo. Sobre estas colocações, ver Barbosa e Trindade (2003), Trindade (2005), Trindade e Annibal (2006) e Trindade e Barbosa (2006).
A partir do exposto, compreendemos que personagens, mascotes, garotos-propaganda, testemunhantes apresentam-se como sujeitos dos enunciados publicitários, mas que, ao mesmo tempo, guardam relações com os processos de enunciação da emissão e da recepção deste tipo de processo comunicativo, como iremos demonstrar no decurso deste artigo.
Reflexões sobre a pessoa na publicidade
Neste trabalho iremos apresentar oito categorias das manifestações dêiticas de sujeito/pessoa na publicidade. Adiantando aspectos que serão tratados mais adiante, esclarecemos que a maior parte dessas categorias - a personagem, a marca, o produto, o testemunhal, o garoto-propaganda, a mascote e o sujeito como tempo ou espaço -, são passíveis de leituras teóricas que se referem ao estatuto dessas representações como atores sociais. Apenas os sujeitos locutor/narrador têm uma lógica mais orientada para a representação de mecanismos sintáxico-semânticos dos dêiticos de pessoa nas estruturas discursivas publicitárias.
Dessa forma, a partir das contribuições de Fiorin (1999), que faz um estudo detalhado sobre a enunciação na literatura brasileira, desenvolvendo conceitos sobre as categorias de pessoa, espaço e tempo, cabe-nos, aqui, resgatar as categorias apresentadas pelo autor sobre o sujeito/pessoa manifestadas nos discursos e registrar suas prováveis potencialidades para analisar, nessa categoria dêitica, os efeitos de subjetividade na enunciação publicitária.
Sobre a pessoa, Fiorin indica as seguintes possibilidades: pessoa demarcada, multiplicada, transformada, subvertida, pessoa transbordada e desdobrada (ver Fiorin, 1999, pp. 41-126).
Diante do exposto, percebemos que o autor determina seis subtipos que, no texto verbal, referem-se às possibilidades de debreagem e embreagem (efeitos de trocas de pessoas), e sintetizam-se nas referências: absoluta, contextual e dêitica propriamente dita. Como é observável nos exemplos seguintes: absoluta «Omo faz, Omo mostra» , o sujeito é identificado pela sua denominação absoluta, o nome da marca; contextual «O sabão em pó que lava mais branco» , a referência ao produto se dá pela sua denominação genérica, a partir de sua utilidade/função; dêitica «Ele lava mais branco» , sendo que este «ele», sujeito de quem se fala, depende de um contexto e é uma marca dêitica pura de algo que já tem sua referência absoluta pré-estabelecida entre os interlocutores do discurso. Sobre os conceitos de referencialidade dos dêiticos, ver Kerbrat-Orecchioni (1980, pp. 34-69).
Ao partirmos desse ponto das referencialidades, podemos então compreender as categorias mencionadas por Fiorin, em função de algumas ocorrências nos processos de enunciação publicitários. No que diz respeito à identificação das referencialidades dêiticas apresentadas em um dado discurso classifica-se isso como pessoa demarcada. Tanto nas marcas dos sujeitos da enunciação no discurso, quanto dos sujeitos dos enunciados em si.
Essas marcas de pessoa, assim como as de espaço e tempo, como se explicou anteriormente, podem ser de três referências: a absoluta, a contextual e a dêitica, que em um mesmo discurso, podem se apresentar de formas alternadas pelos efeitos endoforia (catáforas e anáforas). Tais efeitos, por sua vez, dão-se por meio de trocas entre sujeitos, por embreagens, internas do discurso, ou trazendo as marcas dos sujeitos da enunciação no enunciado, as debreagens. A referência anterior nos faz considerar dois grandes aspectos da demarcação de pessoas, nos enunciados, ou seja, as marcas dos sujeitos do próprio enunciado e os da enunciação da emissão e da recepção. Por exemplo, assinaturas de marcas corporativas, da marca nominal do produto/serviço, ou seja, os anunciantes, bem como a assinatura da agência responsável, são marcas de sujeitos da enunciação do pólo da emissão no enunciado.
Já as marcas da enunciação da recepção podem se dar por debreagens dos sujeitos dos enunciados, enquanto projeções do receptor-enunciatário idealizado nas personagens da mensagem, criados nas intenções do pólo emissor, configurando aquilo que Dominique Maingueneau (2001, pp. 95-104) trata como ethos do discurso, ou seja, o ethos do target na mensagem publicitária, o público-alvo idealizado pelo discurso, caracterizando o ser consumidor/leitor-receptor ideal. Isso acontece quando o nível da enunciação da recepção é representado, de alguma forma, no discurso, como no exemplo quando o locutor ou personagem do comercial fala «Olá! Donas de casa...», ou ainda quando a personagem representa um perfil do consumidor do bem/serviço anunciado. São marcas de projeção do receptor no enunciado, que idealizam a «dona de casa» e as personagens como consumidores e interlocutores, enunciatários e receptores ideais das mensagens.
Já os sujeitos do enunciado em si, pela complexidade híbrida e sincrética da comunicação publicitária, dão-se por meio dos elementos que dão voz, que se dão a ver e a escutar e a sentir sinestesicamente no interior das mensagens.
O produto mostrado é o sujeito, objeto de quem se faz referência, ou ainda a cena publicitária busca construir, a partir de suas personagens, um conceito que configura o sentido de subjetividade da marca anunciada, objeto do anúncio. Os sujeitos do enunciado também se articulam em níveis de interlocução distintos, podendo haver uma interlocução interna entre esses atores/personagens do enunciado, ou ainda uma interlocução direta do sujeito narrador/locutor para o sujeito observador/receptor-leitor-enuncitário, ou seja, locutores presentes, integralmente ou parcialmente, que, neste caso, podem se dirigir ao público receptor, estabelecendo, com este último, a conexão empática e simpática necessária à circulação do enunciado.
E no caso específico de atores/personagens e testemunhantes, o resultado do acúmulo de papéis narrativos da enunciação da emissão, no enunciado, dá-se por efeito de debreagem, apresentando as marcas da enunciação, no enunciado, mas também por efeitos de embreagem, caracterizados por trocas entre os dêiticos de pessoa, no âmbito do enunciado, pois o ator/personagem ou testemunhante acumulam o papel de representantes ou porta-vozes dos anunciantes, substituindo-os, pelo menos no âmbito das mensagens.
Nesses casos, em específico, pode-se pensar a relação da publicidade com os estudos literários, a partir dos aspectos apontados por Brait (1987, pp. 53-67), no que se refere aos pontos de vistas da emissão e da recepção, do narrador, e/ou do narrador-personagem.
As campanhas publicitárias realizadas por testemunhantes e garotos-propaganda, por exemplo, caracterizam-se pelo fato de atores ou pessoas famosas, autoridades ou personalidades criadas pela publicidade celebridades -, oferecerem suas imagens e vozes para dar credibilidade, segurança e identidade ao produto, serviço ou marca. Funcionam como caução e endosso, ou seja, essas pessoas transmitem a sua credibilidade ao produto/marca. Tal ocorrência acaba por confundir esse sujeito do enunciado com os sujeitos de outros níveis da enunciação, fazendo com que eles passem a funcionar como porta-vozes do pólo da emissão, no enunciado. Aqui a personagem rouba a cena e falseia o real emissor, quem fala é a pessoa crível que testemunha e garante, e não mais o racional e distante fabricante. É uma estratégia que busca compartilhar/transmitir os valores da pessoa que protagoniza o discurso para o objeto a que ele se refere, produto, marca ou idéia.
Novamente, surgem aqui os conceitos de observador, narrador, locutor, interlocutor, ponto de vista da narrativa, que são bastante utilizados na análise literária e passam a ser relevantes ao nosso estudo, pois o acúmulo de papel de um sujeito ator/testemunhante ou garoto-propaganda, uma locução em off, ou ainda o plano do produto ou marca produzido por um fotógrafo ou cinegrafista refletem esses acúmulos de papéis muito estudados no âmbito da literatura, no trabalho de identificação de marcas autorais implícitas nos textos, pontos de vista das narrativas, focalização, ou seja, marcas da enunciação no enunciado, como podemos observar nas discussões de Gennétte (1983, pp. 93-107) e Fiorin (1999), sobre a literatura e que se aplicam à publicidade. Os tipos de ocorrências citados neste parágrafo geram os efeitos de pessoa multiplicada e de pessoa desdobrada.
A presença da marca corporativa e da marca nominal do produto/serviço anunciado na mensagem publicitária também configura outro efeito de pessoa multiplicada, já que a marca é um ente que traduz, por um acúmulo de papéis, as marcas da enunciação do pólo da emissão, o anunciante. Outro exemplo, já mencionado, é o da debreagem da enunciação da emissão, que se dá quando o sujeito produtor (fotógrafo ou cameraman) induz e conduz o olhar dos sujeitos enunciatários, na medida em que a imagem focada sobre a marca ou produto, que se dá a ver no enunciado, confunde-se com o olhar do receptor.
Este último exemplo gera o aspecto marcado pelo uso da retórica tautológica, da redundância, da repetição, amplamente aplicadas em anúncios impressos e mensagens publicitárias audiovisuais, que exibem planos da marca/produto, configurando também a pessoa transbordada, pois tratam de um eu (emissor do enunciado) que se dá a ver. Trata-se do dizer «eu sou o que sou», Omo é Omo, em uma imagem auto-explicativa de si, que, ao mesmo tempo, marca a debreagem da enunciação da emissão, no campo da produção da peça publicitária pelo olhar do fotógrafo ou do cameraman, e o olhar do enunciatário-receptor orientado pelo pólo da emissão.
Já o caso da pessoa transformada, como apresenta Fiorin (1999), refere-se ao discurso reportado, nas suas várias possibilidades, no discurso direto, indireto e indireto livre, marcado por citações a discursos de outrem e a circunstâncias de outras enunciações e enunciados a que o texto dado se faz reportar, existindo assim muitas possibilidades e modos dessas citações acontecerem, gerando marcas intertextuais.
Na publicidade, percebemos que as citações a filmes, personagens de telenovelas, canções de compositores e cantores conhecidos configuram possibilidades cotidianas de apresentação da pessoa transformada, em que o discurso citado ganha uma nova circunstância de sentido pelo discurso narrativo que o abriga, ou seja, o lugar onde ele está reportado.
Para finalizar, apresentamos o fenômeno da pessoa subvertida que, segundo Fiorin (1999, pp. 84-85), dá-se por mecanismos de embreagens internos ao discurso, na categoria de pessoa. Por exemplo, a troca de um eu por um nós, entre outras possibilidades. Para a mensagem publicitária, muitos personagens ou garotos-propaganda subvertem o seu eu para a primeira pessoa do plural, o nós, quando esse nós inclui o eu que fala e o outro ele (receptor e possível consumidor), geralmente substituído pela marca dêitica contextual «a gente». Ou ainda, quando o eu que fala, sujeito do enunciado (ator, mascote...), usa o nós para se referir à soma do eu e ela, a marca anunciante, caracterizando a embreagem de terceira pessoa do singular «ela, a marca», que também é a debreagem da enunciação-enunciada do pólo da emissão (o anunciante) no enunciado. Exemplo: «Nós, da Volkswagen, estamos aqui para anunciar...». Novamente, a marca que se constitui como um ente, em suas várias possibilidades de efeitos de subjetividade.
Outra situação comum de pessoa subvertida, em mensagens publicitárias, é quando o garoto-propaganda e a marca se confundem e um passa a substituir o outro ou não se consegue desassociar um do outro. Por exemplo, o ator Carlos Moreno, que durante mais de 30 anos atuou como garoto-propaganda da marca de lã de aço Bombril, teve ao longo de sua vida profissional, sua imagem confundida com a marca do produto/anunciante. Tal fenômeno remete a uma construção de efeito de subjetividade, fundamentada em aspectos da enunciação tipicamente publicitária.
No caso das mascotes, por exemplo, há a intencionalidade deliberada para que essa «confusão» ocorra. A mascote tem como objetivo ser uma expressão privilegiada porque materializa a marca como ente por meio da antropomorfização, e, com isso, se aproxima emocionalmente das pessoas. Nesse aspecto, a mascote assume a essência da pessoa subvertida como prevista por Fiorin (1999).
Além disso, existe o problema de estarmos trabalhando com um produto midiático e de linguagem híbrida, como a publicidade que, por isso, manifesta outras possibilidades de sincretismos, como a transformação do espaço no sujeito, ou seja, uma embreagem híbrida, no âmbito do enunciado, em que as cenas do espaço configuram o aspecto actancial, o sujeito.
Como exemplo, citamos o filme institucional dos Correios e Telégrafos sobre as comemorações de 500 anos do Descobrimento do Brasil no ano 2000. O filme ilustra bem este aspecto, pois na mensagem há uma locução referente ao texto da carta de Pero Vaz de Caminha, dirigida ao Rei de Portugal, D. Manuel I, em 1500. A carta fala de um sujeito Brasil de 1500 anos atrás, contraposto às imagens antitéticas, espaciais e tecnológicas do Brasil contemporâneo.
O mesmo fenômeno também pode ser pensado na representação do tempo como sujeito. Os dias ensolarados da publicidade, o sujeito «verão» que se faz representar, em muitos comerciais, ou ainda os filmes nostálgicos que instauram um antes e um depois como estratégias de manifestação da permanência dos produtos e marcas, mostram possibilidades do dêitico tempo (estado da natureza/clima, signos de uma época, de uma geração...), embreado como sujeito do enunciado.
A tipologia de Fiorin sobre os efeitos de sentido do dêitico de pessoa se mostra passível de aplicação aos estudos dos mecanismos enunciativos e de efeitos de sentido de subjetividade, nos vários discursos da publicidade. Contudo, a especificidade lingüística da teoria da enunciação, trabalhada no campo das Letras, com seu jargão particular, dificulta o acesso de muitos estudiosos da Comunicação que terminam por considerar tais contribuições pela falta da devida compreensão, como algo abstrato e distante da realidade dos estudos midiáticos e mais ainda das reflexões na área da gestão do marketing e da publicidade. Adicionalmente, cabe dizer que a publicidade, como apresenta Canevacci (2001), é fragmentária e plural e está conseguindo se renovar profundamente, prescindindo da troca utilitarista inerente a muitos meios e, com isso, tornou-se um corpus de estudo bastante complexo que não se prende a uma única abordagem analítica.
A partir do exposto, oferecemos uma proposta de categorias dos sujeitos representados nos discursos publicitários e que podem materializar alguns tipos de manifestações subjetivas mais recorrentes: o sujeito marca, o sujeito produto, o sujeito personagem, o sujeito mascote, o sujeito testemunhante, o sujeito garoto-propaganda, o sujeito locutor/narrador/apresentador, além do espaço e tempo como sujeitos.
Esta tipologia se apresenta como síntese que merece um aprofundamento das dimensões de cada tipo em relação ao que foi discutido, buscando adaptar as reflexões do campo da teoria da enunciação de origem lingüística, para uma teoria da enunciação midiática publicitária e mercadológica, considerando algumas possibilidades gerais de manifestações do dêitico de pessoa na publicidade.
As várias possibilidades de sujeito na publicidade
O sujeito personagem surge quando a voz/presença do sujeito anunciante é trocada por atores discursivos que desempenham o papel do consumidor, nos enunciados/mensagens, que se apresentam por si mesmos, nas narrativas ficcionais, uma vezes satisfeitos, outras não, dependendo da intenção do comercial/anúncio, com relação à marca, produto ou serviço anunciado.
A personagem é sujeito do enunciado, mas se confunde com o ethos do receptor-consumidor, na idealização do pólo da emissão, ou seja, uma projeção do sujeito receptor, ainda que na perspectiva do emissor, ou mesmo de um anti-sujeito, quando se trata de alguém que representa aqueles que não consumiram ou não consomem a marca, produto ou serviço enunciados; e são punidos ou se dão mal por isso. Mas muitas vezes, uma mesma personagem que vive as situações ficcionais do mundo publicitário, pode ser utilizada com recorrência, construindo uma imagem que vincula tal personagem à marca, produto ou serviço anunciados, passando a ser representante da mesma. Nesse último caso, estamos falando do garoto-propaganda que será abordado mais adiante.
Quanto à configuração da personagem, na propaganda, para podermos entender esse processo, precisamos recuperar o aspecto narrativo ficcional que reside nas várias possibilidades de manifestação dos discursos publicitários, indicado no início da caracterização deste tipo.
A publicidade consegue dialogar com outros gêneros e formatos discursivos em função de sua essência inovadora, plural e experimental. Esta flexibilidade é também um mecanismo estratégico para garantir, a partir de seus argumentos de sedução e persuasão, a empatia e a simpatia que envolve o receptor, estimulando-o à adesão e à compra, e ainda, se possível, a ser um divulgador ativo da marca. Nesse sentido, os usos das estruturas ficcionais na publicidade buscam estabelecer a relação dialógica e de hibridização de gêneros discursivos para construir a verossimilhança do mundo do consumo, em relação ao mundo idealizado pela publicidade. E, nesse paralelo, o mundo ficcional das personagens procura estabelecer mecanismos de espelhamento, reflexão e refração, projeção e identificação/reconhecimento com os mundos cotidianos dos sujeitos consumidores.
Os estudos das personagens publicitárias, então, não precisam «reinventar a roda» criando uma teoria própria, mas necessitam estabelecer um diálogo interdisciplinar inaugural com os estudos sobre a personagem na literatura, a partir, por exemplo, dos estudos de Brait (1987), dos estudos dramatúrgicos do Teatro, do Cinema e da Televisão, que abordam a personagem, apresentados em Pallotini (1992 e 1998), entre outras possibilidades teóricas.
Todos os trabalhos citados apontam para oportunidades de identificação dos vários tipos de personagens na publicidade, criando procedimentos teórico-metodológicos e investigativos autênticos para os estudos publicitários no Brasil, que, salvo estudos emblemáticos sobre o «garoto Bombril», o trabalho organizado por Borges e Ghesti (2004) e de publicações como esta, encontram poucos desdobramentos no âmbito das reflexões sobre a publicidade, suas personagens e os potenciais efeitos de sentido de que são capazes.
Ao pensarmos nas contribuições de Fiorin (1999) sobre o dêitico de pessoa, buscamos aprimorar os estudos da personagem publicitária, a partir do seu caráter de elemento formal das manifestações subjetivas do discurso publicitário. Assim, podemos entender que a personagem na publicidade é, enquanto pessoa demarcada, um sujeito do enunciado publicitário, mas que também é uma pessoa multiplicada e desdobrada, por representar, nos acúmulos de papéis, a presença do sujeito receptor-consumidor, o enunciatário, idealizado e marcado.
A personagem publicitária, como ser ficcional, não se configura necessariamente como uma pessoa subvertida, mas se essa personagem é um garoto-propaganda, há o aspecto da pessoa subvertida que abordaremos no produto/marca, como sujeito do enunciado, e no tipo garoto-propaganda. Já o personagem repetido, ou duplicado, como no conceito de duplo da literatura, pode configurar uma representação enunciativa de pessoa transbordada. Já a pessoa transformada, que sempre se refere ao discurso reportado, manifesta-se, por exemplo, no uso de personagens de filmes, telenovelas, histórias em quadrinhos, desenhos animados, que são utilizados como garotos-propaganda, em comerciais e anúncios. Muitas vezes, esses mesmos personagens transbordam da publicidade para a produção de vendas por meio de mecanismos comerciais de licenciamento.
A partir do exposto, compreendemos que os estudos dos personagens publicitários tornam-se um importante nicho de investigação dos estudos publicitários e mercadológicos. Neste artigo oferecemos contribuições na perspectiva de suas possíveis funções como sujeito do enunciado, uma vez que o personagem, como trata Brait (1987, p. 11), é um ser de linguagem.
O sujeito garoto-propaganda trata-se de uma variante da estética testemunhal, em comerciais e anúncios, pois como foi possível perceber em outra oportunidade, Trindade et al. (1999), a estética testemunhal e o garoto-propaganda se confundem na maior parte das manifestações publicitárias.
No Dictionary of Advertising Terms não há referência ao testemunhal, prevalecendo o termo spokeman, que, em português, equivale ao sentido de garoto-propaganda. Senão vejamos: «nome dado à personalidade notoriamente reconhecida, que endossa o rumo de uma ação, designada por um publicitário em comercial, sendo especialmente uma pessoa familiar à audiência» (Laird e Kunder, 1977, p. 176 apud Trindade et al., 1999, p. 1).
Quanto ao termo testemunhal, como veremos no tipo a seguir, trata-se de uma estética publicitária, que também dialoga com o Jornalismo e o Cine-Documentário, em que uma personalidade, ator, reconhecido como autoridade no assunto, especialista ou consumidor recomenda o uso do produto, marca ou serviço, dando um depoimento favorável ao bem ou serviço anunciado. Mas esse depoimento nem sempre é feito por um garoto-propaganda, porque há situações enunciativas em que o garoto-propaganda não é testemunho do uso ou consumo do produto, ainda que ele aconselhe, recomende e endosse. Quando o garoto-propaganda manifestar um depoimento, ele, aí sim, é o representante de uma variante da estética testemunhal.
Do ponto de vista da teoria da enunciação, o garoto-propaganda, como sujeito dos enunciados publicitários, acumula papéis da enunciação e do enunciado, pois ao mesmo tempo em que ele é uma figura autônoma, uma espécie de personagem, ele também representa, por debreagem, o anunciante; e fala pelo anunciante, ele se confunde com o anunciante/marca da mensagem. De outro lado, o garoto-propaganda também tem um papel intermediário narrativo, como na estética testemunhal, pois ele usa o seu prestígio de personagem publicitário e recomenda a compra e o consumo do bem anunciado, guardando certa identidade em relação ao anunciante. Mas ele também é um personagem publicitário, pois muitas vezes os garotos-propaganda vivem na ficção publicitária, situações que constroem suas identidades como personagens publicitários, cativando o público receptor, de que são casos notórios «o casal» Unibanco, «o baixinho» da marca de cervejas Kaiser e outros. Por fim, o garoto-propaganda também pode ser uma idealização do consumidor e construir um ethos forte do receptor-consumidor ideal do produto/marca anunciado, mas tal afirmação tem validade somente nos casos em que o garoto-propaganda é uma idealização do consumidor do produto anunciado.
De qualquer forma, o garoto-propaganda é, sem dúvida, um sujeito do enunciado publicitário capaz de construir uma persona autônoma que materializa, ou melhor, personifica a marca, produto ou serviço anunciados, humanizando-os e dando-lhes personalidade com contornos claros e seguros. É também uma variante das personagens publicitárias, mas que possui a especificidade de relação profunda com a identidade das marcas, por seu uso recorrente, confundindo-se com a marca e o anunciante, em um processo histórico, próprio da propaganda, na construção de identidades dos bens e marcas anunciados, ou seja, a pessoa subvertida.
O sujeito testemunhante apresenta-se em comerciais de estética testemunhal. Segundo Rabaça e Barbosa (1978), testemunhal é «... um anúncio que apresenta o depoimento de um suposto consumidor ou personalidade sobre as qualidades do produto».
O testemunhante é um sujeito do enunciado, mas que funciona como intermediário entre o anunciante e o enunciatário-receptor-consumidor e tem um papel narrativo. É alguém que agrega sua imagem, seu prestígio, como autoridade no assunto, que, por ser reconhecido e admirado pelo público, recomenda por meio do depoimento, o uso do produto, marca ou serviço, ressaltando seus atributos positivos. Mas este sujeito não precisa se configurar como um personagem, pois ele representa a ele mesmo e com isso transmite credibilidade e confiança. Ele não é porta-voz, mas sim um experimentador do produto/marca que manifesta sua satisfação. E também não personifica o anunciante e a marca, como o caso explícito do garoto-propaganda.
O sujeito testemunhante é, freqüentemente, confundido, nos dicionários de Comunicação, com o garoto-propaganda, mas discordamos dessa posição, pois nem toda propaganda testemunhal é feita por um garoto-propaganda, e nem todo garoto-propaganda faz um testemunhal favorável ao anunciante que representa, em muitas situações, a construção persuasiva que acontece por meio da recomendação sem que fique claro ser ele um usuário/experimentador do produto/marca.
É muito mais recorrente na publicidade encontrarmos o sujeito testemunhante que, por suas credenciais artísticas, esportivas, intelectuais ou pessoais tem a capacidade de endossar e conferir qualidade sem, no entanto, representar o produto/marca ou empresa, do que o garoto-propaganda que, esse sim, é uma expressão marcária.
O papel do testemunhante é dar credibilidade, agregar valores aos bens de consumo que ele torna conhecidos ao público e que recomenda por meio de seu prestígio e autoridade. Sua força crível está na experiência do uso/consumo do produto/marca, pois, como toda vivência é indelével e inalienável, a confiabilidade é inquestionável. No Brasil, esta é uma estratégia utilizada com muita freqüência. Atores, esportistas, intelectuais, cientistas agregam suas imagens e dão seus depoimentos sobre os produtos, marcas e serviços, recomendando-os aos consumidores. Também não é incomum o uso de donas de casa, estudantes, profissionais liberais etc., que testemunham suas experiências cotidianas que, pela sua rotina, buscam identificação de papéis e, daí, confiabilidade.
Se o uso de personalidades se torna constante, nos vários filmes e anúncios de uma mesma marca, este testemunhante pode se tornar um garoto-propaganda. Exemplo foi a presença reiterada da atriz Ana Paula Arosio nos filmes publicitários da Embratel durante vários anos seguidos, o que trouxe a ela restrições na sua vida artística por estar demasiadamente vinculada a essa marca.
O sujeito-marca diz respeito à presença do anunciante ou da marca do produto/serviço no enunciado, a qual indica a instância da enunciação da emissão que representa o anunciante e tem o papel textual de identificar aquele que paga o anúncio/comercial. Normalmente este sujeito surge nas assinaturas, pack shots, fechos ou conclusões das mensagens publicitárias. Trata-se do sujeito demarcado, que por inúmeras debreagens, será representado, acumulado por outros sujeitos do enunciado, multiplicando-se e confundindo-se com eles, buscando com isso criar sinergia e agregar valor positivo, a partir desses outros sujeitos que em suas representações constituem as dimensões simbólicas da marca/anunciante. Em certa medida, o sujeito garoto-propaganda assemelha-se ao sujeito-marca, uma vez que as fronteiras do ethos estão borradas. A diferença mais nítida é que o sujeito-marca pode transcender a propaganda integrando-se nas mais diversas manifestações da marca, como eventos, sites, promoções nos espaços-públicos, lojas temporárias, etc.
O sujeito-produto refere que a presença deste sujeito é de fato uma pessoa transbordada. Trata-se de um eu (produto) que se auto-explica. O produto é quem se dá a ver e escutar. Ele é sujeito e objeto que se dá ao consumo. Este tipo de anúncio foca embalagens e imagens dos produtos, em primeiro plano. Exemplo emblemático são os anúncios da marca de vodka Absolut, onde a embalagem protagoniza as mais diversas cenas em uma teatralização irreverente, criativa e sempre inovadora da marca.
Neste tipo de mensagem, nos casos de comerciais audiovisuais e anúncios impressos, os planos de enquadramento dos produtos/embalagens e marcas indicam ainda um outro tipo de efeito de subjetividade, uma debreagem da emissão sobre a recepção, marcada no enunciado da publicidade, pois no processo de produção que implica o olhar do fotógrafo ou cameraman para realizar esses tipos de enquadramentos dos produtos/embalagens há uma manipulação do olhar do receptor de como este último deve ver o produto, no filme ou anúncio impresso - no campo da enunciação da emissão. Já no campo do enunciado, isso acontece conforme as primeiras explicações apresentadas neste trabalho sobre a categoria de pessoa transbordada, pois o «eu» produto se dá a ver para o leitor/telespectador, caracterizando um «eu» que fala por si, uma tautologia que constrói a redundância e uma fusão de papéis - sujeito/produto encapsulados.
Neste processo, o olhar do emissor se funde com o olhar do receptor, moldado pelo primeiro. Porém, ambos são demarcados no discurso, caracterizando a presença das pessoas subvertidas, ou seja, o olhar do emissor trocado pelo do receptor e vice-versa, do ponto de vista do enunciado.
O sujeito-mascote também é um sujeito transbordado. Trata-se da utilização de personagens ficcionais como expressividades de marca ou promocionais, criados ou mesmo licenciados e que assumem a cena nos filmes publicitários, nas navegações em sites ou ainda em peças impressas. As mascotes têm especial efeito no que se refere à humanização, afetividade e ludicidade (Perez, 2008). Uma mascote é expressão de marca quando passa a ser sua representante, assim como o símbolo, logótipo, etc.
De outra maneira, as mascotes promocionais são utilizadas por determinado período de tempo, em campanhas específicas, não se configurando, portanto, como expressão da marca. Os licenciamentos de personagens e mascotes são bem úteis nas campanhas promocionais, por terem a vantagem de já estarem com uma narrativa estabelecida. Deste modo, licencia-se a mascote que mais tem ressonância com a missão da marca, o que poderá ser um ganho de tempo e investimento. No entanto, a mascote como expressão de marca deverá ser criada com esse objetivo, de modo a garantir o total controle e independência de ação. O sujeito-mascote tem especial vantagem sobre outras possibilidades, por ter garantida a expressão exata do que se planejou estrategicamente para a marca. A organização, por meio dos gestores da marca e da agência, seus múltiplos emissores, tem o controle total da mensagem. Do ponto de vista da gestão comunicacional, é um sujeito privilegiado da enunciação publicitária.
O sujeito locutor/narrador/apresentador é, de fato, um sujeito narrador, intermediário entre o anunciante e o enunciatário-receptor-consumidor. Ele fala de forma delegada pelo anunciante, em presença ou ausência de sua imagem (nas locuções em off do audiovisual publicitário), guardando distância do emissor-anunciante, e não se confunde com ele.
Mas esse tipo de sujeito locutor, narrador, dificilmente se confunde com o anunciante e não cria um ethos forte do receptor-consumidor idealizado pela mensagem, que possibilite projeções ou identificações para estimular o consumo. Além disso, placas, sinais, avisos, diários, manchetes de jornais, também podem ter uma função narrativa, nas mensagens publicitárias que indicam e direcionam a formação de um ponto de vista que orienta o leitor-receptor no seu processo de produção de sentido e decodificação da mensagem.
O sujeito narrador é responsável por guiar o receptor/consumidor de forma explícita (presença física e voz) ou indiciária (voz off, por exemplo) em direção ao produto/marca, invariavelmente por meio dos benefícios funcionais e emocionais de que este é portador.
O espaço e o tempo como sujeitos estão relacionados com a utilização dos estados do tempo (dia, noite, fenômenos climáticos, espaços, ruídos de chuva, ventos...), que agem como protagonistas das imagens, cenas e paisagens sonoras da publicidade. Nesse tipo de enunciado publicitário, as representações do tempo e espaço ganham o estatuto de sujeito e configuram a embreagem híbrida entre categorias dêiticas nas mensagens. Exemplo referencial é a contextualização de vários filmes publicitários e anúncios impressos do Banco Itaú, permeados pela iconicidade identitária da cor laranja. Em muitos casos, o sujeito-marca é dispensável porque o reconhecimento se dá pela estética do espaço. Em um passado não muito distante era possível identificar a marca Marlboro tão-somente pela cenografia árida e paisagens estéreis e viris construídas pela marca durante anos.
Considerações finais
Apesar das possíveis críticas ou aperfeiçoamentos da aplicação das categorias de pessoa e sua adaptabilidade às questões da enunciação publicitária, esclarecemos que esta é uma reflexão possível, mas também passível de ajustes futuros, em função de novos estudos empíricos (aqui restritos a exemplos brasileiros em sua maioria), sobre os sujeitos da publicidade que, como pudemos perceber, estabelece diálogo entre os tipos aqui apresentados, tornando muito tênue as fronteiras entre uma categoria e outra.
Contudo, não foi nossa intenção estabelecer uma tipologia definitiva dos sujeitos da publicidade, pois a própria natureza híbrida e dialógica deste gênero discursivo permite tal trânsito. É certo que a publicidade, como processo comunicativo complexo, contém múltiplos sujeitos que negociam entre si os significados, cada qual com condição à plena subjetividade (Canevacci, 2001), e que, por isso, temos total consciência das limitações inerentes à proposta apresentada. Toda classificação é uma proposição arbitrária aberta ao aperfeiçoamento.
Por outro lado, esta formulação teórica abre um campo pouco explorado na publicidade, que se refere aos estudos sobre a formação enunciativa e os efeitos de sentido na subjetividade, bem como procura subsidiar os estudos específicos das estratégias de construção dos sujeitos da publicidade, em suas amplas possibilidades de manifestação e negociação dos significados.
Faltam, por exemplo, estudos midiáticos da publicidade que resgatem a complexidade das personagens, nas categorias personagens planos e redondos, em suas mensagens, a partir dos estudos literários de Foster (1969 apud Brait, 1987). Faltam também aplicações dos estudos de focalização narrativa a partir dos trabalhos apresentados em Gennéte (1983), que também orientam discussões sobre a personagem, ou ainda, trabalhos resultantes de desdobramentos desta nossa proposta de tipologia que se combinem, por exemplo, com estudos literários de tradição teórica semelhante à nossa. Exemplo disso são os estudos propostos por Hamon (apud Brait, 1987), que trata a personagem como sujeito do enunciado, a partir de categorias de personagens referenciais, aspecto que também dialoga com as referencialidades dêiticas de pessoa demarcada nas representações referenciais, contextuais e absolutas, apresentadas neste texto, a partir de Kerbrat-Orecchioni (1980).
Todas essas questões implicam um diálogo interdisciplinar que a Literatura, Lingüística, Artes, Psicologia, Psicanálise, Antropologia, Filosofia e Ciências Sociais e Administrativas podem nos oferecer para os estudos dos sujeitos na publicidade, contribuindo para novas direções investigativas midiático-publicitárias que auxiliem nas tomadas de decisão na área de Gestão e da Comunicação.
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*Eneus Trindade
Doutor em Ciências da Comunicação (ECA/USP) e Pós-Doutorado em Antropologia Visual (Univ. Aberta, Portugal). Docente do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da ECA/USP e Líder do Grupo/Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Linguagem Publicitária ( CNPq/ECA/USP), São Paulo, Brasil.
PhD in Communication (USP) and PostDoctor in Visual Anthropology (Univ. Aberta, Portugal). Lecturer at Department of Public Relations, Propaganda and Tourism (CRP) in the School of Communications and Arts (ECA) of Sao Paulo University (USP) and Coordinator of Research Group Interdisciplinary of Studies in Advertising Language, registrated at CNPq/ECA/USP, Sao Paulo, Brazil.
Doctorado en Ciencias de la Comunicación (ECA / USP) y Posdoctoral en Antropología Visual (Universidad Abierta). Profesor, Departamento de Relaciones Públicas, Publicidad y Turismo (CRP) de la ECA / USP y líder del grupo / Centro de Estudios Interdisciplinarios del Lenguaje Publicitario (CNPq / ECA / USP), São Paulo, Brasil.
**Clotilde Perez
Doutora em Comunicação e Semiótica (Univ. Pontifícia Católica de São Paulo, Brasil) e Pós-Doutorado em Comunicação (Univ. de Múrcia, Espanha). Livre-docente em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes/ECA USP e Líder do GESC Grupo de Estudos de Semiótica, Comunicação, Cultura e Consumo, certificado pelo CNPq, São Paulo, Brasil.
PhD in Communication and Semiotic (Univ. Pontificia Catholic of Sao Paulo) and PostDoctor in Communication (Univ. of Murcia, Spain). Associate Professor in Communication Sciences at School of Communications and Arts of Sao Paulo University and Coordinator of Research Group of Semiotic, Communication, Culture and Consumption, certified at CNPq/ECA/USP, Sao Paulo, Brazil.
Doctorada en Comunicación y Semiótica (Pontificia Universidad Católica de Sao Paulo, Brasil) y Post-Doctorada en Comunicación (Universidad de Murcia, España). Profesora de Ciencias de la Comunicación de la Escuela de Comunicaciones y Artes / ECA USP y GESC Líder Grupo de Estudios de Semiótica, Comunicación, Cultura y Consumo, certificada por el CNPq, de São Paulo, Brasil.
Recebido em Junho de 2009 e aceite em Dezembro de 2009.
Received in June 2009 and accepted in December 2009.