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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa
versão impressa ISSN 1645-4464
Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão vol.13 no.1 Lisboa mar. 2014
CASOS
Metodologia para a identificação e a mensuração de fatores de risco sobre estoques de segurança de combustíveis
Methodology for the identification and measurement of risk factors on fuels safety stocks
Metodología para la identificación y medición de los factores de riesgo en las existencias de seguridad de combustibles
Rubens FreitasI; Márcio DAgostoII
IDoutorado em Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, Programa de Engenharia de Transportes. Superintendente Adjunto de Abastecimento da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Avenida Horácio de Macedo, 2030, Centro de Tecnologia, Bloco H, Sala 111, Gabinete 16, Cidade Universitária, 21941-972 Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-mail: rfreitas@anp.gov.br
IIDoutorado em Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, Programa de Engenharia de Transportes. Professor Adjunto na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, Programa de Engenharia de Transportes, 21941-972 Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-mail: dagosto@pet.coppe.ufrj.br
RESUMO
O artigo apresenta metodologia, em complemento à abordagem clássica da gestão de inventários, para a identificação e mensuração dos fatores de risco sobre estoques de segurança de combustíveis. A metodologia abrange seis etapas: coleta prévia de dados relacionados aos fluxos logísticos, mapeamento dos fluxos logísticos; identificação e decomposição dos fatores de risco sobre os fluxos; cálculo dos fatores de risco; cálculo dos estoques de segurança; recálculo dos estoques de segurança. O estudo de caso, com foco no óleo diesel armazenado em bases de distribuidores em Porto Velho/RO, é realizado como aplicação da metodologia. O plano de mitigação de risco é formulado com o objetivo de mitigar as incertezas sobre os fluxos logísticos relacionados ao estudo de caso.
Palavras-chave: Estoques de Segurança de Combustíveis, Fatores de Risco, Fluxos Logísticos
ABSTRACT
This paper presents a methodology, as a complement of the classical approach to safety stock management, for the identification and measurement of risk factors on fuels safety stocks. The methodology encompasses six steps: previous data collection related to fuels logistic flows; logistic flows mapping; identification and decomposition of risk factors on logistic flows; measurement of risk factors on logistic flows; safety stock calculation; safety stock revaluation. A case study, focused on diesel oil stored in distributors terminals in northern Brazil, is presented as an application of the methodology. A mitigation risk plan was built in order to reduce the uncertainties on logistic flows related to the case study.
Key words: Fuels Safety Stocks, Risk Factors, Logistic Flows
RESUMEN
El artículo presenta una metodología, además del enfoque clásico de la gestión de inventarios, para la identificación y medición de los factores de riesgo en las existencias de seguridad de combustibles. La metodología incluye seis etapas: recolección de datos previos relativos a los flujos logísticos, el esquema de los flujos logísticos; identificación y descomposición de factores de riesgo en los flujos; cálculo de los factores de riesgo; cálculo de las existencias de seguridad; recálculo de las existencias de seguridad. Estudio de caso, se centra en el combustible diesel almacenado en las bases de distribuidores en Porto Velho/RO, se lleva a cabo como la aplicación de la metodología. Se formula un plan de mitigación de riesgos con el objetivo de mitigar la incertidumbre acerca de los flujos logísticos relacionados con el estudio de caso.
Palabras-clave: Seguridad de los Inventarios de Combustibles, Factores de Riesgo, Flujos Logísticos
A gestão de estoques de segurança, dado o nível de serviço a ser oferecido ao consumidor, está diretamente relacionada às flutuações do binômio demanda-oferta. No Brasil, a demanda por combustíveis aumentou 28,6% no período 2008-13, e as refinarias nacionais, em 2013, operaram no limite de sua capacidade. A dependência externa por combustíveis, que já faz parte da realidade brasileira, tende a se agravar ao longo dessa década, devido à conjugação de demanda crescente e oferta doméstica estabilizada (ANP, 2014).
A combinação de demanda ascendente com produção interna sem ociosidade, em um país de proporções continentais servido por vários modos de transportes, gera fatores de risco sobre os fluxos logísticos de produção, transporte e armazenagem de combustíveis. Estoques de segurança desalinhados com esses fatores de risco podem resultar em restrições ou interrupções no abastecimento de combustíveis.
Este artigo tem como objetivo a proposição de metodologia para a identificação e a mensuração de fatores de risco sobre estoques de segurança, complementando a abordagem clássica da gestão de estoques. Embora levando em considerando a variabilidade da demanda e do lead time (tempo ou ciclo de aprovisionamento), dado o nível de serviço proposto ao consumidor, a metodologia introduz, ao quantificar estoques de segurança, os riscos percebidos pelos agentes econômicos que operam os fluxos logísticos, que trazem incertezas a esses fluxos, podendo causar restrições ou interrupções no abastecimento de combustíveis ao consumidor final.
A primeira seção apresenta a revisão da literatura e o resumo dos conceitos relevantes que ampararam a pesquisa, baseados em publicações relacionadas a estoques de segurança, nível de serviço, fluxos logísticos e cadeia de abastecimento. A metodologia, que abrange seis etapas, é descrita na terceira seção. De seguida, descreve-se o estudo de caso realizado em bases de armazenagem de distribuidores de combustíveis em Porto Velho/RO (Rondônia), região norte do País, com o objetivo de identificar e mensurar os fatores de risco associados aos estoques de segurança de óleo diesel nessas bases. A penúltima seção discute os resultados do estudo de caso e mostra a potencial repercussão dos fatores de risco sobre os estoques de segurança de óleo diesel. Sob a ótica operacional e estratégica, é apresentado um plano de mitigação de risco voltado para a redução das incertezas sobre os fluxos logísticos abordados no estudo de caso. Finalmente, apresentam-se as conclusões do trabalho e algumas sugestões de extensão de aplicação da metodologia.
Revisão bibliográfica
A revisão da literatura indicou que a maioria dos modelos de gestão de inventários aborda as incertezas oriundas na demanda, com pouca atenção dada às incertezas provenientes da oferta. Fatores de risco como escassez de matéria-prima, paradas não programadas em unidades operacionais, capacidade insuficiente de armazenagem, modos de transporte ineficientes, dentre outros, deveriam fazer das incertezas da oferta tema central na análise de inventários (Gullu et al., 1999).
Modelos de inventários, de acordo com Arifoglu e Ozekici (2011), deveriam considerar possíveis efeitos, sobre a demanda e a oferta, de mudanças no cenário econômico e mercadológico, como também eventos ambientais imprevistos, pois o mundo real nem sempre é totalmente observado pelos planejadores e gestores logísticos. Observaram que a variabilidade do lead time na entrega é tema relevante a ser considerado nas decisões sobre gestão de estoques de segurança e argumentaram que é necessário definir modelo mais elaborado para a gestão desses estoques na presença de fatores de risco. Por não se tratar de assunto trivial, consideraram que a gestão de estoques de segurança na presença de lead time aleatório deveria ser objeto de pesquisas mais aprofundadas.
Lianfu et al. (2009) verificaram que o objetivo de se formar estoques de segurança é compensar volumes quando a demanda real excede a prevista durante o lead time, ou quando o lead time real é maior que o previsto. Além da demanda e do lead time, também constataram que os estoques de segurança dependem do nível de serviço oferecido ao cliente, o qual definiram como a probabilidade de o estoque disponível atender a demanda no período do lead time, i.e., o nível de serviço ao cliente é a probabilidade de a demanda, durante o lead time, ser menor ou igual ao pedido de reposição de estoque em mercados onde a demanda adere a uma curva de distribuição normal.
Cai et al. (2011) abordaram a relação entre lead time e estoque de segurança, analisando como a otimização do lead time poderia reduzir este estoque. Argumentaram que o estoque de segurança, como o próprio nome sugere, tem como função compensar as variações na demanda durante o lead time, e que gerenciar estoque de segurança é administrar conflitos oriundos de variações no lead time. Dado o nível proposto de serviço ao cliente, sustentaram que é possível otimizar estoques de segurança por meio de melhorias no desvio-padrão do lead time. Em relação à demanda, contudo, ressaltaram que não há como interferir nesta variável para gerenciar estoques de segurança. Por essa razão, concentraram o estudo de racionalização de estoques de segurança por meio do gerenciamento do lead time.
Harland et al. (2003) desenvolveram ferramenta para apoiar a identificação, avaliação e gerenciamento de riscos na cadeia de suprimentos, abrangendo o mapeamento dos fluxos logísticos, a identificação e localização do risco, sua probabilidade de ocorrência e as ações de gerenciamento e de implementação de estratégias. Ressaltaram que a avaliação de riscos deveria focar na sua relevância e em seus impactos.
Christopher e Peck (2004) propuseram modelo de cadeia de suprimentos resiliente a riscos, baseado em quatro princípios-chave. Primeiro, a cadeia deveria ser redesenhada, a partir do mapeamento dos fluxos logísticos, para eliminar/reduzir gargalos e pontos críticos (lead time longo, fornecedores pouco confiáveis, informações precárias, riscos recorrentes, etc.). O segundo princípio estaria focado no alto padrão de colaboração entre os participantes da cadeia por meio do compartilhamento de informações, desenvolvendo a cultura da parceria. O terceiro princípio buscaria tornar a cadeia mais ágil para lidar com as incertezas da demanda e da oferta. O quarto princípio se basearia no estabelecimento da cultura de gerenciamento de riscos, dentro da empresa e da cadeia de suprimentos, para todos os níveis de colaboradores.
Norrman e Jansson (2004) defenderam o agrupamento de riscos em três categorias: externos à cadeia (político, natural, ambiental e mercadológico), internos à empresa (greves, paradas operacionais e panes em sistemas de informações) e internos à cadeia (relação entre as diversas empresas que compõem a cadeia). O processo de gerenciamento de riscos deveria focar na compreensão do risco, em sua probabilidade de ocorrência e no impacto causado. Este processo deveria ser complementado por ações de mitigação dos riscos. Destacaram as técnicas de mapeamento, dentre vários métodos, como importante ferramenta para a identificação, análise e avaliação das consequências dos riscos sobre a cadeia de suprimentos.
Gardner e Cooper (2003) argumentaram que as técnicas de mapeamento dos fluxos logísticos se configurariam em importantes ferramentas para a identificação, análise e avaliação de risco na cadeia de suprimentos. Descreveram alguns atributos necessários para o mapeamento: geometria (forma, direção dos fluxos e número de níveis); perspetiva (foco e escopo) e itens de implementação (plano de ação). Um bom mapeamento da cadeia de suprimentos seria aquele de fácil construção, uso e compreensão.
Kleindorfer e Saad (2005), ao pesquisarem os riscos associados à interrupção de suprimento dentro da cadeia, elencaram três procedimentos a serem seguidos pelos gestores: especificação das fontes de risco e vulnerabilidades; avaliação dos riscos; e mitigação dos riscos. Quanto às possíveis fontes e vulnerabilidades, destacaram as contingências operacionais e as catástrofes ambientais. A avaliação englobou análises de dados e entrevistas com gestores e colaboradores.
Ferma (2003) normatizou procedimentos para a gestão de riscos, desde a identificação e tratamento até a análise metódica de riscos passados, presentes e futuros, sempre sob a ótica de processo contínuo. Apontou que os riscos poderiam se originar tanto de fatores internos (ex.: ações de integrantes da cadeia de suprimento), como de externos (ex.: regulamentações; eventos naturais; economia). A avaliação de riscos envolveria processo amplo de análise e estimativas, que identificaria a exposição ao elemento de incerteza, descreveria os riscos em formato estruturado e estimaria (quantitativa, semiquantativa ou qualitativamente) a probabilidade de ocorrência e possível consequência (ameaça ou oportunidade).
Os riscos poderiam ser identificados por meio de técnicas diversas, como a aplicação de questionários a especialistas, seguidas por métodos de análise dos resultados, como medições e inferências estatísticas. Os riscos estimados deveriam ser comparados, implementando-se medidas de controle e definindo-se prioridades no plano de mitigação. Outros exemplos de aplicação de questionários junto a gestores para avaliação de riscos na cadeia de suprimentos podem ser encontrados em Wagner e Bode (2008) e Jüttner (2005).
Korpela et al. (2002) aplicaram o Analytic Hierarchy Process (AHP) para quantificar estoques de segurança. AHP é um procedimento aplicado na solução de problemas, que lida com critérios tangíveis e intangíveis inseridos nas soluções de conflitos e tomadas de decisão. AHP baseia-se em três princípios: decomposição, análises comparativas e estabelecimento de prioridades. Inicialmente estabelece-se o nível de serviço que se pretende oferecer ao cliente. A seguir, considerando a demanda probabilística, calcula-se o estoque de segurança pelo método clássico. Depois, são definidos os fatores relevantes que poderiam impactar sobre o estoque de segurança. Analisam-se e quantificam-se, então, os impactos destes fatores com a aplicação do AHP. Finalmente, os resultados são consolidados e as recomendações são elaboradas com base em priorização de ações. Também baseado no AHP, Gaudenzi e Borghesi (2006) apresentaram modelo para avaliação de risco na cadeia de suprimentos.
Metodologia proposta
A revisão bibliográfica mostrou a oportunidade de se preencher uma lacuna relacionada a modelos de gestão de estoques de combustíveis, quando submetidos a incertezas sobre os fluxos logísticos na cadeia de abastecimento. A metodologia aqui proposta busca preencher essa lacuna. A revisão bibliográfica também indicou que, por meio de um arranjo sistemático de procedimentos, é possível avaliar os fatores de risco e seu impacto sobre os estoques de segurança de combustíveis.
Este artigo apresenta uma metodologia para a identificação e a mensuração de fatores de risco sobre os estoques de segurança de combustíveis. Conforme apresentado na Figura 1, a metodologia abrange seis etapas: prospeção de dados relacionados aos fluxos logísticos de combustíveis; mapeamento dos fluxos logísticos; identificação e decomposição dos fatores de risco incidentes sobre os fluxos logísticos; mensuração dos fatores de risco; cálculo dos estoques de segurança (abordagem clássica); e recálculo dos estoques de segurança expurgando os fatores de risco.
A coleta de dados (etapa 1) pode ser obtida diretamente da agência reguladora e/ou dos agentes econômicos (produtores, distribuidores e transportadores) que operam os fluxos logísticos.
A partir dos dados coletados, torna-se exequível o mapeamento dos fluxos logísticos (etapa 2), requisito indispensável para a correta identificação e mensuração dos fatores de risco sobre esses fluxos.
Aplicando-se as técnicas do AHP, a partir da coleta de dados e do mapeamento dos fluxos logísticos, os fatores de risco são identificados e decompostos (etapa 3).
Para viabilizar a quantificação dos fatores de risco sobre os fluxos logísticos (etapa 4), foi desenvolvida uma escala pelos autores, denominada Escala de Perceção de Risco (EPR), que representa a intenção do agente econômico de aumentar seus estoques de segurança para compensar as incertezas relacionadas aos fluxos logísticos.
A quantificação da EPR é obtida por meio da Equação 1:
(1) EPRn = Rn Σi(Ii Fi)onde EPRn: escala de perceção de risco para o fator n [%];
n: número de fatores de risco;
Rn: relevância do fator de risco n [%];
Ii: intenção de aumentar o estoque de segurança [%];
i: faixa de intenções [serão utilizadas onze faixas: i1-11]; e
Fi: faixa de intenção média [% fixo].
Rn, n e Ii serão obtidos diretamente dos especialistas que operam os fluxos logísticos. Fi e i são valores fixos a serem determinados pelo pesquisador.
Os fatores de risco, provavelmente, não se materializam simultaneamente ao longo do ano. Assim, a EPR deve ser calculada em períodos mensais, pois cada mês estará submetido a um arranjo específico de fatores de risco, de acordo com as especificidades dos fluxos logísticos previamente mapeados. A EPR, assim, estará sujeita à sazonalidade dos fatores de risco sobre os fluxos logísticos.
De acordo com Cai et al. (2011), quando a demanda adere a curvas de distribuição normal, com elevado grau de previsibilidade, os estoques de segurança são calculados de acordo com a Equação 2 (etapa 5), baseando na teoria clássica de gestão de inventários. Como a etapa 5 não depende das etapas 2, 3 e 4, ela pode ser implementada tanto depois da etapa 1 como antes da etapa 6.
A Equação 2 é a seguinte:
(2) Es = k[L(σD)² + (σL)²D²]½onde Es: estoque de segurança [dia];
k: fator do nível de serviço;
L: lead time médio [dia];
σL: desvio-padrão do lead time [dia];
D: demanda média [m³/dia]; e
σD: desvio-padrão da demanda [m³/dia].
Para recalcular os estoques de segurança (etapa 6), expurgaram-se os riscos percebidos pelos agentes econômicos sobre os fluxos logísticos, aplicando-se um fator de desconto (1 + EPR) diretamente na Equação 2. Em princípio, o fator de desconto poderia ser aplicado em todo o denominador da Equação 2, sem segregações, nos termos da Equação 3. Neste caso, o fator de desconto incidiria, indistintamente, tanto sobre a variabilidade do lead time como da demanda.
A Equação 3 é a seguinte:
(3) EsR = k{[L(σD)² + (σL)²D²]½}/(1 + EPR)
onde EsR: estoque de segurança recalculado [dia];
k: fator do nível de serviço;
L: lead time médio [dia];
σL: desvio-padrão do lead time [dia];
D: demanda média [m³/dia];
σD: desvio-padrão da demanda [m³/dia]; e
1 + EPR: fator de desconto.
Contudo, quando a demanda adere a curvas de distribuição normal, seria mais acurado aplicar o fator de desconto, nos termos da Equação 4, apenas sobre as estatísticas do lead time (L; σL).
A Equação 4 é a seguinte:
(4) EsR = k{[L/(1 + EPR)](σD)² + [σL/(1 + EPR)]²D²}½
A diferença entre Es, calculado pela abordagem clássica na Equação 2, e EsR, calculado de acordo com a Equação 4, indicaria o impacto sobre os estoques de segurança devido aos fatores de risco associados aos fluxos logísticos.
A seção subsequente apresentará um estudo de caso, onde a metodologia, descrita na presente seção, foi aplicada. O estudo de caso terá como objeto o óleo diesel armazenado em bases de distribuidores em Porto Velho/RO, na região norte.
Estudo de caso
Com o objetivo de aplicar a metodologia apresentada na seção respetiva, um estudo de caso, conforme resumo na Tabela 1, foi realizado para identificar e quantificar os fatores de risco sobre os estoques de segurança de óleo diesel armazenados em bases de distribuidores em Porto Velho/RO, na região norte do país.
A região norte está exposta a eventos climáticos acentuados, em particular as secas nos rios amazônicos. Há apenas uma refinaria (Reman) na região, localizada em Manaus/AM, que pertence à Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), empresa estatal monopolista (de fato) na produção de combustíveis fósseis no Brasil.
Na etapa 1, a série histórica de dados (2010) relacionada aos fluxos logísticos (lead time, demanda, fontes de suprimento, modos de transporte e bases de armazenagem) foi coletada diretamente junto à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e aos agentes econômicos (produtor, distribuidor e transportadores) que operam os fluxos logísticos. A produção da Reman, que é insuficiente para atender a demanda regional, precisa ser complementada por meio do transbordo da produção de outras refinarias da Petrobras e da importação. Em 2010, de acordo com a ANP, do total de 2,4 M m³ de óleo diesel consumido na região norte, apenas 37,5% foi produzido na Reman o restante (62,5%) foi suprido pelo transbordo da produção nacional e da importação.
De acordo com o mapeamento dos fluxos logísticos (etapa 2), cujo resumo é apresentado na Figura 2, o transporte marítimo por cabotagem é o principal modo utilizado para o transbordo de óleo diesel até a Reman. A partir da refinaria, por meio de dutos curtos, o óleo diesel (produção própria e transbordos) é transferido para cinco bases de armazenagem dos distribuidores, localizadas no entorno da refinaria. Dessas bases em Manaus/AM (Amazônia), o óleo diesel é despachado para seis bases de armazenagem dos distribuidores em Porto Velho/RO, por meio de transporte aquaviário, ao longo de aproximadamente mil quilômetros de percurso pela hidrovia do Rio Madeira. Por fim, a partir dessas bases, o combustível é comercializado com revendas varejistas, transportadores revendedores retalhistas e consumidores finais (ANP, 2013).
Na etapa 3, com o auxílio das técnicas do AHP, os fatores de risco foram identificados e decompostos em três famílias, sete gêneros e dezassete espécies (fatores de risco propriamente ditos), conforme apresentado na Tabela 2. As fontes de suprimento são a origem dos fluxos logísticos do óleo diesel, enquanto as bases, neste estudo, são o destino. Os modos de transporte são o elo entre a origem e o destino dos fluxos logísticos.
Um conjunto de três questionários (etapa 4) foi aplicado junto a dezasseis pessoas, cujo perfil médio é apresentado na Tabela 3. Essas pessoas representavam todos os agentes econômicos que operavam os fluxos logísticos: sete distribuidores com bases em Manaus e/ou Porto Velho, oito transportadores e o produtor Petrobras/Reman. Era indispensável que os representantes dos agentes econômicos, que responderam aos questionários, fossem especialistas em fluxos logísticos de combustíveis na região. Ressalta-se que os representantes não se identificaram nos questionários, mas registraram o segmento que estavam representando (distribuidor, transportador ou produtor).
O conteúdo dos questionários foi baseado em Korpela et al. (2002) e Ferma (2003), enquanto a forma foi extraída de Malhotra (2001), utilizando tanto as técnicas de escalas comparativas como as de escalas não comparativas.
O Questionário n.º 1 (onze perguntas) e o Questionário n.º 2 (uma pergunta) tinham com objetivo mensurar R e EPR, respetivamente, em relação aos dezassete fatores de risco sobre os fluxos logísticos de óleo diesel. Para o cálculo da EPR, foram utilizadas onze faixas (i11) de intenção média (Fi), conforme a seguir: i1 = 0% e F1 = 0,0%; i2 de 0% a 10% e F2 = 5,0%; ... i11 de 90% a 100% e F11 = 95,0%. A Tabela 4 apresenta, com base nas respostas aos questionários n.º 1 (que mede R) e n.º 2 (que mede I), o resumo com os resultados encontrados para a EPR.
O Questionário n.º 3 (uma pergunta) foi aplicado com o objetivo de mensurar a sazonalidade da EPR, cujos resultados estão apresentados na Tabela 5, de acordo com as respostas dos especialistas que representavam os agentes econômicos.
Na etapa 5, conforme apresentado na Tabela 6, os estoques de segurança de óleo diesel foram calculados de acordo com a Equação 2 (abordagem clássica), para os níveis de serviço (NS) de 90,0%, 95,0% e 99,0%.
Na etapa 6, os estoques de segurança foram recalculados de acordo com a Equação 4, conforme a Tabela 7, para os mesmos níveis de serviço (NS) anteriores.
A Seção 5, a seguir, analisará os resultados do estudo de caso. Adicionalmente, será apresentado um plano de mitigação de risco para a redução (ou até mesmo a extinção) das incertezas sobre os fluxos logísticos de óleo diesel na região norte.
Análise dos resultados
A metodologia aplicada ao estudo de caso identificou e mensurou dezassete fatores de risco sobre os fluxos logísticos mapeados. A Tabela 8 mostra o potencial impacto desses fatores sobre os estoques de segurança de óleo diesel, para os três níveis de serviço (NS) contemplados no estudo (90,0%, 95,0% e 99,0%).
Se os dezassete fatores de risco se materializassem simultaneamente, a EPR alcançaria 32,82%, conforme já apresentado na Tabela 4. Entretanto, de acordo com as especificidades dos fluxos logísticos, os especialistas representando os agentes econômicos estimaram um arranjo de fatores de risco, para cada mês em 2010, materializado na EPR que variou de 9,26% a 25,34% (do total de 32,82%), conforme já apresentado na Tabela 5.
Os resultados do estudo de caso sinalizaram que o segundo semestre, conforme a Tabela 5, apresentou maior risco que o primeiro, o que pode ser explicado pelas secas sazonais nos rios amazônicos, típicas nos meses de julho a novembro.
Um plano de mitigação de risco, relacionado aos dezassete fatores de risco, é apresentado na Tabela 9. Nesse plano, cada fator de risco está associado a uma macroação sob a responsabilidade do setor público ou dos agentes econômicos. As macroações podem ser implementadas em conjunto ou separadamente, e seus efeitos sobre os fatores de risco estarão defasados no tempo, à medida que cada macroação se materializar.
A navegabilidade ao longo da hidrovia no Rio Madeira (fator de risco 2.1.2), principalmente durante o segundo semestre do ano, quando sua profundidade se reduz de forma acentuada, a ponto de descobrir rochas e bancos de areia, restringindo a navegação de barcaças, deveria ser tratada com prioridade pelos Governos Federal e Estadual, pois a hidrovia é a principal rota por meio da qual pessoas e cargas são transportadas na região. Assim, investimentos públicos deveriam ser direcionados e priorizados para a melhoria da navegabilidade dessa hidrovia.
Em relação aos investimentos necessários a cargo dos distribuidores, podem ser destacados: a capacidade de armazenagem em base deveria ser ampliada (fatores de risco 3.1.1 e 3.1.2) para assegurar a constituição e manutenção de estoques de segurança adequados; a infraestrutura para descarregamento de combustíveis pelos modos de transporte aquaviário (principal) e rodoviário (alternativo) necessitaria ser ampliada para tornar mais eficientes as operações de recebimento (fatores de risco 3.2.1 e 3.2.2). Distribuidores que desconsiderarem investimentos em suas bases terão dificuldades em cumprir os níveis de serviço acordados com seus clientes.
Da mesma forma, os transportadores aquaviários (fluvial) precisam investir na melhoria do nível de serviço oferecido aos distribuidores, o que envolve a ampliação da capacidade de transporte de combustíveis (fator de risco 2.1.1). Quanto ao modo de transporte aquaviário marítimo, os transportadores deveriam implementar rígido planejamento operacional para alavancar o nível de serviço oferecido aos distribuidores (fator de risco 1.2.1).
A refinaria Reman deveria investir na ampliação de seu píer fluvial, para garantir eficiência no descarregamento de combustíveis oriundos do transbordo da produção nacional e da importação (fator de risco 1.2.2). Torna-se necessário, também, que a refinaria amplie sua capacidade de armazenagem (fator de risco 1.1.3), que deve ser adequada para a formação de estoques oriundos tanto da produção própria, como do transbordo. Adicionalmente, a refinaria precisa investir na expansão da expedição de combustíveis, aumentando tanto a freqüência quanto a vazão de bombeio para as bases de distribuidores (fator de risco 1.1.4).
Quanto ao compartilhamento de informações, o produtor deve se organizar para informar aos distribuidores, antecipadamente, o cronograma de paradas programadas na Reman (fator de risco 1.1.1), e para comunicar, de imediato, as paradas não programadas na refinaria (fator de risco 1.1.2). As ações especificadas no plano de mitigação, ao serem implementadas pelo produtor (de forma integral ou parcial), podem melhorar o nível de serviço aos distribuidores e otimizar os estoques de segurança (Es - EsR).
No que diz respeito à conformidade do óleo diesel, nos termos das especificações técnicas contidas nos regulamentos da ANP, o produtor e os distribuidores, para garantir a qualidade dos combustíveis aos consumidores, devem adotar procedimentos de controle abrangendo a construção e manutenção de laboratórios na refinaria, bases e portos, assim como a implementação de rígidos procedimentos de controle de qualidade ao receber e expedir combustíveis (fatores de risco 1.3.1 e 1.3.2).
Em se tratando da região amazônica, o modo de transporte rodoviário é utilizado tão somente como alternativa ao modo de transporte aquaviário fluvial. Por essa razão, é visto pelos agentes econômicos como fator de risco pouco significativo. Os distribuidores, contudo, para não incorrer em tarifas excessivas de frete, podem antecipar a utilização do modo de transporte rodoviário, tão logo detetem os primeiros sinais de restrição na navegabilidade do Rio Madeira. Como complemento dessa ação, os distribuidores precisam padronizar seus procedimentos operacionais em caso de descarregamento de combustíveis nas bases por meio de caminhões-tanques (fatores de risco 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3).
Conclusão e extensão da pesquisa
Este artigo apresentou metodologia para a identificação e a mensuração dos fatores de risco sobre os estoques de segurança de combustíveis. Esses fatores podem restringir ou mesmo interromper os fluxos logísticos, com impacto direto no abastecimento de combustíveis ao consumidor final.
Um estudo de caso, baseado na metodologia, foi conduzido para identificar e mensurar os fatores de risco sobre o óleo diesel armazenado em bases de distribuidores em Porto Velho/RO, região norte brasileira.
Os resultados do estudo de caso indicaram dezassete fatores de risco que estariam sobrecarregando os estoques de segurança de óleo diesel nas bases dos distribuidores. Também foi apontada no estudo de caso a sazonalidade dos fatores de risco, com o segundo semestre de cada ano apresentando-se mais relevante que o primeiro em termos de exposição ao risco.
A partir do estudo de caso, um plano de mitigação de risco foi elaborado, com o objetivo de reduzir ou extinguir os efeitos dos fatores de risco sobre os fluxos logísticos, contribuindo para a otimização dos estoques de segurança de óleo diesel nas bases de distribuidores em Porto Velho. Para cada um dos dezassete fatores de risco foi apresentada uma macroação dentro do plano de mitigação, apontando-se o responsável por sua implementação (setor público ou privado).
Como aplicação prática da metodologia apresentada nesse estudo, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) publicou a Resolução ANP n.º 45, de 22/11/2013, que estabeleceu a obrigatoriedade de formação e manutenção, por parte de produtores de derivados de petróleo (refinarias, formuladores ou centrais petroquímicas), de estoques de segurança de gasolina e de óleo diesel, segregados pelas regiões brasileiras.
Em 2014, essa metodologia será aplicada pela ANP para os mercados nacionais de combustíveis de aviação (querosene e gasolina) e de GLP. A metodologia também está amparando estudo da ANP sobre os fatores de risco da dependência externa de combustíveis no Brasil em longo prazo.
Como limitações ao trabalho, as macroações apresentadas na Tabela 9, que trata do plano de mitigação de risco, não foram convertidas em ações específicas e planos de contingências, nos quais seria discriminado o papel de cada responsável (agente público e privado). Esse detalhamento das macroações deve ser objeto de estudos complementares.
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Recebido em novembro de 2013 e aceite em abril de 2014.
Received in November 2013 and accepted in April 2014.