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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa

versão impressa ISSN 1645-4464

Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão vol.14 no.1 Lisboa mar. 2015

 

ESTUDOS

 

Comportamento de consumidores brasileiros e portugueses em plataformas de crowdfunding

 

Brazilian and Portuguese consumers’ behavior on crowdfunding platforms

 

Comportamiento de los consumidores brasileños y portugueses en las plataformas de crowdfunding ​

 

Bartos BernardesI; Rafael LucianII

IMestre em Gestão Empresarial, Faculdade Boa Viagem/De Vry, Recife. Professor Efetivo, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí, Campus Pedro II, 64255-000 Pedro II-PI, Brasil. E-mail: bartos.bernardes@ifpi.edu.br
IIDoutorado em Gestão Organizacional, Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-graduação em Administração. Professor Titular, Faculdade Boa Viagem, Mestrado Profissional em Gestão Empresarial, Campus Imbiribeira, Rua Jean Émile Favre, 422, Imbiribeira, 51200-060 – Recife-PE, Brasil. E-mail: rlucian@fbv.edu.br

 

 


RESUMO

Este estudo buscou compreender o comportamento de lealdade de consumidores brasileiros e portugueses em relação ao fenômeno do crowdfunding. Para Cocate e Pernisa Júnior (2011), o termo crowdfunding é usado para designar sites de financiamento coletivo destinados à concretização de projetos, podendo ser culturais ou pessoais. A abordagem metodológica adotada foi a pesquisa descritiva apoiada no levantamento de dados coletados junto aos apoiantes brasileiros e portugueses nas principais plataformas de crowdfunding desses países, a Catarse e a PPL, respetivamente. O método de análise foi descritivo, com estatística descritiva para obtenção das frequências e teste U de Mann-Whitney para análise das variáveis. Concluiu-se que alguns antecedentes tiveram contribuições específicas na influência desse comportamento, sendo a cocriação de valor, recompensa e sentimento de pertença as principais.

Palavras-chave: Crowdfunding, Lealdade, Cocriação de Valor, Recompensa, Sentimento de Pertença


ABSTRACT

This study aimed to understand the loyalty behavior of Brazilian and Portuguese consumers in crowdfunding phenomenon. For Cocate and Pernisa Junior (2011), the term crowdfunding is used to designate collective financing sites for the implementation of projects, cultural or personal. The adopted methodological approach was a descriptive research supported with survey data collected from the Brazilian and Portuguese supporters in major crowdfunding platforms of these countries, Catarse and PPL, respectively. The analysis method was descriptive, using descriptive statistics to provide frequencies and Mann-Whitney test for analysis of variables. It was concluded that some records had specific contributions in influencing this behavior, being the co-creation of value, reward, and sense of belonging the most important.

Keywords: Crowdfunding, Loyalty, Co-Creating Value, Reward, Sense of Belonging


RESUMEN

Este estudio ha tenido como objetivo comprender el comportamiento de la lealtad de los consumidores brasileños y portugueses hacia el fenómeno del crowdfunding. Para Cocate y Pernisa Júnior (2011), el término crowdfunding se utiliza para designar los sites de financiamiento colectivo para la ejecución de proyectos, que pueden ser tanto culturales como personales. El enfoque metodológico adoptado fue la investigación descriptiva apoyada en datos recogidos de los aficionados brasileños y portugueses en las principales plataformas de crowdfunding de dichos países, Catarse y PPL, respectivamente. El método de análisis fue descriptivo, con estadísticas descriptivas para proporcionar frecuencias y prueba U de Mann-Whitney en el análisis de las variables. Se concluyó que algunos antecedentes tuvieran contribuciones específicas para influir en este comportamiento, siendo la co-creación de valor, la recompensa y el sentido de pertenencia, las principales.

Palabras clave: Crowdfunding, Lealtad, Co-Creación de Valor, Recompensa, Sentimiento de Pertenencia​


 

 

Diante dos novos formatos de consumo apresentados pelas mídias digitais na web, eis que surge o crowdfunding, um modelo de financiamento coletivo de projetos onde, através de plataformas especializadas, seus autores buscam mobilizar pessoas interessadas em contribuir financeiramente com os mesmos, de modo a concretizá-los.

Nesta pesquisa será abordado o poder exercido coletivamente pelas pessoas, o comportamento do apoiante, geralmente pessoas comuns, averiguando como os antecedentes de lealdade são percebidos nesse contexto em que os colaboradores acabam sendo cocriadores de valor para uma série de produtos, quase sempre, inovadores. Para Giuliani (2003), a lealdade pressupõe um horizonte de tempo maior de consumo, uma relação mais aprofundada entre a empresa e o consumidor.

Salvo raríssimas exceções, a maioria das pessoas e até mesmo das empresas, de um modo ou de outro, ainda dependem de financiamento para pôr em prática os seus projetos. No entanto, para a obtenção desse financiamento, urge a necessidade de um tipo de conquista, um convencimento de que o projeto a ser custeado é interessante e resultará num produto com grandes hipóteses de sucesso para o público ao qual se destina. Desse modo, quer sejam instituições financeiras, quer seja o governo, ou até pessoas comuns, todos têm de aprovar o que está sendo proposto, para que o investimento seja efetivamente realizado.

Para Belleflamme et al. (2013), é notório que as novas empresas enfrentam dificuldades em atrair financiamento durante a sua fase inicial, motivo pelo qual muitos empreendimentos surgem sem financiamento, sobretudo por conta de tentativas infrutíferas para convencer esses investidores.

Nesse contexto restritivo, é que surge uma alternativa proporcionada pelas ferramentas dispostas na web como o crowdfunding que é um modelo de financiamento coletivo de projetos, mediante a utilização dos serviços proporcionados pelas redes sociais, em que as pessoas comuns ou até mesmo empresas podem investir recursos financeiros, tendo em vista a concretização de projetos inovadores em que eles acreditam.

No Brasil, já existem aproximadamente 70 sites de crowdfunding desde sua criação em 2006 (Tamanha, 2012). Mas não há dúvidas, a maior plataforma de crowdfunding do Brasil é mesmo a Catarse (Garcia, 2014), também considerada o principal site do ramo em nosso país (Empreendedores Criativos, 2014). A revista Galileu, em sua edição de dezembro de 2013, elegeu a Catarse como um dos 25 sites mais influentes de toda a Internet no Brasil.

Embora em Portugal o crowdfunding ainda não esteja tão forte quanto no Brasil, visto que as plataformas só surgiram no ano de 2011, duas delas conseguiram se estabelecer com êxito desde então. Segundo Correia (2012, p. 11), em Portugal, «somente em 2011 surgiram as duas primeiras plataformas, orientadas para um público maioritariamente português: MassivMov e PPL». Em Portugal, a PPL e a Massivemov são as duas plataformas generalistas mais conhecidas, das poucas que existem, destacando-se depois a Olmo e o BES Crowdfunding, destacando-se a PPL como a maior plataforma portuguesa de consumo colaborativo (Lusa, 2014).

A Catarse e a PPL foram as bases incubadoras para inúmeros empreendimentos de sucesso, ligados às mais diversas áreas, principalmente culturais. Artes plásticas, comunidades, esportes, gastronomia, meio ambiente, dança, educação, carnaval, arquitetura e urbanismo, ciência e tecnologia, são exemplos de categorias fincadas nesses ecossistemas virtuais, que têm por missão unir realizadores e apoiantes no azo de consolidar inúmeros projetos que se façam ao menos perceber como interessantes e produtivos de alguma maneira. Logo, segundo Quero e Ventura (2014), o número de iniciativas de crowdfunding no setor cultural é significativamente superior às outras atividades econômicas.

Nesta perspetiva, o presente estudo tem o objetivo de compreender os antecedentes responsáveis pela resposta de lealdade do consumidor, a partir da experiência junto às plataformas de crowdfunding.

 

Criando Oportunidades

O crowdfunding representa uma grande oportunidade, pois é um meio de conquista pautada no talento, na criatividade, na persuasão, sem a necessidade de se submeter a verdadeira batalha encabeçada pelos grandes empresários industriais. O mercado do Século XXI consegue denotar como os produtos de menos sucesso no espaço midiático também apresentam reais significados de consumo frente ao conjunto total (Anderson, 2006).

Dessa forma, o consumidor pode se tornar parte do processo de produção de projetos sem a necessidade da intermediação burocrática (Valiati, 2013). É o consumidor se envolvendo no processo de criação de um produto, antes mesmo que este esteja pronto e que chegue às «prateleiras». Esse produto criativo pode ser representado tanto por um bem como por um serviço, gerando todo ele um dado valor econômico. O que determina um produto como criativo é o fato de ter sido concebido mediante um processo criativo que resultou num valor econômico (Howkins, 2007).

O consumo colaborativo tem ganhado muito espaço nos últimos 5 anos, adquirindo essa notoriedade justamente por apresentar um formato bastante atraente para o colaborador que se envolve no processo, de modo que ele efetivamente produza resultados. Concordando com Botsman e Rogers (2011), o consumo colaborativo é uma forma atraente e sustentável de realizar desejos e suprir necessidades, representando um ônus muito baixo para o interessado.

O crowdfunding é, na verdade, uma vertente de outra forma de criação participativa através das redes de relacionamento disponíveis na Internet, chamada de crowdsourcing. A atuação como mera ferramenta estratégica para concretização de um projeto teve seu início justamente no crowdsourcing, que tem por base o envolvimento de apoiantes para projetos diversos, mediante a utilização das mídias sociais existentes na web, estimulando a criação participativa, sem, no entanto, necessitar de apoio financeiro para a consolidação destes. Cocate e Pernisa Júnior (2011) mostram que crowdfunding originou-se dos processos de crowdsourcing, fenômeno onde a participação do consumidor se dá como produtor de conteúdo ou de iniciativas antes oriundas somente de empresas midiáticas.

Trata-se, então, de um instrumento de cocriação a partir da participação online de pessoas ou até mesmo instituições que se identifiquem com determinados projetos criativos. Não obstante, o crowdfunding envolve engajamento colaborativo, ou seja, financeiro, a partir de redes de pessoas e/ou instituições que investem em projetos criativos (Maurer et al., 2012).

A relevância demonstrada pelo financiamento por um conjunto de pessoas que se demonstram atraídas por determinado projeto, a ponto de ajudá-lo a concretizar-se, torna o crowdfunding bem mais interessante do que o crowdsourcing, movimento do qual ele deriva.

O grande mérito do financiamento revela-se na posição de que praticamente a totalidade dos projetos que se apresentam como interessantes, necessitam de recursos financeiros para serem postos em prática, e mesmo os que inicialmente não revelem essa característica de despertar interesse, poderão perfeitamente, no decorrer do processo, se configurar como um negócio lucrativo em cima daquela ideia que foi construída. Além disso, esse tipo de financiamento através das plataformas de consumo colaborativo contribui com a questão ambiental, uma vez que tais sistemas aumentam a eficiência do uso dos produtos, tornando-os melhores e reduzindo o desperdício, além de criativamente estimular a absorção dos excedentes criados durante a produção e o consumo (Botsman e Rogers, 2011).

O fato dessa colaboração envolver aspectos financeiros e possivelmente ligados ao contexto ambiental faz com que essas ferramentas se apresentem ainda mais atraentes, despertando cada vez mais o interesse de indivíduos em delas participarem, e para que retornem e apoiem outros projetos é necessário que se tornem apoiantes leais.

 

Lealdade e Financiamento Coletivo

A lealdade é muito importante para os negócios de uma organização, em vários aspectos. Mattila (2001) mostra que as empresas que conquistam a lealdade de seus consumidores tendem a ter uma melhora substancial na sua rentabilidade, pois esses consumidores leais serão menos sensíveis a aumento de preços do que os clientes eventuais. Santos e Rossi (2002) definem a lealdade do consumidor como sendo uma intenção comportamental de manter uma relação prolongada com um determinado fornecedor. Oliver (1997) afirma que a lealdade está ligada a uma disposição de recompra de determinado produto ou serviço, mesmo diante de influências situacionais ou ações de marketing que possam conduzir à mudança do comportamento de compra.

Para se conquistar a lealdade, é natural que haja um sentimento de satisfação antecedente a ela, porém não é o bastante. Mattila (2001) mostra que a satisfação não é a única precursora da lealdade, uma vez que outros fatores também são capazes de influenciar esse processo. Oliver (1999) considera a lealdade como um fator central na formação de relacionamentos, ocupando um lugar que antes pertencia à satisfação.

Para o contexto de plataformas de financiamento coletivo na web, entende-se que a lealdade do consumidor virtual é atestada de forma muito parecida com a do consumidor tangente. Torna-se mais fácil monitorar a quantidade de revisitas de um mesmo cliente a uma loja quando esta é virtual, do que quando se trata de um espaço físico. Além do mais, o ambiente virtual proporciona uma capacidade muito maior de revisitas, considerando que o cliente não precisará se deslocar do conforto do seu lar para chegar a consultar produtos ou efetuar suas compras. No ambiente virtual, algumas definições de lealdade do consumidor apontam para a probabilidade de visitas repetidas por um mesmo indivíduo (Armstrong e Hagel, 1996). Quanto mais visitas fizer, mais surgem oportunidades, possibilitando a realização de novas compras no mesmo ambiente virtual. Essa intenção de fazer novas compras no futuro, assim como no ambiente físico, dependerá de fatores idênticos, ou seja, de satisfação durante todo o processo, como a escolha do produto, as formas de pagamento e de entrega, e a relação mantida no pós-compra.

A lealdade é tratada no contexto do e-commerce de maneira bastante singular, e no contexto do crowdfunding ainda não há estudos que investiguem tal fenômeno. Por isso, levantou-se teoricamente para esta investigação os principais antecedentes da lealdade para que sejam testados empiricamente: confiança, codesenvolvimento, cocriação, recompensa, benefícios não monetários, e sentimento de pertença.

 

A confiança

Um dos aspectos mais importantes nos relacionamentos apresentados nas plataformas de crowdfunding é a confiança que se deve ter tanto no projeto quanto em seu(s) autor(es). Rousseau et al. (1998) acreditam que a confiança é um estado psicológico que envolve a intenção para aceitar vulnerabilidade, tendo em vista expectativas positivas que são criadas sobre as intenções e o comportamento do outro. A confiança representa um importante critério, facilitador das práticas colaborativas, somada à força da ação coletiva (Botsman e Rogers, 2011), constituindo um pilar essencial para esse tipo de negócio.

Geralmente os primeiros a se comprometerem com os projetos são os familiares e amigos mais próximos. Eles costumam ser os primeiros a investir e a dar início ao processo de difusão do projeto tanto no tradicional boca em boca, como pelas inúmeras mídias sociais dispostas na Internet. Além disso, um amigo, ainda que virtual, pode acabar influenciando outro a investir no projeto. Segundo Cocate e Pernisa Júnior (2012, p. 8), «à medida que um projeto recebe o apoio de uma pessoa, outras também se sentem mais incentivadas a integrá-lo. A confiança se instala neste momento, em que um usuário vê que há um certo número de participantes que acredita naquele projeto». Daí o apoio da família e dos amigos mais íntimos ser tão importante aquando do lançamento do projeto.

Essa relação de confiança tem um impacto muito positivo para o marketing, pois a base alicerçada por familiares e amigos íntimos servirá para estimular uma gama de desconhecidos a acreditarem e investirem com mais segurança naquele determinado projeto. Sempre que for atribuída confiança nas relações sociais, organizacionais e institucionais, ela tenderá a influenciar significativamente o consumo colaborativo (Botsman e Rogers, 2011). Além do engajamento natural que ocorre por parte dos amigos do grupo que busca financiamento, é bastante considerável a participação de fãs, nos casos de projetos apresentados por algumas bandas com carreira já iniciada, mas conhecidas apenas em sua região de atuação, cidade e região metropolitana. Jenkins (2009) ratifica o poder que a participação de fãs possui na maneira de produzir mudanças inclusive no mercado.

 

O apoiante cocriador

A cocriação como fator inovador e agregador de valor tem uma grande capacidade de promover essa satisfação. Nessa nova estratégia, as empresas não apenas interagem com os clientes para oferecer serviços personalizados, mas também desenvolvem e reforçam as capacidades operacionais (Wind; Rangaswamy, 2001). Se o cliente participa da criação do produto que deseja adquirir, as hipóteses de que esse produto gere satisfação são superlativas. A cocriação com os clientes torna-se uma nova fonte de competência das estratégias empresariais (Prahalad; Ramaswamy, 2004). É por isso que aos poucos se nota que as empresas passam a dar uma atenção especial a essa questão, sobretudo em relação aos produtos de maior valor econômico.

A capacidade de customização é uma das grandes preocupações do processo de cocriação (Zhang e Chen, 2006). Os serviços tornaram-se uma das mais importantes capacidades competitivas, sobretudo quando da possibilidade de se oferecer de modo personalizado. Customizar um produto ao ponto de dificultar a vida do concorrente poderá ser uma constante nas empresas que quiserem investir em inovação e gerar satisfação. A busca é por agregar os clientes, pois esses são os que mais interessam às organizações. Na medida em que se aplica a cocriação, estreitam-se os laços, facilitando não apenas a troca de informações, mas também reduzindo as incertezas e possibilitando uma melhor assistência no pós-compra ao produto adquirido. A cocriação também desperta no cliente um sentimento de pertença, e ele passa a enxergar-se não apenas naquele produto com o qual ele colaborou, mas também naquela empresa que lhe deu essa oportunidade de participação.

 

O apoiante codesenvolvedor

A tecnologia abre uma gama de possibilidades para interação entre as empresas e os clientes, ou apoiantes neste caso. Estes, mais bem informados, tornaram-se mais exigentes. Desta forma, as ferramentas disponíveis na web consolidaram a participação dos clientes como assessores técnicos e codesenvolvedores dos produtos que são oferecidos pelas empresas. De acordo com Coviello e Joseph (2012), é mais provável o sucesso, quando as empresas de tecnologia desenvolvem testes com clientes, onde estes participam como assessores técnicos ou codesenvolvedores dos produtos. Kleinsmann (2008) aborda o codesenvolvimento como um processo onde indivíduos de várias áreas compartilham conhecimento e informações sobre um determinado projeto, com o objetivo de obter um entendimento em todos os aspectos que o compõe.

A geração de novas ideias, a partir do relacionamento com os clientes na Internet, tem contribuído positivamente para a criação de novos produtos. Segundo Coviello e Joseph (2012), os clientes são considerados fundamentais no processo de desenvolvimento de novos produtos. Cada cliente ao interagir no desenvolvimento de um produto e opinar sobre ele, dando sugestões, conseguirá o melhoramento do mesmo, o que será tão bom para a empresa quanto para o consumidor, que passará a ter maior visibilidade justamente por ser ele o maior interessado e protagonista da relação de compra.

O consumidor que antes representava um fator externo e alheio à dinâmica interna das empresas, passa agora a figurar como um agente ativo, inserido no processo de marketing, fundamental para as ações estratégicas de valorização dos produtos. O consumidor agora é batizado como um parceiro de grande credibilidade na empresa, interagindo e participando do processo de coprodução de valor. Essa interação se pauta no oferecimento das suas habilidades, competências e principalmente de suas experiências de consumo, representando um agente ativo e endógeno no processo de marketing (Prahalad e Ramaswamy, 2004). Assim, o consumidor, que já era importante no processo produtivo, sobe de patente e passa a ser tratado com reverência no contexto empresarial que aposta na coprodução de valor, e que já entendeu que a gama de opções advinda dessa acolhida só tem a somar e a trazer resultados inteligentes à administração organizacional que dela se utiliza.

 

O sentimento de pertença

O papel dos doadores e colaboradores de um projeto de crowdfunding é demonstrado a partir de sua efetiva participação, inclusive como parte diretamente envolvida no Projeto. Há indiscutivelmente um sentimento de pertença e de envolvimento com o projeto em que se está investindo, seja por identificação ou pela simples faculdade de se investir ou não. Segundo Koury (2001), o termo pertença advém do mergulho no universo relacional do grupo, permitindo ao sujeito individual sentir-se pessoa que acredita e é acreditada. No caso do crowdfunding, o colaborador acredita no projeto ao investir nele, e é acreditado na medida em que o mesmo projeto o envolve como um importante componente para que possa ser realizado.

No consumo colaborativo, o investimento que se dá naturalmente, por livre e espontânea vontade, sem pressão, sem imposição, mas simplesmente por desejar fazer parte daquele contexto, daquela realidade. Como o financiamento dos projetos através do crowdfunding vem somente de pessoas que se interessam pela consolidação dos mesmos, ainda que não sejam fãs, verifica-se como o panorama de mercado está mudando, seguindo a linha de baixo para cima, ou seja, dos consumidores para as empresas, (Cocate e Pernisa Júnior, 2011).

Nesse contexto de cultura participativa, o consumidor tem a oportunidade de financiar e se tornar parte do processo de consolidação de determinado projeto, financiando-o conforme as suas limitações e na proporção em que ele acredite no sucesso do mesmo.

 

Benefícios não monetários

Da mesma forma que uma experiência negativa deixa as pessoas reticentes a enveredar pelo mesmo caminho novamente, uma resposta positiva a algo vivenciado pode conduzir à sua repetição. Quando se adquire um produto, se fica satisfeito com o mesmo, e ainda por cima se recebe uma recompensa extra por tê-lo adquirido, como ocorre com os programas de fidelidade, é natural que esse fato o conduza a realizar novas transações com a empresa propositora desses programas.

Logo, concordando com Chandon et al. (2000), os benefícios monetários podem ser entendidos como benefícios de economia, qualidade superior e conveniência; enquanto os não monetários estão associados a status e entretenimento. A questão do benefício não monetário ou psicológico atesta o quanto a diversão de se conquistar uma premiação está associada aos programas de fidelidade e o quanto isso pode ser benéfico para a empresa. Esse benefício denominado de não monetário chega a possuir um valor até maior do que os possíveis lucros advindos durante as transações de compra e acúmulo de vantagens.

 

Recompensa

Qualquer tipo de programa que adote um sistema de recompensas para estimular a participação daquele consumidor ou apoiante, que se identifique com o produto que está sendo ofertado, tende a ser de grande valia, pois essa relação tenderá a contribuir para a satisfação desse consumidor que, por sua vez, passará a se envolver mais profundamente com a empresa. A probabilidade de se conseguir uma recompensa é uma função de compra cumulativa, a partir da combinação de elementos do desenho do programa, como: os limites, inclusive de tempo, e as vantagens oferecidas. As preferências do cliente determinam os benefícios esperados por ele para participar em um programa de fidelidade (Lewis, 2004).

Belleflamme et al. (2010) relacionam diferentes possibilidades de retorno oferecidas em troca da contribuição financeira: dinheiro, título, ações, participação nos lucros. Em geral, o retorno é estabelecido proporcionalmente ao valor da contribuição, ou seja, ganha mais quem investe mais, numa estratégia para estimular novos investimentos.

Aqui se percebe o quanto o gosto do cliente e o que ele espera do programa é importante na construção dessa relação de fidelidade. Quando ele acredita no produto, considera a recompensa relevante e se envolve nesse processo, está criando laços positivos com a empresa. É o que acontece nos programas de crowdfunding, pois a recompensa que muitos dos sites oferecem para quem acredita em seus projetos, também serve de estímulo à participação daqueles que com eles se identificam.

 

Método de Pesquisa

Este trabalho foi conduzido por uma pesquisa descritiva sob o método de levantamento de dados, visando conhecer a relação do uso das plataformas de crowdfunding, na conquista da lealdade em contexto de produtos culturais brasileiros e portugueses.

O tamanho da amostra desta pesquisa foi composto por 200 apoiantes de projetos de crowdfunding voltados para o financiamento de produtos culturais, dos quais, mantendo a proporção dos extratos, 90% são brasileiros e 10% são portugueses. Esses apoiantes foram encontrados nas maiores plataformas de crowdfunding do Brasil e de Portugal, respetivamente a Catarse e a PPL, e abordados por e-mail, e por links em Newsletters dispostas na Internet, convidando-os a responderem o questionário. A abordagem, então, utilizada nesta fase foi a não probabilística.

Para a mensuração da lealdade, foram adotadas as escalas de Oliver (1999), mediante à aplicação das escalas do tipo Likert. A coleta de dados ocorreu de julho a outubro de 2014. No Brasil, teve-se um contato com os gestores/realizadores de 15 projetos exitosos, financiados através dessas plataformas, que juntos contaram com 8067 apoiantes de projetos culturais nos mais diversos ramos: música, literatura, vídeo, dança, jogos, viagens e espaço cultural. Junto a esses gestores, tentou-se o acesso aos colaboradores de seus projetos, a fim de que esses apoiantes fossem convidados a responder a um questionário online, como parte da pesquisa.

Em Portugal, a coleta de dados na PPL se deu com apoio de um dos idealizadores dessa plataforma que divulgou o link do questionário na newsletter da plataforma. Sendo assim, cerca de 10 000 apoiantes portugueses foram convidados a responder ao questionário, sendo o mesmo utilizado no Brasil, com pequenas adaptações necessárias à realidade portuguesa.

A homogeneidade da amostra se deu pela não pretensão de se realizar um estudo comparativo, mas somente analisar um fenômeno cuja literatura é universal, a partir dos dados captados dentre os respondentes brasileiros e portugueses.

Inicialmente, para o tratamento dos dados será utilizada a confiabilidade da escala através da Teoria de Resposta ao Item – TRI, utilizando-se o software IRTPRO. Lucian e Dornelas (2014, p. 100) conceituam a TRI como «um conjunto de modelos matemáticos que procura representar a probabilidade de um indivíduo dar uma resposta para cada item, como função dos parâmetros do item e da habilidade dos respondentes».

Segundo Lucian e Dornelas (2014), os itens que apresentarem para o valor «a» respostas fora do intervalo compreendido entre 0,85 e 1,70 são tidos como plenamente confiáveis.

Para os testes de relação, utilizou-se o coeficiente U de Mann-Whitney, que se configura como uma importante técnica para comparar a diferença de posições de duas observações independentes. O teste de U Mann-Whitney é indicado para situações onde haja desejo de comparação de dois grupos amostrais não pareados para se verificar se pertencem ou não à mesma população (Malhotra, 2006). Nesta pesquisa, os grupos amostrais são formados pelos consumidores leais e não leais e investiga-se se pode-se atribuir tal diferença de comportamento ao fenômeno do crowdfunding supostamente experimentado por ambos os grupos.

 

Análise dos Dados

Inicialmente verificou-se que a escala apresentou os índices adequados de confiabilidade através do cálculo da TRI, como apresentado na Tabela 1.

Procedeu-se, então, com a aplicação do teste U de Mann-Whitney nas amostras tendo sido possível identificar quais os antecedentes capazes de influenciar na lealdade dos consumidores de plataformas de crowdfunding em contextos de produtos culturais, conforme se pode observar na Tabela 2.

 

 

O teste U de Mann-Whitney foi fundamental para atender aos objetivos desta pesquisa, que consistem em analisar a influência dos antecedentes constantes da Tabela 1 no contexto da lealdade dos consumidores de produtos oriundos do financiamento coletivo. De posse dos resultados estatísticos, é possível apresentar as conclusões do estudo.

No caso do crowdfunding, a recompensa se apresenta como um grande estímulo, já que para cada contribuição financeira realizada em uma plataforma de crowdfunding, o consumidor fará jus a uma recompensa proporcional à sua contribuição. Carvalho (2012) afirma que um sistema de recompensa representa um pacote de benefícios disponibilizados aos colaboradores, no intuito de aumentar a motivação. O aumento dessa motivação reflete no estímulo à lealdade nas plataformas de consumo colaborativo.

Outro antecedente importante que conduz à lealdade do consumidor é a cocriação de valor. Como já foi dito, a cocriação de valor agrega o consumidor de uma forma que ele passe a participar como importante aliado em decisões prévias acerca da concepção dos produtos. Para Rocha et al. (2013), ela representa uma abordagem do novo paradigma vigente no marketing, envolvendo tanto a empresa quanto o consumidor no processo de produção de bens e serviços. A cocriação de valor pode ser traduzida de diversas formas, e uma delas envolve o efeito que percebemos no fenômeno do crowdfunding, onde cada colaborador que acredita nos projetos, que neles contribui financeiramente, está cocriando valor aos produtos que se originarem desses projetos, não apenas pela contribuição financeira, que é a essência do crowdfunding, mas pelo crédito que se dá a algo inovador, estimulando, inclusive, outras pessoas a também contribuírem.

O terceiro e último antecedente capaz de despertar uma resposta de lealdade no consumidor de produtos culturais em plataformas de crowdfunding detectado nesta pesquisa foi o sentimento de pertença. Conforme expõe a literatura pertinente ao tema, o sentimento de pertença mostra que o colaborador é pessoa que acredita e ao mesmo tempo é acreditado pela proposta daquele projeto e do produto que dele se origina. Johnson et al. (2001) se referem ao sentimento de pertença como uma ligação a algo em que se sente parte do mesmo.

Ao cocriar valor e ser recompensado, o consumidor tenderá a se enxergar naquele produto como se fosse parte dele, num verdadeiro sentimento de pertença. Se esses efeitos ocorrerem numa plataforma de crowdfunding, haverá uma tendência à resposta de lealdade, tal como foi identificado neste estudo.

 

Conclusão

No que se refere à lealdade, além da cocriação e da recompensa, o sentimento de pertença figurou como plenamente capaz de conquistar o cliente, ao ponto de ele desejar novamente participar do consumo colaborativo. O sentimento de pertença é estrategicamente utilizado pelas empresas no intuito de conquistar, através da fidelização, a lealdade dos seus apoiantes, que são essencialmente pessoas que se identificam com o projeto que está sendo oferecido nas plataformas, sendo atraídos naturalmente a exercerem suas participações mediante contribuições financeiras para que os produtos inovadores possam se tornar realidade.

Igualmente, a cocriação de valor também desperta a resposta de lealdade do colaborador de projetos de crowdfunding. Esse desejo de realizar novos apoios explica-se pela forma como o consumidor é visto nessas plataformas, como um importante aliado, ainda que financeiramente, na realização dos produtos, sob a ótica da cocriação de valor.

A recompensa ocupa lugar central na resposta à lealdade, e ela é disponibilizada por milhares de empresas e nos mais diferentes formatos de programas de fidelização que tanto sucesso fazem na atualidade. A literatura é vasta sobre esses programas, mas no contexto deste trabalho a recompensa serve de estímulo não apenas para a colaboração, mas como preditivo de retorno a novos apoios em diferentes projetos.

O consumo colaborativo exerce um grande fascínio tanto para os apoiantes quanto para os realizadores, abrindo portas para novos rumos de atuação do marketing digital. É de relevância mencionar, pelo que foi discutido e observado neste estudo, que o crowdfunding aponta para o futuro do consumo, onde, mediante a convergência das mídias e de uma maior oxigenação do mercado, será exigida uma participação mais próxima e ativa do consumidor, no processo de elaboração e de criação de novos produtos.

Conclui-se que as plataformas brasileiras ou portuguesas, as pessoas ou empresas que busquem as plataformas de crowdfunding como forma de financiamento para projetos de cunho cultural, e os criadores das artes em geral devem priorizar os esforços no gerenciamento dos antecedentes da lealdade, com foco no sentimento de pertença, na cocriação e na recompensa, pois desta forma tornarão os apoiantes mais engajados e propensos a fazer novos investimentos.

 

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Recebido em dezembro de 2014 e aceite em março 2015.
Received in December 2014 and accepted in March 2015.
Recibido en diciembre de 2014 y aceptado en marzo de 2015.

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