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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa

versão impressa ISSN 1645-4464

Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão vol.14 no.1 Lisboa mar. 2015

 

CASOS

 

Seleção e competências dos expatriados e estratégias de internacionalização. Um estudo exploratório de empresas portuguesas

 

Selecting expatriates: The relationship between skills and the international staffing model

 

Selección y habilidades de los expatriados y estrategias de internacionalización. Un estudio exploratorio de empresas portuguesas

 

 

Ana PinheiroI; Teresa EstevesII; Fátima SulemanIII

IDoutoranda em Gestão, ISCTE-IUL, ISCTE Business School, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. Consultora de Recursos Humanos. E-mail: anapap@portugalmail.com
IIDoutorada em Gestão, ISCTE-IUL, ISCTE Business School. Professora Coordenadora do Instituto Superior de Gestão Bancária, 1050-030 Lisboa, Portugal. E-mail: t.pereira@isgb.pt
IIIDoutorada em Economia, ISCTE-IUL e Universidade de Bourgogne, Dijon, França. Professora Auxiliar, ISCTE-IUL, Escola de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de Economia Política e membro efetivo do DINAMIA’CET, 1649-026 Lisboa, Portugal. E-mail: fatima.suleman@iscte.pt

 

 


RESUMO

A pesquisa explora a relação entre competências requeridas a um candidato à expatriação e os modelos de gestão internacional. O pressuposto subjacente é que os critérios de seleção devem ser coerentes com o modelo de gestão. O estudo é de natureza qualitativa e exploratória e incide sobre três empresas portuguesas, com expatriados em vários países. Os resultados indiciam que a adaptabilidade, liderança e orientação para os resultados são exemplos de competências comuns a todos os modelos de gestão, mas há especificidades relacionadas com as competências culturais. Empresas de tipo etnocêntrico privilegiam competências de respeito pela diversidade cultural, enquanto as aptidões que facilitem a interação são relevantes para as empresas de tipo geocêntrico que valorizam a interação com a cultura do país de acolhimento.

Palavras-chave: Competências dos Expatriados, Processos de Expatriação, Estratégias de Internacionalização


ABSTRACT

This study explores the relationship between skills required to being a candidate for expatriation and the international staffing model. The underlying assumption is that selection criteria should be consistent with staffing model. Empirical analysis is supported on a qualitative and explorative study and uses information from three Portuguese multinationals firms with expatriates in several countries worldwide. The findings illustrate that skills like adaptability, leadership and goal orientation capabilities are examples of competencies shared by all models, but there are in addition skills that are specific to staffing models, which are related to cultural issues. Ethnocentric firms privilege respect for cultural diversity skills, while capabilities that facilitate cultural interaction are valued by geocentric firms.

Key words: Critical Expatriate Skills, Expatriate Assignments, International Management


RESUMEN

Esta investigación explora la relación entre las habilidades requeridas para un candidato a la expatriación y los modelos de gestión internacional. El supuesto subyacente es que los criterios de selección deben ser coherentes con el modelo de gestión. El estudio es de naturaleza cualitativa y exploratoria y se centra en tres empresas portuguesas, con expatriados en varios países. Los resultados indican que la capacidad de adaptación, liderazgo y orientación a los resultados, son ejemplos de las habilidades comunes a todos los modelos de gestión, pero hay detalles relacionados con las competencias culturales. Las empresas tipo etnocéntricas enfatizan habilidades de respeto por la diversidad cultural, mientras que las habilidades que facilitan la interacción son relevantes para empresas tipo geocéntricas, que valoran la interacción con la cultura del país de acogida.

Palabras clave: Habilidades de los Expatriados, Procesos de Expatriación, Estrategias de Internacionalización


 

 

O processo de seleção e as competências dos candidatos a expatriar têm atraído a atenção dos investigadores e gestores, pois o insucesso da expatriação pode estar associado ao desajustamento de competências. Este trabalho insere-se nesta linha de investigação e incide sobre empresas portuguesas que operam em mercados internacionais e expatriaram recursos humanos.

A pesquisa visa a identificação do perfil de competências que tornam um trabalhador candidato à expatriação e influenciam o sucesso da missão internacional. A literatura refere um conjunto de qualidades e competências que os expatriados devem ter, que inclui capacidades técnicas, mas também comportamentos e atitudes de trabalho que facilitem o ajustamento a contextos culturais diversos (i.e., Tung, 1981; Hammer et al., 1988). Todavia, não existe um consenso sobre o tipo de competências que são requeridas aos expatriados. O artigo analisa um conjunto de aptidões que são essenciais num candidato a expatriação. Adicionalmente, explora a relação entre a estratégia de gestão internacional das empresas e as competências dos expatriados.

As questões de pesquisa são as seguintes: Qual o perfil de competências de um candidato à expatriação? Deverá ser exclusivamente técnico, comportamental ou misto? O que influencia a escolha das competências? Em que medida as estratégias de gestão internacional influenciam os critérios de seleção de expatriados e as competências requeridas?

A pesquisa é de natureza qualitativa e exploratória e assenta em três casos de empresas portuguesas internacionalizadas. A informação foi recolhida em 2012 e a seleção da amostra incidiu em empresas de setores de atividade distintos. A opção por múltiplos casos permite a comparação e a identificação de semelhanças entre empresas, não deixando de considerar as particularidades de cada caso. O estudo contribui para melhorar a informação sobre os critérios de seleção de trabalhadores a expatriar e para a formação dos expatriados

O artigo está organizado da seguinte forma. A secção seguinte apresenta a literatura sobre as estratégias de internacionalização, as políticas de expatriação das empresas e as competências dos expatriados. Posteriormente, descreve-se a metodologia. A penúltima secção aborda a análise empírica e a discussão de resultados e algumas notas conclusivas estão na secção final.

 

Revisão da Literatura

. Estratégias de internacionalização e processos de expatriação

Diversos autores consideram que a estratégia internacional das empresas é fundamental para compreender os processos de expatriação (e.g. Adler e Ghadar, 1990). A literatura mesmo sem apresentar uma tipologia consensual, assume a existência de vários tipos de empresas com base nas estratégias de internacionalização e, apesar de vários autores (e.g. Perlmutter, 1969; Bartlett e Ghoshal, 1989; 1992 Caligiuri e Colakoglu, 2007) proporem designações distintas para os tipos de empresas e variáveis diferentes para os distinguir, existe uma razoável convergência nas propostas.

No seu trabalho pioneiro, Perlmutter (1969) caracterizou as empresas com atuação internacional em três tipos: etnocêntricas, orientadas para o país de origem; policêntricas, orientadas para o país de acolhimento; geocêntricas, orientadas para o mundo.

Nas empresas etnocêntricas, os critérios de desempenho são definidos no país de origem; os fluxos de comunicação e informação entre a casa-mãe e as subsidiárias são intensos e os recursos humanos do país de origem são recrutados e formados para ocuparem posições-chave no de acolhimento. Nas empresas policêntricas considera-se que os países de acolhimento têm especificidades, consequentemente os critérios de desempenho são fixados localmente; os fluxos de comunicação e de informação entre a casa-mãe e as subsidiárias são pouco intensos e existe o recrutamento e a formação local de quadros para ocuparem posições-chave no seu país. Finalmente, nas empresas geocêntricas, as subsidiárias fazem parte de um todo integrado e orientado para objetivos globais e locais, e, por isso, os padrões de desempenho resultam da colaboração entre as subsidiárias e a casa-mãe; os fluxos de comunicação e de informação são intensos entre a casa-mãe e as subsidiárias e entre as subsidiárias; a política de recrutamento e de formação é baseada no pressuposto de que para as funções-chave é necessário escolher as pessoas adequadas, independentemente da nacionalidade.

Uma das tipologias mais referenciadas na literatura é a de Bartlett e Ghoshal (1989) que consideram que as empresas tendem a optar por três tipos de estratégias: global, multinacional e transnacional.

Uma empresa global apresenta uma estrutura centralizada, o papel das subsidiárias é o de implementar a estratégia da casa-mãe. Os fluxos de comunicação e de informação entre a sede e as subsidiárias são intensos. Existe um número expressivo de expatriados a exercerem funções-chave nas subsidiárias.

A estratégia multinacional assenta na diferenciação. As subsidiárias têm autonomia para adaptarem as políticas, as práticas e os recursos aos mercados locais. A estrutura organizacional é descentralizada e pouco integrada. Os fluxos de comunicação, de informação e de pessoas da casa-mãe para as subsidiárias não são muito intensos.

A estratégia transnacional focaliza-se na diferenciação local e na eficiência global. As empresas adotam a forma de uma network integrada e interdependente em que as subsidiárias têm um papel estratégico. Os fluxos de comunicação, de informação, de produtos e pessoas entre a casa-mãe e as subsidiárias e entre as subsidiárias são intensos. Neste tipo de empresas, o papel dos expatriados incidirá na transferência de conhecimento técnico ou de gestão, na criação de redes informais de comunicação e na contribuição para uma cultura organizacional comum.

Seguindo esta linha de investigação, o trabalho de Caligiuri e Colakoglu (2007) articula a estratégia de internacionalização, as atribuições dos expatriados e as práticas de gestão dos expatriados. Os autores caracterizam três tipos de estratégias que relacionam com quatro tipos de missões atribuídas aos expatriados. Estas estão associadas ao desempenho de atividades distintas e exigem dos expatriados competências interculturais diferentes[1].

As missões técnicas exigem poucas ou nenhumas competências interculturais, as funcionais pressupõem competências interculturais para agir localmente, as de desenvolvimento não as exigem, mas desenvolvem-nas e as missões estratégicas pressupõem competências interculturais elevadas.

As empresas que adotam uma estratégia local dão autonomia às subsidiárias, no entanto continuam a necessitar de expatriados para transferir o conhecimento técnico e funcional. Nesta estratégia, as missões de desenvolvimento são menos prováveis porque a integração global e o desenvolvimento de talentos não são uma prioridade e as missões estratégicas também não são muito requeridas, pois não se pretende o controlo intenso das subsidiárias.

As organizações com uma estratégia centralizada querem disseminar os valores, as políticas e a cultura do país de origem. Assim, à semelhança do que acontece com as organizações com uma estratégia local, estas necessitam de utilizar missões técnicas e funcionais para transferir conhecimento. Todavia, contrariamente às empresas com uma estratégia local necessitam de recorrer a missões estratégicas para conseguirem o controlo direto sobre as operações. Estas empresas também não consideram como prioridade o desenvolvimento do talento global ou a partilha de conhecimento.

As multinacionais que adotam uma estratégia global não pretendem assumir o controlo das subsidiárias, mas integrar o melhor de todas as unidades numa cultura organizacional comum e numa estratégia de negócio global, as missões de desenvolvimento e as estratégicas estão presentes nestas organizações.

Contudo, estudos recentes indicam que as multinacionais tendem a adotar modelos híbridos (e.g. Rose e Kumar, 2007) e que as estratégias de internacionalização e os processos de expatriação devem ser perspetivadas como dinâmicos e evolutivos (e.g. Taylor et al. 1996, Gong, 2003), sendo influenciados por vários fatores, entre eles: a origem geográfica da empresa (e.g. Harzing, 2001); o estádio de internacionalização e o risco político do país de acolhimento (e.g. Bonache et al. 2001); e a distância cultural entre países (e.g. Colakoglu, 2008).

Os resultados dessa investigação revelam que as estratégias de internacionalização influenciam o número e a função dos expatriados (e.g. Gong, 2003), o que se reflete no desempenho das subsidiárias. Indicam ainda que a transferência de práticas não é unidirecional. Os modelos de gestão de recursos humanos influenciam e são influenciados pelas empresas subsidiárias (Chew e Zu, 2002).

. Competências dos expatriados

Da revisão da literatura apresentada ressaltam contribuições para o perfil de competências dos expatriados. Apesar da relevância deste tópico, o perfil de competências exigido não reúne consenso entre os autores. Tung (1981) considera que um expatriado deve ter competências técnicas ou capacidades relacionadas com as atividades que irá desenvolver. Brislin (1981) coloca o enfoque em traços pessoais como a inteligência, tolerância e paciência, mas acrescenta também competências relacionais como empatia, sociabilidade e orientação não julgadora. Hammer et al. (1988) referem as competências comunicacionais, tais como respeito, orientação não julgadora, empatia, a capacidade para lidar com o stress, o estabelecimento de relações interpessoais e a tolerância à ambiguidade. Yavas e Bodur (1999) descrevem as aptidões pessoais requeridas que incluem a sensibilidade cultural, afinidade e simpatia, capacidade de adaptação a novas culturas, desafios e preparação mental para as diferenças culturais inerentes ao projeto. Frank e Nicholson (2002) concluem, a partir do estudo sobre os critérios de seleção dos expatriados, que as empresas valorizam sobretudo as competências técnicas, o desempenho anterior e a independência de gestão. Schneider e Barsoux (2003) salientam as qualidades interpessoais, as capacidades linguísticas, a motivação para viver no estrangeiro (curiosidade cultural), a tolerância à incerteza e ambiguidade, a flexibilidade, a paciência e o respeito, a empatia cultural, a personalidade forte e o sentido de humor.

Em síntese, não existe ainda um consenso sobre as competências subjacentes à seleção de expatriados. A diversidade de contextos culturais, as estratégias de internacionalização, a variedade de funções atribuídas aos expatriados e a multiplicidade de políticas de expatriação dificultam a tarefa de definição de competências (Deller, 1997).

Todavia, existe um subconjunto de competências que reúne algum consenso, o qual está particularmente relacionado com competências que são relevantes para o ajustamento intercultural do expatriado. Por exemplo, McCall e Hollenbeck (2003) sublinham que certas qualidades são fundamentais, designadamente a mente aberta e flexível, aliada à capacidade de viver e de trabalhar em variados cenários com múltiplas pessoas de culturas diferentes. O interesse e a sensibilidade cultural é igualmente um dos aspetos fundamentais, primando pelo respeito por outras culturas e pontos de vista, valorizando a empatia, as competências e atitudes sociais. Além disso, essas competências influenciam-se mutuamente, operam de uma forma sinérgica e têm consequentemente impacto conjunto na capacidade de ajustamento dos expatriados (Wang et al., 2014).

A par do reduzido consenso sobre as competências necessárias, a literatura é escassa na análise da relação entre o modelo de gestão internacional, o processo de expatriação e as competências exigidas aos candidatos. Bonache et al. (2001) sublinham que muitos estudos falham na análise da relação entre expatriação e estratégias de internacionalização das empresas. Neste sentido, Brewster e Scullion (1997) acrescentam que as políticas de seleção dos expatriados são frequentemente desenvolvidas de forma isolada e fracassam em relacionar a seleção dos expatriados com a estratégia de internacionalização de empresas. Adler e Ghadar (1990), do seu lado, sugerem que os processos de expatriação, nomeadamente a seleção dos candidatos, os critérios utilizados na avaliação do seu desempenho e o impacto que a experiência internacional tem nas carreiras, devem ser coerentes com o contexto em que as multinacionais operam e com a sua estratégia.

 

Dados e Metodologia

O estudo recorreu a uma amostra de três empresas portuguesas internacionalizadas com subsidiárias. A amostra não é representativa da população, mas do assunto que se pretende estudar e inclui empresas de diferentes setores: alimentar, construção e informática.

O interlocutor privilegiado foi o gestor de recursos humanos que, através de uma entrevista semiestruturada, forneceu informação sobre a estratégia de internacionalização, os países de acolhimento, o número de colaboradores expatriados e as missões a desenvolver.

Relativamente aos critérios de seleção, o guião da entrevista foi acompanhado por uma lista de competências concebida a partir da literatura que foi apresentada ao entrevistado. Procurou ainda recolher informação sobres competências sugeridas pelas empresas que não estavam previstas na proposta inicial. Adicionalmente foram tratados dados secundários relativos ao perfil demográfico dos expatriados. A informação recolhida foi submetida a uma análise de conteúdo.

No que respeita a classificação de competências, adotamos a proposta de Suleman (2012) que distingue capacidades cognitivas relacionadas com atividades mentais; capacidades estratégicas e organizacionais relevantes para a prossecução do negócio; capacidades relacionais e pessoais associadas aos comportamentos interpessoais e características individuais.

 

Evidência Empírica

. Caracterização das empresas da amostra

A Tabela 1 sistematiza a informação sobre as empresas, expatriados e suas características gerais.

A empresa A pertence a um grupo português do setor da indústria alimentar, com filiais em Portugal e na Polónia. É uma grande empresa que tem 10 expatriados portugueses na Polónia e 2 expatriados polacos em Portugal. O tempo médio de expatriação varia entre 4 a 5 anos.

Este grupo empresarial tem um único conselho de administração, sediado em Portugal, e uma única direção executiva, constituídos por membros das duas filiais. As decisões sobre o posicionamento no mercado, os objetivos estratégicos e os padrões de performance são tomadas conjuntamente. As reuniões de quadros do grupo, para a apresentação de resultados ou a definição dos planos estratégicos, integram responsáveis de Portugal e da Polónia.

As práticas de gestão de recursos humanos das duas geografias são delineadas pelos responsáveis de recursos humanos, em consonância com os objetivos estratégicos do grupo, sendo aprovadas pelo Conselho de Administração e pela Direção Executiva. A Direção de Recursos Humanos admite que, apesar de existirem estilos e métodos próprios em cada unidade, os princípios de gestão das duas geografias são os mesmos. A afetação dos recursos humanos responde às necessidades globais do negócio e obedece ao princípio do melhor enquadramento de competências para o desempenho da função, independentemente da origem e destino geográficos. O modelo de gestão de recursos humanos implementado segue um padrão de gestão global mas com respeito pelas particularidades locais. É flexível para atender às necessidades do país de destino mas coerente com a coordenação global. Como afirma o interlocutor, «o grupo destaca-se por ser capaz de pensar globalmente e agir localmente».

Este grupo empresarial opta exclusivamente pelo recrutamento interno de forma a proporcionar oportunidades de desenvolvimento profissional e de carreira. A expatriação é indicada como uma opção voluntária que decorre da vontade individual de ingressar numa carreira internacional. A empresa revela preferência por trabalhadores jovens e do sexo masculino, mas é indiferente o estado civil. Privilegia as competências relacionais como a capacidade de informar e influenciar, mas também cognitivas, designadamente a capacidade de análise, de inovação e a criatividade.

Os expatriados têm por objetivo assegurar funções técnicas, de gestão e direção nas subsidiárias. Para tal, o grupo promove a formação técnica necessária à função, mas também disponibiliza formação sobre as características económicas e culturais do país de destino. O objetivo é formar e apoiar os quadros para que estes se ajustem à cultura do país de acolhimento. A expatriação vem reforçar a cultura da empresa-mãe e a difusão de valores além-fronteiras. «A Empresa defende que a mobilidade geográfica contribui para a transferência das melhores práticas e acarreta a vantagem dessas práticas estarem alinhadas com a sua cultura organizacional» (Diretor de Recursos Humanos).

A empresa B é uma empresa fundada em 1999, cujo processo de internacionalização se iniciou no mesmo ano. Abrange uma diversidade de mercados internacionais, tendo começado com o mercado espanhol e posteriormente seguido para outros mercados, em diferentes continentes, como a Roménia, Angola, Moçambique, Brasil e Tailândia. Tem cerca de 129 expatriados distribuídos por vários países.

A sua estratégia baseia-se no controlo da atividade das subsidiárias a partir dos expatriados. Deste modo, a expatriação de trabalhadores está associada ao controlo das operações no estrangeiro, à transferência de conhecimentos técnicos (know-how) e à transmissão da cultura organizacional e dos objetivos da empresa. O recrutamento é preferencialmente interno e considerado como vantajoso por vários motivos: é menos dispendioso e mais célere; pode representar um benefício/prémio para os candidatos selecionados; a informação sobre os candidatos é mais fidedigna e ampla; existe, por parte dos candidatos, um conhecimento da cultura organizacional, o qual poderá ser mais facilmente transmitida na subsidiária. Todavia, a empresa recorre ao recrutamento externo para obter candidatos com o perfil adequado à função a desempenhar. Prefere candidatos do sexo masculino para ocuparem funções especializadas, mas também de gestão e de direção. Privilegia competências cognitivas, como a capacidade de análise de problemas e competências relacionais, nomeadamente a capacidade de comunicação.

A expatriação é encarada como uma situação transitória em que os expatriados têm como missão a identificação e desenvolvimento de talentos locais para futuramente ocuparem posições de gestão, sucedendo assim aos expatriados. A empresa forma os expatriados com o objetivo de estes adquirirem competências profissionais relevantes para a função que vão ocupar. O objetivo é transmitir conhecimentos e desenvolver a capacidade de inovação.

A empresa C foi fundada em 1998 e alcançou muito rapidamente (em 2 anos) a liderança do seu setor. Opera no setor da tecnologia da informação, fornecendo soluções de software, serviços e tecnologias para os sistemas de informação de empresas e organizações de diversos setores. É considerada uma das empresas mais reputadas em Portugal no setor e tem 22 expatriados em três países, EUA, Reino Unido e Singapura.

A empresa optou por expatriar funcionários para as funções-chave a fim de que estes produzissem na filial as diretrizes existentes na sede da empresa. Os primeiros expatriados foram enviados para os EUA com função definitiva, ou seja, sem prazo determinado para o seu retorno. «A empresa queria que na gestão estivessem pessoas da sede. É a nossa forma de acreditar no negócio».

A empresa seleciona preferencialmente pessoas do sexo masculino, casados, para ocuparem funções especializadas de gestão e de direção. Inicialmente, privilegiava exclusivamente as competências técnicas, descurando completamente o perfil comportamental. Todavia, as experiências de insucesso obrigaram a rever os critérios e a incluir competências comportamentais que passaram a ser consideradas como obrigatórias para todos os candidatos à expatriação. São disso exemplo, a abertura de espírito, a adaptabilidade, a iniciativa, a curiosidade, a generosidade, a liderança e a sociabilidade. Além da combinação de competências técnicas e comportamentais, a empresa considera como relevantes para o sucesso da expatriação: a experiência profissional, as habilitações académicas, a avaliação de desempenho, a motivação individual e o apoio familiar.

A preparação dos expatriados é uma prática recente, iniciada em 2006. A formação incide sobre questões culturais e linguísticas, mas também sobre as competências específicas e sobre as técnicas inerentes à função. A empresa disponibiliza um kit com as informações consideradas relevantes sobre o país de acolhimento, designadamente o modo de conduta, o enquadramento cultural e geográfico e os principais comportamentos sociais distintos dos portugueses.

. Comparação das empresas da amostra

A Tabela 2 sistematiza alguns indicadores relativos às estratégias de internacionalização e às políticas de expatriação das empresas.

A informação indicia que as empresas B e C adotam uma perspetiva de atuação tendencialmente etnocêntrica. Estas empresas têm os processos de decisão e controlo centralizados na casa-mãe, os fluxos de comunicação e informação são essencialmente unidirecionais e com origem na casa-mãe e as missões atribuídas aos expatriados são predominantemente estratégicas e funcionais. Todavia, a empresa B parece encarar a expatriação como um processo transitório que visa identificar talentos locais para suceder aos expatriados. A empresa A, considerando os processos partilhados de decisão e controlo, os fluxos bidirecionais de comunicação e informação, as missões estratégicas e de desenvolvimento atribuídas aos expatriados, parece enquadrar-se numa perspetiva geocêntrica.

As empresas diferem no tipo de funções que atribuem aos expatriados. Esta diferenciação poderá estar associada ao tipo de atividade desenvolvida. Certamente, as atividades de construção e de tecnologias de informação exigem mais competências técnicas que as da distribuição alimentar.

A Tabela 3 sistematiza as competências exigidas aos candidatos à expatriação que surgem agregadas por tipos consoante a sua natureza. A lista de competências combina a proposta submetida a apreciação e ainda as competências indicadas pelos interlocutores.

É possível identificar a diversidade de competências, bem como a forma de as designar, que podem ser relevantes para o ajustamento cultural. Relativamente às competências relacionais verificamos que a abertura de espírito, a orientação para os resultados, a negociação, a adaptabilidade, a liderança e a resistência ao stress são consideradas necessárias por todas as empresas. As outras competências são referidas por uma ou duas das empresas. As empresas A e B assemelham-se na indicação de capacidades como a análise de problemas e flexibilidade mental enquanto a B e C tendem a aproximar-se mais, indicando planeamento e organização, a capacidade de adaptação, a curiosidade e o respeito pelos outros. É de salientar que há ainda certas competências que são indicadas por uma única empresa: a multiculturalidade e a estabilidade emocional são apenas relevantes na empresa A, a comunicação, paciência e sensibilidade cultural são referidas pela empresa B, enquanto a C reconhece a necessidade de processar informação e trabalhar em equipa.

Importa referir que a diferenciação encontrada na valorização das competências relacionais entre a empresa A, B, e C poderá ser influenciada pelo setor de atividade[2]. A empresa A, sendo uma empresa de distribuição alimentar, necessitará de valorizar mais a interação cultural, pois o seu negócio exige que compreenda a cultura local para servir melhor os clientes. As empresas B e C operam em setores mais técnicos, podendo, eventualmente, ser menos exigentes nas competências relacionais requeridas aos expatriados.

 

Discussão dos resultados

Pretendíamos identificar o perfil de competências que as empresas privilegiam num candidato a expatriação e também averiguar em que medida as competências exigidas aos expatriados se relacionam com o modelo de gestão internacional adotado pela empresa.

Um aspeto relevante dos resultados é que as empresas reais configuram modelos impuros e combinados de modelos teóricos (Pelmutter, 1969; Rose e Kumar, 2007). A caracterização sumária das empresas sugere que a empresa A apresenta particularidades que a aproximam de um modelo geocêntrico, a empresa B manifesta propriedades do modelo etnocêntrico, mas igualmente do modelo policêntrico, enquanto a empresa C revela características do modelo etnocêntrico. As duas últimas privilegiam e preparam expatriados para ocupar funções-chave nas subsidiárias, enquanto a empresa A recruta trabalhadores qualificados no local ou envia expatriados, privilegiando a competência onde quer que ela esteja disponível. A empresa B ilustra um caso de combinação de modelos: o controlo e a gestão são assegurados por expatriados, mas explora o mercado local para identificar e recrutar talentos. Neste sentido, a sua gestão internacional inclui propriedades do modelo policêntrico, pois a expatriação representa um meio de preparação de quadros locais, sugerindo que atribui funções-chave a trabalhadores do país de acolhimento.

A análise da Tabela 3 indica, ainda, que existe um consenso entre as empresas da amostra em torno de seis competências que poderemos designar de competências-chave para a expatriação. Incluem capacidades estratégicas, como a negociação e orientação para os resultados, e capacidades relacionais e pessoais, designadamente abertura de espírito, adaptabilidade, liderança e resistência ao stress.

Da proposta de competências fundamentais de McCall e Hollenbeck (2003), apenas o traço individual «mente aberta» é comum às empresas da amostra. As restantes aproximam-se das outras propostas, designadamente a resistência ao stress que é enfatizada por Hammer et al. (1988).

É ainda interessante sublinhar a combinação de competências relacionadas com o ajustamento cultural, o que é, de certa forma, singular. Explicitando, o interlocutor da empresa A sugere que a expatriação e o ajustamento cultural dependem da preparação para lidar com culturas diferentes, da estabilidade emocional, da capacidade de viver, adaptar e trabalhar em contextos diversos. As empresas B e C propõem a capacidade de adaptação, o respeito pelos outros e a curiosidade, e a B indica também sensibilidade cultural.

A questão central desta pesquisa era analisar a relação entre as competências requeridas e os modelos de gestão internacional. Os resultados sugerem que existe uma certa diferenciação na valorização das capacidades e comportamentos culturais. Enquanto a empresa A, que classificámos de geocêntrica, reconhece a existência de múltiplas culturas e valoriza a interação com elas, as empresas com características etnocêntricas privilegiam o respeito pelos outros e a curiosidade que, segundo Schneider e Barsoux (2003), poderá ser a motivação para a expatriação, mais do que a interação. Esta ideia parece estar subjacente à sensibilidade cultural que é sugerida pela empresa B.

A combinação de competências indica que as empresas tendem a procurar uma coerência entre as opções relativas às estratégias de internacionalização e o tipo de competências a procurar na seleção dos candidatos a expatriar. Assim, esta pesquisa contribui para a discussão lançada por Brewster e Scullion (1997) que criticam a ausência de relação entre seleção de expatriados e estratégia de internacionalização.

Importa ainda reter que as empresas com características etnocêntricas reconhecem a importância das capacidades cognitivas como planear e organizar o trabalho que estão certamente associadas às funções de gestão e direção do expatriado nas subsidiárias. Adicionalmente, a empresa C é a única a indicar a capacidade de tomar decisões e o trabalho em equipa como sendo relevantes para um expatriado. É importante relembrar as dificuldades enfrentadas pela empresa C, descritas aquando da sua caracterização, por descurar as capacidades comportamentais na seleção dos candidatos à expatriação. Deste modo, as empresas tendem a procurar uma coerência entre as suas opções de modelo de gestão e os critérios de seleção, designadamente as competências requeridas. Os resultados indiciam também que essas necessidades de competências são dinâmicas e se ajustam ao longo do processo de expatriação.

 

Notas conclusivas

Esta pesquisa pretendeu analisar a relação entre estratégias de gestão internacional e as competências exigidas aos candidatos à expatriação. Os resultados obtidos não são conclusivos nem generalizáveis, pois resultam de um conjunto de três estudos de casos. Todavia, abrem espaço de reflexão e pistas de investigação que podem ser relevantes para os gestores de empresas e para os responsáveis pelas políticas de internacionalização e formação de expatriados.

Pudemos aferir que as empresas seguindo tendencialmente um modelo de gestão, podem associar propriedades de outros. Quer isto dizer que a evidência aponta para modelos mistos, como foi claramente o caso da empresa B que apresenta características do modelo etnocêntrico e do policêntrico.

A evidência mais relevante deste trabalho prende-se com a associação destes modelos ao perfil de competências exigido ao expatriado. Verificamos que há um certo consenso em torno de, pelo menos, seis competências, que poderemos designar de transversais ao processo de expatriação. Todavia, o que diferencia particularmente as empresas são as competências que afetam o ajustamento cultural. Os resultados sugerem que existe uma diferenciação neste tipo de competências.

Enquanto o modelo geocêntrico tende a privilegiar a multiculturalidade que pressupõe a valorização da interação entre culturas; o respeito e a sensibilidade cultural são predominantes no modelo etnocêntrico. Este resultado merece ser aprofundado em pesquisas futuras, pois está em consonância com o sugerido por Caligiuri e Colakoglu (2007), e indicia que uma das competências-chave para o processo de expatriação, a integração cultural, varia em nível de exigência com a estratégia internacional e a missão dos expatriados.

Apesar das limitações de um trabalho de natureza exploratória, os resultados proporcionam uma oportunidade de reflexão sobre a internacionalização das empresas de uma economia pequena e aberta como a portuguesa. Este trabalho pretendeu servir de base para pesquisas futuras em que haja uma recolha de dados mais alargada, especialmente de natureza quantitativa. Esses dados, juntamente com a análise estatística, seriam relevantes para identificar combinações de competências cruciais ao ajustamento cultural e sucesso da expatriação.

Em estudos futuros, considera-se também pertinente analisar a influência que o setor de atividade e a distância cultural entre o país de origem e o país de acolhimento poderão ter no tipo de estratégias de internacionalização pelas empresas e nas exigências em competências culturais dos expatriados.

 

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Recebido em outubro de 2014 e aceite em março de 2015.
Received in October 2014 and accepted in March 2015.
Recibido en octubre de 2014 y aceptado en marzo de 2015.

 

 

NOTAS

[1] Os autores não definem o que entendem por competências interculturais.
[2] O estágio de internacionalização das empresas poderá influenciar também o tipo de competências exigidas aos expatriados, mas no caso concreto das empresas A, B e C, estas iniciaram o seu processo de internacionalização em datas aproximadas.

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