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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa
versão impressa ISSN 1645-4464
RGPLP vol.17 no.2 Lisboa ago. 2018
ARTIGOS
Quantos participantes são necessários para um estudo qualitativo? Linhas práticas de orientação1
¿Cuántos Participantes son necessários para un estúdio cualitativo? Líneas práticas de orientación
How many participants are necessary for a qualitative study? Practical guidelines
Arménio Rego*, Miguel Pina Cunha** e Victor Meyer Jr.***
* Doutorado em Gestão pelo ISCTE-IUL. Professor na Católica Porto Business School. Diretor do LEAD.Lab, Rua de Diogo Botelho, 1327, 4169-005 Porto, Portugal. arego@porto.ucp.pt
** Doutorado em Gestão, Tilburg University, Holanda. Professor Fundação Amélia de Mello de Liderança, Nova School of Business and Economics, Universidade Nova de Lisboa, Presidente do Conselho Científico, Campus de Campolide, 1099-032 Lisboa, Portugal. miguel.cunha@novasbe.pt
*** Doutorado em Administração da Educação Superior, The University of Houston, Estados Unidos da América. Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração (Mestrado e Doutorado), Escola de Negócios, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Prado Velho, CEP 80215901, Curitiba, Paraná, Brasil. victormeyerjr@gmail.com
RESUMO
Uma das dificuldades associadas à realização de investigação qualitativa remete para a dimensão das amostras. Com alguma frequência, os investigadores não justificam a sua escolha de N e são por isso criticados. Este artigo apresenta linhas de orientação para a determinação e justificação do número de casos a usar numa investigação qualitativa. Defende que (a) o aumento da dimensão da amostra não é, em si, uma vantagem, e (b) a quantidade desejável de casos da amostra depende da pergunta de investigação e da declinação da mesma numa série de linhas orientadoras.
Palavras-chave: Dimensão da Amostra; Investigação Qualitativa; Entrevistas; Saturação Teórica
RESUMEN
Una de las dificultades asociadas a la realización de la investigación cualitativa se remite al tamaño de las muestras. Con cierta frecuencia, los investigadores no justifican su elección de N y son por eso criticados. Este artículo presenta líneas de orientación para la determinación y justificación del número de casos a utilizar en una investigación cualitativa. Defiende que (a) el aumento del tamaño de la muestra no es, en sí, una ventaja, y (b) la cantidad deseable de casos de la muestra depende de la pregunta de investigación y de la declinación de la misma en una serie de directrices.
Palabras clave: Dimensión de la Muestra; Investigación Cualitativa; Entrevistas; Saturación Teórica
ABSTRACT
One of the difficulties associated with qualitative research refers to sample size. Researchers often fail to present a justification for their N and are criticized for that. This article presents guidelines for determining and justifying sample size in qualitative research. It defends that (a) the increase of size is not, per se, an advantage and that (b) the answer depends on the orienting research question and on a number of interrogations it poses.
Keywords: Sample Size; Qualitative Research; Interviews; Conceptual Saturation
Quem trabalha com métodos qualitativos, sobretudo jovens investigadores ou estudantes das ciências sociais, confronta-se frequentemente com a pergunta que dá título a este texto: quantos participantes devem ser inquiridos, ou quantos casos devem ser estudados, para realizar um estudo qualitativo? A questão merece uma tentativa de clarificação estruturada.
Embora exista, em alguns meios, um enviesamento em favor da pesquisa quantitativa, a investigação qualitativa contribui igualmente para o avanço do conhecimento científico. Mesmo as questões mais prementes podem beneficiar do trabalho baseado neste tipo de abordagens (Eisenhardt et al., 2016). Naturalmente, importa que o estudo qualitativo seja fiável e rigoroso. E a dimensão da amostra é um elemento essencial dessa validade. Os equívocos são, todavia, frequentes, como os dois exemplos seguintes sugerem.
Primeiro exemplo: durante o processo de revisão de um artigo qualitativo numa publicação internacional, os autores deste texto foram confrontados com um revisor anónimo que insistia que, naquele tipo de investigação, ele mesmo nunca usava menos de 100 entrevistas. Não apresentava qualquer argumento substantivo. Numa conferência internacional, o editor de uma das melhores revistas internacionais na área da gestão confidenciava-nos algo similar. Eis o seu argumento: as boas revistas são cada vez mais exigentes. É preciso, pois, aumentar a quantidade na dimensão da amostra. Também não apresentou razão substantiva. Mas o argumento alimenta a ideia de que, no mundo das publicações, a fronteira entre opinião e opinião fundamentada nem sempre é cuidada. E, por vezes, o argumento usado é o da «autoridade» – o de quem tem poder para decidir se um artigo é ou não aceite para publicação.
Segundo exemplo: há alguns anos, uma colega de um dos autores, na discussão de uma tese de mestrado que este orientara, manifestou o seu desconforto porque a amostra do trabalho empírico era pequena. Alegou, ainda, que o trabalho continha «meramente» texto – talvez com isso significando que o trabalho não podia ser realmente sério. O comentário ilustra o preconceito com que os métodos qualitativos (uma espécie de «parente pobre»; Jonsen et al., 2017) ainda se confrontam em alguns domínios: se a amostra é pequena, o estudo não é válido – e, no limite, não pode ser considerado científico.
Este tipo de argumentos resulta, em certa medida, de uma apregoada necessidade de generalização: um estudo só será válido se for generalizável ou universal. Esta noção genérica é contestável. Em primeiro lugar, existem várias formas de generalização. Em segundo lugar, o argumento presume, erradamente, a superioridade da investigação dedutiva sobre a indutiva, da positivista sobre a interpretativa. Negligencia o facto de a própria investigação quantitativa ser vulnerável a um conjunto de enviesamentos. Um dos mais frequentes e potencialmente problemáticos ocorre quando o investigador procura encontrar correlações significativas e, depois de encontrá-las, «descobre» hipóteses que fazem pouco sentido do ponto de vista teórico, mas ajudam a justificar os asteriscos encontrados nas correlações significativas (Hollenbeck e Wright, 2017).
Daqui decorre que os dados quantitativos, por serem aparentemente «exatos», não são necessariamente mais capazes de descrever a realidade do que os dados qualitativos. O que mais releva para a investigação é que a mesma – quantitativa ou qualitativa – seja de boa qualidade, isto é, fiável, rigorosa e válida. Por conseguinte, não assumimos que a investigação qualitativa é superior à quantitativa, nem o inverso. Procuramos apenas ajudar a responder a uma questão recorrente que se depara a quem faz investigação qualitativa.
O texto está organizado da seguinte forma. Começamos por apresentar uma nota preliminar sobre o recurso à investigação qualitativa. De seguida, apresentamos as questões de base para a determinação do tamanho de uma amostra, após o que transformamos essas questões num conjunto de linhas práticas para a ação. Discutimos, depois, um naipe de erros comuns na investigação qualitativa, relacionados direta ou indiretamente com a dimensão da amostra. Para não frustrar o leitor, terminamos com algumas regras de algibeira.
Antes de prosseguir, importa alertar o leitor para o seguinte: não existem, como Shaw (2017) explicou a outro propósito, elixires mágicos. Mas este não é apanágio exclusivo dos estudos qualitativos. Alguns leitores estão seguramente conscientes de várias disputas e desacordos em torno dos estudos quantitativos. Eis alguns exemplos: qual a dimensão apropriada de uma amostra para que se possa realizar uma análise fatorial válida? Quais os valores desejáveis dos índices de ajustamento de um modelo de equações estruturais? Devem (e como) ou não ser inseridas variáveis de controlo num estudo quantitativo (Becker, 2005; Bernerth e Aguinis, 2016)? Quais os valores do ICC que justificam a agregação de dados individuais ao nível da equipa ou da organização (Cole et al., 2011)? Estas questões são respondidas de modo diferente por diferentes académicos.
Nota preliminar: porquê um estudo qualitativo?
Não nos deteremos longamente na discussão da diferença entre investigação qualitativa e quantitativa. O leitor interessado poderá encontrar discussões sobre essa matéria, por exemplo, em Bryman (1984). Apresentamos um resumo das diferenças no Quadro 1.
Focando-nos nos estudos qualitativos, aqui deixamos desde já a seguinte nota: a opção pela abordagem qualitativa (e.g., com recurso a entrevistas) deve ser consciente e fundamentada. O investigador deve também ser consequente na utilização do método. Ou seja, a escolha tem consequências do ponto de vista metodológico. Requer cuidados na obtenção dos dados, na sua análise, na sua apresentação e na discussão.
Estudos qualitativos, por exemplo de natureza indutiva, têm por objetivo estudar um fenómeno de forma estreitamente articulada com o seu contexto. Esta escolha comporta vantagens, nomeadamente a de permitir entender a relação entre fenómenos e contextos. Mas também envolve custos, como o da dificuldade de generalização. Estudos qualitativos podem permitir generalização conceptual, mas apresentam óbvias limitações em matéria de generalização estatística, para a qual, de resto, não foram desenhados. Por outro lado, não têm por objetivo testar teoria nem identificar as caraterísticas universais de um processo, independentemente do contexto.
Ou seja, e resumindo: se o leitor envereda por um estudo qualitativo porque o mesmo requer uma amostra de pequena dimensão e, assim, requer menos trabalho, estará em boas condições para violar uma série de preceitos de utilização destes métodos (e dificilmente alcançará o desejo de ter menos trabalho). Por essa razão, é importante que a escolha seja baseada no tema de investigação e não na quantidade de trabalho que presumivelmente o método usado acarretará.
Questões de base
Um critério frequentemente avançado para justificar a dimensão da amostra é a saturação teórica ou conceptual. A noção foi avançada por Glaser e Strauss (1967) no âmbito da prática de comparação constante entre teoria e dados. Alcança-se saturação quando se obtém uma forte correspondência entre os dados, a literatura e a teoria (McDonald e Eisenhardt, 2017). Ou seja: a partir de determinada quantidade de casos, a recolha de mais casos (e.g., a realização de novas entrevistas) não acresce informação nova, atingindo-se saturação.
A saturação teórica é frequentemente declarada, mas não explicada (Bowen, 2008), o que implica, da parte do leitor, um ato de fé: o leitor do artigo acredita que os dados saturaram a capacidade de extrair nova evidência. Mas a expetativa, por parte do investigador, de que o leitor faça o trabalho interpretativo não é adequada. Compete ao investigador mostrar evidência de saturação em vez de a decretar. Cabe-lhe justificar a dimensão da amostra em vez de simplesmente a afirmar.
As questões colocadas por Malterud et al. (2016) ajudam a aumentar a transparência do processo de definição da amostra e apresentam argumentos genuinamente explicativos. N deve ser suficientemente grande e diverso para responder aos objetivos do estudo. O que significa, como se discutirá, que pode ser igual a 1 em alguns estudos – especialmente quando o poder informacional é forte. Poder informacional significa que, quanto maior a quantidade de informação relevante detida pelos informadores, menor é a quantidade de informadores/participantes necessária (ver Figura 1).
Para determinar o poder informacional de uma amostra, é útil responder a cinco questões (Malterud et al., 2016):
- Qual o objetivo do estudo?
- Qual o nível de especificidade da amostra?
- Quão estabelecido é o referencial teórico?
- Qual o nível de qualidade do diálogo?
- Qual a estratégia analítica?
Qual o objetivo do estudo?
Qual o objetivo do estudo: uma questão ampla ou estreita? Quanto mais amplo o objetivo do estudo, maior é o número de casos necessários para o investigar. Por exemplo, um estudo sobre como a paixão pelo trabalho ajuda a ultrapassar a escassez de recursos requer menos sujeitos que o estudo das causas ou antecedentes da paixão. A segunda pergunta assume um número de cambiantes muito mais amplo que a primeira.
Se uma investigação pretende responder a uma questão ampla, é provável que a saturação teórica ocorra mais tarde, isto é, com uma amostra de maior dimensão. Se um tópico é muito circunscrito, a saturação será presumivelmente obtida de forma mais expedita, isto é, com um número mais reduzido de casos. Por outras palavras, um grande desafio requer um número mais elevado de ângulos de observação. Não parece razoável pretender resolver um problema complexo de forma simples. Mas, mesmo nessa situação, é possível encontrar exceções: mediante acesso a um pequeno grupo de peritos, o investigador pode argumentar que esses peritos dispõem de conhecimento mais rico (i.e., mais poder informacional) que os demais, o que reduz a necessidade de aumentar a amostra.
Qual o nível de especificidade da amostra?
A quantidade de informantes é também influenciada pela especificidade da amostra. Amostras muito específicas requerem informantes com caraterísticas muito homogéneas, o que pode conduzir a amostras de menor dimensão. Como resultado, essa homogeneidade pode dar acesso a informação interessante de forma concentrada. O estudo de Creed et al. (2010), sobre ministros religiosos LGBT de denominações protestantes, não requer (por razões pragmáticas, mas também conceptuais) uma amostra como a requerida pelo estudo de ativistas LGBT em geral.
Em alguns casos, níveis de especificidade muito elevados podem justificar o recurso a amostras pequenas, incluindo de 1 (Dukes, 1965; Tsoukas, 2009). Um estudo de Cunha et al. (2015) sobre a importância das experiências fisiológicas no processo de construção de sentido num ambiente de campo de morte foi realizado com base na experiência de um único sobrevivente do campo S-21 em Phnom Penh, Camboja.
Quão estabelecido é o referencial teórico?
Quanto mais estabelecido é o referencial, maior é a possibilidade de o estudo incidir numa subquestão da teoria. A amostra requerida é então menor que a necessária para uma teoria sem história. Por exemplo, a definição de objetivos tem um referencial teórico muito maduro (Locke et al., 1981); o papel dos cachorros nas organizações não tem (Rego e Cunha, 2017).
Se uma nova teoria como a perceção do choro de profissionais femininas no local de trabalho requer a contemplação de um conjunto largo de possibilidades (donde a composição de uma amostra de 65 por Elsbach e Bechky, 2017), a exploração de uma questão específica no âmbito de uma teoria estabelecida requer presumivelmente mais profundidade do que amplitude. Consequentemente, requer menor quantidade de informantes que são mais conhecedores do que muitos informantes. Por isso, embora a definição de objetivos seja uma teoria bem estabelecida (Kanfer e Chen, 2016), um estudo sobre o papel dos objetivos no descarrilamento ético numa organização (como o banco norte-americano Wells Fargo) pode beneficiar de um pequeno número de entrevistas com informantes-chave. Amostras pequenas mas bem selecionadas podem ajudar a refinar teorias estabelecidas.
Qual o nível de qualidade do diálogo?
A dimensão de uma amostra também depende da qualidade do diálogo com os informantes. Em alguns estudos, o investigador dispõe de acesso privilegiado ao terreno, o que lhe permite obter boa informação a partir de menor quantidade de participantes. Quando os entrevistados se mostram relutantes, é porventura necessário alargar a dimensão de amostra e inquirir uma quantidade superior de participantes. Numa investigação em curso, com díades de pais e filhos em empresas familiares, um filho aceitou participar por influência materna, mas a entrevista não durou mais de cinco minutos. Como o leitor compreenderá, não foi uma fonte de informação relevante. Noutros estudos, o acesso é quase livre, o que pode significar amostras mais curtas. Quanto o acesso é fácil, o investigador deve explicitar a razão dessa facilidade, pois as organizações não costumam ser muito recetivas a investigadores «à solta». Por vezes, como explicado por Anteby (2013), os próprios revisores dos artigos submetidos desconfiam da facilidade de acesso, pelo que os autores devem explicar em que condições o autor acedeu ao contexto estudado.
Qual a estratégia analítica?
Finalmente, importa perguntar qual a estratégia analítica. O estudo refere-se a um caso específico ou a vários casos? O alargamento do número de casos tende a ser acompanhado do aumento da amostra. No âmbito de cada caso, é importante refletir sobre quantas interpretações são necessárias para responder à pergunta. Se a questão tem a ver com o pensamento do CEO, um número reduzido de informantes pode ser suficiente, por se tratar de um grupo com alguma homogeneidade. Mas se a pergunta se relaciona com a forma como a estratégia é interpretada a vários níveis numa empresa, limitar a questão ao CEO será uma fonte de enviesamento.
É, pois, importante definir e explicar o racional para a escolha de um ou vários casos. O foco num caso remete normalmente para o seu caráter extraordinário ou extremo (Eisenhardt, 1989). Também aqui é necessário explicar as razões pelas quais o caso é considerado extremo, não bastando afirmá-lo, como temos encontrado na nossa atividade enquanto reviewers. Alguns autores referem a natureza «dramática» do seu caso, mas a mesma não é evidente para o leitor – embora devesse sê-lo.
Procedimentos
As perguntas anteriores permitem operacionalizar alguns procedimentos a adotar para determinar o número de entrevistados e de entrevistas (Morse, 2000):
- Verifique a formulação da questão de investigação. Está a mesma explicitamente formulada e apresentada? Que indicações oferece relativamente à dimensão da amostra?
- Explique a escolha de um método qualitativo. Definida a questão, é uma boa prática explicar a escolha de uma abordagem qualitativa. Explique as razões pelas quais adota um estudo qualitativo e qual a abordagem qualitativa específica (etnografia, grounded theory, estudo de caso, etc.).
- Defenda a dimensão da amostra. Defina e explicite os critérios usados nessa decisão. A dimensão é frequentemente definida a posteriori – com base, alegadamente, na saturação teórica. Mas há abordagens mais convincentes. Alguma evidência sugere que os autores iniciam a investigação com um número mínimo de informantes estabelecido a priori (muitas vezes em múltiplos de 10; vide Boddy, 2016). Realizadas as entrevistas definidas e elaborado o modelo, os investigadores conduzem depois uma quantidade adicional de entrevistas para testar a adequabilidade do modelo. Esta é uma forma eficaz de justificar – em vez de apenas afirmar – a saturação teórica. Por outro lado, pode ajudar a evoluir da saturação dos códigos para a saturação dos significados: se a codificação dos dados pode eventualmente ser alcançada ao fim de 9 a 12 entrevistas (Henninck et al., 2017), 16 a 24 entrevistas podem ser necessárias para saturar os significados e obter informação mais texturada dentro de cada código.
- Defina a amostra de forma propositada. Normalmente, a investigação qualitativa não tem por objetivo testar hipóteses, antes visando explorar um tema ainda escassamente estudado, alargar um domínio teórico, ou ganhar profundidade em alguma matéria específica. Por essa razão, a escolha dos informantes num estudo e dos casos a analisar não é necessariamente aleatória. A amostragem pode ser propositada, isto é, definida segundo o interesse do tema em análise. Importa também estabelecer, à partida, quantas vezes se aborda cada informante – o que, mais uma vez, depende da natureza do estudo.
- Explique como atingiu a saturação conceptual. Com frequência, os autores apenas afirmam a saturação; mas importa explicar o processo.
Erros comuns
Um artigo científico é um exercício de persuasão. E o seu autor é um aprendiz de Xerazade (Pollock e Bono, 2013). Essa capacidade persuasiva pode, todavia, ficar hipotecada quando alguns erros são cometidos. Discutimos aqui cinco dos mais comuns: (1) recurso a números mágicos; (2) saturação do autor; (3) ocultação de dados; (4) não explicação da transformação dos dados em conhecimento; (5) não revelação do contributo teórico.
Alguns destes erros têm diretamente a ver com a dimensão da amostra; outros não, mostrando que mesmo grandes amostras nada garantem se, a jusante, forem cometidos erros como os que se seguem.
Números mágicos
O recurso a números mágicos, como, por exemplo, múltiplos de dez (logo, números redondos), sem explicação não é convincente. Fazer muitas entrevistas não é valioso per se, nem é necessariamente criador de valor. Fazer 30 entrevistas não é necessariamente melhor que fazer metade de 30.
Saturação do autor
A saturação teórica tornou-se o padrão de ouro para determinar a dimensão da amostra. Mas a saturação relevante é a dos dados, não a do autor. É frequente os investigadores menos experimentados quererem parar a recolha porque o processo é moroso e a transcrição penosa. Mas a qualidade de um trabalho qualitativo depende da riqueza da informação colhida (O’Reilly e Parker, 2012). O investigador, mesmo que esteja saturado, deve prosseguir na recolha de dados até alcançar saturação teórica.
Ocultação dos dados
Não basta fazer as entrevistas: é importante mostrar o material semântico que delas resulta. Importa mostrar os dados e explicar como foram analisados e transformados em conhecimento. É cómodo fazer 30 entrevistas e mostrar apenas as afirmações dos entrevistados que suportam o argumento dos autores. Mas essa não é a forma correta de fazer investigação. Fazer isso corresponde a remover de um estudo quantitativo os participantes que contrariam a hipótese (e.g., remover da análise os dados de doentes em que o medicamento testado não surtiu os efeitos desejados ou gerou consequências perversas).
Não explicação da transformação
A apresentação do processo de análise é importante. Conduzir 50 entrevistas é meritório. Mas se tiverem sido selecionados apenas os dados que validam conclusões preestabelecidas, as 50 entrevistas de pouco valerão. O trabalho qualitativo serve, em forte medida, para realizar investigação a partir dos dados e não de hipóteses. Daí a importância da apresentação e da explicação de todo o processo. Afirmar a realização de um grande número de entrevistas e não as traduzir em algo visível (normalmente sob a forma de tabelas) tem escasso valor.
Não apresentação de uma contribuição teórica
O objetivo da investigação é fazer progredir a teoria (Staw e Sutton, 1995), ou seja, o conhecimento sobre o assunto sob investigação. Citações interessantes podem facilitar a leitura, tornando-a mais agradável, mas, no final, o que conta é a relevância da contribuição – com mais ou menos entrevistas, dependendo da resposta à pergunta de investigação.
Regras de algibeira
Os cinco erros mostram que a resposta à questão da dimensão da amostra depende criticamente da questão de investigação. Em função desta, o aumento da dimensão pode ser irrelevante, ou até mesmo negativo ou contraproducente. Ou seja, o tamanho conta menos do que o leitor possa pensar.
Não há poções mágicas: o número de sujeitos não é importante em si mesmo (Sandelowski, 1995). De qualquer modo, o leitor poderá beneficiar com algumas orientações práticas sobre números específicos. Apresentamos seguidamente algumas possibilidades de escolha, resumidas no Quadro 2.
Estas indicações não são regras. Acabámos de sugerir que 50 representa uma amostra grande, mas Nissen (2005) usou uma amostra de 200 com o simples argumento de que foi aí atingida a saturação teórica (note-se de novo a «redondeza» do número, o que leva a congeminar se não haverá «superstições» numéricas também no mundo académico!). Um apoio prático importante é o texto de Marshall et al. (2013). Apresenta uma tabela com informação importante sobre valores habituais na investigação qualitativa. Como guia de orientação e de argumentação, é uma referência útil, pois o leitor poderá comparar a dimensão da sua amostra com a de um padrão exterior.
Outra possibilidade: Dworkin (2012) estabelece um intervalo de 25 a 30 participantes como a dimensão mínima para trabalhos com entrevistas em profundidade. Esse número, segundo o autor, oferece algumas garantias de que a informação colhida permite estabelecer uma resposta de qualidade à questão de investigação, mas também aumenta a possibilidade de obter casos negativos.
Como nota final, sugerimos ao leitor que regresse à questão fulcral: o trabalho «desafia, modifica ou avança aquilo que sabemos a um nível teórico?» Se a resposta a esta questão de Shaw (2017, p. 821) for negativa, a dimensão da amostra é apenas um pormenor irrelevante.
Conclusão
A investigação, quantitativa ou qualitativa, tem por objetivo modificar, desafiar ou avançar o conhecimento na sua respetiva área. A investigação qualitativa tem como objetivo típico a descoberta de elementos contextualmente específicos. A dimensão da amostra é um elemento instrumental, mas crítico para a validade do estudo. Uma vez que a investigação qualitativa trabalha normalmente com pequenos números, compete aos autores explicar a razão pela qual os seus números são adequados para responder à pergunta de investigação.
Neste texto, apresentamos pistas de ação para os investigadores que recorrem a esta abordagem. Mas deixamos duas notas finais. Primeira: quando submeter o seu artigo com recurso a metodologias qualitativas, prepare-se para receber opiniões de reviewers muito diversas. Este é um domínio cujas fronteiras não são necessariamente precisas. Pode ultrapassar essa dificuldade através do recurso a argumentos sólidos publicados por investigadores reputados em revistas de boa qualidade. Segunda: antes de submeter o artigo a uma determinada revista, realize benchmark (Woods, 2017): certifique-se dos estudos qualitativos que têm sido publicados sobretudo nessa revista.
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Recebido em novembro de 2017 e aceite em março de 2018
Recibido en noviembre de 2017 y aceptado en marzo de 2018
Received in November 2017 and accepted in March 2018
NOTAS
1 Miguel Pina e Cunha agradece o apoio da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, projeto Ref. UID/ECO/00124/2013 e POR Lisboa, projeto LISBOA-01-0145-FEDER-007722.