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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.10 Lisboa  2007

 

Revolução e Utopia. Um programa de acção no campo educativo para uma sociedade a caminho do socialismo – Portugal 1975

António Teodoro*

 

 

Quando, em 1977, preparava a edição de um livro sobre os programas de educação dos seis Governos provisórios, foi-me facultado pelo António Manuel Hespanha um documento que as contingências da revolução não permitiram que tivesse sido divulgado no seu tempo. Tratava-se nada mais nada menos do que o programa de acção do Ministério da Educação e Investigação Científica (MEIC) do IV Governo provisório, discutido e aprovado em sucessivas reuniões do Conselho de Directores-Gerais, entre Abril e Maio de 1975.

À época, onde as reuniões se multiplicavam a um ritmo estonteante, o centro nevrálgico de decisão colectiva do MEIC situava-se no Conselho de Directores-Gerais, que, sob a direcção dos Secretários de Estado - e raramente do Ministro, major José Emílio da Silva -, reunia com uma periodicidade quase semanal todos os responsáveis pelas direcções-gerais ou organismos equiparados do Ministério. Foi o Conselho que discutiu e elaborou esse programa de acção, no contexto das novas orientações traçadas para todos os domínios da actividade governativa após o 11 de Março de 1975, onde o objectivo da construção de uma sociedade socialista se colocara como o rumo da revolução portuguesa**.

Na elaboração e discussão desse programa de acção participaram, entre outros, Rui Grácio, Avelãs Nunes e Fonseca Almeida, respectivamente Secretários de Estado da Orientação Pedagógica, do Ensino Superior e Investigação Científica e da Administração Escolar, bem como Rogério Fernandes, Raul Gomes, António Hespanha - que fora o relator geral do documento, António Brotas e Manuela Silva, responsáveis pelas Direcções-Gerais dos Ensinos Básico, Secundário e Superior, pelo Gabinete de Estudos e Planeamento e pelo Instituto de Tecnologia Educativa. O programa incluía também um capítulo sobre cultura física e desporto escolar, cujo projecto fora elaborado por Alfredo Melo de Carvalho, então Director-Geral dos Desportos, mas cujo texto não consegui ainda recuperar.

Razões de ordem editorial não me permitiram, em 1977, publicar esse documento, fundamental para uma compreensão dos projectos e propósitos da revolução portuguesa no campo da educação nesse seu período crítico entre o 11 de Março e o Verão quente de 1975. Depois de uma primeira divulgação no Encontro Ibérico de História da Educação que debateu as transições democráticas de Portugal e Espanha (Castelo Branco, 2005), (re)publica-se agora um texto marcante da história da educação em Portugal.

 

 

 

Programa de acção do Ministério da Educação e Investigação Científica (MEIC) do IV Governo Provisório

 

1.

As tarefas do ensino estão entre as tarefas prioritárias da revolução portuguesa. Neste sentido elas têm, por um lado, que ser decididamente assumidas por todas as forças progressistas e patrióticas e, por outro lado, só se justificam se se enquadrarem claramente na estratégia revolucionária estabelecida no programa do Movimento das Forças Armadas, cujos objectivos principais são a instauração de uma sociedade socialista e o reforço da independência nacional, através da mais ampla participação e organização das massas populares.

De facto, a Escola não pode continuar isolada dos problemas concretos que se põem à sociedade portuguesa, dedicada a um saber desenraizado das novas necessidades históricas ou ocupada em debates ideológicos estéreis e fechada aos filhos das classes mais desfavorecidas. Este último aspecto é, de resto, fundamental e é de supor que esteja na raiz dos restantes. É uma verdade gritante que a Escola Portuguesa não tem pertencido e, portanto, não tem reflectido o povo português. Logo, é uma opção política prioritária abri-la realmente a todos os portugueses, independentemente do seu poder económico ou da sua proveniência regional, estabelecendo uma política de discriminação positiva que favoreça aqueles que, até agora, não tenham tido iguais oportunidades de a frequentar — as classes trabalhadoras e as populações não urbanas.

Daqui deriva que o problema do ensino, como questão nacional, diz respeito a todo o povo português, isto é, tanto àqueles que frequentam a escola como àqueles que a não frequentam ou que nunca a frequentaram. Diremos mesmo que ele pertence mais a estes últimos do que aos primeiros, pois são os não escolarizados os que mais legitimidade têm para, em nome do seu sacrifício, fazer exigências no que respeita à política da educação. Por isso mesmo é que se torna indispensável tornar estas massas não escolarizadas conscientes dos seus direitos cm relação à Escola e comprometê-las decisivamente na nova política educativa.

 

2.

São estes os vários sentidos do objectivo número um da política da educação — a democratização do ensino. Democratizar a escola é, portanto: (a) abri-la a todas as camadas sociais e regionais, privilegiando, para já, o acesso à Escola das classes trabalhadoras e das populações rurais, (b) pô-la ao serviço dos reais interesses do povo português na sua marcha para o socialismo e para a completa independência nacional e, (c) fazer intervir decisivamente na elaboração da política escolar todas as entidades interessadas no processo revolucionário e não apenas a comunidade escolar “corporativa” de professores e alunos.

 

3.

Os dois primeiros aspectos da democratização do ensino correspondem a dois tipos fundamentais do serviço que a Escola pode prestar às grandes tarefas da construção do socialismo e da independência nacional.

 

3.l.

Ela deve, em primeiro lugar, colaborar na democratização da própria sociedade, garantindo a todos iguais oportunidades de acesso ao saber e à cultura e deixando, portanto, de ser uma das fontes de legitimação das desigualdades sociais e económicas. O saber, a competência técnica e a cultura têm sido apenas uma forma de valorizacão pessoal e um dos factores de promoção ou prestígio sociais. Ponto é que a Escola — lugar onde tais saber, competência e cultura se adquirem — esteja aberta a todos e não discrimine, na admissão ou na valorização das pessoas, a partir da sua origem social ou do poder económico. A efectiva realização de uma completa igualdade de oportunidade de acesso à Escola obrigará mesmo à introdução de medidas compensatórias, a todos os níveis, das desvantagens originais das classes trabalhadoras na actual conjuntura sócio-económica.

Em complemento ao que acaba de se dizer, acrescentaremos que, neste período de transição em que as tarefas de recuperação para o saber e para a cultura são ingentes, a Escola não se deve preocupar apenas com aqueles que nela estão formalmente inscritos. Pelo contrário, ela deve considerar como nela inscrito todo o povo português, constituindo-se em centro de expansão do saber e da cultura e auxiliando na tarefa de recuperação de todo o potencial humano que o funcionamento selectivo e elitista do anterior sistema escolar deixou que se perdesse. Nesta fase de arranque da nova política de educação em que ainda não nerá possível escolarizar completamente toda a população portuguesa, recai sobre os que frequentam as nossas escolas (de todos os níveis de ensino mas, sobretudo, dos níveis mais elevados) uma grande responsabilidade que é a contrapartida da situação privilegiada em que se encontram — a responsabilidade de repartirem pelos seus concidadãos os conhecimentos que adquirem nas escolas.

 

3.2.

Um segundo tipo de serviço a prestar pela escola ao povo português consiste na formação eficaz, adequada e económica dos quadros técnicos e culturais de diversos níveis de que o país necessita para as tarefas de desenvolvimento social e económico. Desde a escola primária à universidade deve ficar claro para todos – estudantes e professores ou investigadores — que a sua actividade só tem sentido enquanto desembocar na produção de conhecimentos úteis à sociedade portuguesa. Isto afasta claramente dos objectivos do sistema escolar português a produção de um saber livresco ou desadaptado à realidade nacional, a formação enciclopédica ou inadequada a perfis profissionais concretos, a investigação científica insusceptível de produzir resultados socialmente úteis. Mas, além de afastar estes objectivos, isto exige um grande esforço de previsão das necessidades sociais quanto ao potencial humano técnico ou culturalmente habilitado, bem como uma lúcida planificação dos fluxos de entrada e de saída do sistema escolar. Ou seja, precisamos de saber, de antemão, “quais” e “quantos” técnicos precisamos em cada domínio (melhor ainda, “quando” e “onde”) e de planificar “como” os vamos formar ou reciclar nas escolas. Estes objectivos de formação dos quadros técnicos necessários ao País insere-se, obviamente, num projecto político objectivamente contrário ao anterior ao 25 de Abril, que privilegiava a formação de elites tecnocráticas ao serviço do sistema económico e cultural do capitalismo português.

 

3.3.

Dentro deste aspecto da colaboração na constituição do potencial teenológico, científico e cultural necessário ao País para se desenvolver e conquistar uma completa independência nacional, deve ainda a escola apoiar directamente as actividades sociais.

Isto é particularmente importante no domínio do ensino superior, em que escolas se caracterizam por disporem de grande acumulação de recursos em pessoal altamente qualificado e em equipamentos científico e tecnológico avançados. Neste sector é indispensável que as universidades se comprometam claramente em programas concretos de apoio técnico e cientifico às diversas actividades sociais, pondo directamente ao serviço do povo português recursos que são seus e permitindo que se dispense o recurso à importação de tecnologia estrangeira. Mas também ao nível dos ensinos básico e secundário actividades deste tipo devem ser encaradas, não só pelos resultados que daí podem ser directamente obtidos para o conjunto do povo português, mas também pelo valor pedagógico — para estudantes e professores — do tratalho socialmente útil. A escola deve ser um local de trabalho; e, embora muito do seu trabalho vise objectivos mais longínquos, deve procurar criar-se, através deste trabalho mais concreto e visando objectivos imediatos, uma consciencialização do sentido social das tarefas escolares de estudantes e professores.

 

4.

É esta clara definição dos objectivos da escola portuguesa que marca o ponto fundamental da ruptura com o projecto educativo anterior e que dá unidade e sentido às medidas parcelares a tomar no domínio da educação durante os próximos anos. A uma concepção elitista e repressiva ou a um projecto tecnocrático e consumista nós opomos uma concepção revolucionária da escola integrada num projecto socialista e revolucionário para o país. É esta leitura global e orientada pelo objectivo final que tem que ser feita em relação ao projecto político que agora se apresenta. É ela que nos permitirá encarar de forma nova medidas porventura já antes anunciadas, mas que se inseriam numa estratégia totalmente diferente; é ela, por outro lado, que nos permitirá aceitar os sacrifícios que vamos ter que exigir a estudantes e a professores, que nos permitirá justificar políticamente os esforços financeiros que teremos que pedir ao País, que nos dará, finalmente, força para abater as resistências dos reaccionários, dos imobilistas, dos oportunistas e de todos aqueles que sempre tiveram a Escola ao seu serviço, sem nunca terem pensado em a servir, servindo, de par, o povo português.

Um projecto revolucionário não é, porém, um projecto de “terra queimada” nem um processo de espontaneismo. O êxito de uma revolução — e não só no plano militar — depende de um rigoroso inventário da situação, de um avaro aproveitamento dos recursos e das forças já existentes e de um planeamento preciso das medidas conducentes à vitória. Tudo isto tem que ser feito também na revolução do ensino onde, dada a grandeza das questões, não se pode consentir em aventuras que, para além de malbaratarem o dinheiro de todo um povo, podem sacrificar inutilmente uma geração de estudantes.

 

5.

Um projecto revolucionário no domínio do ensino tem o seu tempo de gestação e leva muito tempo a executar plenamente.

 

5.1.

A fase de gestação termina a sua primeira etapa com a publicação deste documento. Durante ela se procurou, em primeiro lugar, avançar na desmontagem do sistema escolar fascista; substituiu-se o sistema de gestão autocrático herdado do fascismo, por uma gestão paritária que, embora assegurando um grau de participação desconhecido em qualquer país do mundo, não pode ser considerada definitiva, nomeadamente porque não assegura suficientemente a participação do conjunto da população trabalhadora na vida da Escola; afastaram-se professores comprometidos com o fascismo ou incompetentes ainda que, neste domínio, a indeterminação e as hesitações do processo político tenham impedido uma actuação mais decidida do Ministério e levado a processos espontâneos de “saneamento” por vezes demasiado expeditos e, logo, errados; modificaram-se profundamente os programas escolares do ensino básico e secundário, expurgando-os da mundividência reaccionária e encaminhando-os num sentido progressista; permitiu-se uma vasta reconversão da estrutura curricular do ensino superior, embora os resultados obtidos devam ser considerados provisórios e sujeitos à inserção num planeamento global do elenco dos cursos e dos curricula à luz das necessidades nacionais prioritárias.

 

5.2.

Mas, para além de se levar a cabo esta série de medidas urgentes de desfascização do ensino, fez-se uma análise rigorosa da situação existente, procurando-se avaliar realisticamente as possibilidades de pôr em prática as medidas projectadas.

Na verdade, quer a concreta situação política em que o País se encontra, quer a situação presente do próprio sistema escolar têm que ser tidas em conta para a elaboração de qualquer projecto político sério e condicionam, um e outro, necessariamente, a execução desse projecto.

 

6.

No que diz respeito à conjuntura política, ao lado do factor de avanço constituído pela vontade generalizada de mudar e pela confiança das massas populares no processo revolucionário encabeçado pelas forças progressistas civis e militares, existem características susceptíveis de dificultar uma reforma radical do sistema de ensino.

 

6.1.

Em primeiro lugar, o ensino, se bem que seja considerado um sector importante, não é ainda sentido pela generalidade dos portugueses como um sector prioritário; o que é normal numa socíeclade que foi contemporaneamente confrontada com problemas como a descolonização, a habitação, a reforma agrária, o controlo do poder económico. Daí que se assista a um certo arrastar das situações e que certas medidas de rotura drástica, já tomadas noutros domínios, não pudessem ainda ser encarados num sector da educação.

 

6.2.

Em segundo lugar, as escolas são ainda, pela própria proveniência das pessoas que as frequentam – como estudantes ou professores -, o domínio de um grupo social privilegiado. Isto torna-as, por um lado, um foco de reacção à mudança, especialmente se a mudança for no sentido de inverter a situação; por outro lado, esta mesma origem social privilegiada fez com que nelas se desconheçam geralmente os problemas reais do povo português; e assim, os que de boa fé querem servir o interesse deste povo, mostram frequentemente desconhecer a realidade e adoptam uma estratégia política adequada a uma situação social que não é a existente nos campos e nas fábricas deste país, mas apenas nos livros ou na sua imaginação.

A própria estrutura dos cursos e características do ensino reflecte bastante os desejos de uma classe para quem a educação não visa o aprendizado de coisas úteis mas uma certa legitimação social de privilégios sociais ou económicos e para a qual, portanto, a “passagem administrativa” tem sentido como a avaliação séria do rendimento escolar.

 

6.3.

A terceira característica imobilista da conjuntura política é a permanência na sociedade portuguesa em geral e nas escolas muito em particular de uma atitude de espírito que faz equivaler o progressismo à oposição ao poder constituído; esta atitude é o resultado de dezenas de anos de luta contra a autocracia fascista, mas a falta de um reexame de estratégia numa fase política totalmente diferente origina reivindicações de autonomia escolar inadmissíveis perante um poder democrático e progressista.

 

6.4.

Finalmente, e um pouco em consequência de todos os traços conjunturais antes descritos, manifesta-se nas escolas – sobretudo nos ensinos secundário e superior – um estado generalizado de anarquia que gera o cansaço e a desmobilização de estudantes e professores, para além de comprometer toda a rentabilidade do trabalho escolar; poder-se-á mesmo dizer que esta situação tem significativamente permitido a continuação do ócio e da irresponsabilidade características da escola fascista.

 

6.5.

A indecisão descrita em primeiro lugar não tem fornecido ao Governo a força política para acabar com este estado de execução do projecto político agora enunciado.

 

6.6.

De resto, é preciso ter consciência – e esta é outra nota de orientação política – de que o alarme existente, dentro e fora da escola, pela “agudização do problema do ensino” tem um aspecto classista bem marcado: o problema do ensino não se agudizou senão para os que têm estado mais ligados à escola e que da escola colhiam vantagens e privilégios, não para aqueles que dela têm estado sempre ausentes, por as suas portas nunca se lhes terem aberto; para estes últimos, a “questão escolar” é ainda uma questão “dos outros”. Do mesmo modo, quem se alarma com a real perturbação do sistema escolar ocasionada pelas profundas mudanças experimentadas no país e com as consequências que daí advêm à preparação dos filhos, ainda que se tenha alarmado com a falsa paz escolar do sistema fascista, de certo não se alarmou no mesmo grau com o facto de haver centenas de milhar de portugueses que, se se perturbam, é com o facto de os seus filhos nunca terem podido ir à escola.

Assim, embora se esteja consciente de que existe um “problema escolar”, ele é diferente daquele que sentem muitos estudantes, pais e educadores. O problema escolar número um é um eventual prejuízo advindo aos actuais estudantes pelo mau funcionamento da escola; o problema escolar número um é o dos prejuízos advindos a gerações de portugueses das classes mais desfavorecidas pelo facto de, para eles, nunca ter havido escola nenhuma, nem boa nem má. É nesta dissonância quanto ao que é o “problema escolar” que vão residir as dificuldades de o resolver; é que a sua solução progressista vai ter que desagradar necessariamente a muitos dos que estão na escola e que, no conjunto da sociedade portuguesa, representam grupos privilegiados.

 

7.

A análise da conjuntura não deve, porém, limitar-se aos aspectos políticos, pois também nos aspectos institucionais, administrativos e financeiros há características que condicionam a natureza e a eficácia das medidas de curto prazo.

 

7.1.

No ponto de vista institucional e administrativo ressalta, em primeiro lugar, o peso da máquina burocrática e a lentidão do seu funcionamento. Contribui para isto, desde logo, a existência de uma forte tendência centralizadora que, longe de ser unicamente motivada por uma decisão política nesse sentido, tem também origem na fragilidade e incapacidade dos órgãos periféricos e, sobretudo, na inexistência de um plano político global que oriente a actuação dos órgãos descentralizados.

Por outro lado, há que considerar a própria dificuldade de os funcionários de todos os níveis se adaptarem a um novo estilo político e a novos métodos de trabalho, obstáculo a que acresce a própria impreparação específica das pessoas recém-chegadas, durante toda a sua vida marginalizadas dos centros de decisão e isoladas dos aspectos concretos da política de ensino.

Por fim, a própria organização administrativa e financeira está feita em moldes antiquados ou desadaptados em relação às necessidades da administração escolar, com a agravante de que, muitas vezes, o remédio para este estado de coisas tem que ser encontrado no âmbito de soluções aplicáveis a toda a administração pública.

 

7.2.

Para além desta primeira característica, nota-se, em segundo lugar, um deficiente sistema de comunicação mútua entre o Ministério e as Escolas, por um lado, e este conjunto e o público, por outro; os canais por onde a informação deveria circular estão entupidos ou são mal usados e isto leva a desencontros e mal entendidos responsáveis por um clima de incompreensões e de hostilidade realmente existente. Este estado de coisas é agravado pela clivagem existente entre o sector pedagógico e o sector administrativo que faz com que quem cura dos fins se alheia frequentemente do problema dos meios.

 

7.3.

Por outro lado, a grande sobrecarga de trabalho nos centros de decisão, proveniente das características citadas em primeiro lugar – e agravada pelo hábito generalizado de, por tudo e por nada, se recorrerem ás últimas instâncias, queimando as etapas intermédias - , acaba por os mergulhar numa multidão de pequenos problemas e de os tornar inoperacionais para as decisões que verdadeiramente lhe competem. Deve deixar-se mesmo bem claro que uma forma de boicotar o trabalho da administração, por vezes conscientemente usada, tem sido a de recorrer permanentemente às instâncias superiores, “exigindo” entrevistas, promovendo manifestações, marcando prazos da resolação dos problemas, etc.

 

7.4.

Encarando agora a conjuntura do ponto de vista financeiro e de recursos humanos e materiais, a sua característica mais relevante é a impossibilidade de aumentar vultuosamente as despesas da educação, pelo menos enquanto não se racionalizar o que se tem e se não fizer um esforço decidido no sentido de economizar. As necessidades do país são muitas e não há dúvida de que os créditos concedidos à educação não podem deixar de estar inseridos numa escala de prioridades.

 

7.5.

Mas, para além dos créditos orçamentais, há outras necessidades que, de momento, não têm resposta capaz. Uma delas é a necessidade de docentes qualificados a qualquer dos níveis.

A nível do ensino pré-primário, quase se pode dizer que, existindo apenas instituições privadas, o potencial docente existente é quase nulo.

Se o ensino primário goza de uma situação mais desafogada no que diz respeito à quantidade de docentes disponível (embora subsista o problema de qualidade), já os níveis preparatório e secundário têm os problemas agudíssimos, não só pelo número insuficiente de professores, como também pela sua deficiente formação (já que cerca de 70% dos existentes não têm habilitações completas ou adequadas).

No ensino superior, a situação é muito grave no domínio das ciências sociais, das artes e das letras, onde se fez sentir duramente o peso da repressão fascista; já no domínio das ciências exactas e naturais, bem como no das tecnologias, o problema existente é mais o do baixo rendimento do corpo docente, causado pela dispersão profissional e pelo absentismo; medidas de rigor neste domínio poderão, portanto, melhorar a situação.

 

7.6.

Finalmente, outro obstáculo não menos grave, em todos os níveis de ensino, é a deficiência de instalações e a própria incapacidade da indústria nacional de construção para responder, a curto prazo, às exigências de expansão da rede física escolar. Ao nível do ensino superior isto agrava-se pela complexidade relativa dos edifícios a construir, muitas vezes insusceptíveis de uma tipologia rigorosa, e pelo seu preço elevado.

Também no domínio do equipamento escolar se manifestam [...]1

 

8.

Democratização da escola

Democratizar a Escola não consiste apenas no seu alargamento a todas as classes sociais, mesmo que sejam criadas as condições materiais para que todas a frequentam em igualdade de oportunidades.

A Escola foi um dos bastiões do aparelho de Estado capitalista, local privilegiado da veiculação de ideologia burguesa e de aculturação das classes exploradas por parte da classe dominante.

Não se poderá portanto resumir a democratização a proporcionar um mais amplo acesso às camadas mais desfavorecidas, já que esse acesso ir-se-ia processar em relação a uma Escola ainda ideologicamente dominada pelas estruturas típicas do modo de produção capitalista.

Democratizar terá, assim, que significar, prioritariamente, colocar a Escola ao serviço da estruturação da sociedade socialista, no contexto do actual processo revolucionário.

Tal só será possível, porém, num fazamento correcto com o processo global do avanço revolucionário e, logo, as medidas que neste sentido possam ser tomadas por agora, terão que necessariamente perspectivar-se em termos tendenciais e englobando contradições inultrapassáveis desta fase de transição que o País vive actualmente.

Se não existem, objectivamente, neste momento, condições para a edificação de uma Escola realmente socialista no seio de uma sociedade que ainda não o é, existem, porém, condições objectivas que possibilitam desde já a gradual inserção da Escola no processo evolutivo revolucionário que se vive em Portugal.

Dentro desta perspectiva são essenciais para a orientação revolucionária da Escola na via da construção do socialismo os seguintes pontos:

- A prática social como condição fundamental para a correcta formação de consciência social do aluno.

- Uma educação que consciencialize o aluno de que o seu trabalho é socialmente útil e que se produz um valor social.

- A formação de crianças e do jovem directamente integrada na produção através da combinação adequada ao estudo com o trabalho produtivo.

- A integração cada vez maior entre trabalho intelectual e trabalho manual. A educação realiza-se, antes de tudo, através do trabalho físico quando directamente ligado ao pensamento, à iniciativa pessoal e à integração na tarefa colectiva vivida em comum.

- A interligação entre os planos de desenvolvimento nacional e regional como uma das formas de consolidar a pedagogia socialista, a ligação da Escola com as necessidades de desenvolvimento do País será o meio mais correcto de promover a sua profunda transformação.

- O desenvolvimento da consciência responsável da criança e do jovem, numa verificação constante de que o próprio processo educativo é o resulatdo do sacrifício diário realizado pelas massas trabalhadoras para conquistarem os meios indispensáveis ao seu funcionamento.

É dentro destas perspectivas que se deve inserir a real democratização da Escola Portuguesa em ordem à constituição de uma verdadeira pedagogia socialista (V. cap. inovação pedagógica).

Haja em vista, porém, que se a democratização do acesso à Escola é uma parte, apenas, do processo global da democratização do ensino, não deixa de ser um dos objectivos prioritários na nova política de educação.

A criação de possibilidade de acesso de todos aos diferentes graus do sistema educativo é todavia uma tarefa demorada, que envolve várias frentes de luta e que se tem de desenvolver em várias etapas. Nem todas as medidas visando este objectivo pertencem ao MEIC; algumas competirão a outros departamentos estatais, já que a criação de igualdade de oportunidades de acesso ao ensino envolve questões económicas de base, de saúde, de alimentação, de habitação, de transportes, etc.

No que diz respeito a medidas que possam ser tomadas pelo MEIC, a criação de uma real igualdade de oportunidade no domínio da educação exige, desde logo, a abertura de um número de escolas suficiente para albergar o número existente de estudantes, a sua adequada distribuição pelo território nacional, uma rede adequada de transportes.

A organização de campanhas de alfabetização e educação de base, a criação de cursos especiais para crianças atrasadas ou sub-normais, a criação de condições de apoio aos alunos mais necessitados são outras medidas indispensáveis à criação de condições igualitárias perante a Escola.

Por outro lado, o sistema escolar deve estar organizado de modo a não influir vias “privilegiadas” e vias “humildes” de acesso à educação e à cultura pois, deste modo, se criariam dentro do próprio sistemas de ensino discriminações que jogariam inexoravelmente em desfavor dos estudantes das classes exploradas.

O estabelecimento da igualdade de oportunidades de acesso ao ensino básico e a generalização completa deste nível de ensino a todos os Portugueses é o objectivo mais urgente, neste domínio, pois dele depende o estabelecimento dessa igualdade em relação a outros níveis de ensino. É, todavia, no ensino supeior que a discriminação social é mais gritante; por isso, a este nível, a criação de iguais condições de acesso impõe a adopção de uma estratégia compensatória que favoreça os estudantes provenientes das classes trabalhadoras.

Finalmente, não poderá um político consequente de educação quedar-se passivo perante os níveis etários anteriores à entrada da Escola. Uma larga acção deverá ser levada a cabo neste campo, ao nível do lançamento de um sistema de educação pré-escolar, de actividades de animação socio-cultural e desportivas que impeçam que a “igualdade de oportunidades” se torne expressão vazia de conteúdo.

Para todo este processo de democratização torna-se absolutamente indispensável uma ampla participação das organizações populares, sindicais, recreativas, etc., como forma de integrar a escola no âmbito da comunidade, o que envolverá necessariamente uma cada vez maior descentralização dos órgãos administrativos a uma democratização progressia do modo de funcionamento do MEIC.

 

9.

Inovação pedagógica

A Escola Portuguesa – qualquer que seja o grau de ensino considerado – tem sido a escola da burguesia. Esta situação provocada pela origem de classe dos que a dirigem e, sobretudo nos graus superiores, também dos que a frequentam, – caracteriza-se não só pelos quadros ideológicos nela veiculados, como também pelo tipo de “capacidades”, de “saber” e de “cultura” que nela são valorizados.

O conteúdo político-ideológico reaccionário dos programas escolares do fascismo está bem estudado e têm sido tomadas medidas decididas para, a todos os níveis de ensino, se operar uma profunda alteração neste domínio através do completo refazimento dos programas escolares num sentido progressista.

Todavia, a renovação pedagógica tem que ir mais além e focar as estruturas profundas da acção pedagógica, onde a mundivivência burguesa pode sobreviver a qualquer modificação dos conteúdos de ensino. Estas estruturas têm que ver, nomeadamente, com o modo como a prática pedagógica se relaciona com práticas várias de outro nível e com a função social da escola (n)uma sociedade global.

Neste domínio, a escola vivia, em Portugal, numa rigorosa separação com o mundo do trabalho manual, e cultivando, em consequência, um estilo pedagógico livresco, em que a valorização da experiência era privilegiada em relação à própria experiência; tudo isto, além de traduzir a origem social dos que dominavam no ensino, traía a função ideológica da escola, que era a de marginalizar socialmente todos aqueles que, pelas condições em que viviam e pela sua prática quotidiana, vivessem num meio económico e sócio-cultural diferente do veiculado pela escola.

Assim – a par de grandes esforços tendentes a promover o acesso ao ensino de qualquer dos níveis dos filhos das classes mais desfavorecidas (v. capítulo referente a democratização do ensino), – deverá fomentar-se uma ligação íntima do ensino à prática produtiva, pois é por aqui que passa qualquer modificação profunda da prática pedagógica.

Esta conseguir-se-á, nomeadamente, pela inclusão nos programas de ensino de actividades produtivas concretas, realizadas em locais e circunstãncias de trabalho idênticas aos vividos pelos trabalhadores, salvaguardada embora a sua adequação ao nível de ensino em que tais actividades se inserem, ao desenvolvimento físico e psíquico dos estudantes e às características do restante trabalho escolar.

Isto leva a que os programas, os métodos e os conteúdos de ensino, bem como os métodos de avaliar o rendimento escolar, tenham que ser profundamente alterados. Todavia, toda esta revolução pedagógica não pode ser abandonada ao espontaneísmo ou ao empirismo; pelo contrário – e por que se trata de uma mudança de importância decisiva – ela tem que ser cuidadosamente conduzida por uma análise teórica rigorosa no enquadramento doutrinal e rigorosa na definição das condições concretas da Escola em Portugal.

Por outro lado, quer os programas escolares quer os esquemas de avaliação do trabalho do estudante[...]2

Mas pode ainda ser estudado por outras formas, desde a inclusão de actividades de trabalho manual paralelas às actividades de cariz mais intelectual até à inserção em zonas charneira da formação dos estudantes de períodos de serviço cívico, durante os quais o estudante possa viver os problemas da sociedade em que está inserido, adquirir – através desta vivência – o enriquecimento ideológico necessário a qualquer quadro dessa sociedade socialista e, principalmente, contribuir com o seu trabalho para a solução de problemas nacionais.

Esta orientação pedagógica forçará evidentemente a unificação do ensino secundário (de resto exigida por objectivos de outra ordem – v. capítulo referente à democratização do ensino), num tronco comum onde as preocupações de formação profissional serão muito marcadas pelo menos na sua fase final.

Por isso, constitui um objectivo prioritário a criação de centros de reflexão teórica sobre pedagogia que, ao mesmo tempo, possam dar apoio à formação de professores e à própria actividade concreta das escolas. Esta estreita ligação entre a reflexão teórica, a formação de docentes e, nomeadamente o apoio pedagógico às escolas é, de resto, uma forma adequada de manter a teorização fortemente ligada às condições concretas da escola em Portugal.

Estes Centros poderão ser institucionalizados como departamentos de ciências da educação integrados nas universidades ou como centros regionais de apoio pedagógico, ligados às Direcções-Gerais pedagógicas e possivelmente aos centros periféricos da Universidade Aberta.

Será a partir destes centros e, afinal a partir de um centro nacional de investigação pedagógica (o em tempos projectado Instituto Nacional de Pedagogia ou mesmo o GEP, se as suas funções pudessem ser redefinidas) que se apoiarão e realizarão as experiências de inovação pedagógica.

A formação inicial ou recorrente de professores, nomeadamente para os ensinos básicos e secundário é – ligado ao que se diz – tarefa de primeira prioridade. Não só porque há um déficit de quadros docentes, absoluto no ensino infantil, muito nítido nos ensinos preparatório e secundário (que se agravará com o aumento da escolaridade obrigatória), mas também por que a formação, quer científica, quer pedagógica, dos professores em exercício é insuficiente.

Neste domínio o MEIC propõe uma integração mais perfeita da formação pedagógica e da formação científica, da teoria e da prática pedagógica, que possibilitará, que além de uma melhor preparação para as funções docentes, um eventual [encurtamento] dos cursos.

No domínio específico da preparação dos professores do ensino infantil terá possivelmente de se criar fórmulas de emergência e mais expeditas de formação de docentes; o mesmo valendo, naturalmente, para a formação de alfabetizadores de adultos e de animadores culturais. No domínio do ensino superior, a urgente necessidade de formação de professores (e não de investigadores subsidiariamente professores) obrigará, por um lado, a fomentar cursos de pós-graduação visando a formação de docentes e, por outro, a destacar nestes cursos os aspectos propriamente pedagógicos (o que obrigará, evidentemente, a criar hábitos de reflexão pedagógica orientados para o ensino superior).

Clato tem que também ficar que a Escola não vive voltada sobre si mesma, mas que – numa sociedade socialista – tem uma indispensável missão social a cumprir; a de dotar o país com os quadros políticos e técnicos de que ele necessita (v. capítulo r/ escola e comunidade). Isto, que é importante em qualquer país, é-o ainda mais no nosso a braços com uma marcada dependência técnica e científica e sujeita a boicotes internacionais. Nestes termos, consentir que a Escola não funcione em termos de não poder cumprir a sua missão formadora ou funcione sem poder garantir a qualidade dos quadros que forma é consentir na deserção ou na traição em relação a objectivos supremos da revolução portuguesa. Deste modo, o Ministério não poderá permitir uma progressiva degradação do rendimento efectivo do ensino, pois qualquer equívoco que, em sistema capitalista, possa haver sobre a função da selecção escolar não tem razão de ser num sistema socialista.

 

10.

Integração esola-comunidade

O processo educativo deve visar a criação de um homem novo, estruturalmente democrata e socialista, disposto a integrar o seu projecto de vida num projecto global da comunidade, através da sua participação responsável e livre na construção da mesma comunidade e intervenção no processo histórico.

Para tanto há que assegurar a presença permanente no trabalho escolar da ideia de serviço à colectividade. A educação deve, portanto, assentar no reconhecimento para a criança ou para o jovem, de que o seu trabalho é socialmente útil. Deste modo, a interligação entre os planos de desenvolvimento nacional ou regional e a actividade escolar, para além de servir as próprias tarefas do desenvolvimento, constitui umas das formas de consolidar a pedagogia socialista – a ligação da escola com as necessidades de desenvolvimento do País será, assim, o meio mais correcto de promover a sua transformação.

Por outro lado, o compromisso da Escola com tarefas produtivas socialmente úteis representa um importante passo na luta contra a segregação entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, segregação que está na origem de toda uma série de discriminações sociais e culturais incompatíveis com o nosso projecto social.

Por último, não pode a escola deixar de situar-se no processo de mudança permanente que caracteriza as sociedades contemporãneas e que leva a considerar a escola não como local onde se transmite às jovens gerações um saber acabado mas um local privilegiado de formação dos indivíduos para a mudança ao longo de toda a sua vida e não somente na infância ou adolescência. No momento que o País atravessa, tal tarefa é de imensa importância, já que a sociedade portuguesa entrou em processo de mudança particularmente acelerado, já que do passado recebemos a herança de uma grande maioria de população adulta desprovida de formação básica e profissional adequadas.

Todavia, e uma vez que os aspectos pedagógicos da nova política de educação estão tratados noutro capítulo, não se insistirá mais no alacance pedagógico duma mais funda integração da acção educativa nas tarefas produtivas da colectividade. O que se dirá em seguida refere-se, antes, ao modo como a escola deve assumir o compromisso com essas tarefas.

Uma das censuras mais justamente feitas à Escola portuguesa é a de que esta se desinteressou do que se passava à sua volta e, concretamente, do destino da sociedade em que estava inserida. E, na verdade, a sua acção pouco tem tido que ver com o progresso social e económico da sociedade portuguesa: tem visado, sobretudo, a promoção individualista dos que a frequentam, não principalmente através do fornecimento de saberes socialmente úteis, mas antes através da atribuição de títulos académicos formais que, na nossa sociedade estratificada, eram chaves seguras de prestígio e de promoção social, e meio reprodutor dos mecanismos sociais vigentes.

Numa situação revolucionária, em que cada um tem que construir, dia a dia e com actos concretos, o futuro do país, a função da escola tem que ser a de colaborar, ela também, duma forma concreta, nessa construção: (a) dando aos cidadãos a formação técnica e cultural de que eles necessitam para, nos sectores de actividade a que sejam chamados, desempenharem de forma competente e esclarecida as tarefas que lhe sejam exigidas e intervirem de forma progressista no processo histórico; (b) integrando os seus planos de actividades (pedagógica, científica e cultural) nos planos concretos de desenvolvimento do país, constituindo-se em centros de produção ao serviço de necessidades colectivas; (c) contribuindo, explicitamente, com o seu trabalho teórico, para a formação duma cultura revolucionária.

A preocupação de proporcionar um saber útil, adeuado à formação de cidadãos aptos a desempenhar funções socialmente úteis, deve ser o objectivo predominante do sistema de ensino dos níveis secundário e superior.

No ensino secundário, a vocação profissional que até agora era exclusiva de um dos seus ramos (o ensino técnico profissional) deve dominar todo o ciclo terminal integrado. Com este ciclo terminal de vocação profissional se dará ao ensino secundário o sentido prático-profissional que até agora, em geral, não tinha e se promoverá a formação dos técnicos médios de que o país urgentemente carece. Por outro lado, possibilita-se a integração mais precoce dos jovens no processo produtivo.

No domínio do ensino superior o sentido profissionalizante obrigará, nomeadamente, à revisão do elenco da estrutura dos currículos e dos métodos pedagógicos, de modo a que estes assegurem não um saber académico socialmente descomprometido mas uma formação adequada, económica e eficaz dos quadros políticos e técnicos necessários ao país, objecto que deve constituir uma das finalidades primárias do sistema de ensino de nível superior. Neste particular, é de realçar a necessidade de promover ciclos curtos de ensino superior através dos quais se possam formar, de modo suficiente e mais económico, uma larga série dos quadros de que o país necessita; terá aqui um papel fundamental o ensino à distância que permitirá a formação inicial ou recorrente de pessoas já comprometidas no trabalho produtivo, e a sua valorização técnico-profissional.

Mas, para além do seu papel no domínio do ensino formal, as escolas devem colaborar decididamente na constituição de um eficaz sistema de ensino não formal, já que elas dispõem – especialmente as de nível superior – de um grande potencial em meios humanos tecnicamente qualificados. Assim, deve ser um objecto fundamental da nova política educativa lançar uma vasta campanha de ensino profissional não formal, nomeadamente pela criação de centros de formação profissional e intervenção cultural nos locais de trabalho, com o apoio das escolas e em ligação com os centros de formação profissional do Ministério do Trabalho e de outros organismos estaduais, programa que exigiria, eventualmente, um regime especial de trabalho para os trabalhadores estudantes. Estas tarefas de educação não formal de instrução profissional – a que acrescentamos a alafabetização e educação de base, bem como todas as outras iniciativas no domínio da reciclagem e da extensão escolar – devem ser, nas circunstâncias presentes, um objectivo prioritário, dado, por um lado, a urgência da formação de um potencial tecnológico que nos permitia construir o socialismo e a independência nacional e, por outro, a justiça que representa a recuperação e valorização social dos cidadãos sacrificados pelo funcionamento elitista do sistema escolar fascista.

Pondere-se, todavia, que a actual imagem social e a própria prática pedagógica da escola podem ser um obstáculo importante à sua colaboração no ensino não formal. Na verdade, o ensino formal tem, em Portugal, uma imagem pública que o dá como algo de livresco e abstracto, desligado dos problemas concretos da profissão e da sociedade; por outro lado, a própria prática pedagógica tradicional tem andado tão fastada das situações sociais e profissionais concretas que é de temer que se não saiba adequar a uma nova e mais dinâmica inserção social.

Há que criar condições para uma convergência de esforços das várias instâncias que têm desenvolvido acções mais ou menos dispersas nestes domínios e bem assim que conjugar as acções a desenvolver com as potencialidades dos meios de comunicação de massas, nomeadamente a rádio e a TV, definindo prioridades quanto à natureza dos processos educativos e aos sectores populacionais a que se dirige.

No que diz respeito à colaboração directa da escola na resolução das tarefas do desenvolvimento nacional é necessário, desde logo, que os problemas concretos da colectividade nacional ou regional constituam os temas de arranque dos programas pedagógicos e que da acção educativa façam parte integrante programas de serviço à comunidade.

Mas, para além disso, a própria actividade de investigação científica deve ser profundamente remodelada, assinando-lhe objectivos perfeitamente coincidentes com os objectivos de desenvolvimento do país. Para isso, o IAC será extinto e criado o Instituto Nacional de Investigação para o Desenvolvimento (INID), cuja tarefa será a de coordenar as actividades de investigação e perspectivá-las em função de planos concretos de desenvolvimento para o país, procurando deste modo abater as barreiras entre a investigação fundamental e e investigação aplicada.

Finalmente, é preciso comprometer as escolas no próprio processo produtivo. Muitos dos nossos estabelecimentos de ensino dispõem de meios humanos e de equipamento que lhes permite colaborar, produzindo ou dirigindo a produção, na construção do socialismo. O lançamento de programas e de produção de bens ou serviços – nas quais participam equipas de professores e alunos – está particularmente facilitado em certos ramos do ensino superior – engenharia, agronomia, arquitectura, economia, etc. A institucionalização de “Projectos de Produção”, dando também origem a financiamento específico, permitirá o apoio do Ministério da Educação Cultura (eventualmente de outros departamentos estaduais ou entidades públicas) às actividades produtivas das escolas. Numa fase imediata, parece possível pôr as escolas a colaborar na produção de infraestruturas educativas (realizando projectos de instalações escolares e na fiscalização das respectivas obras, produzindo material didáctico de precisão. Projectando mobiliário escolar, etc.). Para isto se criará imediatamente um grupo de trabalho interdepartamental encarregado de inventariar os projectos de produção do Ministério de Educação e Cultura que possam ser entregues à realização das escolas.

Este objectivo de comprometer as escolas na batalha da produção é de realização mais evidente no que diz respeito às escolas de tecnologia (engenharia, agronomia, farmácia, ciência, arquitectura, design), mas ele é extensível a outras escolas que poderão produzir serviços no domínio da sua especialidade – campanhas sanitárias, campanhas de alfabetização, inventariação de arquivos, campanhas de educação artística, etc.

O lançamento de actividades deste tipo permitirá, de resto, dar uma outra dimensão ao serviço cívico estudantil, pois aumenta a sua capacidade de realização, e integrá-lo mais profundamente na actividade da escola. Ter-se-á então posto em marcha um verdadeiro “serviço cívico escolar”.

Ainda dentro deste objectivo geral, o potencial humano e material das escolas deve considerar-se ao serviço da comunidade, de modo a tornar normal a utilização das instalações e equipamentos escolares para actividades de extensão escolar (cursos intensivos de férias, cursos nocturnos, apoio de programas de ensino à distãncia), de animação socio-cultural ou de apoio científico ou tecnológico à colectividade, bem como para actividades comunitárias de carácter não escolar.

O último aspecto da integração da Escola-Comunidade é o da integração da acção educativa da escola na formação de uma cultura progressita.

Merecem, neste domínio, realce os programas de integração dos estudantes nos problemas nacionais por que passa a construção do socialismo. Entre eles se destaca o “serviço cívico estudantil”, cuja organização deve ser fortemente reforçada, de modo a poder transformá-lo num poderoso meio de consciencialização das massas estudantis.

Mas todas as outras formas de tornar efectiva a presença da comunidade na actividade pedagógica da escola devem ser incentivadas, como processo de ligar profundamente a cultura “da escola” à cultura “da vida”.

 

11.

Regionalização do ensino

As medidas a tomar na regionalização do ensino poderão ser enquadradas em duas perspectivas diferentes, embora complementares. A primeira diz respeito à incidência regional da estrutura e dos conteúdos dos vários graus de ensino e à sua integração com os condicionalismos locais. Isto é, diversificar o ensino consoante as necessidades das comunidades onde este se encontra implantado, procurando dar respostas adequadas à diversidade dos problemas.

A segunda perspectiva refere-se ao modo como essa mesma adequação pode ser suscitada e comandada pelas próprias regiões. Como fomentar a participação crescente das comunidades na discussão e consequente tomada de decisões sobre a administração do ensino e a sua integração com os costumes, aspirações e necessidades regionais.

Na conjugação harmónica destas duas perspectivas residirá, em grande parte, a promoção e responsabilização culturais das populações, que gradualmente serão chamadas a desempenhar um papel cada vez mais importante na definição do seu futuro e no dos seus filhos.

Não se devem perder de vista os riscos que uma regionalização com o sentido de crescente autonomização, a não ser gradual e acompanhada de esclarecimento cultural e político, poderá trazer para a marcha revolucionária em curso.

No entanto, a manutenção exclusiva de um governo central omnipotente e absorvente, revolucionário embora, faz correr também o grave risco de continuarem a não ser tomadas na devida conta os interesses diferenciados das regiões tradicionalmente negligenciadas, já habituadas a não fazer ouvir a sua voz ou porque a têm fraca, devido à emigração, ou porque outras vozes mais próximas dos centros de decisão se fazem ouvir mais alto.

Quanto à incidência regional do conteúdo e finalidades do ensino, as medidas consideradas como mais importante a curto e médio prazo são:

a) Criação de centros regionais de apoio pedagógico (C.R.A.P,) aos estabelecimentos de ensino básico e secundário duma região, em estreita ligação com os centros universitários regionais de formação de professores; estes centros regionais de apoio pedagógico servirão como unidades de orientação e serviço e ao mesmo tempo como núcleos de ensino e investigação pedagógica aplicados. Pensa-se que este será um meio poderoso de permitir que os problemas regionais do ensino sejam estudados e resolvidos por órgãos adequados e inseridos no contexto local.

b) Continuação da política de regionalização do ensino superior, integrada nos planos de ordenamento do território, com o fomento de centros universitários ligados aos problemas e interesses das comunidades onde se inserem, aos quais procurarão dar resposta, não só por meio de cursos regulares mas também através de cursos livres, de extensão universitária, seminários, etc.

c) Lançamento de um programa nacional de ensino superior a distância (Universidade Aberta), acompanhado da criação de centros regionais, visando a promoção cultural e profissional das populações, nomeadamente, numa primeira fase, o aperfeiçoamento dos professores dos ensinos básico e secundário, sem necessidade do abandono dos seus postos de trabalho.

d) Transformação do ciclo final do ensino secundário numa via de estudos vocacionais de preparação para a vida activa, que dará acesso tanto aos estudos superiores como constituirá uma pré-profissionalização para o mundo do trabalho. Essa via profissionalizante compreenderá um aprendizado quanto possível adaptado à inserção regional da escola e poderá constituir uma base importante para a formação de quadros técnicos médios.

No que respeita à participação das regiões e suas comunidades no traçado e execução da política do ensino pensa-se que ela deva ser parte de um processo mais geral, que englobe também os sectores da produção e do trabalho, da saúde e da cultura em geral.

Os avanços neste campo terão de ser graduais e cautelosos, evitando a via dos organigramas e das estruturas no papel, com poucos apoios concretos. Ao contrário, deverão criar-se, antes, infraestruturas sociais tais como casas ou centros de convívio e discussão, de cultura, de desporto, de apoio pedagógico, aproveitando o que já existe e racionalizando, ampliando, consolidando. Aí se deverá fomentar o debate dos problemas comunitários e a aculturação das massas deserdadas culturalmente. Ao desejo de participação crescente deverá seguir-se a crescente autonomização e responsabilização de órgãos regionais de decisão.

Aqueles centros deverão ser formados com a integração, nomeadamente, das instalações existentes na rede do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, da Direcção-Geral dos Desportos, do Instituto de Acção Social Escolar, das Direcções-Gerais pedagógicas e administrativas e do Instituto de Tecnologia Educativa; e de estruturas a criar para os Centros Regionais de Apoio Pedagógico e os Centros Regionais da Universidade Aberta.

Espera-se que esta via leve ao termo dos atrasos culturais mais gritantes, ao fim da colonização do interior pelo litoral, dos campos pelas cidades, à participação plena das regiões e das comunidades no seu próprio progress.

 

 

 

Notas

1 No original faltam as linhas com que termina este ponto.

2 No original, ilegível a continuação da frase.

 

* Coordenador científico da UID Observatório de Políticas de Educação e de Contextos Educativos, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa.

** Para um debate sobre este período ver outros meus trabalhos anteriores: Teodoro, A. (1999). Os programas de educação nos Governos provisórios: de uma intenção de continuidade com a reforma Veiga Simão à elaboração de um programa para uma sociedade a caminho do socialismo. Educação, Sociedade & Culturas, 11, 29-66; Teodoro, A. (2001). A Construção Política da Educação. Estado, mudança social e políticas educativas no Portugal contemporâneo. Porto: Edições Afrontamento.