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Revista Lusófona de Educação
versão impressa ISSN 1645-7250
Rev. Lusófona de Educação no.18 Lisboa 2011
Satisfação escolar e bem-estar psicológico em adolescentes portugueses
Helder Miguel Fernandes*, José Vasconcelos-Raposo**, Rosângela Bertelli***& Leandro Almeida****
*Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, hmfernandes@gmail.com
**Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
***Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano; Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
****Instituto de Educação da Universidade do Minho
Resumo
Estudos anteriores têm demonstrado a importância da satisfação com o contexto escolar nos níveis de saúde e bem-estar subjectivo dos adolescentes. Como tal, o presente estudo pretende ampliar esta evidência empírica através da análise do efeito de variáveis sociodemográficas (género, idade, local de residência, estatuto socioeconómico e relação com os pais) nos níveis de satisfação escolar e o contributo desta dimensão para a explicação do bemestar psicológico dos alunos, de acordo com o modelo de Ryff (1989a, 1989b). A amostra foi constituída por 698 adolescentes (381 raparigas e 317 rapazes) com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos (M=15.02, DP=1.83). Os principais resultados demonstraram não existirem diferenças significativas de satisfação com a escola entre género, local de residência (rural vs urbano) e níveis de estatuto socioeconómico. Por outro lado, observou-se que a satisfação escolar diminui ao longo da idade e associa-se positivamente com melhores relações entre pais e filhos. Verificou-se, ainda, que a satisfação com a escola se correlaciona positivamente com todas as dimensões do bem-estar psicológico e exerce um efeito positivo moderado nos níveis de bem-estar global, mesmo após o controlo da influência das variáveis sociodemográficas.
Palavras-chave: satisfação escolar; bem-estar; adolescência.
School satisfaction and psychological well-being in Portuguese adolescents
Abstract
Previous research has already shown the importance of the adolescents' school satisfaction on their levels of health and subjective well-being. As such, the present study intended to provide additional support to the available empirical evidence through the analysis of the effect of some sociodemographic variables (gender, age, place of residence, socioeconomic status and relationship with parents) on the levels of the adolescents satisfaction with their school context and also on their psychological well-being according to Ryff's model (1989a, 1989b). The sample comprised 698 adolescents (381 girls and 317 boys) between 12 and 18 years of age (M=15.02, SD=1.83). Main results showed no significant differences in satisfaction with school context considering gender, place of residence (rural versus urban) and socioeconomic status. On the other hand, satisfaction with school context decreased with age and was positively associated with a better relationship between parents and children. Moreover, satisfaction with school context positively correlated with all dimensions of psychological well-being and exerted a moderately positive effect on the levels of global well-being even after controlling for the influence of sociodemographic variables.
Keywords: school satisfaction; well-being; adolescence.
De um modo geral, a adolescência consiste num importante período de transição durante o qual ocorrem diversas modificações físicas, cognitivas, emocionais e sociais, estando os adolescentes mais vulneráveis a alterações no seu bem-estar e ao surgimento de dificuldades de vária ordem. Se alguns são capazes de lidar com os vários desafios e exigências das tarefas desenvolvimentistas, outros haverá para quem essas novas situações podem indiciar o esgotamento (burnout) de recursos e esforços adaptativos a nível físico, emocional, cognitivo e social, reflectindo-se em profundas alterações na sua saúde mental (Bizarro, 1999; Sprinthall & Collins, 2003).
Assim, estas alterações no seu funcionamento psicológico podem ser o primeiro indício de diversos e severos problemas comportamentais e emocionais, que se podem vir a manifestar como um largo espectro de desordens afectivo-emocionais ou até mesmo comportamentais, durante a adolescência ou até na idade adulta. Para além disto e dada as crescentes capacidades ao nível do pensamento complexo e abstracto decorrentes das competências cognitivas adquiridas ao longo do desenvolvimento humano (Piaget, 1972), os adolescentes tendem a comparar-se incrementalmente com os seus pares e a estarem atentos a toda e qualquer característica pessoal que percepcionam como distinta, pelo que invariavelmente, conotam o "ser diferente" com o "ser inferior", o que pode afectar a sua auto-estima, auto-conceito e ulteriormente, o seu bem-estar psicológico (Carrasco, 2004; Garralda, 2004; Jor onen, 2005; Moshman, 2005).
Tendo em consideração a literatura existente acerca do estudo do bem-estar durante a adolescência, é possível denotar que este período de vida tem merecido pouca atenção por parte dos investigadores. No entanto, ao longo da última década, contatou-se um incremento na produtividade científica no âmbito do bem-estar subjectivo dos adolescentes e factores associados (Bizarro, 1999; Huebner, 1994, 2004; Joronen, 2005; Matos & Carvalhosa, 2001). Neste âmbito, a evidência empírica publicada permitiu compreender que essa atenção mais recente tem-se sustentado, em duas abordagens ortogonais que ora enfatizam a satisfação com a vida e factores associados à saúde (e.g., Huebner, 2004), ora operacionalizam o bem-estar com base numa perspectiva psicopatológica apoiada em aspectos de falta de saúde (ill-being), nomeadamente no que se refere à incidência de depressão, ansiedade, assim como também ao nível da ocorrência de problemas sociais e comportamentos violentos/criminosos (Katja, Päivi, Marja-Terttu, & Pekka, 2002).
Embora se apreenda que o bem-estar é uma área de estudo extremamente ampla e que a investigação efectuada tenha vindo a reflectir importantes diferenças teóricas, metodológicas e empíricas na concepção e operacionalização deste construto, é consensual, actualmente, assumir a existência de dois modelos de bem-estar. O primeiro, oriundo da tradição de estudos sobre o hedonismo e que recebeu a designação de Bem-Estar Subjectivo – SWB. O segundo modelo, conhecido na literatura da especialidade como Bem-Estar Psicológico – PWB, tem as suas raízes nos estudos que tinham por objectivo o aprofundamento do nosso conhecimento sobre a eudamonia (Keyes, Shmotkin, & Ryff, 2002; Ryan& Deci, 2001).
Enquanto corrente de pensamento, o hedonismo reside substancialmente no princípio da acumulação do prazer e evitamento da dor, pelo que a visão predominante é a de que o bem-estar consiste na avaliação subjectiva da felicidade e concerne as experiências de prazer e sofrimento, amplamente situadas nos julgamentos acerca dos elementos bons e maus da vida (Kahneman, Diener,& Schwarz, 1999). Por sua vez, o eudaimonismo surge como uma perspectiva mais abrangente e diversificada, centrando-se predominantemente no funcionamento psicológico positivo e no desenvolvimento da eudaimonia – conceito aristotélico sustentado em valores humanistas e existenciais, e que pretende exprimir a capacidade de auto-realização, desenvolvimento e florescimento humano – muito as sente no modelo PWB de C arol Ryff (Ryff , 1989a, 1989b).
Face à escassez de modelos holísticos de bem-estar formulados especificamente para a infância e adolescência, e em atenção às suas idiossincrasias próprias (Carrasco, 2004), Fernandes e Vasconcelos-Raposo (2008) realizaram um estudo onde desenvolveram uma adaptação do modelo de bem-estar psicológico para a adolescência, tendo como referência os estudos de Carol Ryff (Ryff, 1989a, 1989b). Posteriormente, Fernandes, Vasconcelos-Raposo e Teixeira (2010) desenvolveram uma versão ajustada e reduzida desta escala de avaliação, que se apresentou com índices aceitáveis de consistência interna e com uma boa adequação factorial do modelo teórico de seis dimensões, a saber: autonomia – sentimento de autodeterminação e capacidade de auto-regulação; domínio do meio – capacidade para gerir a vida própria e exigências extrínsecas ao indivíduo; crescimento pessoal – sentimento de desenvolvimento contínuo e abertura a novas experiências de vida necessárias à maximização do seu potencial; relações positivas com os outros – estabelecimento de relações positivas e altruístas para com os outros; objectivos na vida – definição de propósitos de vida como apoios desenvolvimentistas e atribuição de significação/importância à existência e auto-realização pessoal; e, aceitação de si – caracteriza-se pela percepção e aceitação dos múltiplos aspectos do indivíduo (quer sejam características boas ou más) e avaliação positiva do seu passado (Keyes et al., 2002; Ryff, 1989a, 1989b).
Um dos contextos de vida dos adolescentes que não deve ser descurado na investigação centrada no bem-estar prende-se com a escola (Huebner, 1991 Joronen, 2005; Matos & Carvalhosa, 2001). Para além das questões do rendimento académico e de desenvolvimento vocacional, também a saúde e o bemestar geral dos adolescentes deve ser preocupação das instituições escolares. Aliás, a investigação correlaciona, de forma positiva, a motivação académica, o rendimento escolar e o gostar da escola com o auto-conceito e bem-estar subjectivo dos adolescentes (Huebner & McCullough, 2000; Natvig, Albrektsen,& Qvarnstrøm, 2003).
Da revisão da literatura realizada, constatou-se que uma das variáveis mais analisadas prende-se com a satisfação escolar dos adolescentes e os factores associados. Surgindo como variável mediadora, a satisfação escolar reflecte a complexidade própria das vivências e relações psicossociais que os adolescentes mantêm com os seus pares e com os adultos significativos. Por exemplo, Karatzias, Power, Flemming, Lennan e Swanson (2002), num estudo onde cruzaram variáveis demográficas, de personalidade e stress escolar, constataram que 56% da variância dos resultados, numa escala de satisfação escolar, foi explicada por estas variáveis. Este estudo mostrou ainda que as raparigas experienciam níveis superiores de satisfação escolar e tomando como referência a idade dos alunos, os mais novos mostraram-se academicamente mais satisfeitos que os mais velhos (quando tomadas isoladamente a idade ou o ano de escolaridade explicaram apenas 7% da variância). Variáveis como a auto-estima, a afectividade e os níveis de stress escolar foram, claramente, os maiores determinantes da satisfação e da qualidade de vida escolar (a auto-estima isoladamente evidenciou o maior valor preditivo 28.5%, seguida da afectividade positiva que explicou 24.7% da variância).
Outras variáveis aparecem, na literatura, associadas ao bem-estar e satisfação escolar dos adolescentes. As percepções de auto-eficácia geral e académica, a par das percepções de suporte social por parte dos professores e colegas (Berndt & Keefe, 1995; Natvig et al., 2003), apareceram associadas ao ajustamento à escola, traduzido no envolvimento do aluno nas actividades curriculares e na menor frequência de comportamentos problemáticos e disruptivos. Em particular na adolescência, o grupo de colegas pode afectar as atitudes e comportamentos associados à saúde através da influência e reforço sobre as normas e valores, estabelecendo assim uma certa identidade social e cultural, e providenciando sentimentos de pertença e aceitação ou modelos de comportamento apropriados (Helsen, Vollebergh, & Meeus, 2000; Neto, 1992; Settertobulte& Matos, 2004). Num estudo com 245 alunos do ensino secundário finlandês, com idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos, Katja et al. (2002) constataram que uma maior satisfação escolar dos alunos estava associada a uma atitude positiva para com a vida, à auto-estima, ao prazer de vida, à ausência de estados depressivos, a menores problemas com os pais, amigos e instituição escolar, a menos doenças e queixas sintomáticas, e a níveis mais elevados de bem-estar emocional.
Tendo em consideração que praticamente são inexistentes estudos que tomam em consideração as variáveis mediadoras na relação entre satisfação escolar e bem-estar psicológico, o presente estudo tem como objectivo conhecer o efeito diferenciador que as variáveis sócio-demográficas têm nos níveis de satisfação escolar dos adolescentes e por sua vez como esta se associa às múltiplas dimensões do bem-estar psicológico, enquanto indicador normativo e criterial do desenvolvimento humano associado à saúde mental positiva (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2008). Em particular, são objectivos específicos do presente trabalho: (i) comparar os níveis de satisfação escolar ao longo da adolescência, tendo em conta as variáveis género, idade e respectiva interacção; (ii) comparar os níveis de satisfação escolar em função de algumas variáveis sócio-familiares (local de residência, estatuto socioeconómico e relação com os pais); e, (iii) estabelecer e caracterizar o sentido e magnitude da relação entre a satisfação escolar e o bem-estar psicológico.
Metodologia
Amostra
A amostra global da presente investigação empírica foi constituída por 698 adolescentes com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos (M=15.02, DP=1.83). Ao nível do género, a amostra subdividiu-se em 381 raparigas (54.6%) e 317 rapazes (45.4%), com um valor médio de idades de 15.05±1.83 e 14.99±1.84 anos, r espectivamente.
Para um dos propósitos do estudo, foram definidos diversos grupos de idade de acordo com as propostas de Breinbauer e Maddaleno (2005). Assim, a fase inicial da adolescência contemplou um total de 238 indivíduos (103 raparigas e 135 rapazes) com idades delimitadas entre os 12 e os 13 anos (raparigas) e entre os 12/13 e os 14 anos (rapazes). O grupo da fase média da adolescência foi composto por 207 indivíduos (107 raparigas e 100 rapazes) com idades compreendidas entre os 14 e os 15 anos de idade (raparigas) e entre os 15 e os 16 anos (rapazes). O último grupo (fase final da adolescência) abrangeu um total de 253 indivíduos (171 raparigas e 82 rapazes) com idades delimitadas entre os 16 e os 18 anos de idade (r aparigas) e entr e os 17 e os 18 anos (rapazes).
No que concerne ao local de residência, 307 (44.0%) adolescentes viviam na aldeia (meio rural), enquanto os restantes 391 (56.0%) adolescentes habitavam na cidade (meio urbano).
A distribuição da amostra por nível socioeconómico reporta-se a outro dos objectivos do presente estudo, tendo-se definido três níveis (estatuto socioeconómico baixo, médio e superior), de acordo com as ocupações profissionais dos pais. Deste modo, 312 (44.7%) adolescentes integraram o nível socioeconómico baixo, 233 (33.4%) jovens foram incluídos no nível médio e os restantes 153 (21.9%) adolesc entes constituíram o nív el superior.
O processo de amostragem orientou-se por procedimentos não probabilísticos, onde procurámos obter um número adequado de sujeitos para a consecução dos objectivos a que nos propusemos. Recorrendo a uma adaptação da técnica não probabilística em bola de neve (snowball), tomámos como elementos referenciadores de amostragem, docentes do ensino básico (3º Ciclo) e secundário que, por sua vez, determinaram como unidades de análise as turmas que leccionavam. Todos os elementos da amostra frequentavam escolas do sistema público português, nas regiões norte e centro.
Instrumentos
Após os alunos responderem a questões de natureza sociodemográfica (género, idade e local de residência), foi-lhes apresentada uma questão sobre a ocupação laboral parental operacionalizada através das seguintes questões: "Qual é a profissão da tua mãe?" e "Qual é a profissão do teu pai?". As respostas obtidas foram classificadas de acordo com a Classificação Nacional das Profissões (IEFP, 2008) e posteriormente reorganizadas em três estratos (baixo, médio e elevado). Este processo de análise do estatuto socioeconómico, através da profissão parental, tem sido aplicado em estudos de larga escala neste período de vida (e .g. HBSC – C urrie, Hurrelmann, Settertobulte, Smith, & T odd, 2000).
Por sua vez, a relação com os pais foi mensurada através do preenchimento de uma opção de resposta à questão "No geral, como consideras a relação que tens com os teus pais?", numa escala tipo Likert de 5 pontos (1: muito má a 5: muito boa).
A variável satisfação escolar foi analisada a partir das respostas a duas afirmações ("Sinto-me satisfeito com a minha vida escolar" e "Gosto da minha escola") com base numa escala tipo Likert de 5 pontos (1: discordo plenamente a 5: concordo plenamente). Outros estudos têm avaliado esta dimensão com base neste tipo de questões (Currie et al., 2000; Huebner & McCullough, 2000; Karatzias et al., 2002; Samdal et al., 2004). Tendo em conta a problemática em torno da avaliação de factores constituídos unicamente por 2 itens (Hatcher, 1994) e a magnitude da correlação entre estas afirmações (r=0.58, p<0.001), optámos, na presente investigação, por combiná-las num único item, a partir daqui intitulado de satisfação escolar.
Para a medição do bem-estar psicológico foi utilizada a versão portuguesa adaptada para adolescentes das escalas de Carol Ryff, resultante do conjunto de estudos prévios de adaptação semântica, redução de itens e análise das suas propriedades psicométricas tendo em consideração os respectivos coeficientes de consistência interna e os índices de adequação das estruturas factoriais testadas, através do procedimento de análise factorial confirmatória (Fernandes et al., 2010). Os valores obtidos de qualidade de ajustamento foram: X2/df=2.28, CFI=0.911, GFI=0.927, AGFI=0.913 e RMSEA (IC 95%)=0.041 (0.037,0.044). No global, os resultados obtidos sustentam a assumpção de uma medida de avaliação compreensível, fiável e que respeita a natureza multidimensional do modelo PWB de Carol Ryff. O conjunto dos 30 itens foi respondido numa escala tipo Likert de 5 pontos (1: discordo plenamente a 5: concordo plenamente), que quando somados por total de escala permitem analisar a variabilidade por dimensão das escalas de bem-estar psicológico, enquanto quando adicionados na sua globalidade, dão origem a um resultado designado de bem-estar global que se constitui como indicador do conceito base bem-estar psicológico.
Procedimentos
A recolha de dados só foi realizada após a obtenção do consentimento informado de aplicação do questionário, por parte dos membros das direcções de escolas/agrupamentos educativos e dos encarregados de educação dos respectivos alunos, sendo-lhes garantida a confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos. O preenchimento do questionário decorreu em contexto escolar, num ambiente de sala de aula o mais calmo e sereno possível, demorando entre cerca de 10 a 15 minutos.
Relativamente à análise estatística, inicialmente foram estimados os indicadores univariados de tendência central (média) e dispersão (desvio-padrão) das medidas analisadas, bem como de normalidade univariada (skewness e kurtosis), seguidos do cálculo dos coeficientes alpha de Cronbach de modo a aferir a consistência interna das escalas de avaliação multi-itens.
No âmbito da inferência estatística procedeu-se à aplicação de um conjunto de testes paramétricos (ANOVA, correlação de Pearson e regressão linear) com o intuito de compreender com base nos elementos observados, como as variáveis se diferenciam e/ou associam, consoante a sua natureza dependente ou independente.
Resultados
Efectuou-se, inicialmente, um conjunto de análises descritivas, de normalidade e de consistência interna das medidas de satisfação escolar e bem-estar psicológico, apresentadas no quadro 1.
Quadro 1
Média χ
A análise dos valores apresentados no quadro 1 revela que os scores das medidas situam-se dentro de um intervalo associado a uma distribuição aproximadamente normal. Os valores de consistência interna obtidos para a medida global e específicas do bem-estar psicológico são satisfatórios, embora os coeficientes dos factores autonomia, domínio do meio e objectivos na vida se situem ligeiramente abaixo do critério mínimo de 0.70 proposto por Nunnaly e Bernstein (1994).
Análise da satisfação escolar
A análise de variância (ANOVA a dois factores) sobre o efeito combinado do género (2) × fase etária (3) na satisfação escolar permitiu verificar que a interacção entre estes dois factores fixos não é importante na diferenciação dos grupos [F(2,692)=0.33, p>0.05, Xp2=0.001]. Ao nível univariado, manteve-se a ausência de diferenças significativas [F(1,692)=0.002, p>0.05, Xp2=0.000] entre a média dos rapazes (M=3.49, DP=0.98) e raparigas (M=3.47, DP=0.90), enquanto a variável fase da adolescência se mostrou tangencialmente influente na diferenciação dos grupos constituídos [F(2,692)=2.92, p=0.055, Xp2=0.008], constatando-se um valor médio superior por parte dos adolescentes na fase inicial (M=3.60, DP=0.99), em relação às fases posteriores (fase média: M=3.41, DP=0.96; fase final: M=3.43, DP=0.84). O coeficiente de correlação de Pearson entre a idade e a satisfação com a escola revelou uma relação inversa e significativa (r=X0.100, p<0.01).
Relativamente ao local de residência, o resultado da ANOVA demonstrou a inexistência de diferenças significativas [F(1,696)=0.83, p>0.05, Xp2=0.001] entre os adolescentes residentes em meio rural (M=3.52, DP=0.86) e meio urbano (M=3.45, DP=0.99).
Quando se considera a natureza socioeconómica da amostra em estudo, a análise de variância univariada (ANOVA a um factor) permitiu denotar que os distintos grupos não se diferem significativamente [F(2,695)=1.96, p>0.05, Xp2=0.006], embora se observe uma superioridade por parte dos grupos de estatuto socioeconómico elevado (M=3.57, DP=0.90) e médio (M=3.53, DP=0.92) em relação ao baix o (M=3.40, DP=0.96).
No que concerne a associação entre a relação com os pais e a satisfação escolar, o coeficiente de Pearson revelou que uma melhor relação com os pais está positivamente correlacionada com a satisfação com o domínio escolar (r=0.186, p<0.001).
Posteriormente, procedeu-se à inclusão das variáveis género, idade, local de residência, estatuto socioeconómico e relação com os pais enquanto predictores da satisfação escolar. Os resultados obtidos indicaram que o conjunto destes factores explicou cerca de 5% (R2 ajustado=0.044) da variância da satisfação escolar (F(5,692)=7.34, p<0.001, R2=0.05), constituindo a idade (X = X0.096) e a relação com os pais ( X=0.187), as variá veis com influência significativa ( p<0.05).
A influência da satisfação escolar no bem-estar psicológico
O estudo das relações entre a satisfação escolar e as dimensões do bemestar psicológico visa a compreensão da natureza e magnitude das associações entre estas diferentes medidas, numa amostra de adolescentes. Os coeficientes de correlação produto-momento (r de Pearson) reflectiram diversos graus de associação, embora todos evidenciassem significado estatístic o (quadro 2).
Quadro 2
Matriz de inter-correlações entre a satisfação escolar e as dimensões do bem-estar psicológico
Da leitura do quadro anterior denota-se que a satisfação escolar evidencia um maior coeficiente de associação com as dimensões aceitação de si, relações positivas com os outros, objectivos na vida, alcançando o valor de r=0.270 para a medida global do bem-estar psicológico.
Tendo por objectivo de identificação a influência da satisfação escolar no score do bem-estar global, procedeu-se a uma regressão linear múltipla hierárquica que visou integrar na equação de predição do bem-estar psicológico, o conjunto de variáveis analisadas anteriormente acrescido da variável satisfação escolar, que constitui o objecto central predictor desta análise. A determinação do contributo de cada uma das variáveis foi efectuada através da conjugação destas em blocos de natureza latente, os quais foram incorporados no modelo através de passos/momentos determinados a priori. O primeiro bloco integrou as variáveis independentes analisadas anteriormente (género, idade, local de residência, estatuto socioeconómico e relação com os pais), enquanto no segundo bloco foi adicionada a variável satisfação com a escola, de forma a identificar o acréscimo da variância explicada em adição ao bloco anterior de variáveis (método enter). Deste modo e após o controlo das restantes variáveis em análise, foi possível verificar que o primeiro bloco explicou cerca de 11% (R2=0.105) da variância do bem-estar psicológico global (F(5,692)=16.27, p<0.001, R2 ajustado=0.099), enquanto a satisfação com a escola isoladamente contribuiu com uma explicação adicional de 8% (R2=0.184) da variância da variável critério (F(6,691)=26.46, p<0.001, R2 ajustado=0.177), constituindo esta dimensão o factor predictor que e videnciou maior capacidade e xplicativa (X =0.285, p<0.001).
Discussão
Com o presente estudo procurámos identificar os factores influenciadores da satisfação com a escola, assim como, relacionar este domínio com o bemestar psicológico, visando não só a colmatação da evidência empírica sobre esta temática, como também, sugerir novas possibilidades de investigação no domínio educativo/escolar.
De um modo geral, os estudos centrados na satisfação com a escola têm evidenciado um conjunto de factores de influência (correlatos) que, de forma directa ou mediada, evidenciam um efeito sobre os níveis de satisfação escolar (DeSantis King, Huebner, Suldo, & Valois, 2006; Karatzias et al., 2002). Esta evidência revela uma maior expressão nos estudos de E.S. Huebner (e.g., Huebner & McCullough, 2000), o qual se constitui como um dos principais investigadores e sistematizadores desta área. Parece, então, notório que a satisfação escolar tendencialmente desempenha as funções de variável dependente, sendo por isso entendida como uma variável "produto", para a qual converge parte dos efeitos/influências de outras variáveis.
De entre a evidência empírica existente, denota-se que a idade/ano de escolaridade (Karatzias et al., 2002), o suporte/apoio dos professores (Natvig et al., 2003), o grupo de pares (Berndt & Keefe, 1995) e a ocorrência de menores problemas com os pais (Katja et al., 2002) constituem alguns dos principais factores influenciadores da satisfação com a escola. Atendendo à presente amostra, é possível verificar que muitos dos resultados obtidos são consistentes com certas investigações anteriores.
Relativamente ao género e sua interacção com a fase de adolescência não se verificaram diferenças significativas entre grupos, o que em parte contraria alguns estudos anteriores (Karatzias et al., 2002; Randolph, Kangas, & Ruokamo, 2008; Verkuyten & Thijs, 2002), embora outros estudos também demonstrem que o género não influencia isoladamente a satisfação com o domínio escolar (Baker & Maupin, 2009). Embora muitas explicações possam ser ancoradas no âmbito dos papéis sociais e expectativas académicas referentes a caso género, os últimos relatórios da HBSC (Currie et al., 2000; Samdal et al., 2004) também indicam que a percentagem de adolescentes que gostam muito da escola tende a diminuir com a idade, verificando-se maiores diferenças entre géneros na faixa etária dos 11 anos, a qual não foi contemplada no presente estudo. Neste âmbito, também no presente estudo se denotou uma diminuição da satisfação escolar ao longo da adolescência, o que vai de encontro a investigações anteriores (Matos & Equipa Aventura Social, 2003, 2006; Karatzias et al., 2002; Randolph et al., 2008). Parece, assim, ser evidente que os adolescentes percepcionam uma diminuição do gosto pela escola, do rendimento/sucesso escolar e da simpatia nas amizades à medida que envelhecem (Baker & Maupin, 2009; Fernandes& Vasconcelos-Raposo, 2008), acompanhados por percepções de maiores exigências/ pressões no contexto escolar, o que em parte permite justificar a elevada percentagem de insucesso/abandono escolar no contexto nacional.
Atendendo ao efeito das variáveis local de residência e estatuto socioeconómico não se obtiveram diferenças significativas, o que sugere que estes factores não contribuem para a diferenciação da satisfação com o domínio escolar. Muitas das vezes estes factores socioculturais são apontados como determinantes do (in)sucesso escolar, constituindo alguns das causas das carências dos alunos, que os colocam numa situação de (des)vantagem em relação à sua educação/formação (Formosinho, 1991). É importante acautelar que, associados a estes factores socioculturais, existem certos factores preditores da satisfação escolar, como é o caso das condições de transporte casa-escola-casa, a dimensão e o número de alunos da escola, expectativas de sucesso académico, envolvimento parental, entre outras (James, 2005; Sergiovanni, 1995; Swanson, 1988). Deste modo, o que o presente estudo revela é que o local de residência e o estatuto socioeconómico não contribuem, per si, para a diferenciação da satisfação com a escola.
Tendo em consideração a análise de associação entre a relação com os pais e a satisfação escolar, os resultados obtidos demonstram a qualidade da relação parental exerce um efeito positivo na satisfação dos adolescentes com a sua escola, o que vai de encontro a estudos anteriores (Katja et al., 2002). A generalidade da literatura sobre este domínio de pesquisa é unânime em considerar a importância da relação parental na determinação das primeiras relações sociais, bem como, o contexto onde ocorrem as aprendizagens iniciais que efectuamos acerca das pessoas, situações e capacidades individuais, o que por sua vez, influencia a personalidade (Helsen et al., 2000; Sprinthall & Collins, 2003). Na opinião de Vasconcelos-Raposo (1993), dos demais agentes socioculturais existentes, os pais são aqueles que possuem maior grau de importância na transmissão das possibilidades comportamentais de um determinado sistema contextual, podendo intervir através, de pelo menos, três processos: a) com os seus próprios comportamentos, apresentam situações para elicitarem acções nas crianças (e.g. frustração conduz à agressão); b) servem de modelos a serem imitados pelas crianças; e, c) relutantemente, recompensam os comportamentos e progressos realizados pelas crianças. Tal efeito positivo poder-se-á dever ao facto de que um estilo parental cuja socialização é percepcionada de modo positivo pelos filhos decorre de um certo equilíbrio entre as responsabilidades e expectativas de cada uma das partes, da estimulação da independência e autonomia dos filhos sob a supervisão parental, da menor ocorrência de conflitos/problemas e de um maior apoio/acompanhamento da sua vida escolar (Katja et al., 2002), revelando o estilo parental autorizado níveis superiores de relação com a satisfação com a vida em adolescentes (Huebner, 2004; Petito & Cummins, 2000).
Tal como nos é dado a conhecer na literatura existente, existe uma carência de estudos debruçados sobre a importância da satisfação escolar noutros domínios de vida dos adolescentes, tal como é o caso dos seus níveis de bem-estar e saúde. Embora existam alguns estudos no âmbito do modelo do bem-estar subjectivo (Huebner & McCullough, 2000; Katja et al., 2002; Matos & Carvalhosa, 2001; Natvig et al., 2003), parece unicamente existir um estudo centrado no modelo do bem-estar psicológico (Jin & Moon, 2006), cuja particularidade reside no f acto da amostr a utilizada englobar alunos sobr edotados.
Perante o exposto, pretendemos com o presente estudo proporcionar uma nova abordagem e concepção que permite conhecer e compreender os factores determinantes da variabilidade dos níveis de satisfação com a escola, como também, definir o papel/função deste último domínio psicológico nos níveis globais de saúde dos adolescentes, assumindo, desta forma, a satisfação escolar um papel mediador entre os atributos/factores pessoais e contextuais e os seus níveis de bem-estar psicológico.
De um modo geral e apesar da natureza transversal do presente estudo, os dados reportados sustentam que a satisfação com a escola exerce um efeito moderado nos níveis de bem-estar psicológico (X=0.285, ΔR2=0.079), quando controlados os efeitos das variáveis sociodemográficas (género, idade, local de residência, estatuto socioeconómico e relação com os pais). Esta abordagem e evidência empírica permitem assumir que as avaliações e considerações gerais que os adolescentes fazem sobre o grau de satisfação com um dos seus principais domínios de vida e intervenção têm um efeito considerável na expressão dos níveis de saúde mental positiva, tal como proposto pelo modelo do bemestar psicológico (Ryff, 1989a, 1989b). A literatura existente apresenta como principais argumentos a evidência que demonstra que os alunos mais satisfeitos com a sua escola e vida escolar têm maior probabilidade de se sentirem melhor com eles próprios e revelarem maiores níveis de bem-estar subjectivo (Huebner & McCullough, 2000; Matos & Carvalhosa, 2001). O cruzamento dos nossos resultados com este cenário salienta e acresce de fundamentação esta associação dimensional, proporcionando uma extensão da compreensão da satisfação com a escola às diferentes facetas do bem-estar psicológico. Assim, maiores níveis de satisfação escolar não só se traduzem num maior bem-estar ao nível global (r=0.270, p<0.01), assim como, de modo acentuado, estabelecem um maior sentido de domínio e competência na forma de lidar com o meio envolvente, promovem a capacidade para estabelecer relações e amizades satisfatórias e significativas, enfatizam a necessidade de definir metas que dão um sentido e direcção próprias ao comportamento individual e incutem um maior reconhecimento positivo dos valores e capacidades pessoais. Outros estudos, por exemplo, verificaram que uma maior satisfação escolar associa-se a uma atitude positiva para com a vida, a maiores níveis de auto-estima, auto-conceito e auto-eficácia, à ausência de estados depressivos, a menos doenças e queixas sintomáticas, a níveis mais elevados de stress e afectividade negativa, e a níveis mais elevados de bem-estar, emocional (felicidade) (Karatzias et al., 2002; Matos & Carvalhosa, 2001; Natvig et al., 2002, 2003). Estes resultados sugerem que os estudantes que reportam maior satisfação com o seu ambiente escolar, tendem a percepcionaram-se como mais autónomos, com maior número de competências ao nível do domínio do meio, com maiores níveis de actualização/crescimento pessoal, objectivos na vida e aceitação de si e com uma esfera interpessoal mais positiva, sendo estas competências promotoras de adaptação aos vários desafios e exigências das tarefas desenvolvimentistas inerentes à adolescência.
No entanto, é necessário identificar certas limitações que requerem uma certa precaução na interpretação e generalização dos dados. Num primeiro momento, é necessário denotar que se procurou estabelecer a relação entre dois domínios psicológicos próprios e bem delimitados de um modo exploratório, pelo que a evidência correlacional deve ser alvo de análise em futuros estudos, se possível, incluindo outros factores psicológicos. Para além disto, é também necessário salientar a natureza transversal (cross-sectional) da pesquisa, pelo que o efeito de influência da satisfação escolar sobre o bem-estar psicológico deve ser entendido ao nível correlacional, sendo por isso essencial a realização de futuras investigações de natureza longitudinal, de modo a determinar/esclarecer a direcção da associação entre estes dois construtos. Por fim, sugere-se a utilização de medidas de avaliação de satisfação escolar de carácter multidimensional em situações posteriores, de modo a ressalvar a compreensão multifactorial da dinâmica deste domínio psicológico.
Conclusões
Os resultados da nossa investigação indicam que as variáveis género, local de residência e estatuto socioeconómico não exerceram um efeito significativo quando comparados os níveis de satisfação escolar. Ao nível correlacional, a idade associou-se negativamente com a satisfação com a escola, indicando que este domínio diminui ao longo da adolescência. Por outro lado, a existência de relações positivas com os pais parece favorecer uma percepção positiva do ambiente escolar por parte dos adolescentes. Também se observaram correlações positivas entre a satisfação escolar e as dimensões do bem-estar psicológico, sendo evidente esse efeito moderado mesmo após o controlo da influência das variáveis sociodemográficas.
Em suma, estes resultados reforçam o papel importante que a satisfação com a escola exerce na promoção do desenvolvimento positivo juvenil, sendo necessário aprofundar a compreensão desta dinâmica durante a adolescência, tendo por quadro de referência as inúmeras realidades sociais que se consubstanciam em distintos domínios de r ealização da vida dos adolescentes.
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