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Revista Lusófona de Educação
versão impressa ISSN 1645-7250
Rev. Lusófona de Educação no.19 Lisboa 2011
Desafios da inclusão em Portugal: a importância das atividades de tempo livre na promoção das aprendizagens
Edineide Jezine* & Rusiel Paulino de Araujo Junior**
*Doutora em Sociologia. Professora da Universidade Federal da Paraíba. Realizou o Pós-doutoramento na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em 2010-2011 - Bolsista CAPES/FCT. edjezine@gmail.com
**Mestre em Educação. Doutorando em Educação da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. junior.targino45@gmail.com
Resumo
O presente texto analisa os desafios da inclusão a partir da relação globalização e currículo na realidade educacional portuguesa em que se situa o prolongamento do tempo escolar -escola a tempo inteiro e o Programa de Enriquecimento Curricular que integram o 1º ciclo do ensino básico. Trata-se de uma investigação do tipo de estudo de caso desenvolvida a partir da aplicação de questionários, entrevista e análise de documentos em que se busca focar o desenvolvimento das aprendizagens a partir de atividades que envolvem processos de construção e ludicidade. A análise do processo de inclusão pretende ultrapassar os limites do debate que aponta as dificuldades e refletir sobre o processo de inclusão de uma criança com síndrome de Down em uma escola do ensino regular de Lisboa, que passa a frequentar o Centro de Actividade de Tempo Livre, em que se busca assinalar ações proactivas, capazes de avançar como o paradigma da inclusão.
Palavras-chave: Globalização; currículo; inclusão; aprendizagem; síndrome de Down.
Challenges of the inclusion in Portugal: the importance of leisure time activities in the promotion of learning
Abstract
The present text analyzes the challenges of inclusion since the relation globalization and curriculum in portuguese educational reality where there is an extansion of school time - full-time school and the programme of curriculum enrichment that integrates the 1st cycle of basic education. That treats of the investigation of type of study of desenvolved case since the application of questionnaires,interview and analysis of documents that aim the development of learnings from the activities that envolve the processes of construction and playfulnessl.The analysis of process of inclusion aims to exceed the limits of debate that points the difficulties and reflects on the process of inclusion of a child with Downs Syndrome in a Lisbon school of regular education that passes to attend the Center of free time activities that aims to point out proactive actions, that are able to get a move on as a paradigm of inclusion.
Keywords: globalization, curriculum, inclusion, learning.
Introdução
Discutir os desafios da inclusão de pessoas com deficiência no contexto escolar nos remete ao debate do paradigma da inclusão no contexto da globalização e a relação com a educação, lócus em que se situam as mudanças educacionais e curriculares do ensino fundamental em Portugal e as atividades de tempo livre (ATL’s) como parte das atividades de enriquecimento curricular (AEC’s).
Parte-se da complexidade que tem sido o debate acerca da inclusão, em que pese a legislação e os acordos nacionais e internacionais a temática encontra-se permeada de controvérsias, pois há os que defendem a inclusão do aluno com deficiência na escola regular e a exigência de novos posicionamentos, ou seja, todos na escola para todos e lá se criem as condições para que as aprendizagens ocorram; e os que defendem a existência paralela de um sistema de educação especial, uma vez que a escola regular não possui estrutura física e/ou pedagógica e nem pessoal capacitado para atender a estes sujeitos. Tendo este debate como referência, pretende-se ultrapassar a polarização e despertar para a urgência de discutir/analisar práticas educativas que contribuam para a inclusão da pessoa com déficit de aprendizagem no sistema escolar, que suplante a fase inicial da socialização e desenvolva processos de cognição, de modo a inclusão tornar-se realidade.
Na busca deste objetivo o foco da análise é o processo de inclusão de uma criança brasileira de 6 anos com síndrome de Down (SD), que tem sua matrícula efetivada numa escola de Lisboa/Portugal e que passa a frequentar as AEC’s no Centro Social e Paroquial da respectiva freguesia (CSPC) que possui um Centro de Actividade de Tempo Livre (CATL). Neste processo, busca-se apreender a dinâmica da inclusão e a contribuição das AEC’s no desenvolvimento das aprendizagens. Como estas atividades que agregam processos de construção e ludicidade a partir da ideia de tempo livre se relacionam com o currículo escolar e podem ajudar no desenvolvimento das aprendizagens da pessoa com deficiência?
A investigação desenvolve-se sob a orientação do tipo de pesquisa qualitativa, sob a abordagem do estudo de caso, pois a especificidade é o processo de inclusão de uma criança com SD. Ao passo da opção metodológica foram utilizados os seguintes procedimentos para a coleta de dados:
• Aplicação de questionário com perguntas abertas a 8 (oito) educadores, que envolvem os professores das áreas de ensino e educadores de apoio que atuam no CSPC, com as ATL’s do 1º ciclo em parceria com a respectiva escola, especificamente com os alunos do 1º ano;
• Realização de entrevista semi-estruturada com a Coordenadora Pedagógica e Assistente Social a fim de conhecer a dinâmica do CSPC;
• Análise do Plano Anual de Actividades – 2010/211, que expressa o planejamento teórico e metodológico da instituição. A fala dos educadores expressas em respostas no questionário, que foram numerados aleatoriamente a fim de não permitir a identificação do educador, são o principal objeto de análise, em que se busca apreender os aspectos da inclusão e do desenvolvimento da aprendizagem do sujeito e relacionar as AEC’s no campo das mudanças curriculares aos processos de inclusão em Portugal no contexto da globalização.
Assim, a problemática situa-se na realidade educacional portuguesa, que para sua compreensão parte-se da contextualização histórica do processo de inclusão e as dificuldades em torno de um paradigma incorporado no fazer escolar. As ações curriculares são analisadas a partir das AEC’s nas práticas das ATL’s e no desenvolvimento das aprendizagens, no acontecer da inclusão apreendido a partir da fala dos educadores. Os discursos são organizados e analisados a partir dos objetivos das questões e didaticamente apresentadas sob a forma de quadro sintético, a partir de palavras e/ou frases chaves que possam denotar a compreensão do processo e o que cada educador expressa.
Neste sentido, os autores se propõem a refletir sobre a inclusão escolar como um processo que precisa ser analisado a partir de um olhar da ação proactiva, capaz de avançar como um paradigma da educação, que precisa ser discutido, negado e afirmado a partir das suas dimensões teóricas e práticas.
Globalização e Currículo. O prolongamento do tempo escolar a partir das AEC’s
A superação do desafio de efetivar a inclusão de pessoas com deficiência em escolas regulares requer mudanças de paradigmas sociais e educacionais que possam intervir, diretamente, na concepção de educação, currículo e prática educativa. No contexto da globalização tais mudanças tomam novos contornos,o que faz necessário perceber a natureza da globalização que se fala e sua relação com as mudanças curriculares na construção de uma agenda global em que a inclusão apresenta-se como uma diretriz.
A abordagem defendida por Roger Dale (2004, p.444) da existência de uma agenda globalmente estruturada para a educação (AGEE) parte do pressuposto de que a globalização envolve três conjuntos de atividades relacionadas entre si, econômica, política e cultural. E busca identificar uma mudança de paradigma que “afectou directamente, mas de uma forma mais significativa, indirectamente, através do impacto da globalização sobre o estado, os sistemas políticos educativos”. No conjunto destas mudanças provocadas pelos processos de globalização, a educação tem sido o fator chave da busca da normalidade e competitividade entre nações e estados; mecanismo de padronização de comportamentos e práticas. Contudo, não se constitui “currículo mundial” como enseja a abordagem da cultura educacional mundial comum (CEMC) que indica “um conjunto universal de normas, ideias e valores que independente de qualquer delas informam e modelam a própria natureza dos estados, assim como das suas políticas” (Dale, 2004, p.436). O autor admite que alguns aspectos dos sistema educativo se fundem em guiões comuns, contudo não se justifica a existência de um “currículo mundial”, pois para além de ser assumido precisa ser demonstrado. “Tal implicaria não só no aprofundamento da investigação empírica, mas também no desenvolvimento de uma teoria sobre como (através de que instituições), e com que efeitos, o currículo foi criado, difundido e implementado” (Dale, 2004, p. 455).
Então é possível pensar as influências da globalização nos sistemas educativos e na prática do currículo escolar a partir da agenda global que prioriza o apoio aos processos de acumulação, sua contínua expansão e legitimação. Neste sentido, são perceptíveis as prescrições educacionais a partir dos acordos mundiais e as proposições das agências internacionais de financiamento (Estrela e Teodoro, 2008), sem atentar para as diversidades culturais e “as implicações sociais que envolvem o ato educativo e que constituem saberes distinto” (Dorziat, 2008, p.59).
Estrela e Teodoro (2008), a partir de Dale (1999; 2004), sustentam a ideia da influência da globalização nas políticas educacionais e acrescentam, como parte de uma agenda globalmente estruturada para a educação, a operação de forças econômicas supra e transnacionalmente para romper ou ultrapassar as fronteiras nacionais, traduzindo, simultaneamente, as relações entre os países. Contudo, admitem que estas forças supranacionais não pretendem a priori substituir o Estado, antes poderão afetar as políticas e as práticas educativas nacionais de diferentes formas e intensidades nos mais diversos Estados, uma vez que esses efeitos são sempre mediados pelo local.
É neste sentido, que é possível um conjunto universal de padrões que influenciam na natureza dos Estados e de suas políticas. Todavia, não esgotam ou determinam a agenda acerca das políticas educacionais, pois hão de considerar as dinâmicas da sociedade civil e os movimentos organizados que exercem pressões sobre a política do Estado; expressam interesses e articulações que ganham força no contexto das relações sociais e políticas; corroboram com o enfraquecimento do poder do Estado e reconduzem proposições e definições políticas.
Nesta dialeticidade se inserem os desafios da educação inclusiva, pois o preenchimento da lacuna entre o que diz a lei e o exercício da prática é significante para a garantia da permanência qualificada de todos na escola. O alcance da premissa de uma educação inclusiva implica em adotar a educação sob a perspectiva humanitária, que considere as habilidades e não as deficiências, que incorpore os conceitos de interdisciplinaridade, a troca de saberes na constituição de experiências positivas para todos e todas; a sensibilização de modo a facilitar a aprendizagem e a inserção dos alunos nos contextos sociais, conforme explicita Sanches e Teodoro (2007, p.114) “A educação inclusiva pressupõe escolas abertas a todos, onde todos aprendam juntos, quaisquer que sejam as suas dificuldades, porque o acto educativo se centra na diferenciação curricular inclusiva, construída em função dos contextos de pertença dos alunos”. Neste sentido, importa pensar como se estrutura o currículo do 1º ciclo básico das escolas de Lisboa? Em que aspectos as atividades curriculares de tempo livre contemplam a inclusão de pessoas com deficiência?
A estrutura curricular1do ensino em Portugal ampara-se na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) -nº 46/1986 de 14 de Outubro, em que consta a especificação do ensino básico que compreende três ciclos sequenciais, sendo o 1.º ciclo de quatro anos e, conforme o Art. 8º, nº1, alínea “a” deve ser “globalizante, da responsabilidade de um professor único, que pode ser coadjuvado em áreas especializadas”. Todavia é o Despacho nº 19 575/2006 de 25 de setembro que determina os tempos mínimos do Programa do 1º ciclo, são eles:
1- Os tempos mínimos para a leccionação do programa do 1.o ciclo são: Língua Portuguesa - oito horas lectivas de trabalho semanal, incluindo uma hora diária para a leitura; Matemática - sete horas lectivas de trabalho semanal; Estudo do Meio - cinco horas lectivas de trabalho semanal, metade das quais em ensino experimental das Ciências; Área das expressões e restantes áreas curriculares -cinco horas lectivas de trabalho semanal.
E a mesma Lei, no Artigo 48º, define o que seja ocupação dos tempos e desporto em seus objetivos, estrutura as disciplinas a serem desenvolvidas e atribui a escola sua organização:
1 - As actividades curriculares dos diferentes níveis de ensino devem ser complementadas por acções orientadas para a formação integral e a realização pessoal dos educandos no sentido da utilização criativa e formativa dos seus tempos livres. 2 - Estas actividades de complemento curricular visam, nomeadamente, o enriquecimento cultural e cívico, a educação física e desportiva, a educação artística e a inserção dos educandos na comunidade. 3 - As actividades de complemento curricular podem ter âmbito nacional, regional ou local e, nos dois últimos casos, ser da iniciativa de cada escola ou grupo de escolas. 4 -As actividades de ocupação dos tempos livres devem valorizar a participação e o envolvimento das crianças e dos jovens na sua organização, desenvolvimento e avaliação....
Estas atividades, contudo se ampliam amparadas no Despacho n.º 12.591/ 2006, revogado pelo Despacho 14.460/2008 que mantêm a determinação no ponto 5 do alargamento do horário da escola que “manter-se-ão obrigatoriamente abertos pelo menos até às 17 horas 30 minutos e no mínimo oito horas diárias”. É a chamada “escola a tempo inteiro”, este alargamento de horário do funcionamento da escola conduziu à necessidade de um reforço na organização, que passou a requerer ligações e parcerias com autarquias, associações de pais e diversas instituições existentes na comunidade para o desenvolvimento das AEC’s, conforme é explicitado nos ponto 9 e 10 dos respectivos despachos:
9 - Consideram -se actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico as que incidam nos domínios desportivo, artístico, científico, tecnológico e das tecnologias da informação e comunicação, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e voluntariado e da dimensão europeia da educação, nomeadamente: a) Actividades de apoio ao estudo; b) Ensino do Inglês; c) Ensino de outras línguas estrangeiras; d) Actividade física e desportiva; e) Ensino da música; f) Outras expressões artísticas; g) Outras actividades que incidam nos domínios identificados. 10 - Os planos de actividades dos agrupamentos de escolas incluem obrigatoriamente para todo o 1.º ciclo como actividades de enriquecimento curricular as seguintes: a) Apoio ao estudo; b) Ensino do Inglês.
Segundo os argumentos do Despacho n.º 14.460/2008 o Ministério da Educação partilha com outras instâncias da sociedade civil a consolidação do reforço às competências escolares através da organização de respostas diversificadas, em função das realidades locais, que permitem que as escolas proporcionem AEC’s aos alunos. E considera uma urgência adaptar os tempos de permanência das crianças nos estabelecimentos de ensino às necessidades das famílias e ao mesmo tempo, oportunizar o acesso a tempos pedagogicamente ricos e complementares das aprendizagens associadas. Neste sentido, a escola passa a desempenhar algumas funções da família, como cuidar/educar o dia todo, uma vez que lhe é facultado um programa educativo “escola a tempo inteiro” que integra o currículo letivo2e constitui atividades definidas e direcionadas que aumentam a carga de trabalho escolar formal, basicamente equiparada ao trabalho dos adultos.
A rigidez curricular, e o aumento do tempo escolar voltado à formação técnica são observados pela Coordenadora Pedagógica e a Assistente Social do CSPC, pois ambas assinalam que cada vez mais as atividades de enriquecimento curricular são pensadas para serem aulas, em que se perdem a ludicidade, as opções (música, plástica, etc.) são organizadas por turmas, muitas vezes sem ter em conta os interesses das crianças, fato que pode ser verificado no Plano Anual de Atividades (2010/2011, p.42) – 2.91 - Enquadramento das rotinas: Horário CATL 2010/2011 que define horários, turmas e atividades. Como as crianças ficam em horário oposto ao da escola, têm obrigatoriamente de participar das atividades que são organizadas em função das idades e anos de escolaridade. Neste sentido, é preciso ter consciência do que significa ser criança e as metodologias necessárias a dinâmica do “tempo livre” para que possam ocorrer processos de democratização, autonomia e criação, de modo a não se perceber diferenças substanciais entre as aulas escolares e as AEC’s.
Neste sentido, as ATL’s devem ser adequadas às diversidades dos alunos e concretizar-se em projetos articulados com o currículo a fim de contribuir para promoção das aprendizagens. No entanto, deve-se reconhecer que por vezes existem discrepâncias entre as orientações do Ministério da Educação e a prática efetiva das atividades escolares, o que torna fundamental compreender as mudanças curriculares ocorridas no âmbito da escola portuguesa no contexto de governação das políticas educativas propostas pela União Européia. Segundo Elsa e Teodoro (2009, p.09), estas “podem ser entendidas como uma fixação autoritária de valores, dado que constituem uma retórica operacional e intencional com intenção prescritiva...”
O aumento do tempo escolar ao estruturar-se sob a perspectiva de mais uma programação curricular com horários e disciplinas acaba por descaracterizar a construção da democratização da escola e o projeto de escola para todos, pois firma a dimensão da racionalidade técnica sob a orientação pragmática e mercadológica da escola. Tais orientações segundo Teodoro e Anibal (2008, p.87) inserem-se no que denominam de hibridismo da política educativa em Portugal, a partir de definidas ações.
O novo ciclo de governação política iniciado em 2005, com a vitória do partido Socialista (e o seu líder José Sócrates) parece caracterizar-se pela emergência de políticas de racionalização que assentam em duas vertentes: i) ‘moralizar’ o sistema da escola pública como factor de justiça social e promoção da igualdade de oportunidades, e ii) promover o controlo social, defendendo uma avaliação externa das escolas e dos professores por agentes da sociedade civil.
O discurso que fundamenta a intencionalidade das políticas é analisado por Teodoro e Anibal a partir da entrevista da então Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, acerca do significado de “igualdade de oportunidades” em relação ao objetivo do prolongamento de horário nas escolas “...é o de garantir que, no espaço da escola todos os alunos tenham acesso gratuito a um conjunto de recursos” e “as escolas devem garantir a universalidade do acesso” (Teodoro e Aníbal, 2008, p.87).
O prolongamento do tempo escolar, o currículo pautado em disciplinas e competências e a busca da eficiência do sistema educativo na garantia da universalidade do acesso fazem parte do que Pacheco e Pereira (2007) denominam de europeização do currículo, que se processa em todos os níveis de ensino e tem por base a centralidade do conhecimento, a adaptação de políticas sociais mais eficientes e o controle dos sistemas de educação e formação.
Na região geográfica da União Européia, a globalização educacional traduzse em registros de formação centrados na aquisição de competências, ligadas às Ciências, à Matemática, ao Inglês e às Tecnologias de Informação e Comunicação, com vista à edificação da Europa do conhecimento (Pacheco e Pereira, 2007, p.376).
As políticas de conhecimento uniformes são as bases para as escolas seguirem um plano curricular estruturado em disciplinas, cujos conteúdos, essencialmente daquelas que são mais estruturantes, tendem para a similaridade a nível local e global. Este sentido curricular é potencializado pela existência de estudos de avaliação internacionais, caso do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que contribuem para a instauração de padrões educacionais comuns na agenda global, em que o centro do debate educacional é o conhecimento utilitarista e a lógica das competências a partir de uma estrutura homogênea de saberes. Assim, as políticas educacionais situadas no contexto da globalização reconduzem o currículo a partir da valorização profissional em que os conteúdos envolvem-se no mundo tecnicista. “O mundo artificial (matérias, instrumentos, recursos, lugares e ritmos) é apresentado como um reino maquinal, substituindo os reinos naturais (mineral, vegetal, animal); visa-se à apropriação das técnicas de informação e de comunicação; à promoção de uma pedagogia de acção” (Pacheco e Pereira, 2009, p.382).
É nestes termos que o currículo adquire centralidade, forma e sentido uma vez que se materializa em função do tempo, do espaço social e histórico e se configura como “uma construção social e cultural ligada a propósitos políticos e econômicos” (Pacheco, 2011, p.77). E corroboram as organizações trans e supranacionais para a efetivação das mudanças de paradigmas no currículo, que no contexto da globalização inserem a homogeneização e legitimação das políticas educacionais na agenda global. Diante desta perspectiva teórica e prática do currículo questiona-se como este pode oportunizar o desenvolvimento de habilidades cognitivas das pessoas com deficiência? Ou mesmo é possível construir uma educação inclusiva no cotidiano do espaço escolar, com currículos disciplinares pautados em competências e competitividades individuais?
A inclusão em Portugal: o que pensam os/as educadores.Além destes questionamentos que a relação globalização e currículo nos propõem é pertinente pensar nos desafios da inclusão a educadores, pais e a sociedade de modo geral. Principalmente, no que se refere a efetivação dos preceitos legais na prática educativa e a necessidade de ultrapassar simples processos de socialização e/ou integração escolar, o que vem requer mudanças de paradigmas sociais e educacionais que afetam as concepções históricas de perceber a pessoa com deficiência para além de sua condição tipológica e/ou das necessidades educativas especiais. Todavia, um novo modelo de sociedade, educação e sujeito pautado na inclusão não se constrói apenas com Leis ou acordos nacionais e internacionais, necessário se faz ir à radicalidade da problemática, às práticas sociais, lócus da ação onde se constroem e realizam concepções e práticas cotidianas de inclusão/exclusão. Então, como superar a exclusão de sujeitos, como a marca da diferença que até o século passado eram consideradas perigosas e segregadas em manicômios3
O paradigma tradicional da coisificação do sujeito pautado no modelo médico, individual que institucionaliza a segregação da pessoa deficiente, não responde mais as necessidades da sociedade do capital que ao implantar processos de industrialização e desenvolvimento econômico assegura a “igualdade de todos”. Princípio referendado na Declaração dos Direitos Humanos (1948, Artigo I) “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”, mas nem sempre executado quando se trata das diferenças, seja por credo, raça, deficiência e tantas outras marcas que fogem ao padrão da normalidade. Contudo, é o princípio da igualdade de direitos que conduz o questionamento de pais, educadores, profissionais e deficientes, dentre outros a rever atitudes e práticas preconceituosas¸ principalmente em relação às pessoas com deficiência intelectual, e faz emergir movimentos a favor da integração como alternativa a segregação4.
O princípio basilar da integração é a normalização que objetiva adaptar o sujeito ao meio social e atinge todas as pessoas que trazem a marca da incapacidade, dificuldade ou inadaptação, ou seja, os que se encontram em estado de anomalia. Durkheim (1983) na obra As Regras do Método Sociológico diferencia
- o normal do patológico, cria padrões de normalidade e considera anomalia um desvio de conduta que afeta toda a sociedade. O que quer dizer que anomalia em algum setor da sociedade, seus efeitos são sentidos, de alguma forma, em toda a sociedade. Para tanto Durkheim (1983, p.18) aponta três elementos para esta distinção: i) Um fato social é normal para um tipo social determinado; ii) a generalidade do fenômeno social deve está ligada às condições da vida coletiva do tipo social; iii) A diversificação é necessária quando um fato diz respeito a uma espécie social que ainda não cumpriu uma evolução integral. Desta forma
- o patológico ou excepcional é aquele que se desvia da normalidade, pois não se reporta as regras gerais de vida em sociedade, precisando evoluir e passar por processos de coerção. Essa teoria fundamentou práticas de segregação ao atendimento da normalidade, criando a educação especial, as escolas especiais e a sala especial com o objetivo de conduzir os sujeitos inadaptados ou com deficiência à socialização no todo social. Nesta perspectiva, a escola teria a função de regulação para o alcance do todo orgânico e harmonioso5.
A ideologia da normalização apregoava a necessidade de inserir o indivíduo deficiente na sociedade, de modo que este adquirisse os padrões, mais próximo da vida cotidiana. O pressuposto sustenta a ideia do direito a cidadania e amplia os processos de socialização e adaptação das pessoas com deficiência. Contribui o movimento dos heróis mutilados, advindos da segunda guerra mundial que fomentaram a luta pela garantia dos direitos, pois era inadmissível estes viverem em condições sub-humanas depois de lutarem pelo seu país. Tais propósitos alargaram a luta pelo reconhecimento dos direitos civis, de igualdade, fraternidade, solidariedade e a conquista da integração para a construção de outro paradigma, o da inclusão pautado nas diferenças.
Em Portugal, ainda, predominava o modelo médico-pedagógico, marcado com as ações do Instituto Antonio Aurélio da Costa Ferreira6que iria assentar as bases da Educação Especial de iniciativa do Estado. As primeiras classes especiais são criadas em 19467para os deficientes mentais, criando o Ensino Especial oficial. “Os deficientes sensoriais – visuais e auditivos – continuavam entregues as Misericórdias...” (Lopes, 2005, p.28). A conscientização da exclusão realizada pelas instituições sociais e a humanização da cultura no pós II guerra mundial8 sinalizam para mudanças neste campo, pois os países mais avançados da Europa já substituíam o modelo médico pelo modelo social9, como uma reação às abordagens biomédicas. “Em 1963 existiam em Portugal 72 classes especiais. Em França, no mesmo ano, elas eram um número de 4020” (Lopes, 2005, p.28).
Situação que segue no Governo totalitarista de Antonio Oliveira Salazar (1932– 1974) ao transferir a responsabilidade das custas da deficiência ao indivíduo e sua família (Estatuto da Assistência Social - Lei n. 1998, de 15/05/1944) que apesar de admitir que a promoção das condições de vida dos pobres era uma responsabilidade do Estado, a assistência pública devia apenas complementar a iniciativa privada. As mudanças são forçadas pelas exigências de escolarização obrigatória, industrialização e o plano de intervenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que “Ao quebrar o isolamento de Portugal e ao obrigar à elaboração regular de relatórios detalhados sobre a situação económica e educativa que mostravam, de forma brutal, a distância a que o país se encontrava de outros seus parceiros...” (Teodoro, 2003, p.64).
Esta consciência e vontade de liberdade são encetadas pelo processo de democratização, que tem seu auge com a Revolução dos Cravos em 1974, momento também propício para a organização do movimento de pais, profissionais e deficientes na buscar de alternativas. Contribui, especialmente, a guerra colonial (1961-1975) ao promover crescente politização e questionamentos acerca das concepções tradicionais da deficiência. Segundo Fontes (2008, p. 14),10vários fatores contribuíram para esta alteração:
Em primeiro lugar, o regresso a Portugal de um elevado número de militares com incapacidades adquiridas durante a guerra, no auge da sua vida activa. Em segundo lugar, a falta de oportunidades e exclusão sentidas por estes militares deficientes ao regressarem a um país habituado a olhar a questão da deficiência sob a perspectiva da caridade e para as pessoas com deficiência como incapazes. E, por fim, o enclausuramento de muitos destes militares em hospitais e em contacto directo e constante uns com os outros, criando uma consciência colectiva e política da sua situação.
É o processo de democratização do país e o conjunto das proposições da Organização das Nações Unidas (ONU) com a Carta para os Anos 8011que corroboram para um olhar diferenciado acerca da deficiência em Portugal ao definir os objetivos a serem atingidos com relação a participação de todos, a igualdade de direitos para as pessoas deficientes em todo o mundo (Silva, 2009).
Nesta perspectiva a LBSE explícita no Art. 17° que a Educação Especial tem o objetivo de recuperar e integrar os indivíduos com necessidades educativas especiais. Destarte, na letra da Lei observa-se a perspectiva médica e individual presente sob a concepção de recuperação e integração do sujeito que, provavelmente, passa por anomalia. O Art. 18° fixa o modelo da educação especial, preferencialmente, segundo modos diversificados de integração em estabelecimentos regulares de ensino, levando em conta as necessidades de atendimento específico, e apoios de educadores especializados. Este artigo define que a educação especial pode ocorrer em instituições específicas, quando comprovadamente o exijam o tipo e o grau de deficiência do educando.
Todavia, os anos de 1990 são reveladores do paradigma da inclusão em todo o mundo, ganha força os vários movimentos em defesa da política de inclusão a partir da Conferência Mundial sobre Educação Para Todos (Jontiem, 1990), em que se firma o compromisso entre os 155 países participantes de assegurar as necessidades básicas referentes à aprendizagem de pessoas com deficiência. Na busca de uma educação para todos e todas a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais (Salamanca, 1994) pautou a discussão sobre os princípios, políticas e práticas no sentido de promover a aprendizagem e atender às necessidades de cada criança individualmente. A Declaração reafirma o direito de todas as pessoas à educação, já contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e Renova o empenho da comunidade mundial sobre a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência, no qual o Estado seja parte integrada do sistema educativo. Para o movimento de inclusão em todo o mundo, esses documentos são pilares do paradigma da inclusão, pois propõem desafios ao sistema educacional, educadores e a sociedade, no sentido de se reestruturarem para uma melhor acolhida às pessoas, em suas diferenças e necessidades educativas.
O compromisso político pedagógico firmado entre vários países, inclusive Portugal, oportuniza o debate, e criar as condições para que todos tenham aces-so à escola, ao sistema regular de ensino. É sob este prisma que o Despacho 105/97, de 1 de julho regula e estabelece os princípios de uma escola democrática e de qualidade, normativa os apoios educativos que devem centrar-se nas escolas sob a forma de intervenções diversificadas, necessárias ao sucesso educativo de todas as crianças e jovens, como expressa o argumento do Despacho. “Confere-se clara prioridade à colocação de pessoal docente e de outros técnicos nas escolas, consubstanciando as condições para a integração e o sucesso de todos os alunos”. Esses docentes de apoio educativo tinham como função “prestar apoio educativo à escola no seu conjunto, ao professor, ao aluno e à família, na organização e gestão dos recursos e medidas diferenciadas a introduzir no processo de ensino/aprendizagem” (Despacho 105/97, ponto 3, alínea a). Acerca da respectiva legislação Dorziat (2009: 278) analisa que “este despacho aponta para um sistema único, englobando simultaneamente a educação regular e a especial, numa preocupação conjunta, pelo atendimento de todas as crianças na turma”.
O Despacho supracitado foi reeditado pelo Despacho 10.856/2001, de 13 de maio de 2005 que prevê o reajustamento relativo aos apoios educativos. Todavia, o Decreto-lei 20/2006, de 31 de janeiro prevê “a estabilização do sistema de colocação do corpo docente” e, conforme consta no Artigo 6º “o preenchimento dos lugares de educação especial destinados a promover a existência de condições para a inclusão sócio-educativa de crianças e jovens com necessidades educativas especiais de carácter prolongado”, forma assim grupos de docência especializada. Para Sanches e Teodoro (2007, p.112) a legislação apresenta uma oscilação mais para trás do que pra frente “recuando a várias décadas em termos do discurso e das práticas educativas que visavam a construção de escola de todos, para todos e com todos”.
Todavia, o Decreto-lei 03/2008, de 7 de janeiro, apresenta avanços à legislação anterior e busca desenvolver processos metodológicos mais inclusivos que envolvam a sociedade de modo geral. Correia (2008), ao analisar este respectivo Decreto aponta aspectos negativos e positivos e constata que o mesmo não contempla um conjunto de condições que determinam uma educação de qualidade, justa e adequada às capacidades e necessidades dos alunos com deficiência e questiona se o objetivo deste Decreto é realmente o de promover aprendizagens efetivas e significativas nas escolas regulares para todos os alunos. Assim, dentre os pontos negativos destaca: i) excluir a maioria dos alunos com necessidades educativas especiais permanentes, a exemplo os que possuem as dislexias, as disgrafias, as discalculias, as dispraxias, e as dificuldades de aprendizagem não-verbais. São excluídos também os alunos com deficiência mental, pertubações emocionais e do comportamento graves, com problemas específicos de linguagem e com desordem por déficit de atenção/hiperatividade, pois para Correia, todas essas condições são permanentes; ii) obriga ao uso da Classificação de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde -CIF12 para determinar a elegibilidade e consequente elaboração do Programa Educativo das crianças (artigo 6°, ponto 3); iii) e, não operacionaliza conceitos de inclusão, educação especial e necessidades educativas especiais, deixando-os às mais variadas interpretações, que não condizem com os direitos dos alunos com necessidades educativas especiais e das suas famílias. Quanto aos aspectos positivos o autor ressalta: i) a obrigatoriedade da elaboração de um programa individual para os alunos com necessidades educativas especiais permanentes, já consignado no Decreto-lei 319/1991; ii) a promoção da transição dos alunos com necessidades educativas especiais permanentes para a vida pós-escolar; iii) confidencialidade de todo o processo de atendimento a alunos com necessidades educativasespeciais permanentes, e iv) a criação de departamentos de educação especial nos agrupamentos.
Destarte, apesar de alguns avanços em termos legais acerca da educação inclusiva em Portugal, corpo da legislação é possível reconhecer traços da exclusão que usa termos excludentes e não define com clareza as denominações atribuídas aos diferentes, criando assim julgamentos discriminatórios. Na LBSE no Artigo 20º que trata do âmbito e objetivos da educação especial pode-se observar, ainda, no discurso elementos que denotam o paradigma médico/segragacionista e da integração:
1 - A educação especial visa a recuperação e a integração sócio-educativas dos indivíduos com necessidades educativas específicas devidas a deficiências físicas e mentais. 2 - A educação especial integra atividades dirigidas aos educandos e ações dirigidas às famílias, aos educadores e às comunidades...
A ideia de “recuperação” e “integração”, no conteúdo deste artigo constante da legislação, nos faz inferir acerca da continuidade do paradigma da integração, e aponta as dificuldades da inclusão ser incorporada no fazer teórico e prático do ato educativo. Os resultados da pesquisa-ação realizada por Ainscow e Miles (2009) em países tão diversos como Austrália, Brasil, Inglaterra, Portugal, Roménia, Espanha e Zâmbia, na análise desta problemática indicam no artigo Developing inclusive education systems: how can we move policies forward? dois fatores que estão intimamente ligados e, parece ser hierarquicamente superior a todos os outros que dificultam o desenvolvimento da educação inclusiva, são eles: clareza da definição em relação à ideia de inclusão, e as formas de provar de que são usados para medir o desempenho educacional.
Ainscow e Miles (2009) legitimam a tese de que o paradigma da inclusão não foi, ainda, incorporado no fazer escolar, pois demonstram as dificuldades acerca da compreensão conceitual da inclusão por parte dos educadores. Fato, também constatado nesta investigação, a partir da fala dos educadores da CSPC ao responderem o questionário e assim expressarem o entendimento acerca da inclusão. Nas respostas dos educadores é possível encontrar concepções diferenciadas que perpassa paradigmas educacionais voltados a educação da pessoa com deficiência, conforme quadro abaixo:
Quadro 01 – Respostas dos educadores do CSPC acerca do conceito inclusão, organizadas segundo os modelos educativos 13.
Quadro construído a partir de sínteses teóricas
O que se observa, a partir das falas dos educadores é a convivência de diferentes concepções de educação no espaço escolar, o que faz do paradigma da inclusão uma utopia para alguns e para outros (de modo específico pais e deficientes) uma constante guerra a ser vencida a partir de pequenas batalhas. A inclusão para firma-se como um paradigma aceito, nos dizeres de Thomas Kunh (2006) precisa passar por uma “revolução científica” pois, por enquanto encontra-se em processos de ascensão, o que faz deste debate um lócus de controvérsias no campo científico e no fazer curricular.
É neste sentido que o documento Open File on Inclusive Education, UNESCO (2001) preocupa-se em definir e orientar as práticas de inclusão dos sistemas educativos, e sugere que os sistemas educativos sejam: i) acessíveis a todos os alunos e os modelos de aprendizagens se acomodem a uma diversidade de estilo de aprendizagem; ii) organize-se de forma flexível, respondendo à diversidade das necessidades individuais dos alunos (linguísticas, étnicas, religiosas ou outras) e não ser rigidamente prescrito a nível nacional ou central; iii) e, um currículo inclusivo coloca maiores desafios e exigências aos professores que devem ser apoiados nos seus esforços de planificação, organização e implementação dos contextos de aprendizagem que melhor asseguram a participação e sucesso dos alunos.
Tais princípios influenciam diretamente na prática curricular da escola, para além da matrícula, encetados a partir da reestruturação do espaço físico e suas dimensões pedagógicas que envolvem desde o acolhimento às variadas necessidades educativas dos alunos, com profissionais de apoio técnico, professores de educação especial, terapeuta da fala, fisioterapeuta, ou seja, uma equipe que possa auxiliar conjuntamente o professor do ensino regular, para que os alunos com dificuldades de aprendizagem possam caminhar da sua maneira, rumo aos processos de escolarização. Portanto, importa refletir e reconstruir os processos de inclusão em diversos estudos de caso, a fim de se elaborar proposições de práticas inclusivas para a escola.
A inclusão em si. Superando as dificuldades no CSPCAs dificuldades para acontecer da inclusão no que pese a legislação, ainda são muitas e algumas foram analisadas na pesquisa intitulada “A inclusão nas escolas de 1° ciclo de ensino básico de Lisboa: algumas considerações”, realizada por Dorziat (2009) que demonstra que a inclusão dos diferentes em ambiente escolar aparentemente (a priori) não constitui uma busca para que seja mudada a prática políticopedagógica das escolas, no que se refere ao acolhimento às diferenças, bem como ao respeito a multiculturalidade como essência do ato pedagógico. E, acrescenta que os alunos diferentes são acolhidos nas escolas em função da obrigação da lei, por morarem próximo a escola ou a pedido da família. Ao explicitar os discursos em volta das práticas pedagógicas, indica que estes, ainda, estão muito distantes de uma possível transformação da realidade de exclusão. O que determina a aceitação dos diferentes é a ética profissional e não um currículo multicultural. Dorziat conclui que o currículo multicultural é indispensável para que possam ocorrer mudanças significativas rumo à inclusão de fato, um olhar que perceba o potencial criador das diferenças. Estes e tantos outros obstáculos foram constatados, estiveram presente, inicialmente e dificultaram a inclusão escolar do JP, um menino brasileiro com 6 anos de idade, com SD, aceite na escola da Luz, não porque existia uma política de acolhimento, mas porque a lei obrigava. E, esta escola e esta sala foram indicadas por ter vaga e ser a mais próxima de sua morada, o que nos faz pensar sobre a aceitabilidade dos diferentes por parte da escola e dos professores, e a questionar. Como efetivar os processos de inclusão escolar de pessoas com a marca da diferença, com outras necessidades de aprendizagem em contextos que a concepção teórica e prática da inclusão, ainda, não foram incorporadas, seja na proposta curricular e/ou nas práticas cotidianas? Nesta escola, apesar de já trabalhar com crianças com deficiência, mais (+) um!!!! representava maiores dificuldades, principalmente no contexto de um grupo que apresentava múltiplas diferenças, dois com necessidades educativas especiais e 18 “normais”, considerando que todos são especiais....
A obrigatoriedade da aceitação de crianças com deficiência em escolas normais a partir da Lei é ponto decisivo para o processo de inclusão. Todavia, pode se constituir em uma situação de dupla face, ou seja, a medida que inclui, exclui... Exclusão que se processa na falta de: apoio escolar em sala de aula; conhecimentos técnicos, teóricos e metodológicos à promoção da aprendizagem face as dificuldades de cognição; esclarecimentos aos pais e aos demais alunos sobre as características deste novo sujeito; proposta de aprendizagem diferenciada; ambiente de acolhimento propício a aceitação e de credibilidade à capacidade de aprender do próprio sujeito, dentre tantas outras situações que podem ser superadas a partir de atitudes proactivas.
O medo do diferente na escola assustou a todos, pais, crianças, professores, gestão e principalmente o próprio sujeito da inclusão que chegará de outro contexto cultural, social e escolar em que as atividades se iniciavam com a roda de conversa e o currículo se desenvolvia a partir de projetos pedagógicos14. Então, naquele lugar estranho não queria ficar, uma escola sem muitas atratividades, uma sala de aula em formato clássico, o que lhe interessava e lhe chamava atenção era um brinquedo no parque. Sua atitude foi expressa a partir do que ele podia dizer, ou melhor fazer para se defender, gritar, espernear e bater .... para impor sua vontade, ou pelo menos nos fazer pensar...., o que ele precisa para se sentir bem neste espaço escolar?
Nestes termos a mãe foi autorizada pelo agrupamento a ficar na sala de aula para proceder a adaptação da criança à escola, que se procedia em tempos menores. Em paralelo buscava-se outras alternativas a partir das orientações de remeter o aluno a educação infantil; procurar outra escola mais próximo a morada; procurar uma escola especial e pedir apoio pedagógico o que resultou em 3 processos15na Direção Regional de Educação Lisboa e Vale do Tejo – DRELVT, ficando conhecido como o caso da criança brasileira com SD16. A resposta atribuída é pautada no Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, que regula a Educação Especial, quanto ao número de alunos, a elaboração do um Plano Educativo Individual (PEI) que atenda as necessidades educativas do aluno e os apoios educativos. De forma que a DRELVT determina com base na lei que a escola proceda a inclusão da criança no 1º ano, e que o Departamento de Educação Especial encaminhe os apoios especializados. A partir desta decisão a matrícula se efetiva na escola, os apoios chegaram e a criança aos poucos com sua forma meiga passou a conquistar seu espaço, colegas de sala de aula e pessoal da escola. Todavia, se a escola tivesse a dinâmica da inclusão organicamente incorporada na sua rotina curricular17 o processo de aceitação de uma criança com deficiência poderia ser menos doloroso para todos.
Após a inclusão nas atividades escolares dá-se o ingresso no Centro de Actividade de Tempo Livre -CATL do CSPC, que “é uma Instituição Particular de Serviço Social de cariz religioso e foi fundada na década de oitenta”, cujo objetivo fundamental “é colaborar com a Família e a sociedade civil na promoção da pessoa humana, sem qualquer exclusão e numa atitude de profundo respeito pela sua personalidade, num clima de paz, liberdade e responsabilidade, tendo por referência a pessoa de Jesus Cristo” (CSPC – Plano anual de actividade – 2010/2011), e até o presente ano (2010) não tinha recebido nenhuma solicitação de matrícula para crianças com deficiência e seu quadro de educadores tinha pouco contato com crianças com deficiência. O que é constatado na resposta ao questionário, pois dos 8 educadores 6 (seis) nunca tiveram experiência profissional com a crianças com deficiência, 1 (um) teve contato durante o estágio e outro teve experiência educativa com uma criança com dificuldades motoras. Entretanto, este grupo fez a diferença no processo de inclusão, facilitado por atividades que correspondiam a uma dinâmica escolar que envolvia a ludicidade.
O caso da criança brasileira com SD18lá já tinha chegado e estes buscaram criar um ambiente favorável a partir de algumas atitudes práticas, dentre as quais: i) conhecer a história social, familiar e educacional da criança a partir de sua família; ii) conhecer seus gostos, atitudes e procedimentos no ambiente familiar e escolar; iii) deslocar uma educadora para acompanhar a criança em suas necessidades imediatas de socialização; iv) preparar o processo de aceitação junto aos educadores e funcionários; v) introduzir a criança na rotina das atividades a partir de ajuda, dando-lhe confiança e limites, dentre outras ações. Em entrevista com a Coordenadora Pedagógica e a Assistente Social estas afirmaram “que receber JP era um desafio, pois nunca tiveram uma criança especial, e quando tiveram que estar junto era diferente de somente falar, e assim tiveram que ir aprendendo a lidar com ele, mas partindo do princípio que ele deveria ser tratado como qualquer outra criança”.
Neste sentido, observa-se que a atitude da aceitação do diferente é primordial para os processos de inclusão, que não podemos esperar estar preparados, ter formação para lidar com o diferente, pois a inclusão se faz com ações. É, também o que pode ser percebido na fala de uma educadora. “Creio que é um caso inédito no Centro. Contudo, é notório o esforço de todos, educadores e alunos, para que o JP, neste caso particular, se sinta e esteja plenamente integrado nas atividades escolares” (Questionário 07). Neste sentido, partilhamos da ideia de que é essencial partir das condições que temos, para produzir as condições necessárias, pois é na prática cotidiana que aprendemos a fazer, para construirmos uma prática mais cidadã (Sanches & Teodoro, 2007).
Os ATL’s como atividades curriculares que possuem a dinâmica da ludicidade foram primordiais no processo de superação da exclusão e promoção da aceitabilidade e socialização. Mas a inclusão que se deseja não é que se faz apenas pela integração e sim a que desenvolve processos de aprendizagens. Para tanto o planejamento de ações que intervenham no desenvolvimento cognitivo dos alunos é fundamental para o desenvolvimento das aprendizagens. Neste senti-do, é importante analisar como se processam as ações pedagógicas dos educadores do CSPC para a intervenção na realidade do educando?
De acordo com as respostas acerca da questão que investiga o planejamento de ensino do Centro e dos educadores para aceitação e inclusão da criança com atraso cognitivo nas atividades escolares, estes são unanimes em admitir que não existe um plano individual curricular para o caso específico, a fala do educador do Questionário 06 é esclarecedora do fato.
Não existe um planeamento concreto do Centro em relação a este caso. O trabalho que está a ser desenvolvido é centrado, sobretudo, na intuição, sensibilidade e conhecimento educativo que cada educador e professor tem a título individual. Contrariamente ao que deveria ter sido a preocupação inicial e principal dos responsáveis, em momento nenhum existiu uma decisão ou intenção dada no sentido de se construir um plano educativo individual para a criança com SD a freqüentar o Centro, de modo a que pudesse servir de linha orientadora para todos os agentes intervenientes no processo.
Apesar da ação inicial da equipe em conhecer o sujeito a ser incluído, dando a conhecer a toda equipa de sua história e necessidades. “O planejamento é feito dando a conhecer a toda a equipa educativa que iremos receber uma criança com Síndrome de Down; dando também a conhecer a sua personalidade e as suas capacidades” (Questionário 01). O prosseguimento desta ação para a transposição do currículo planificado à intervenção deixa de ser um ato pedagógico intencional e desenvolve-se a partir do plano da intuição e da vontade de acertar. “No plano curricular da Instituição não está contemplado algo em especial para crianças com NEE, contudo, a Instituição aceita prontamente a vinda da criança e tentamos seguir as mesmas atividades, adaptando-as às limitações da criança com objetivos diferenciados” (Questionário N. 03).
Do exposto confirma-se a necessidade da incorporação do paradigma da inclusão no fazer pedagógico de todos que compõem o ato educativo, que precisa ser incorporado como conteúdo de formação em sua dimensão teórica e prática. Porém, não qualquer formação, mas a que garanta o domínio da dimensão metodológica para além da dimensão técnica, em que o educador discuta a luz da experiência as questões da inclusão dos diferentes. Partindo dessa premissa, Silva (2000) assinala que é importante ouvir os professores, vivenciar a sua experiência, as suas dificuldades, preocupações e expectativas em relação à formação contínua, ter conhecimento de como se processa a integração/inclusão dos diferentes, já que cada contexto escolar tem suas especificidades e dilemas diferentes. Portanto, é a partir dessas reflexões através da prática e do cotidiano escolar que o educador pode criar ferramentas que possam auxiliá-los na aprendizagem dos diferentes. Para o alcance deste objetivo o primeiro passo é superar a própria percepção acerca da deficiência e do sujeito deficiente. Pois,
o ingresso do diferente no conjunto da chamada normalidade, causa diferentes comportamentos que podem ser decisivos, a priori para o sucesso da inclusão. Então, quais foram as primeiras percepções acerca deste aluno ingressante no CATL.
Mesmo, com a iniciativa da coordenação em conhecer a história do JP e bus-car preparar um ambiente propício a sua chegada, a entrada do diferente no ninho, já organizado em sua rotina, sempre causa situações de insegurança a todos e todas, que se perdurar tender a gerar processos de exclusão, o que torna indispensável o trabalho sistemático de organização do ambiente para a inclusão em suas várias dimensões, sociais com os pais e alunos, professores, gestores e funcionários, na superação do conceito preconcebido, antes que se torne preconceito. As falas denotam que na convivência as percepções iniciais foram dirimidas e construídas novas significações, à medida que o próprio educador promove a participação nas atividades, socialização com o ambiente e integração com os colegas.
Quadro 02 – Síntese das respostas dos educadores do CSPC acerca da percepção do sujeito incluído.
A pesquisa intitulada “A produção do conhecimento científico na Universidade acerca da Educação Inclusiva”19aponta que análises acerca das políticas de inclusão e sua prática escolar centram-se em apontar as dificuldades deste processo, ganhando destaque a falta de formação dos professores para o trabalho com a pessoa com deficiência, de modo geral assinalam os aspectos negativos da inclusão, o que não contribui para o acontecer da inclusão ou afirmação do paradigma. Neste sentido, se requer inovação por parte dos professores em sua atividade educativa, de modo a modificar conceitos e comportamentos, “as grandes inovações estão, muitas vezes, na concretização do óbvio, do simples, do que é possível fazer, mas que precisa ser desvelado, para que possa ser compreendido por todos e aceito sem outras resistências” Mantoan (1997: 44).
E, foi na tentativa de acertar que os educadores do CATL buscaram enfrentar as dificuldades da inclusão no fazer do ato educativo e construíram alternativas para a promoção das aprendizagens, quais sejam:
Quadro 03 – Descrição dos educadores do CSPC sobre as estratégias metodológicas utilizadas para a inclusão.
Estas dentre outras ações foram fundamentais para que a criança começasse a perceber as relações postas naquele novo e diferente ambiente escolar. A busca da empatia; a relação com sua realidade; a orientação e o apoio nas atividades; a firmeza nas regras e nos limites; a compreensão e ajuda das demais crianças, dentre outras ações contribuíram no avanço do processo de adaptação, socialização, desenvolvimento e, principalmente de aceitação da nova escola. Nestas ações, mesmo que intuitivamente, observa-se que havia uma preocupação com o que a criança já possui de conhecimento; respeito a suas limitações; reconhecimento as suas diferenças e o ressaltar das potencialidades. Concepções e ações que compõem o paradigma da inclusão e, que precisa ser incorporado no ato educativo para a construção da escola de todos para todos em contraposição a escola segregacionista e excludente, o que nos conduz a pensar!!. Será que as necessidades educativas são realmente especiais?
Essa é a reflexão que Saorín (2009, p.159) faz e considera “contraproducente isolar uma determinada característica especial do corpo discente uma vez que, ao fazê-lo, estaremos a legitimar a existência de um grupo considerado normal (do ponto de vista da escola e da cultura hegemônica) e outro especial”. Neste sentido, a escola da inclusão é a que reconhece as diferenças em cada criança, que respeita a diversidade e, que é aberta, flexível e crítica (Giroux, 1990). Mas, que, preponderantemente, cumpre seu papel na promoção das aprendizagens. A garantia de que os diferentes sujeitos desenvolvam aprendizagens constitui
o desafio da educação que pretende romper com a integração, eliminar as desigualdades e pauta-se na diversidade. Para tanto, o ato pedagógico não se constitui uma ação desinteressada, ao contrário há necessidade de se individualizar a instrução, de personalizar o processo de ensino-aprendizagem, que corresponde a uma oferta educativa aberta, flexível e capaz de se adaptar às características individuais dos alunos, dando respostas às suas necessidades e interesses, e contra a tendência homogeneizadora dos últimos anos, que trata de nos impor perfumes unissex e prendas de talha única (Saorín, 2009, p.166).
A escola da inclusão ao perceber as diferenças, entende que cada um aprende de forma diferente, possui a sensibilidade de perceber o que o outro desenvolveu ultrapassa os instrumentos padronizados, pois ao se considerar ritmo diferenciado deve-se, também, considerar tipos de aprendizagem diferenciada. Neste caso procede questionar como se processa as aprendizagens do sujeito da inclusão? No questionário ao se pedir para descrever situações de dificuldades e superação que observou no processo de inclusão do sujeito em foco os educadores destacam os processos de adaptação da criança junto ao ambiente e aos colegas; o desenvolvimento da linguagem; a autonomia quanto à alimentação e o uso do banheiro (casa de banho); melhor socialização no recreio e atendimento as regras e rotinas.
E, ao se investigar o desenvolvimento das aprendizagens a partir de categorias definidas como: linguagem; socialização; autonomia; coordenação; criação; cognição, percebe-se a partir das respostas dos educadores que houve avanços quanto ao desenvolvimento, precisamente no aspecto da socialização como expressam, “mostrou grande evolução. É uma criança meiga para os colegas e adultos” (Quest. 03); “no início era uma criança tímida, não interagia como os adultos e com os colegas, actualmente interage muito bem com todos” (Quest. 01). E acerca da linguagem, os educadores se posicionam assim: “Já articula algumas frases” (Quest. 02); “continua a apresentar algumas dificuldades, no entanto, começa a tentar comunicar verbalmente, por exemplo, chamando-me sempre que necessita” (Quest. 05). “De início pouca e deficiente comunicação e capacidade de se fazer entender oralmente. Aos poucos vai construindo frases perceptíveis e já comunica com algum sucesso. ” (Quest. 06).
No quadro a seguir, sinteticamente, é possível perceber a partir de categorias de aprendizagem definidas a percepção dos educadores acerca do desenvolvimento da criança, centrado mais nos aspectos da socialização e da linguagem do que da autonomia e cognição.
Com relação as questões acerca da autonomia, esta torna-se uma controvérsia, pois ao mesmo tempo que demonstra autonomia na vontade e no desejo, precisa ser conduzido pelo apoio do educador. Convém indagar de que autonomia se fala? Seria o caso de atentar para a reflexão do educador do Questionário 06: “é necessário arriscar um pouco mais e deixá-lo fazer as coisas, experimentar por si mesmo”. Acreditamos, que esta seja a conquista de educadores e educandos, a quebra do paradigma da educação bancária/ excludente em que o professor ensina e o aluno aprende, para a educação libertadora/inclusiva em que as aprendizagens são mediadas pela relação social, pois educador e educandos se educam mediatizados pela realidade social (Freire, 1996).
Com relação a categoria coordenação esta pode ser expressa em movimentos físicos ou manuais de uso de instrumentos, contudo 3 (três) educadores não responderam, os demais consideraram que houve evolução, e boa e outros indicam o desenvolvimento com limitações e/ou aceitáveis a sua condição. Esta percepção avaliativa torna-se mais contraditória quando se analisa as categorias de criação e cognição, aumenta o número de não respostas dos educadores, e/ ou afirmações de que não demonstrou desenvolvimento ou mesmo, referem-se as suas dificuldades relacionadas com a síndrome. Contudo, alguns educadores percebem que a criança possui níveis de compreensão do que lhe é solicitado e capacidade de aprendizagem. Então, questiona-se: como uma criança que possui aspectos positivos de desenvolvimento da linguagem, socialização e coordenação não consegue desenvolver habilidades cognitivas? Ou seja, é possível neste período escolar não haver desenvolvimento do cognitivo? Ou não foram observados? Ou então, não foram planejados para serem desenvolvidos, por isso não podem ser avaliados? Considerando que este sujeito já possui afinidades com o ambiente escolar, os aspectos da linguagem e socialização foram reconduzidos e reaprendidos em função das normas sociais, culturais e da rotina escolar deste novo contexto, aprofundados e desenvolvidos. E, os aspectos da cognição, quais os avanços?
Quadro 04. - Síntese da caracterização o desenvolvimento da aprendizagem do Educando, segundo categorias e respostas ao questionário
O aprendizado das crianças, segundo o pensamento de Vygotsky (1987) se inicia muito antes de frequentarem a escola. Este aprendizado impulsiona o desenvolvimento, estabelecendo uma relação desde o nascimento da criança. A aprendizagem torna possível o processo de desenvolvimento, sendo a escola considerada essencial nessa construção. Portanto, a escola funciona como uma instituição estimuladora para novas conquistas do sujeito, devendo direcionar o ensino não para etapas intelectuais já alcançadas, e sim para etapas de desenvolvimentos, ainda não incorporados pelos alunos. Nessa perspectiva, o professor exerce uma função importante na condução de interferir na “zona de desenvolvimento proximal” dos alunos, propondo, assim, avanços que não se dariam de forma espontânea. Aqui reside a importância do educador nos processos de aprendizagem dos alunos, ter ação planejada de mediação e intervenção...
Do exposto se pode inferir que o paradigma da inclusão na educação se en-contra na fase do conflito entre ser ou não aceite, isto é, ser ou não incorporado no fazer educativo. Para tanto, precisa ser experienciado, desenvolvido sob a dimensão proactiva de boas práticas e superação o paradigma da integração, em que a escola resume-se a promover a socialização do indivíduo que se encontra fora dos padrões de normalidade.
Provisoriamente concluindo, pois a HISTÓRIA continua em outros mares....
As políticas curriculares no contexto da globalização ao fixarem o modelo pragmático, profissional e de formação técnica voltam-se ao atendimento da competitividade mercadológica, a medida que comprometem o ideal de escola democrática, bem como a confirmação do paradigma da inclusão e o direito às diferenças.
A inclusão em Portugal, como em outros países do mundo continua a ser um desafio aos educadores, pais e a sociedade de modo geral, pois precisa efetivar se no fazer pedagógico, o que requer investimentos na formação de educadores a fim de diminuir a lacuna entre a Lei e a ação. Neste sentido, apontamos a necessidade de mudanças significativas, que compreendam a reflexão acerca da legislação posta; investimentos na formação dos educadores e construção de ações proactivas a favor da inclusão dos diferentes sob a perspectiva de um modelo social, que abra espaço para o respeito às diversidades como um fator que une as diferentes comunidades de pessoas.
As AEC’s e ATL’s como parte do currículo caracterizam-se com uma das for-mas de garantia da dimensão humana da educação, por isso a ludicidade e o respeito ao tempo de cada um em suas diferenças são elementos que devem ser contemplados no currículo da ação. Além disso, as ATL’s ao serem consideradas como atividades de enriquecimento curricular precisam buscar alternativas de interdisciplinaridade entre o tempo livre e o tempo escolar para a promoção das aprendizagens, sem contudo, tornar-se disciplinadora. Em síntese a inclusão do JP neste ambiente escolar, mesmo que não tenha se concretizado sob as expectativas que a inclusão gera, foi um movimento que oportunizou novas ações e novos olhares sobre a inclusão, pois uma educadora redimensionou seu projeto de mestrado para a temática, outras realizam formação na área, o CSPC vai rever a proposta educativa da instituição. E, na certeza que o rio não é mais o mesmo, pois nós não somos mais o mesmos, JP deixa marcas e gera inquietações ante aos desafios da inclusão.
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Notas
1“Entende-se por currículo nacional o conjunto de aprendizagens e competências a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico, de acordo com os objectivos consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo para este nível de ensino, expresso em orientações aprovadas pelo Ministro da Educação, tomando por referência os desenhos curriculares” (Decreto Lei. nº6/2001, de 18/01, art.2º, nº1).
2O componente de enriquecimento curricular letivo é de frequência obrigatória e definida por um programa nacional, pois corresponde ao conjunto dos saberes, organizados em disciplinas ou em áreas disciplinares comuns a todas as escolas.
3Os asilos manicomiais surgiram durante o Renascimento e o Iluminismo, com o objetivo de proteger e dar abrigo aos doentes mentais, mas acabaram por segregá-los ainda mais do que os sintomas que o conduziram até lá. No Brasil, desde a segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, estes asilos passaram a ser chamados de hospitais psiquiátricos, para evitar o estigma e assumir um aspecto de estabelecimentos médicos. Disponível em http://www.artigonal.com/cronicas-artigos/manicomios-609217.html . Acessado em 06/05/2011. E em Portugal o primeiro hospital psiquiátrico foi organizado em 1883 por António Maria Senna. Ver Lopes, M. I. B. (2005).
4No final da Monarquia (1910) existiam em Portugal diversos asilos, hospitais e institutos, na sua maioria sem qualquer outro fim que não a reclusão e separação das pessoas com deficiência do restante da sociedade. (Fontes, 2008: 12). Para Lopes (2005: 18) antes da implantação da República o sistema de beneficiência portuguesa dispunha de 134 asilos de infância, inválidos, cegos, surdos-mudos, onde eram atendidos cerca de 8000 indivíduos. As casas Piasde Lisboa, Beja, Évora e paço de Sousa, acolhiam cerca de um par de crianças e adolescentes.
5A educação em Portugal adota esta concepção na Reforma Educativa de 1911, conforme consta do Art. 39º “São dispensados da obrigatoriedade escolar as crianças a que a inspeção reconheça a impossibilidade, por doença ou qualquer defeito orgânico ou mental”. A proposição da organização das classes especiais é feita por Costa Ferreira em 1922 a partir do Plano de Serviços de Assistência a Menores Física e Mentalmente Anormais. Ver Lopes, M. I. B (2005).
6Este Instituto era orientado para a educação especial, mas ficou parado até 1942, quando reabriu sob a direção do Prof. Dr. Victor Fontes que até 1963 implementou a formação de professores e a organização das classes especiais. Ver Lopes (2005)
7Embora já existam desde 1929 classes experimentais. Ver Lopes (2005).
8Segundo Telo a neutralidade portuguesa é, sobretudo, um produto das circunstâncias e do interesse de manutenção do regime de Salazar. Neutralidade esta questionável, pois interessava aos Estados Unidos a condição de ditadura uma vez que lutava contra o comunismo. Ver. Telo, A. J. (2000).
9A consciência da deficiência como uma construção histórica do preconceito e da opressão é a premissa básica do modelo social que ampara-se na defesa de que a deficiência não deve ser entendida como um problema individual, mas como uma questão eminentemente social, a responsabilidade pelas desvantagens destas pessoas deve ser transferida para a incapacidade da sociedade em prever e ajustar-se à diversidade (Oliver, 1990).
10Fontes, F. (2008). Reflexões preliminares sobre o movimento de pessoas com deficiência em Portugal. In CML – Câmara Municipal de Lisboa/Departamento de Acção Social; ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas. A história da luta das pessoas com deficiência pela emancipação e reconhecimento dos direitos de cidadania. Debate, 20 de Setembro de 2008.. Disponível em http://www.cpdcascais.org/cpd/pdfs/Doc_ext3.pdf. Acessado em 08/05/2011.
11O ano de 1981 foi considerado o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência.
12A CIF engloba todos os aspectos da saúde humana e alguns componentes relevantes para a saúde relacionados com o bem-estar e descreve-os em termos de domínios de saúde e domínios relacionados com a saúde. Ver. www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_%202004.pdf
13No debate acerca da classificação, formatação de modelos educativos que problematizam as questões das pessoas com deficiência, ainda se tem um vasto campo de discussão e análises. Todavia para este estudo de caso optamos pela síntese de três modelos básicos, construída a partir da discussão teórica posta neste texto, que em nosso entendimento se agregam em denominações e pressupostos teóricos e práticos, e retratam a fala dos educadores, aqui analisadas, acerca do processo de inclusão. Para maiores conhecimentos consultar Sanches, 2010a; 2010b.
14Para melhor conhecimento desta dinâmica pedagógica e do desenvolvimento do sujeito da pesquisa ver: Jezine (2010).
15As solicitações foram encaminhadas no dias 30/09/2010; 07/10/2010; 15/10/2010 e referese a passagem da turma do 1º. Ano do ensino básico para o jardim de infância – Pré-escolar, bem como a solicitação de apoio pedagógico à professora em sala de aula.
16Esta denominação consta do e-mail da DRELVT enviado no dia 21/10/2010 aos pais da criança em resposta as solicitações.
17Neste texto não é objeto de análise a inclusão, específica do caso nesta escola, mas como as ATL’s ajudaram no processo de inclusão em sua totalidade.
18 É importante ressaltar, que o sujeito em foco já tinha cerca de + de 4 anos de freqüência na escola.
19A pesquisa analisou dissertações e teses defendidas no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Federal da Paraíba. Ver Jezine & Jesus (2010).