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Revista Lusófona de Educação
versão impressa ISSN 1645-7250
Rev. Lusófona de Educação no.19 Lisboa 2011
Analise das condicoes organizadas em uma escola para promover a inclusao de alunos surdos
Katia Tavares Merselian*, Celia Regina Vitaliano**
*Mestre em Educação. Coordenadora da área de Educação Especial na Secretaria de Educação do município de Arapongas – Pr - Brasil. katia.meserlian@hotmail.com
**Doutora em Educação. Docente do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina - Pr. - Brasil. creginav@uel.br
Resumo
O processo de inclusao de alunos surdos e um tema polemico, em vista da falta de condicoes da maioria das escolas para atender as necessidades educacionais especiais de tais alunos e a importancia da convivencia entre surdos para favorecer a construcao de sua identidade. O presente artigo tem como objetivo analisar as condicoes organizadas por uma escola para promover a inclusao de alunos surdos nos anos iniciais do ensino fundamental. A escola pesquisada continha 11 alunos surdos matriculados no ensino fundamental do 1? ao 5? ano. Os dados foram coletados por meio de pesquisa documental e participacao da pesquisadora em diversos contextos da escola. Os resultados evidenciaram que, desde a entrada dos alunos surdos, a escola se preocupou em propiciar um ambiente bilingue para alunos surdos e ouvintes, em adquirir e confeccionar materiais pedagogicos adequados ao processo de aprendizagem deles e em oferecer formacao a seus professores e equipe gestora sobre o processo de inclusao de alunos surdos e a Libras. Alem disso, foi implantada uma disciplina de Libras no curriculo para todos os alunos e disponibilizados professores de apoio com dominio em Libras para auxiliar os alunos surdos em seu processo de aprendizagem em sala de aula. Verificamos que a escola pesquisada, buscou, de forma coletiva por meio de estudos cientificos baseados no bilinguismo e no movimento de inclusao e em analises das experiencias vivenciadas, construir um ambiente inclusivo.
Palavras chave: Processo de inclusao; alunos surdos; condicoes organizadas; ensino fundamental.
Introducao
Este trabalho apresenta analises parciais dos dados da pesquisa: Analise do processo de inclusao de alunos surdos em uma escola municipal de Arapongas (Meserlian, 2009). Em especifico, apresentaremos as analises sobre as condicoes organizacionais que a escola pesquisada disponibilizou para propiciar o processo de inclusao dos alunos surdos, sobretudo os aspectos referentes a gestao escolar. Sabemos que, para uma escola tornar-se inclusiva, e necessario que:
o principio da inclusao permeie todos os ambitos da vida escolar. Isto quer dizer que a implementacao do processo para o desenvolvimento de escolas inclusivas nao se restringe a uma pessoa, a um cargo ou a apenas a uma tarefa ou acao, mas situa-se no amago do trabalho da escola como num todo e constitui o elemento central do planejamento escolar (Brasil, 2005?, p. 112).
Booth e Ainscow (2000) tambem consideram que um dos elementos essenciais para tornar uma escola inclusiva e a sua politica, que pode ser representada pela sua capacidade para ampliar possibilidades de responder a diversidade, o que implica mudancas nas suas condicoes fisicas, estruturais e pedagogicas.
Em se tratando do processo de inclusao educacional de alunos surdos, atualmente em nosso pais convivemos com duas tendencias, quais sejam: a que preve a inclusao dos alunos surdos desde o inicio de seu processo de escolarizacao, apresentada em alguns documentos divulgados pela Secretaria de Educacao Especial do Ministerio da Educacao (SEEP/MEC) (Damazio, 2007); a defendida por comunidades surdas e alguns especialistas da area, a qual considera que o processo de inclusao e inviavel para alunos surdos e que, caso ocorra, este deve se dar nos anos finais do nivel fundamental II. Antes deste nivel recomendam que tais alunos tenham sua escolaridade junto aos seus iguais em salas especificas para alunos surdos, ou em escolas especiais. Quadros (2003, p. 87) expoe os argumentos que advogam a favor desta tendencia:
Nas propostas de inclusao, se observa a submissao/opressao dos surdos ao processo educacional ouvinte nas propostas integracionistas. Inicia-se no condicionamento de todo o processo educacional ao ensino do portugues ate a descaracterizacao completa do ser surdo. [...] Assim, os alunos surdos sao constantemente expostos ao fracasso tendo como causa a sua propria condicao (nao ouvir) e nao as condicoes reproduzidas pelo sistema. A consequencia dessa tentativa de homogeneizacao e o fracasso, nao so academico, mas na formacao de pessoas com problemas serios de ordem pessoal, social, cultural e politica.
Estas analises partem da premissa segundo a qual o aluno surdo inserido em classe comum ira encontrar um contexto escolar que nao respeita sua singularidade, a utilizacao da lingua de sinais que, no caso do Brasil, e a Libras e sua forma de aprender essencialmente visual. Tal fato vem sendo comprovado por pesquisas ja realizadas em contextos de escolas regulares que acolheram alunos surdos, tais como a de Souza (2000), Dorziat (2004a) e Tenor (2008).
Outro forte argumento a favor desta tendencia e a necessidade da convivencia entre alunos surdos, apontada por Perlin (1998, p.54) que explicita claramente isto, comentando: O encontro surdo-surdo e essencial para a construcao da identidade surda, e como abrir o bau que guarda os adornos que faltam ao personagem. Caso alunos surdos sejam incluidos em classes comuns desde o inicio de sua escolarizacao no ensino regular, este encontro pode nao ocorrer, pois muitas vezes temos um unico aluno surdo em determinada classe, fato que o expoe constantemente ao contato com a lingua oral que nao e a sua.
Uma outra condicao geralmente observada em contextos inclusivos e que nao e adequada para favorecer o processo de aprendizagem dos alunos surdos e a forma como os professores ainda sao orientados para atende-los. As orientacoes recebidas, muitas vezes sao baseadas nos pressupostos do oralismo, que consiste em: explicar a materia de frente para o aluno, usar frases curtas, falar apenas quando a crianca estiver olhando para o professor e outras (Baptista, 2008).
Cabe destacar que o oralismo se constituiu uma filosofia educacional mais difundida ate meados dos anos 1960, que pressupunha a aprendizagem da fala e da leitura labial pelo surdo, proposta inviavel para a maioria deles. Muito embora ela tenha ainda adeptos, diversas pesquisas comprovaram sua ineficacia para promover a aprendizagem e a participacao de alunos surdos, e o resultado sao individuos pouco preparados para o convivio social ( Lacerda, 1998; Reily, 2006).
Outra condicao tambem erroneamente considerada pelos professores como suficiente para o processo de aprendizagem dos alunos surdos e a presenca de um profissional interprete de lingua de sinais em sala de aula. Os professores criam a expectativa de que este profissional seja o responsavel pelo processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos, desconsiderando o real papel do interprete que e o de mediar o processo de comunicacao dos alunos surdos com os demais individuos no contexto escolar. De fato, a presenca de um interprete e fundamental nos processo de escolarizacao dos alunos surdos em todos os niveis de ensino, mas nao e condicao suficiente (Lacerda, 2009).
Dessa forma concordamos com Baptista (2008) que a educacao de alunos surdos nas escolas regulares vem ocorrendo de modo inadequado, gerando o isolamento desses alunos e o consequente fracasso em seu processo de aprendizagem. E, portanto, importante repensar esse processo e reinicia-lo.
Em vistas das analises realizadas, este artigo apresenta uma experiencia de inclusao de alunos surdos nos anos iniciais do ensino fundamental, que tomou como base para sua organizacao as criticas e falhas ja apontadas nas pesquisas citadas, assim como varias sugestoes para facilitar o processo de participacao e aprendizagem academica dos referidos alunos apresentadas pelos pesquisadores da area, especialmente as orientacoes derivadas da filosofia educacional denominada bilinguismo e do movimento de inclusao escolar.
Segundo Oliveira (2001, p.6), tem-se a partir dos anos 1990, a divulgacao de uma nova filosofia educacional que apreende a lingua de sinais na sua forma genuina, e o chamado Bilinguismo que:
tem como pressuposto basico que o surdo deve ser Bilingue, ou seja, deve adquirir como lingua materna a lingua de sinais, que e considerada a lingua natural dos surdos e, como segunda lingua, a lingua oficial de seu pais. [...]. Para os bilinguistas, o surdo nao precisa almejar uma vida semelhante ao ouvinte, podendo assumir sua surdez (Goldfeld 1997, p.38).
Esta proposta teve como suporte as deficiencias observadas na utilizacao da filosofia do oralismo para garantir uma educacao de qualidade para alunos surdos ( Oliveira, 2001).
Lacerda (1998, p.75) explicita que o bilinguismo propoe que sejam ensinadas duas linguas, a lingua de sinais e, secundariamente, a lingua do grupo ouvinte majoritario, sendo a lingua de sinais mais adequada a pessoa surda, devido a utilizacao do canal visogestual. Considera ainda que a exposicao a lingua de sinais deva ocorrer o mais precocemente possivel, para que as criancas surdas possam aprender a sinalizar tao rapidamente quanto as criancas ouvintes aprendem a falar. Alem disso, esta filosofia educacional preve que a lingua de sinais para os surdos servira de base para aprendizagem de outras linguas, tornando-se bilingue. Esta proposta educacional impoe o respeito a lingua de sinais pela comunidade ouvinte, levando muitos paises, por exemplo, o Brasil, a reconhecer a lingua de sinais, que no nosso pais e a Libras como lingua oficial, bem como tornar obrigatoria a inclusao de uma disciplina sobre a Libras nos curriculos de formacao de professores e de Fonoaudiologia, determinacoes que foram dispostas na Lei 10.436, publicada em 2002 (Brasil 2002) e reafirmadas e explicitadas no Decreto n? 5.6.26 publicado em 2005 (Brasil, 2005b).
Como a escola pesquisada desenvolvia um projeto especifico de inclusao de alunos surdos, estabelecemos o objetivo de analisar as condicoes que foram implementadas para o desenvolvimento de tal projeto. Este estudo se justifica pelo fato de que o projeto em questao foi organizado com o compromisso de promover um contexto de convivencia escolar que propiciasse o respeito as diferencas entre surdos e ouvintes e a forma que cada um tem de perceber o mundo e aprender.
Metodo
Este estudo apresenta as caracteristicas de uma pesquisa descritiva com analises essencialmente qualitativas, realizada por meio de estudo de caso. Para atender o objetivo proposto, a coleta dos dados ocorreu por meio de analise documental e pesquisa participante. Os documentos pesquisados foram: Projeto Politico Pedagogico, Projeto de Inclusao de Alunos Surdos e o registro do desempenho academico dos alunos. Alem disso, contou com os dados registrados no diario de campo organizados a partir de observacoes realizadas pela pesquisadora nas salas de aula e nos diversos espacos escolares.
Descricao do local da pesquisa: a Escola pesquisada localiza-se no centro da cidade de Arapongas situada na regiao norte do estado do Parana - Brasil. Na epoca da coleta dos dados, ano de 2008, atendia 394 alunos, entre eles 11 alunos surdos matriculados nas diversas series correspondentes ao ensino fundamental I (1? ao 5? ano), 10 dos quais apresentavam surdez profunda e 1, surdez moderada. A Escola contava com uma equipe composta por: 1 diretora (pesquisadora), 1 secretaria, 2 supervisoras, 8 funcionarias, 28 professoras habilitadas em cursos de graduacao e pos-graduacao na area da Educacao, a maioria com graduacao em Pedagogia ou Letras, havendo 78% concluido pos-graduacao em Educacao Especial: area da Surdez.
Resultados e Discussao
Pela analise dos documentos e observacoes dos diversos contextos escolares, obtivemos dados referentes ao processo historico de adaptacao e organizacao dos recursos para atendimento dos alunos surdos implementados na Escola. Constatamos que as condicoes foram disponibilizadas a medida que as necessidades educacionais especiais dos alunos surdos foram sendo identificadas e os professores foram descobrindo os procedimentos indicados pela literatura para favorecer o processo de aprendizagem e participacao dos alunos surdos em contextos inclusivos por meio de estudos realizados em grupo na Escola ou/e em curso de especializacao e/ou mestrado na area. Destacamos ainda o fato de que este processo foi, desde o seu inicio, alvo de estudos e analises, visto que a pesquisadora era tambem a diretora da escola e propos como projeto de seu mestrado analisar o desenvolvimento do projeto de inclusao de alunos surdos que estava sendo desenvolvido na Escola pesquisada. Isso possibilitou a comunidade escolar, particularmente aos professores e equipe gestora da Escola, a percepcao da importancia de estudar as especificidades do aluno surdo e o seu processo de inclusao, assim como refletir constantemente sobre a experiencia vivenciada. Como bem comenta Frazao de Souza (2007, p.8) a
Direcao e Coordenacao Pedagogica - que tem a responsabilidade de orquestrar a escola nas esferas administrativas e pedagogicas, articulando seus recursos materiais, fisicos e humanos para o sucesso na aprendizagem e participacao de todos os alunos. [...] O alcance pedagogico da Gestao deve estar presente no estabelecimento de politicas, no planejamento e na avaliacao; na articulacao com a comunidade escolar; na destinacao e alocacao de recursos; no estabelecimento de prioridades; no respeito a liberdade e individualidade; na defesa dos interesses do coletivo escolar e na defesa das necessidades das criancas e dos jovens.
Os dados dispostos nas categorias apresentadas, a seguir, descrevem as caracteristicas e as condicoes organizadas na Escola desde a matricula dos alunos surdos, em 2006, ate a finalizacao da coleta dos dados, em dezembro de 2008. Como foram identificadas condicoes especificas e diferenciadas, estas foram organizadas em 4 categorias.
1 - Organizacao de um ambiente bilingue para inclusao dos alunos surdos.
Entendemos que, para o aluno surdo ser acolhido pelas escolas, estas devem dar especial atencao aos problemas que estao por tras tanto do fracasso de seu abandono das salas de aula quanto do exito de sua permanencia nela (Goes & Tartuci, 2002, p.118). Um destes aspectos e a comunicacao que se estabelece entre os alunos surdos e a comunidade ouvinte: os demais alunos sem deficiencia, os professores e funcionarios. Sendo assim, medidas que favorecam o processo de interacao entre surdos e ouvintes sao imprescindiveis para possibilitar o processo de inclusao. Sobre a importancia da aprendizagem da Libras, Dorziat (2004?, p.83) comenta que, em se tratando de inclusao, a valorizacao da lingua de sinais para os surdos e [...] uma das questoes essenciais, como possibilidade de igualdade de condicoes de desenvolvimento entre as pessoas.
Verificamos, por meio de avaliacoes clinicas, que os alunos surdos matriculados na escola em 2006 apresentavam surdez profunda. Considerando esta condicao a aprendizagem da Libras passou a ser em um objetivo fundamental para favorecer a aprendizagem desses alunos, especialmente porque tinhamos, como pressupostos educacionais adequados para o aluno surdo, os derivados do bilinguismo.
Sabiamos que, para favorecer o processo de aprendizagem e participacao dos alunos surdos, seria necessario propiciar-lhes experiencias de utilizacao da lingua de sinais e, para isso, tornava-se necessario que no contexto de convivencia dos referidos alunos houvesse pessoas que dominassem a Libras. Sendo assim, observou-se a necessidade de prover condicoes para que tanto os alunos que ainda nao dominavam a Libras, a aprendessem e os que ja a dominavam nela se aprimorassem, quanto a comunidade escolar tambem a pudesse aprender. Este processo se desenvolveu da seguinte forma: no primeiro semestre de 2006, havia somente duas especialistas na area da surdez, na escola, as quais apoiavam os alunos surdos matriculados nas series iniciais do ensino regular utilizando a Libras como meio de comunicacao. As duas professoras de apoio se revezavam no atendimento desses alunos, atendendo em alguns momentos, simultaneamente, ate tres alunos. Diante dessa situacao, a escola comecou a se preocupar com a capacitacao de seus profissionais, disponibilizando, no segundo semestre do ano de 2006, um curso de Libras para as professoras regentes e funcionarias que tivessem interesse e disponibilidade de tempo, visto que as aulas de Libras eram realizadas das 17h as 19h. Esta iniciativa foi financiada pela Secretaria Municipal de Educacao de Arapongas. Nessa ocasiao, 80% de professoras e funcionarias da Escola realizaram o curso, fato que as auxiliou na preparacao para atuarem junto aos alunos surdos.
Em 2006 ainda, no segundo semestre, a escola recebeu mais duas professoras do municipio, que estavam cursando Libras, para apoiarem os alunos surdos na sala de aula, juntamente com a professora regente.
No decorrer do ano de 2006 e 2007, de modo geral, as professoras alem de frequentar o curso de Libras, cursaram especializacao em Educacao Especial na perspectiva inclusiva. Nesse curso trabalharam-se de modo geral, as varias categorias de deficiencia. Tambem participaram de grupos de estudos com temas atuais sobre a inclusao, ofertados pela Secretaria Municipal, que ocorriam na propria Escola, apos o horario de trabalho.
No ano de 2008, aproximadamente 78% de professores da Escola realizaram curso de pos-graduacao em Educacao Especial: Area da Surdez, contribuindo para despertar o interesse das professoras, que ainda nao trabalhavam com os alunos surdos, bem como para ampliar os conhecimentos daquelas que ja trabalhavam com eles. Nesse mesmo ano, a Escola conseguiu contratar uma professora surda para ensinar Libras aos alunos surdos. Essa contratacao possibilitou, alem disso a manutencao de cursos de Libras para todos os professores e funcionarios, e orientacoes especificas sobre procedimentos de ensino adequados para promover a aprendizagem de alunos surdos, bem como a verificacao da qualidade das comunicacoes em Libras ocorridas entre professores regentes, interpretes e alunos surdos e ouvintes. Como bem analisa Machado (2005, p.15):
Nao basta a participacao de um professor surdo para que desenvolva, em horarios alternados, atividades com o aluno. O ingresso de professores surdos na comunidade educativa tornar-se-a imprescindivel nas tomadas de decisoes que envolvam estruturacao e implementacao curricular, bem como no debate com relacao as questoes da gestao de politicas educacionais para surdos. E atraves da intervencao do professor surdo, considerado como adulto competente linguistica e culturalmente, que sera criado um espaco possivel de aprendizado compartilhado, tendo como instrumento uma identidade de comunidade.
Outra medida foi a insercao de uma disciplina de Libras na grade curricular de todas as series, no ano de 2008, ministrada por uma Instrutora de Libras ouvinte. Esta iniciativa teve como objetivo garantir que os alunos ouvintes tambem aprendessem a se comunicar com seus colegas surdos. De acordo orientacoes da SEEP/MEC (Damazio, 2007, p.17) a inclusao dos alunos surdos, nas escolas comuns, deve garantir uma educacao bilingue para todos, de modo que se desenvolvam na escola o ensino da Lingua Portuguesa como segunda lingua na modalidade escrita para alunos surdos, os servicos de tradutor/interprete de Libras e Lingua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. Esse documento, mostra, portanto, a importancia do ensino de Libras para alunos ouvintes em escolas que tiverem surdos matriculados. Alem disso, tomamos como base o fato de que a educacao inclusiva tem como principio que:
os sistemas de ensino devem organizar as condicoes de acesso aos espacos, aos recursos pedagogicos e a comunicacao que favorecam a promocao da aprendizagem e a valorizacao das diferencas, de forma a atender as necessidades educacionais de todos os alunos (Brasil, 2007, p.12).
Em 2008, periodo de realizacao da coleta dos dados, os alunos surdos ja contavam com professores de apoio que dominavam Libras e atuavam de forma colaborativa com as professoras regentes que, em sua maioria, nessa epoca, tambem, dominavam Libras. Os professores denominados de apoio, nesta escola, nao restringiam as suas atividades a interpretar as falas do professor regente para alunos surdos, tambem orientavam seu processo de aprendizagem em sala de aula. Alem disso, planejavam as aulas em conjunto com o professor regente e organizavam previamente os recursos imageticos que facultavam aos alunos surdos compreender os conteudos. Este planejamento conjunto ocorria, duas vezes por semana durante duas horas aulas, principalmente nos horarios previstos como hora atividade dos professores, que eram coincidentes.
Estas iniciativas de capacitacao de seus funcionarios, professores e alunos evidenciam que a escola buscou preparar-se para desenvolver uma comunicacao satisfatoria com os alunos surdos, com o objetivo de que estes tivessem a experiencia de uma educacao bilingue. Corroborando estes dados, os resultados das pesquisas realizadas por Buffa (2002), Dorziat (2004b), Lacerda (2007) e Tenor (2008), evidenciaram o quanto o fato do aluno surdo se comunicar com a comunidade escolar utilizando a Libras e importante, visto que consideraram a carencia de oportunidades de interacoes desses alunos no contexto da escola regular como um dos fatores que contribui significativamente para as dificuldades de acompanhamento dos conteudos academicos e participacao efetiva em sala de aula.
Constatamos, tambem, que a Escola organizou progressivamente o atendimento educacional especializado para atender as necessidades educacionais especiais dos alunos surdos no contraturno. Em razao da importancia desse atendimento e da sua especificidade, a seguir apresentaremos sua descricao compondo a segunda categoria de analise.
2 - Analise da organizacao dos atendimentos educacionais especializados oferecidos aos alunos surdos.
O atendimento educacional especializado, de acordo com a SEEP/MEC:
identifica, elabora e organiza recursos pedagogicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participacao dos alunos, considerando as suas necessidades especificas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, nao sendo substitutivas a escolarizacao. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formacao dos alunos com vistas a autonomia e independencia na escola e fora dela (Brasil, 2007, p.10).
Como havia a necessidade de apoios complementares para favorecer a aprendizagem dos alunos surdos, a escola oferecia atendimento educacional especializado referente ao ensino da Libras no contraturno, ministrado por uma professora surda, tres vezes por semana, durante uma hora e meia, e na sequencia era oferecido o ensino da lingua portuguesa escrita, ministrado por uma professora da area de Letras, tres vezes por semana, durante uma hora e meia. As aulas de Libras e de Lingua Portuguesa eram oferecidas no mesmo dia, com o objetivo de facilitar a comunicacao entre os docentes e o transporte dos alunos.
Especialmente para os alunos matriculados nos 1? e 2? anos, os atendimentos foram fundamentais, pois, em sua maioria, eles entraram no primeiro ano sem dominio de nenhuma lingua, e comunicavam-se com poucos sinais, muitos deles desenvolvidos junto aos seus familiares. Verificamos que resultados semelhantes a estes tambem foram apresentados por Lacerda e Lodi (2007) ao descreverem o desenvolvimento de um projeto de inclusao de alunos surdos na educacao infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Tais pesquisadoras relataram que os alunos surdos, no periodo inverso ao que estavam em aulas na classe comum, participavam de oficinas de Libras, considerando que a maioria chegou a escola sem ter tido contato anterior com a Libras ou com experiencias restritas nesta lingua em seu ambiente familiar e social (Lacerda & Lodi, 2007, p.3).
A organizacao desses atendimentos foi respaldada por orientacoes emanadas da SEEP/MEC (Damazio, 2007, p.25) que recomendam que os atendimentos educacionais especializados para os alunos surdos sejam organizados em 3 momentos:
• Momento do Atendimento Educacional Especializado em Libras na escola comum, em que todos os conhecimentos dos diferentes conteudos curriculares, sao explicados nessa lingua por um professor, sendo o mesmo preferencialmente surdo.
• Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Lingua Portuguesa, no qual sao trabalhadas as especificidades dessa lingua para pessoas com surdez.
• Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino de Libras na escola comum, no qual os alunos com surdez terao aulas de Libras, favorecendo o conhecimento e a aquisicao, principalmente de termos cientificos.
• Como era disponibilizado um professor que tinha a funcao de apoiar o processo de aprendizagem dos alunos surdos, optou-se pelos atendimentos especializados referentes a Libras e ao portugues escrito.
Outra condicao, na qual a Escola investiu para favorecer a aprendizagem dos alunos surdos foi a organizacao de materiais pedagogicos, levando-se em conta a sua relevancia no processo de ensino e aprendizagem, sobretudo como meio de facilitar a compreensao dos alunos acerca dos conteudos trabalhados.
A seguir, apresentaremos algumas analises e exemplos de materiais pedagogicos elaborados pela equipe pedagogica da Escola e tambem por ela adquiridos, com intuito de contribuir para a aprendizagem dos alunos.
3 - Analise dos materiais pedagogicos disponiveis na Escola para favorecer o processo de ensino-aprendizagem dos alunos.
Segundo recomendacoes da SEEP/MEC para favorecer a aprendizagem dos alunos surdos os professores devem utilizar, constantemente recursos visuais de comunicacao que sirvam de apoio a informacao transmitida (desenho, leitura, video, cartaz, etc.). Com base em tais orientacoes as supervisoras da Escola organizaram, em 2007, um projeto referente a jogos pedagogicos. Para isso confeccionaram e compraram alguns jogos e orientaram as professoras sobre a possibilidade de organizar situacoes de aprendizagem com a utilizacao de jogos e brincadeiras, com o objetivo de levar os alunos a auferir conceitos basicos das disciplinas de Matematica e Lingua Portuguesa.
A organizacao deste projeto presumiu que tais recursos auxiliassem os alunos na compreensao e interpretacao dos conteudos propostos, especialmente pelo fato de conterem ilustracoes e objetos concretos e consistir na realizacao de atividades ludicas. Alem disso, considerava-se que, para facilitar o trabalho cooperativo e o contato entre os membros do grupo, devem ser utilizadas formas de organizacao que enfatizem os recursos comunicativos visuais, manuais ou simbolicos, a experiencia direta, a observacao, a exploracao e a descoberta.
A seguir, apresentaremos por meio das figuras (1 e 2), alguns desses materiais pedagogicos confeccionados.
Figura 1: Jogos pedagogicos de Matematica (1)
Figura 2: Jogos pedagogicos de Matematica (2)
Alem desses jogos confeccionados, a Escola tambem adquiriu varios materiais pedagogicos, a seguir, serao ilustrados alguns deles nas figuras (3 e 4).
Figura 3: Fantoches de animais
Figura 4: Aventais com dedoches variados
Tambem foram adquiridos materiais pedagogicos em Libras, com atividades de matematica e da lingua portuguesa. Alguns desses materiais sao mostrados nas figuras (5, 6 e 7).
Figura 5: Cadernos de vocabulario
Figura 6: Domolibras
Figura 7: Livros de historias infantis em Libras e na Lingua Portuguesa.
Como vimos, por meio das ilustracoes apresentadas, a Escola tinha varios recursos pedagogicos a disposicao para utilizacao diaria dos professores, alguns deles mais especificos para o ensino de Libras e outros que enriqueceram a rotina de aprendizagem de todos os alunos indistintamente.
Com a utilizacao desses materiais pedagogicos, as professoras perceberam que as aulas se tornaram muito mais atrativas e dinamicas. Constatamos que a qualidade do ensino melhorou com o uso constante de materiais pedagogicos variados em sala de aula, os quais contribuiram para o desempenho academico de todos os alunos surdos e ouvintes. Como prova deste fato, ha registos que revelaram que esta Escola, por tres anos consecutivos (2006 a 2008), foi avaliada como Escola Destaque, em uma pesquisa de opiniao publica, realizada pelo Rotary Club de Arapongas.
Concordamos que a construcao de uma escola inclusiva implica transformacoes no contexto educacional: transformacoes de ideias, de atitudes, e da pratica das relacoes sociais, tanto no ambito politico, no administrativo, como no didatico-pedagogico (Brasil, 2004, p.8-9).
Outro aspecto, referente a organizacao da Escola destacada nesta pesquisa, foi o texto do Projeto Politico Pedagogico da Escola reestruturado em 2007, justamente para comportar as mudancas que ela estava vivenciando a partir da implantacao do Projeto de Inclusao dos Alunos Surdos. A seguir serao apresentadas as analises da categoria especifica, relativa ao Projeto Politico Pedagogico da Escola.
4 - Analise do Projeto Politico Pedagogico da Escola em relacao ao processo de inclusao dos alunos surdos.
Por ocorrerem tantas mudancas educacionais nesta Escola, o Projeto Politico Pedagogico foi reformulado, garantindo-se a aprovacao da implementacao de varios objetivos especificos, dentre os quais podemos citar alguns, sobretudo os que visam favorecer o Processo de Inclusao dos Alunos Surdos. Apresentamos a seguir alguns trechos que ilustram o compromisso da Escola com o processo de inclusao dos alunos surdos.
1. Desenvolver, na Escola, um ambiente inclusivo, criando um espaco participativo, capaz de aperfeicoar continuamente a qualidade do Ensino, respeitando a individualidade e os limites dos educando com necessidades especiais.
2. Divulgar entre os alunos, futuros cidadãos, a produção de conhecimentos como: atitudes e valores perante conceitos que trabalhem a fraternidade e partilha, sem as barreiras do preconceito e da discriminação.
3. Desenvolver, continuamente, acoes concretas, capacitacao e novos conhecimentos, tornando a Escola bilingue, visando a plena formacao do aluno surdo.
4. Reconhecer a Libras (Lingua Brasileira de Sinais) como lingua oficial do surdo, promovendo, assim, qualidade e sucesso no processo ensino-aprendizagem.
5. Buscar meios e apoios necessarios a Escola, para ter, em seu quadro docente, profissionais preparados e especializados na Area da Surdez.
6. Oportunizar diferentes situacoes que informem a comunidade escolar (alunos, profissionais e familiares) sobre a surdez e suas implicacoes para o desenvolvimento e aprendizagem das pessoas surdas.
7. Divulgar na comunidade escolar, especificidades culturais das comunidades surdas, relacionadas a sua producao linguistica, literaria, artistica, (teatro, pintura, esculturas) e tecnologica.
8. Viabilizar a presenca de adultos surdos na Escola, por meio de relacoes formais ou informais, entre a Escola e Associacao de Surdos ou outras referencias comunitarias, favorecendo a experiencias comunitarias, a experiencia bilingue e as trocas culturais.
9. Assegurar o desenvolvimento da proposta de educacao bilingue para surdos Libras e Lingua Portuguesa, entre a faixa etaria de 0 a 6 anos.
10. Viabilizar a contratacao de professores surdos, para atuar na escola, docentes de Libras, favorecendo a formacao de um ambiente bilingue.
11. Oferecer apoio pedagogico especializado adequado as necessidades dos alunos surdos: profissional especialista na Area de Surdez para o ensino de Libras/Lingua Portuguesa; instrutores surdos de Libras; especialistas na Area de Surdez; psicologos; e fonoaudiologos, entre outros.
12. Assegurar a flexibilizacao curricular, de modo a contemplar as necessidades linguisticas diferenciadas dos alunos, destacando-se o ensino e a avaliacao diferenciada em Lingua Portuguesa como a segunda lingua.
13. Flexibilizar os criterios de avaliacao nas diferentes areas de conhecimento, com enfase a Lingua Portuguesa, valorizando o conteudo apresentado, ainda que a escrita nao corresponda ao padrao exigido para o nivel/serie em que o aluno se encontra matriculado (palavras inadequadas, omissao ou trocas no uso de elementos de ligacao, verbos...), decorrentes da interferencia da Libras, ou da pouca fluencia em Lingua Portuguesa (Nucleo Regional de Educacao de Apucarana, 2008, pp.15-16).
Nota-se que o redimensionamento dos objetivos propostos no Projeto Politico Pedagogico da Escola possibilitou que, gracas as condicoes organizadas pela Escola, se promovesse a inclusao dos alunos surdos, ao mesmo tempo que ocorria esta reformulacao em decorrencia das necessidades que foram aparecendo na implantacao do projeto de Inclusao dos Alunos Surdos em curso. Esperamos que a constituicao do Projeto Pedagogico da Escola contemplando os objetivos acima descritos, acompanhados de reflexoes constantes por parte comunidade escolar permitam o seu aprimoramento teorico e pratico, assim como o sucesso de processo de inclusao almejado.
Esta experiencia fez refletir que para promover a inclusao dos alunos surdos e necessario:
implementar acoes que tenham sentido para os alunos em geral e que esse sentido possa ser compartilhado com os alunos com surdez. Mais do que a utilizacao de uma lingua, os alunos com surdez precisam de ambientes educacionais estimuladores, que desafiem o pensamento, explorem suas capacidades, em todos os sentidos (Damazio, 2007, p.14).
Consideracoes finais
Com este estudo verificamos que a Escola em foco, desde 2006, vem buscando efetivar a inclusao dos alunos surdos desenvolvendo diversas acoes, destacando-se o fato de que essas foram construidas e desenvolvidas coletivamente, de modo continuo, gracas a compreensao da comunidade escolar que entendeu que o processo de inclusao dos referidos alunos requer mudancas no contexto escolar, baseadas no contato com os proprios alunos, em estudo, e realizacao de pesquisas e reflexoes.
Tomando como base os objetivos propostos e a metodologia utilizada para coleta dos dados identificamos que a Escola pesquisada demonstrou estar organizando um ambiente inclusivo para os alunos surdos, respeitando as suas diferencas e reestruturando-se para atender a esses alunos com responsabilidade, oferecendo-lhes um ambiente bilingue e recursos visuais para favorecer a compreensao dos conteudos. Como vimos, o Projeto Politico Pedagogico foi redimensionado em sua totalidade, garantindo: a realizacao de pos-graduacao na area da surdez para os professores; curso de Libras para todos os profissionais atuantes na Escola; aulas de Libras para alunos ouvintes; contratacao de uma professora surda e de uma instrutora de Libras; ampliacao dos recursos pedagogicos, com destaque para os recursos visuais; implantacao de atendimentos educacionais especializados nas areas de lingua portuguesa escrita e Libras para os alunos surdos no contraturno. Vale salientar que alem dessas condicoes, outras tambem foram identificadas, tais como: mudancas nas praticas pedagogicas dos professores, bem como em suas atitudes frente aos alunos surdos, aspectos que nao foram aqui analisados, em razao de focalizarmos os aspectos relacionados a gestao escolar.
Dentre todas estas condicoes organizadas pela Escola para favorecer o processo de inclusao dos alunos surdos destacamos uma que, segundo nossa interpretacao, foi fundamental, a saber: as acoes que visaram garantir a aprendizagem da Libras por toda comunidade escolar. Foi interessante perceber que desde o inicio houve investimentos para favorecer a aprendizagem da Libras por todos os professores, funcionarios e alunos, com o intuito de tornar a Escola um espaco bilingue real, no qual os alunos surdos pudessem se comunicar com todos em sua propria lingua, a Libras.
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