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Revista Lusófona de Educação
versão impressa ISSN 1645-7250
Rev. Lusófona de Educação no.21 Lisboa 2012
Editorial
António Teodoro, José V. Brás & Maria Neves Gonçalves
1. Desde o seu surgimento em 2003, esta revista tem-se guiado pelo propósito de fomentar e fortalecer o diálogo na comunidade científica internacional entre pessoas de diversas culturas, idiomas, tradições e experiências educativas, com a finalidade de repensar a educação de uma perspectiva crítica e transformadora. Este número não somente cumpre este propósito, mas faz dele também um requisito. Para compreender melhor a sua proposta, é preciso fazer referência a alguns precedentes que a explicam.
Em primeiro lugar, o espaço de encontro propiciado por este número surge, em grande parte, do intenso trabalho de intercâmbio e produção científica da Rede Iberoamericana de Investigação em Políticas Educativas (RIAIPE), iniciada a partir de um projeto do Programa Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (CYTED) da Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI), desenvolvido no período 2007-2010. Como parte desta rede, em 2009, algumas equipas tiveram projetos de cooperação bilateral aprovados por suas respectivas agências nacionais de financiamento científico, entre as quais Brasil-Espanha e Brasil-Portugal, para investigar as reformas da educação superior, destacando os impactos da globalização no acesso, equidade e inclusãosocial.1 Em seguida, a RIAIPE, buscando ampliação e reforço, concorreu a uma convocatória da Comissão Europeia de 2010, destinada a projetos Alfa, tendo aprovado o projeto “Programa marco interuniversitário para uma política de equidade e coesão social da educação superior”, para o triénio 2011-2013. Este projeto, que conta com a colaboração do Centro de Altos Estudos da OEI e com a participação de 30 instituições de educação superior (IES) de 14 países da América Latina e de 6 países europeus,2 pretende promover acções institucionais que visem um desenvolvimento social equitativo e um reforço da cooperação universitária entre a América Latina (AL) e União Europeia (UE).
O interesse pela educação superior concretizado nessas iniciativas não é casual. Desde fins do século passado, no marco da globalização, a universidade está sendo objeto de profundas transformações. Uma das tarefas dos investigadores que participam, direta e indiretamente, dos projetos referidos ou outros similares é a compreensão das mudanças produzidas no âmbito da educação superior, bem como das intervenções que visam orientá-las por princípios democráticos e democratizantes e critérios emancipatórios. A compreensão dessas mudanças passa por uma profunda e necessária reflexão sobre a missão da universidade e de suas relações com a sociedade. Tal reflexão, porém, não se leva a cabo somente dentro da própria instituição, mas também, simultaneamente, nas instâncias políticas e sociais que colocam expectativas sobre o papel da educação. Nesse sentido, recordemos, por exemplo, que a XX Cúpula Ibero-americana, realizada na Argentina em 5 de dezembro de 2010, teve como tema “Educação para a inclusão social”, elegendo a educação como eixo central. As contribuições contidas neste número podem ser apresentadas segundo duas dimensões: o objeto da reflexão (o que) e a lógica da investigação (o como). Quanto à primeira dimensão, poder-se-á constatar a unidade na diversidade. O fio condutor é a consideração do espaço de educação superior da perspectiva da inclusão social. Em torno desse fio condutor se articulam várias questões: a gestão do conhecimento e os efeitos da globalização sobre o conhecimento; a pertinência social da universidade; a reconfiguração das identidades dos sujeitos em seus processos de transição e acesso; a constituição de espaços de convergência da educação superior em regiões como a Europa e a América Latina; e a análise propriamente das políticas de educação superior no marco das agendas internacionais hegemónicas. Nos artigos adotam-se enfoques que podem integrar as experiências com as tendências, o diagnóstico com o prognóstico, a descrição com a compreensão, e a explicação com a implicação ou a necessidade de intervenção.
Quanto à segunda dimensão, o princípio do diálogo foi um convite e uma recomendação expressa desde a concepção deste número da revista. Para traduzir esta intenção inicial em ação concreta, considerou-se o interesse de elaborar artigos em co-autoria, propondo-se a participação compartilhada: se o nosso trabalho se baseia cada vez mais nas redes de conhecimento e colaboração, buscou-se elaborar artigos também em rede, misturando autoras e autores de diferentes países e idiomas. É assim que se explica o encontro de autores e autoras brasileiros, portugueses, argentinos e espanhóis, assim como a participação deliberada e equilibrada de investigadores num terreno académico e disciplinar.
Aqui se reunem, portanto, vozes e expressões diversas de investigadores e investigadoras da educação que compartilham seus pontos de vista, inquietações intelectuais e compromissos sociais em prol de uma cultura comum, com olhares atentos à universidade do século XXI, cujo movimento é observado com preocupação, desejando que se converta em um espaço de oportunidades a favor da justiça e da vinculação social.
2. Considerando a temática da educação superior de uma perspectiva inclusiva, este número da revista oferece um conjunto de onze textos, nos quais se combinam a análise teórica e as abordagens empíricas, a descrição dos contextos com a proposição de alternativas de mudança e melhoria.
O primeiro artigo que abre a revista, elaborado por Carlos Alberto Torres, José Eustáquio Romão e António Teodoro, analisa a influência e a importância das redes institucionais para a construção das ciências sociais contemporâneas e da educação na América Latina. Para ilustrar a análise, os autores selecionam três experiências relevantes de trabalho colaborativo, desenvolvidas a partir da segunda metade do século XX. Finalizam a sua contribuição detendo-se na exposição da rede ibero-americana RIAIPE, já mencionada, da qual participam, assim como outros autores e autoras que integram este número da revista.
A seguir, Betania Leite Ramalho e José Beltrán abordam, através do conceito de pertinência, as relações entre universidade e sociedade num contexto de mudanças aceleradas e de pressões crescentes. Argumentam tanto sobre a necessidade de redefinir pertinência, salientando o desenvolvimento e a emancipação social, como de repensar o papel da universidade frente às exigências de instâncias externas, no sentido de manter seu caráter de bem público a serviço da cidadania plena.
Alejandro Tiana, por sua vez, reflete sobre a contribuição da mobilidade académica para a construção de um espaço ibero-americano de educação superior, destacando o interesse de reforçar as relações entre países da região, impulsionando iniciativas de internacionalização. Um exemplo destas iniciativas seria o estímulo ao Espaço Ibero-americano do Conhecimento, promovido pelas Cúpulas de Chefes de Estado e de Governo da Ibero-américa, em cujo marco a mobilidade académica já está – e deve seguir – desempenhando um papel decisivo.
Alda Maria Duarte e Antônio Cabral também enfocam a questão colocada no artigo anterior. Para estes autores, as políticas de mobilidade estudantil constituem estratégias de internacionalização na América Latina, sendo a internacionalização fator principal de inserção num mundo em crescente globalização. Em sua análise, de escala global, porém com foco na América Latina e Brasil, apontam uma mobilidade assimétrica na região, comparativamente a outras regiões, caracterizada por baixa receptividade de estudantes e elevado envio a outros lugares do mundo. Esta tendência é, ademais, reflexo de uma nova divisão mundial do trabalho, em que algumas regiões ocupam posições centrais e outras periféricas.
Alejandra Montané e Maria Eulina Pessoa Carvalho desenvolvem um diálogo cruzado, no marco dos estudos de género, em que estão presentes os temas da justiça, equidade e políticas de igualdade na educação superior, centrados nos casos do Brasil e da Espanha. As autoras, procedentes de contextos sociais distintos, encontram pontos de encontro em interesses académicos e sociais comuns, apresentados no texto: a presença de mulheres e homens no contexto universitário, a produção de novas áreas de conhecimento vinculadas ao desenvolvimento dos estudos de género na educação superior, e as diferentes visões derivadas das políticas e dos estudos de género.
Adriana Diniz e Maria Eugenia Cardenal mostram, com argumentos teóricos e amostras empíricas oriundas de investigações próprias, as contribuições valiosas do enfoque biográfico para as ciências sociais e da educação. Detêm-se nos processos de transição dos sujeitos no âmbito da educação superior e defendem, do ponto de vista metodológico, a realização de estudos longitudinais e biográficos.
Alícia Villar, Maria M. Vieira, Francesc J. Hernàndez e Ana Nunes de Almeida apresentam, em termos comparativos, os resultados de duas investigações que exploram o fenómeno do abandono dos estudos, com base em análise de casos da Universidade de Lisboa (Portugal) e da Universidade de Valência (Espanha). Além de estudarem os motivos de abandono, o texto questiona o conceito de abandono de estudos no âmbito universitário, em seu uso mais comum, e propõe, a partir da noção de relocalização, uma conceptualização diferente e mais ajustada a um perfil estudantil que está mudando e adquirindo novos significados.
José V. Brás, Edineide Jezine, Sofia Fonseca e Maria Neves Gonçalves exploram o processo de constituição da universidade portuguesa com base numa abordagem histórica e empírica. Os autores defendem a tese de que as universidades portuguesas cumpriram, em suas origens, um papel importante na formação de elites, papel este que não pode persistir quando mudam as condições históricas e as exigências sociais. Atualmente, a universidade, considerada como bem público, deve passar por uma crescente democratização em termos de acesso à educação superior e, portanto, de distribuição de poder.
Edna de G. Brennand e Eládio de G. Brennand completam, em uma reflexão própria, as linhas abertas no artigo anterior no tocante ao acesso ao saber, apresentando algumas questões relacionadas à aquisição de conhecimento no contexto da expansão da educação superior e da criação da Universidade Aberta, no caso do Brasil. Os autores abordam o fenómeno da mediação tecnológica – materializada, neste caso, na modalidade educação à distância – e o modo como esta mediação contribui para alterar e reestruturar as formas de acesso à cultura universitária.
A contribuição de Emilia Trindade Prestes, Edineide Jezine e Afonso Scocuglia focaliza a democratização da educação superior brasileira analisando o caso da Universidade Federal de Paraíba. Os autores constatam uma recente “onda de democratização”, que obedece tanto à necessidade de adequar-se à sociedade do conhecimento quanto à vontade de ampliar as oportunidades de acesso à universidade a partir das próprias políticas governamentais, exemplificada no Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), objeto de análise do artigo.
Na seção Diálogos, Maria Eulina Pessoa de Carvalho e Ana Paula Távora da Silva apresentam uma entrevista realizada com a professora Rutilia Calderón, vice-reitora da Universidade Nacional de Honduras, em que exploram tanto o fenómeno da presença maioritária de mulheres na gestão daquela universidade, quanto a própria biografia e trajetória feminina da entrevistada. O conteúdo da entrevista, que combina a mirada introspectiva com a reflexão retrospectiva, ilustra o entrecruzamento de aspectos pessoais e familiares com questões relativas aos processos de formação, de liderança e de empoderamento, assim como a orientação ao compromisso social.
Anabela Mimoso e Lurdes Valentim fazem a recensão do livro Reformas educativas, educação superior e globalização em Brasil, Portugal e Espanha. Organizada por Betania Leite Ramalho, José Beltrán, Maria Eulina Pessoa de Carvalho & Adriana Diniz, trata-se de uma obra marcante sobre o ensino superior, suas representações e conceptualizações no contexto da globalização, e sobre as for-mas emergentes de incorporação de estudantes no sistema universitário desses países.
Na secção Notícias são divulgados eventos científicos organizados e promovidos por investigadores do Centro de Estudos e Intervenção em Educação e Formação (CeiEF) bem como congressos e simpósios em que participaram.
No cumprimento de uma das rubricas da política editorial da Revista Lusófona de Educação divulgam-se resumos de Teses de Doutoramento e de Dissertações de Mestrado defendidas no Instituto de Educação da Universidade Lusófona.
Enfim, convidamos leitoras e leitores a participarem do diálogo aberto por este conjunto de reflexões em torno da educação superior, na busca de respostas e de novas questões que poderão contribuir para ampliar nossa compreensão desta parcela da realidade, prosseguindo, assim, o diálogo académico, o trabalho em rede e a tarefa de transformação social. Neste sentido, espera-se cumprir com o objetivo desta revista, ao se gerarem inquietações intelectuais e sociais, exigência para se seguir avançando no conhecimento e na melhoria da humanidade.
Lisboa e Valência, Junho de 2012
Notas
1 O projeto Brasil-Espanha, CAPES/DGU Edital DRI/CGCI nº 018/2009, intitulado "Reformas educacionais e ensino superior: acesso e inclusão social no Brasil e em Espanha", foi realizado pela Universidade Federal de Rio Grande do Norte (UFRN), com a participação de Betania Leite Ramalho (coordenadora), Isauro Beltrán Nuñez e Adriana Valéria Santos Diniz; e pela Universidade de Valência (PHB 2009-008), com a participação de José Beltrán Llavador (coordenador), Julio Hurtado Llopis e Albert Piñero Guilamany. O projeto Brasil-Portugal, Edital CGCI nº 009/2009, CAPES/Brasil e FCT/Portugal, intitulado "Globalização, reforma educacional e políticas de ensino superior: equidade, democratização do acesso e inclusão social no Brasil e em Portugal", foi realizado pela Universidade Federal de Paraíba (UFPB), com a participação de Emília Maria da Trindade Prestes (coordenadora), Maria Eulina Pessoa de Carvalho e Edineide Jezine; e pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia (ULHT), com a participação de António Teodoro (coordenador), José Gregório Viegas Brás, Maria Neves Gonçalves, Maria de Fátima Marques e Maria Madalena Mendes.
2 Como projeto de cooperação entre a União Europeia e a América Latina, o Programa Marco Interuniversitário (PMI) implica uma grande rede integrada por IES de países da América Latina (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colombia, Cuba, Costa Rica, El Salvador, México, Guatemala, Honduras, Paraguai, Peru e Uruguai) e da UE (Portugal, Espanha, França, Holanda, Itália e Reino Unido). O projeto é coordenado pelo CeiEF da Universidade Lusófona. A Organização de Estudos Iberoamericanos (OEI) tem o estatuto de membro associado (cf. Programa Marco Interuniversitário para a Equidade e a Coesão Social na Educação Superior, www.riaipe-alfa.eu, financiado pela Comissão Europeia através do Programa Alfa, Refª DCIALA/ 19.09.01/10/21526/245-580/ALFA III(2010)84).