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Revista Lusófona de Educação
versão impressa ISSN 1645-7250
Rev. Lusófona de Educação no.26 Lisboa mar. 2014
ARTIGOS
Políticas educativas e profissionalização docente na América Latina
Education Policies and teaching professionalization in Latin America
Politique de l’éducation et professionnalisation des enseignants en Amérique Latine
Políticas Educativas y profesionalización docente en Latinoamérica
César Tello* & Maria de Lourdes Pinto de Almeida**
*Profesor en Ciencias de la Educación (Universidad Nacional de La Plata, Argentina). Director da Red Latinoamericana de Estudios Epistemológicos en Política Educativa (ReLePe). Pesquisador do Núcleo de Investigación sobre Conocimiento y Política Educativa (NICPE) ctello@untref.edu.ar
**Mestre e Doutora em Filosofia, História e Educação pela UNICAMP. Docente Pesquisadora do PPGE – Programa de Pós Graduação em Educação da UNIPLAC – SC. Pesquisadora do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação Superior sediado na UNICAMP. Coordenadora do Grupo Regional de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da região Sul do Brasil malu04@gmail.com
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa que analisa os significados discursivos sobre a profissionalização docente na América Latina. Debate-se sobre as continuidade s e rupturas da política de educação no período de 1990-2012 na América Latina em relação à questão docente. Metodologicamente, utilizou-se a análise textual segundo Rolland Paulston, com base em catorze documentos do Banco Mundial (BM), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe (PREAL) de modo longitudinal desde 1990 até 2012. Estudaram-se os programas que atualmente se desenvolvem em seis países selecionados para este estudo: Peru, Chile, México, Brasil, Colômbia e Equador. Esta seleção resulta dos dispositivos governamentais destes países integrados nesta pesquisa sob o binómio neoliberalismo-pós-neoliberalismo. Para estudar os programas foram tidos como referência os documentos e leis promulgados por estes países, bem como as informações disponibilizadas nos respectivos sites. Pelos resultados, constatou-se que, apesar das mudanças de leis educativas, os mandatos do neoliberalismo continuam presentes nos projetos de políticas educativas no concernente à profissionalização docente.
Palavras-chave: políticas docentes; profissionalização docente; neoliberalismo; pós-neoliberalismo.
ABSTRACT
This article presents the partial results of a research that aims to examine the ways discursive continuities and ruptures while from 1990 to 2012 on teacher professionalization in relation to educational policies in Latin America. The selected period analyses two stages called in this paper as “neoliberalism-postneoliberalism debate” where, for some authors, in the beginning of the 2000s there are some signs of breakdown of public policies of neoliberal decade 1990. This examines the continuity or rupture of the ideological discourse of international organizations privatizing and its relationship with countries in the region that established mechanisms linked to acountability professionalization. Methodologically unfolds Rollan textual analysis of documents on fourteen Paulston WB, IDB and PREAL. As well describes programs currently being developed in the six countries selected for this study: Peru, Chile, Mexico, Brazil, Colombia and Ecuador, said selection emerges from government positions who have had these countries as this research known as the binomial postneoliberalism neoliberalism. In analytical terms discussed the categories of “teacher training policies” considering that sometimes gets in obstructive to develop research from educational policies on the issue. Including thus a broader conceptual theoretical category as is “educational policies” and that allows us to define sub-analytical categories such as: Style, models and duration of initial training; styles, models lifelong learning or service (teacher training modes); history teacher subjectivity; teacher identity construction in regional communities, many hours of work-formal and informal teacher salaries; conception of teaching in public documents state, the place that occupies the teacher’s speech specialists; Ways in which the teacher is evaluated; infrastructure that is told in a school; Modes teaching career advancement, level of teacher participation in school curriculum development training teachers, social recognition level, the union position; ways of joining the teaching profession; offers graduate or training; modes of recruitment. The results of the inquiry establish a clear ideological-discursive continuity credit agencies regarding teacher professionalization, with diversity and nuances of neoliberal continuity in the countries included in the analysis sample. Stating that despite the change in education legislation called post-neoliberal decade of neoliberalism mandates are still present in the projections of educational policies in the professionalisation.
Keywords: policy teacher; teacher professionalization; neoliberalism; post neoliberalism.
RÉSUMÉ
Cet article présente les résultats partiels d’une étude qui examine les significations discursives sur la professionnalisation des enseignants de l’Amérique latine. Le débat sur les continuités et les ruptures de la politique éducative dans la période 1990-2012 en Amérique latine par rapport à la question des enseignants. Méthodologiquement, nous avons utilisé l’analyse textuelle, d’après Paulston Rolland, sur environ quatorze documents de la Banque Mondiale (BM), de la Banque interaméricaine de développement (BID) et du Programme pour la promotion de la réforme de l’éducation en Amérique latine et dans les Caraïbes (PREAL) de 1990 à 2012. On a étudié les programmes qui sont actuellement développés dans six pays signalés dans cette étude: le Pérou, le Chili, le Mexique, le Brésil, la Colombie et l’Equateur. Cette sélection est le résultat de prise de la décision du gouvernement de ces pays qui, d’après cette recherche, nous considérons selon le binôme pos-néoliberalismenéolibéralisme. Pour étudier ces programmes, on a pris comme documents de référence les lois adoptées par ces pays ainsi que des informations fournies dans leurs sites respectifs. Nous avons constaté que, malgré les changements des lois éducatives, les mandats du néolibéralisme sont encore présents dans la conception des politiques d’éducation dans la professionnalisation des enseignants.
Mots-clés: politiques des enseignants; développement professionnel des enseignants; néolibéralisme; posnéoliberalisme.
RESUMEN
En este artículo se presentan los resultados parciales de una investigación que analiza los sentidos discursivos sobre la profesionalización docente. Se debate acerca de las continuidades y rupturas de la política educativa en el período 1990-2012 en América Latina en relación a la cuestión docente. Metodológicamente se empleó el análisis textual de Rolland Pulston y se analizan catorce documentos del Banco Mundial (BM), el Banco Interamericano del Desarrollo (BID) y el Programa de Promoción de la Reforma Educativa en América Latina y el Caribe (PREAL) de modo longitudinal desde 1990 a la actualidad. Realizando también el análisis de programas que actualmente se desarrollan en los países seleccionados: Perú, Chile, México, Brasil, Colombia y Ecuador. Dicha selección surge de los posicionamientos gubernamentales que han tenido estos países en lo que en esta investigación se denomina como el binomio neoliberalismo-posneoliberalismo en el período de estudio. Para el análisis de los programas se tomaron como referencias documentos y leyes promulgados por esos países como así también la información suministrada en sus sitios web. En los resultados de la indagación se observa que a pesar de los cambios de leyes educativas los mandatos del neoliberalismo continúan presentes en los proyectos de políticas educativas en profesionalización docente.
Palabras Clave: políticas docentes; profesionalización docente; neoliberalismo; posneoliberalismo.
Introdução
Com a globalização, o entrelaçamento das estratégias de empresas com o Estado, em torno de conhecimento e políticas governamentais, tornou-se ainda mais fundamental da defesa dos interesses do capital. Isso tem sido decisivo para a supremacia de alguns centros decisórios do capitalismo.
A prática científica insere-se em tal “contexto” de luta de classes. Consideramos, a partir dessas posições teóricas - marxismo e as “fragmentárias” correntes acomodadas no termo pós-moderno -duas perspectivas contrastantes que buscam uma hegemonia no sentido de fundamentar um dissenso ou consenso em torno da atividade científica. Num primeiro prisma, estariam as visões “fragmentaristas”, no outro, as visões “integradoras”. Onde uma vê ruptura e “esgarçamento” contínuo e irremediável da realidade, a outra vê continuidade e totalização que se está constituindo. Do ponto de vista político, a primeira não acredita na possibilidade de uma ação centralizada, tal como propõem os defensores do planeamento estatal. A outra perspectiva, pelo contrário, nega a possibilidade de uma “autocoordenação” espontânea de uma série de agentes atuando conforme os seus fins particulares. A retórica liberal tenta opor essas tendências como extremos irreconciliáveis. Uma deles é a direção central utilizando a coerção - a técnica do Exército e do Estado totalitário moderno. A outra seria a cooperação voluntária dos indivíduos - a técnica do mercado”. É dentro destes dois quadros gerais ou panos de fundo que se desenvolvem as controvérsias em torno do papel da formação docente.
Neste artigo, apresentamos os resultados parciais de uma pesquisa que examina as continuidades e rupturas da relação entre a política educacional e a profissionalização docente no período de 1990-2012 na América Latina.
Para discutirmos esta problemática, vamos abordar e analisar os sentidos discursivos acerca da profissionalização docente na América Latina em documentos emanados do Banco Mundial (BM) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Metodologicamente, foram seleccionados 14 documentos que abarcam o período de modo longitudinal levando em consideração a análise textual no sentido proposto por Paulston (2001). Procedemos também à análise das leis promulgadas nos países seleccionados para este estudo (Peru, Chile, México, Brasil, Colômbia e Equador), bem como dos portais web, o que nos propiciou um cruzamento de dados sobre o sentido discursivo da profissionalização docente.
Importa precisar que entendemos a categoria do sentido discursivo como uma construção histórica e política “como una tecnología, una cultura y un modo de regulación” (Ball, 2002, p. 3), assumindo que os sentidos discursivos não são somente palavras e sim um conjunto interelacionado de crenças e normas denominado de “ideologia”. Neste sentido, é no interior da escola, que se sente a repercussão das políticas nacionais ou de subserviência ou de soberania.
O problema da profissão docente está ligado à sua autonomia, à definição de critérios para explicitar os seus méritos (pertinência, excelência, etc.).
Organização da apresentação dos resultados da pesquisa
Em primeiro lugar, procedemos a uma apresentação conceptual acerca do que temos denominado de políticas docentes (Tello, 2011) e dos seus componentes em termos analíticos para a nosso reflexão sobre a categoria da profissionalização. De seguida, fizemos uma descrição do que chamamos de debate entre neoliberalimos e pós-neoliberalimos, passando, assim, para a análise dos documentos do Banco Mundial, do BID e do Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina (PREAL-BID). Mostramos a continuidade discursiva dos últimos vinte anos e construímos uma narrativa que se constituiu como uma cosmovisão sobre a profissionalização docente. Posteriormente e, apenas a título meramente ilustrativo, apresentamos certas decisões políticas e de execução de programas de alguns países de América Latina vinculados à política docente e à sua relação com os sentidos discursivos do Banco Mundial e do BID, confrontando com a categoria de pós-neoliberalismo, pelo menos, em políticas docentes e na perspectiva da profissionalização dos países estudados. Por fim, tecemos algumas reflexões sobre as abordagens desenvolvidas.
Definição da categoria profissionalização docente
Existem diversos modos de conceptualizar a categoria de profissionalização docente. Em alguns casos o eixo da definição centra-se no enfoque da sociologia das profissões, definindo a profissão docente como um espaço de construção de autonomia, do estilo das profissões liberais e encontrando algumas distinções tais como: pseudoprofissão, quase profissão, semiprofissão, ou a clássica diferença entre profissionalização e profissionalidade (Tenorth, 1988). Outro eixo de definição diz respeito ao enfoque pedagógico-didático de onde se entende a profissionalização docente como desenvolvimento profissional e como trajeto formativo que o docente vai realizando desde que começa a sua formação inicial, se manifesta no desempenho do exercício profissional e atravessa a formação contínua.
Finalmente, consideramos o que temos denominado de enfoque das políticas docentes (Tello, 2011) que, geralmente, se encontram em documentos públicos e determinados tipos de papers académicos com o nome de políticas de formação docente. Esta última categoria, cremos que é bastante confusa e reduz a amplitude da realidade do docente se pensarmos a relação com as políticas educativas. As políticas de formação docente encontram-se, inequivocamente, incluídas nas políticas docentes, com isto dizemos que as políticas de formação docente são chave no momento de pensar a categoria de profissionalização, considerando a realidade docente em relação com as políticas educativas.
Utilizamos o termo Políticas Docentes como um tecido com diversos componentes alinhadas entre si devido à série de fatores inerentes às questões em análise. Partimos da analogia de políticas docentes como tecido, uma vez que as mesmas se despregam e se desenvolvem à medida em que as diversas linhas se constituem. A complexidade das políticas docentes desenvolvidas na sua inerência ao processo político permite-nos definir a categoria de profissionalização docente a saber: (i) Estilo, modelos e duração da formação inicial; (ii) Estilos, modelos da formação permanente ou em serviços (modos de capacitação docente); (iii) História da subjetividade docente; (iv) Construção da identidade docente nas comunidades regionais; (v) quantidade de horas de trabalho - formais e informais; (vi) salários dos docentes; (vii) concepção do docente em documentos públicos estatais; (viii) O lugar que ocupa o docente no discurso dos especialistas; (ix) Modos em que se avalia o docente; (x) Infra-estruturas de uma escola; (xi) Modos de ascensão na carreira docente; (xii) Nível de participação do docente na escola; (xiii) Desenvolvimento curricular da formação docente; (xiv) O lugar que ocupa o docente não nas políticas docentes especificamente, mas nas políticas educativas em geral; (xv) Nível de reconhecimento social; (xvi) A posição sindical sobre a concepção docente; (xvii) Formas de ingresso na carreira docente; (xviii) Ofertas de pós graduação ou capacitação (privadas ou estatais); e (xix) Modos de contratação de Trabalho.
O debate neoliberalismo – pós-neoliberalismo
Durante a década de 1990, na América Latina, ocorreu o processo de desmembramento e reestruturação do Estado, no que respeita a racionalização da despesa pública, a descentralização administrativa e a transferência de responsabilidades da educação para níveis provinciais e municipais. Segundo Carnoy (2002, p.4), “los gobiernos fomentaron la educación privada como una forma de reducir el gasto público en educación”. Foram implementadas uma série de reformas para desregular o trabalho e para dar uma orientação privatizada à produção e ao mercado, gerando profundas mudanças nas estruturas políticas, económicas e sociais dos países em estudo. Isto produziu um processo de reestruturação das economias nacionais levando à exclusão dos menos favorecidos economicamente.
O papel dos organismos internacionais tem a ver com a forma como se constituem as agendas de políticas da globalização neoliberal, aceitando ou assumindo uma nova ortodoxia em termos de políticas educativas (Ball, 2002). A modernização da educação, identificada com a profissionalização e a diminuição do pa-pel do Estado, ocupa um lugar central durante o período em estudo. Geralmente agências, como o Banco Mundial e o BID, enfatizam, nas suas recomendações de política educacional, uma participação na nova “economia do conhecimento”.
A “nova ortodoxia”, na terminologia de Ball (2002), possui três componentes- chave para a nossa análise: o controle mais direto sobre o curriculum e a avaliação docente; a redução dos custos em educação por parte dos governos e o incremento da participação da comunidade local na tomada de decisões entendida como a pressão dos “clientes” em termos de uma escola gerencialista.
Uma questão principal do neoliberalismo, em termos de protagonismo da agenda de políticas educacionais, é sustentada na relação do mercado que os Estados latino-americanos estabeleceram com os organismos como o FMI, o Banco Mundial e o BID. E os empréstimos de financiamento para a educação convertem-se em mecanismos condicionantes que se traduzem em formas de governabilidade, restringindo as decisões políticas dos governos estatais.
Seguindo as reflexões de alguns pensadores latino-americanos é necessário considerar que estamos face a uma variação do período neoliberal, denominada pós-neoliberalismo.
Em princípios da década de 2000, observa-se um quadro de certas políticas que reorientam uma regulação mais direta por parte dos Estados e de discursos de alguns governos que intentam confrontar com os que se desalinharam na década de 1990.
Para Matus (1992), a mudança situacional pode ser interpretada como re-forma ou transformação. No primeiro caso, “o novo é substituído pelo velho”, enquanto que na transformação, “la relación de determinación cambia radicalmente, porque lo nuevo, pasa a ser dominante y articulador de lo viejo” (p. 296). Por esta razão, afirmamos que não estamos ante a presença de um modelo pós-neoliberal, contudo, como afirma Pini (2011), de um “clima pós-neoliberal”, que ainda não mostra claramente um neoliberalismo desmontado das estruturas do Estado.
O sentido discursivo sobre a profissionalização docente do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento
Nos documentos analisados não se evidenciam propósitos de auscultação e de consultas aos governos mas veiculam-se indicações e recomendações para os governos levarem a cabo as políticas decididas. Uma das principais razões deste posicionamento é a estreita vinculação entre o setores que produzem os textos (os Bancos) e os Estados Nação. Nos referidos documentos, emergem noções que constroem e constituem significados sobre a categoria da profissionalização docente tais como: autonomia docente; salário e incentivos aos papeis do docente e da sua relação com os diretores de escolas, pais e alunos.
A argumentação acerca da profissionalização docente presente no Banco Mundial e no BID fundamenta-se, principalmente, sobre a ideia que os docentes devem ter maiores competências, especificamente competências técnicas. Para ilustrar brevemente os efeitos desta apresentação pode-se afirmar que a profissionalização docente é considerada como uma questão técnica e “de conduta”. Exemplifiquemos com o documento do Banco Mundial (1999) quando mostra diversos programas inovadores de formação, afirmando: “Uruguay ha iniciado programas de viajes de estudio para que los maestros observen y presencien buenos métodos pedagógicos aplicados en clase en otras partes del país y del mundo” (p.94), (o sublinhado é nosso). Nesta mesma linha de pensamento, mas tomando o texto do Banco Mundial (1994), encontramos uma série de recomendações entre as quais se diz que “los programas de capacitación práctica focalizados a cambiar el comportamiento específico del profesor en la sala de clases son los únicos que pueden tener éxito” (p. 93) (sublinhado nosso).
Nos documentos selecionados do BID (2000; 2003), podemos constatar que a avaliação externa do rendimento académico e a devolução dos resultados dos professores produzem um efeito importante sobre os resultados educativos, como um modo de controle permanente. Contudo, o Banco Mundial (2007) explica que é muito difícil na América Latina estabelecer um sistema de controle (accountability) da qualidade dos docentes uma vez que existe uma dificuldade técnica que consiste em não se poder “identificar quién es responsable por quién, dado que muchos profesores cambian de escuelas en el corto plazo” (p. 109).
O documento do BID (2003) afirma que uma das questões difíceis de resolver é a relação da problemática da profissionalização docente que está posta desde o ingresso na carreira, considerando que não se utiliza um mecanismo seletivo na contratação dos docentes - ao ingressarem na profissão os gestores ou as autoridades do sistema não podem dispensar os trabalhadores cujo desempenho é notadamente fraco nem, pelo contrário, recompensar os que prestam um serviço extraordinário.
Nesta mesma linha de análise, o documento do BID (2000) argumenta que as duas estratégias que se deveriam utilizar para resolver as dificuldades enunciadas anteriormente, são a Autonomia Administrativa (AA), na qual o governo delega a contratação de docentes e o controle sobre o uso dos recursos das escolas, e a Autonomia Pedagógica (AP), a que “se otorga un margen más focalizado de autonomía al exigir a los docentes rendición de cuentas en función de pequeños proyectos pedagógicos” (p.21). Explica o texto que ambas as estratégias incidem positivamente sobre os resultados educativos, onde as variáveis administrativas afectam mais fortemente estes resultados que as variáveis pedagógicas. A variável que “faz a diferença” na Autonomia Administrativa (AA) é a contratação de docentes e o seguimento de seu desempenho (p. 3).
Na Autonomia Pedagógica (AP), a variável que “faz a diferença” é a participação dos pais quando podem observar o desempenho docente, o que contribui a ter os professores mais “accountable” (cfr. BID, 2000, p. 15; BID, 2003, p. 3) “disminuyendo, por ejemplo, el ausentismo docente” (BID, 2000, p. 35). Sobre esta questão, o Banco Mundial (1994) recomenda que, face à ausência dos docentes nas salas de aula pela participação sindical se recuperam esses dias “con multas salariales a los profesores que participan en las huelgas” (p. 97).
O Banco Mundial assume uma posição de causalidade quando explica que “debido al predominio de la sindicalización docente no es común que un maestro sea despedido en América Latina” (BM, 2005, p.14). Emiliana Vegas (2006) afirma que “los maestros deben convencer a los usuarios que están trabajando de manera adecuada” (p. 218) y que el docente debe sentir “una verdadera amenaza de perder el empleo en el caso de comprobarse un bajo desempeño” (p. 218) (sublinhado nosso). Na mesma lógica, no PREAL (2006), que compila diversos autores, um destes autores, Donald Winkler, realiza uma série de questões cujo eixo das respostas passaram especificamente pelos docentes. São elas: Como pode o sistema escolar na América Latina ser mais interativo com os seus utilizadores? O que fazer àqueles que possuem uma educação de baixa qualidade? Como se pode valorizar mais os pais de família na educação de seus filhos ? E na continuação afirma que “los países de América Latina han heredado el rol centralista de sus gobiernos en el financiamiento y distribución de la educación pública” (PREAL, 2006, p. 93). E explica sustentando que este papel, unido a uma deficiente capacidade administrativa, a uma débil tradição de democracia popular e a uma existência de fortes sindicatos de professores, têm criado sistemas que não têm a capacidade de prestar contas aos utilizadores das escolas, nem responder às iniciativas políticas do governo central.
No mesmo texto, o autor afirma que “los sistemas educativos de la mayoría de los países se preocupan más del bienestar de los maestros que de los usuarios de las escuelas: los estudiantes y sus padres y madres” (PREAL, 2006, p. 94). Por fim, a lógica mercantilista dos Bancos tem, na sua argumentação, a profissionalização docente em termos de resultados, descontextualizada de todo o contexto social, político e económico dos educadores e estudantes da escola na América Latina, ao definir o que significa profissionalização docente no documento do Banco Mundial (2007): “El profesionalismo docente es la responsabilidad por los resultados” (p. 184).
Os programas
No caso do México e entrando no portal web da Secretaria de Educação Pública, observa-se rapidamente no link “docentes”, o título Carrera Magisterial com a legenda “Conoce el Programa Nacional de Carrera Magisterial, un sistema de estímulos para los docentes mexicanos de Educación” (Veja-se http://www.sep.gob.mx). Em todo o enunciado textual, podemos constatar a influência das recomendações políticas da OCDE, tendo o México implementado a Avaliação Universal dos Docentes com uma forte suspeita por parte do sindicalismo docente quanto à utilização dos resultados. A OCDE defende que os docentes, que não foram aprovados, deveriam ser despedidos. Isto foi negado por autoridades da Secretaria de Educação Pública. Contudo, no Acuerdo de cooperación México-OCDE para melhorar a qualidade da educação das escolas mexicanas, o organismo internacional afirma que a avaliação dos professores é necessária para melhorar a qualidade educacional e que o México necessita com urgência de um sistema de avaliação docente baseado em standards, e “los docentes que presenten un bajo desempeño de forma permanente deben ser excluidos del sistema educativo” (Recomendación Nº 8, OCDE, 2010). Logo depois deste documento se implementou, no ano de 2012, a Avaliação Universal de Docentes, portanto não se sabe ainda se se seguirão as recomendações da OCDE. Enfim, como diz Díaz Barriga (2009), o governo de México tem implementado, sob os efeitos neoliberais, por meio de programas de avaliação, o “efecto zanahoria”. Os programas que se vinculam à avaliação dos docentes articulam os resultados dos professores a um bónus no seu vencimento. O fator principal da carreira do Magistério no México centra-se sobre os resultados dos alunos, assumindo novamente a perspectiva neoliberal de “resultados” ignorando-se os processos pedagógicos que possam ter os estudantes em sala de aula.
A Colômbia tem continuado com a política do Decreto-Lei 1278 de 2002, por meio do qual se explica o Estatuto de Profissionalização Docente e que traz como novidade que não são os licenciados em pedagogia e os “normalistas” os únicos que podem ser docentes. A nova norma estabelece que qualquer profissional competente, formado em outra esfera de identidade profissional, pode converter-se em docente, desde que esteja interessado no âmbito educativo. Isto foi feito, segundo o documento, para “atrair os melhores”, os mais qualificados, como afirmam os organismos internacionais. A dificuldade está nos exames de ingresso pelos ´melhores´ para a docência. Esses ´melhores´ definem-se por meio de um exame centrado unicamente nos seus conhecimentos disciplinares e técnicos.
Uma das características do Novo Estatuto de Profissionalização Docente é a inclusão da avaliação como um mecanismo de ingresso mediante o Concurso Docente; de permanência, mediante a avaliação de desempenho; e de promoção, mediante as avaliações por competência. O desempenho do trabalho, estabelecido por esta nova norma, e valorizado nas avaliações periódicas, condiciona a permanência dos professores na medida em que a avaliação de implica uma direta exclusão do grau em que se encontrava, e por fim, do seu próprio posto de trabalho. Neste portal web, pode ler-se o anúncio “Docentes melhor preparados melhoram a qualidade da educação” e ao entrar nesse link lê-se: “La evaluación consiste en establecer sobre bases objetivas cuáles docentes y directivos docentes deben permanecer en el mismo grado y nivel salarial o ser ascendidos, reubicados en el nivel salarial siguiente” (Cfr. http://www.mineducacion.gov.co). O que não se diz nesse portal é que, segundo o Estatuto de Profissionalização Docente, se pode ´descentralizar´ ou ´deixar fora´ o sistema educativo.
Por outro lado, o Chile, que é um país de forte raiz neoliberal tem continuado quase que sem interromper o seu sistema educativo na perspectiva gerencialista, mais especificamente nos termos de accountability, seguindo as recomendações do Banco Mundial e do BID na avaliação dos docentes, a partir da implementação do Sistema Nacional de Avaliação de Desempenho Docente (SNED) criado em 1996. Neste sítio web do Ministério de Educação chileno tem somente uma opção identificável com a categoria “docentes e diretivos”. Ao entrar neste link, destaca-se a apresentação do SNED: “El objetivo principal del SNED es contribuir al mejoramiento de la calidad de la educación impartida por el sistema educacional del país, mediante el incentivo y reconocimiento a los profesionales de la educación de los establecimientos” (veja-se http://www.mineduc.cl).
O SNED está ligado a incentivos monetários que entram no sistema de incentivos grupais no conjunto do estabelecimento escolar. Este mede-se por meio dos resultados académicos dos alunos, avaliados através da prova SIMCE (Sistema de Medición de la Calidad Educativa). No Chile se um docente obtiver um desempenho fraco deve inscrever-se nos Planos de Superação Profissional (PSP) gratuitos, desenhados e executados por Municípios ou Corporações Municipais do país. Se um docente obtiver um resultado insatisfatório, deve repetir a sua avaliação no ano seguinte, inscrevendo-se nos PSP e se, pela segunda vez, o resultado for novamente insatisfatório, o docente deixa de leccionar para trabalhar durante o ano em seu Plano de Superação Profissional e deverá ser avaliado outra vez. Se o resultado for insatisfatório pela terceira vez consecutiva, o professor deixará de pertencer ao quadro docente, estabelecido no artigo 36 da lei 20.079.
No caso do Peru, pode-se observar que este país tem seguido as recomendações do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento para “incrementar a qualidade educacional” por meio de institucionalização do Sistema Nacional de Avaliação, Acreditação e Certificação da Qualidade Educativa (SINEACE), criado em 2003 com a Lei Geral de Avaliação e aprovado pela Lei 28740 do ano de 2006. Ao entrar no portal web do Ministério de Educação do Peru pode observar-se, como primeira notícia, que a atual Ministra de Educação do Peru afirma “que los maestros podrán incrementar su sueldo con la Ley de Reforma magisterial” (ver http://www.minedu.gob.pe). Essa afirmação foi feita na apresentação do Congresso da República sobre a nova Lei apresentada pelo poder executivo. Os alcances da proposta para a implementação da nova Lei de Reforma do Magistério permitirá ampliar o horizonte salarial dos professores: “Refirió que, en adelante todos los docentes será parte de un esquema de méritos en el cual la evaluación será la única forma de ascender o lograr aumentos salariales” (veja-se sítio web del Ministerio de Educación de Perú http://www.minedu.gob.pe).
O Sistema Nacional de Avaliação vigente tem por objetivo “definir y establecer los criterios, estándares y procesos de evaluación, acreditación y certificación [de las instituciones educativas] a fin de asegurar los niveles básicos de calidad” (Lee 28740, Art. 2º). No Peru, a Lei de Carreira Pública do Magistério (Lei 29062) e seu regulamento foram aprovados em Julho de 2007 e a mesma prevê a vinculação dos docentes e o desempenho profissional dos mesmos bem como o estabelecimento de atrativas diferenças salariais entre os níveis de carreira. Na lei, estabelece-se que parte da avaliação do candidato à Carreira Pública do Magistério se realiza através de um comité de avaliação da instituição educativa, o qual é presidido por um diretor da escola e tem como participantes os representantes dos docentes e pais de família. Assim mesmo, se outorgam faculdades a nível das próprias escolas no processo de contratação dos docentes para a escola secundária, de ensino médio. A Carreira Pública do Magistério estabelece avaliações periódicas para o docente da escola primária e secundária, no artigo 65 da Lei 29062 estabelecendo que, ao reprovar esta avaliação por três vezes consecutivas, o professor será exonerado do sistema educativo.
O Brasil vem seguindo o Exame Nacional de Ingresso à Carreira docente - na continuidade do Plano Decenal de Educação para todos (1993-2003) -e que é uma réplica da Declaração Neoliberal de Jomtiem (ver Tello, 2011). Contudo, a Conferência Nacional de Educação (Conae) realizada em 2010, e depois o PNE/2011-2020, aprovaram um documento de onde se vislumbra algum sinal de ruptura neoliberal ao sustentar-se que é fundamental que a avaliação não se encontre vinculada a um sistema de incentivos económicos nem a ranking entre escolas, docentes e estudantes. Por outro lado, o BID (2012) vê como um avanço o estabelecimento, em 2007, do Índice de Desenvolvimento Educativo Básico (IDEB) dado que “parece haber sido un elemento catalizador de la mejora de los aprendizajes a través de un sistema efectivo de rendición de cuentas” (BID, 2012, p. 61). Neste sentido é necessário considerar que em 2 de dezembro de 2010 se publica na secção Notícias do portal web do BID que “ Los días 9 y 10 de noviembre, El Banco Interamericano de Desarrollo (BID) y el Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) del Ministerio de Educación del Brasil, organizaron un seminario para apoyar la implementación de un Examen nacional de ingreso de maestros a la carrera docente” (ver http://www.iadb.org/es).
No Equador tem-se implementado o “Sistema Nacional de Avaliação e prestação social de contas”, como se pode ver no seu portal web sobre “a avaliação do desempenho docente” referindo-se que o docente que tiver na avaliação externa a classificação de “excelente” recebe um prémio pecuniário de 1200 dólares até à nova avaliação. Quem tiver a classificação de “muito bom” receberá 900 dólares. Os docentes com classificação de “bom” deverão receber cursos por parte do Ministério e os que tiverem avaliação “insatisfatória” terão suspendidas as aulas e deverão frequentar cursos oferecidos pelo Ministério. (Cfr. http://www.educacion.gob.ec). Os docentes que obtiverem duas vezes consecutivas um resultado “insatisfatório” na avaliação de desempenho “serán separados del magisterio” (ver Art. 38 de la Ley de Carrera Docente y escalafón del Magisterio Nacional de Ecuador).
Considerações Finais
No cenário do que poderíamos denominar pós-neoliberal devemos considerar, como assinalámos anteriormente, que não existem indícios claros para caracterizar o que acontece em termos de política docente na América Latina, dado que o pós-neoliberalismo parece ser um processo de continuidade encoberta do neoliberalismo de 1990 (Ball, 2007). Contudo, existem outros matizes e traduções políticas de implementação de programas de políticas docentes, conservando a política docente dos últimos anos com cariz neoliberal, como se depreende nos documentos dos organismos internacionais analisados. Nesta perspectiva vários países parecem continuar assumindo e cumprindo as indicações desses organismos para as políticas docentes.
Pulido Chavez (2010) realiza, nos seus estudos, uma distinção entre os países que possuem as políticas docentes: aqueles que possuem continuidades neoliberais: México, Perú, Chile, Colômbia, entre outros; os países de concertação: Argentina, Brasil, Guatemala, Uruguai e Paraguai; e no terceiro grupo os países de ruptura neoliberal: Bolívia, Equador e Venezuela.
Neste artigo vimos os casos de México, Peru, Chile e Colômbia como países que se encontram dentro da continuidade neoliberal em termos de políticas docentes. O Brasil, sem definir políticas abertamente neoliberais, responde às solicitudes dos organismos internacionais em termos de profissionalização docente. E finalmente, no caso do Equador há uma ruptura neoliberal mas com um forte controle estatal. Este último caso é chamativo, dado que o Equador responde ao denominado socialismo latino-americano em que se poderia encontrar claramente Cuba, Venezuela e Bolívia. Contudo, responde ao mandato neoliberal nos termos de accountability e regulação docente. Nesta discussão a pergunta que cabe aqui, em termos de profissionalização docente, formular é a seguinte: qual é o triunfo do neoliberalismo neste cenário pós- neoliberal?
O modelo de planeamento estratégico situacional (Matus, 1992), a utopia concreta que guia a reflexão e eleição dos meios para a consecução progressiva requer que cada ação que se desenvolva contenha elementos de ruptura com a situação inicial que se deseja transformar, de modo que se efective uma construção dos “gérmenes de lo nuevo” e possibilite a emergência de práticas sociais e atores coletivos que favoreçam a mudança.
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Data de Submissão: Agosto 2013
Data de Avaliação: Novembro 2013
Data de Publicação: Abril 2014