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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.29 Lisboa mar. 2011

 

Política externa brasileira: padrões e descontinuidades no período republicano*

 

Gelson Fonseca Jr.1

Diplomata de carreira, foi representante permanente junto das Nações Unidas em Nova York (1999-2003), embaixador em Santiago do Chile (2003-2006) e cônsul-geral em Madrid (2003-2006). Actualmente, ocupa o cargo de inspector-geral do Serviço Exterior. Foi professor de Relações Internacionais no Instituto Rio Branco. É autor de artigos e livros sobre questões internacionais.

 

RESUMO

Existe um razoável consenso, entre historiadores, de que a continuidade é um dos traços característicos da política externa brasileira. Nesse sentido, o artigo analisa a política externa brasileira partindo de uma compreensão da noção de continuidade, para depois serem apresentados alguns dos principais cenários de actuação diplomática do Brasil desde a República, como sejam, a América do Sul, as relações com os Estados Unidos, o multilateralismo assim como as relações com a Europa ou África.

Palavras-chave: Política externa brasileira, América do Sul, Estados Unidos, multilateralismo

 

Brazilian foreign policy: patterns and discontinuities in the republican period

ABSTRACT

There is a reasonable consensus among historians that continuity is one of the characterizing trends of Brazilian foreign policy. In this way, this article analyses Brazilian foreign policy starting from an understanding of the concept of continuity, proceeding then with the presentation of some of the scenarios of Brazilian diplomatic action since the Republic, including South America, the United States of America, multilateralism, as well as relations with Europe and Africa.

Keywords: Brazilian foreign policy, South America, United States of America, multilateralism

 

OBSERVAÇÕES PRELIMINARES EM TORNO DA NOÇÃO DE CONTINUIDADE

Existe um razoável consenso, entre historiadores, de que a continuidade é um dos traços característicos da política externa brasileira. Assim, talvez valha a pena retomar aquela noção como fio condutor desta breve apresentação da diplomacia republicana. É um período extenso, que começa em 1889, e, por isto, serei forçado a drásticas simplificações que, espero, não prejudiquem a tentativa de apontar movimentos essenciais da diplomacia.

Para começar, é necessário examinar de que continuidade se trata. E, neste sentido, haveria, ao menos, duas interpretações possíveis: a) a noção estaria associada a princípios e valores que têm inspirado ações específicas, como o repúdio à guerra de conquista, a defesa da soberania e das soluções pacíficas e, agora, a partir da restauração da democracia, a promoção dos direitos humanos, a integração latino-americana e a proibição (constitucional) de aquisição de armas nucleares; b) a noção revelaria comportamentos diplomáticos que perduram no tempo, como a aspiração a uma participação ampliada nas decisões sobre a ordem internacional ou a necessidade de manter relações equilibradas com a Argentina e de cooperação com os vizinhos; o cuidado no engajamento com as Potências.

Em tese, as duas noções, que combinam valores e interesses, se completam e se reforçam, a primeira conferindo legitimidade à segunda. Assim, no modelo ideal da ação diplomática, a continuidade seria uma referência inicial e necessária para entender a dinâmica da política externa brasileira. Porém, é preciso aplicá-la a situações diversas para medir, efetivamente, o seu alcance real. A construção analítica não é simples, porque devemos evitar o risco de partir aprioristicamente da «existência» da continuidade, o que poderia levar a distorções, perdendo os movimentos diplomáticos a sua especificidade. A dificuldade de reconstruí-la fica nítida quando se chocam valores ou atitudes – permanentes – na formulação da política, e é preciso encontrar algum ponto de apoio para arbitrar o que prevalece. Para ficar em um tema atual: até que ponto a defesa da soberania e da não intervenção impede ou atenua as manifestações sobre a situação de direitos humanos em outro país? Se é permanente uma atitude de cooperação com os vizinhos, não é permanente o grau de desafio à ação diplomática na área: que parâmetros indicarão a melhor solução, se cooperação ou confrontação, para superar desafios concretos; se confrontação, até que ponto, se cooperação, com que grau de «generosidade»? Outras hipóteses poderiam ser apresentadas (e a história não fornece poucas...), mas o que fica claro é que a primeira questão é dar especificidade ao que é contínuo. Continuidade não equivale a padrões repetitivos, que a história normalmente repele.

Em seguida, é preciso examinar as razões da continuidade: estaria no prestígio do Itamaraty (que se estabelece ainda no princípio do século XX, com o seu patrono, Rio Branco, chanceler de 1902 a 1912)? Estaria a continuidade vinculada, menos a movimentos específicos, e mais ao fato de que, pelo peso institucional da Chancelaria, a política externa identificou-se com opções de Estado e sofreu pouco a influência conjuntural de governos? Estaria na natureza da identidade nacional? Estaria nos modelos de hegemonia política, derivados das formas de inserção do Brasil no capitalismo internacional?

Poderíamos acrescentar explicações, mas um primeiro dado é o de que a política externa tem, desde os primeiros anos da República, uma agenda suficientemente ampla e complexa que sugere explicações que incorporem múltiplas variáveis. Há opções que nascem claramente da identidade, como fica claro no nível único de integração étnica que se dá no Brasil e motivaria uma atitude que favorece a tolerância e o diálogo na construção da ordem internacional. Há outras ligadas a mudanças no modelo econômico, como se dá no vínculo entre as políticas de substituição de exportação e a defesa de uma nova ordem econômica internacional nos anos 1960 e 1970. As mudanças no mundo, a descolonização, induzem a universalização da diplomacia brasileira no princípio dos anos 1960, com Jânio Quadros. O pragmatismo responsável, do Governo Geisel, é, em parte, explicado pela vulnerabilidade decorrente da crise do petróleo. Celso Lafer é, dos analistas contemporâneos, quem talvez apresente a mais abrangente, ainda que sintética, sugestão sobre o padrão histórico da diplomacia, a partir da noção de identidade nacional2.

A caracterização da continuidade permite elaborar referências sobre o alcance e a natureza das mudanças, afinal, essenciais para examinar qualquer argumento histórico. E, aqui, toca-se em um dos problemas centrais para caracterizá-la, já que não se repetem as situações históricas onde a continuidade é «aplicada», tanto porque o Brasil muda, tanto porque as circunstâncias internacionais mudam. Em alguns casos, o traço de continuidade aparece mais claro mesmo em situações diversas, como a aspiração à maior participação em processos decisórios (e o exemplo clássico seria a busca de um lugar permanente no Conselho da Liga e no Conselho de Segurança); em outros, a continuidade se transforma e ganha contornos novos, como no caso da política africana, que só ganha projeção efetiva quando abandonamos o apoio às posições de Portugal na ONU e aceitamos todas as conseqüências da ordem internacional aberta com o fim do processo de descolonização: é então que o «desejo» de aproximação com a África, desenhado nos anos 1960, tem condições de se realizar. A evolução da política comercial é interessante, porque está modulada pelas mudanças internas, e as tendências a mais abertura ou mais protecionismo, indicariam dificuldades específicas para caracterizar o que é contínuo. De uma atitude de defesa da «indústria nacional» nos anos 1950, com a Petrobras, e nos anos 1960 e 1970, com tarifas altas, proteções específicas como a lei da informática, evoluímos para a liberação comercial e privatização, que se consolidaram, ainda que com críticas e qualificações. A continuidade não significará, portanto, conservadorismo, atitudes imutáveis3.

Há duas observações adicionais que completam estas observações preliminares. Existe uma dimensão política da continuidade. É curioso que chanceleres que promoveram mudanças, como o próprio Rio Branco (no início do século) ou San Tiago Dantas (nos anos 1960), e mesmo presidentes, como Getúlio Vargas, prestaram, no plano do discurso, tributo à continuidade, como se esta reforçasse a legitimidade do que faziam, disfarçando de permanentes as mudanças de orientação que patrocinavam. O mesmo valeria para o Governo Sarney, com novo padrão de aproximação com a América do Sul, ou Fernando Henrique, que toma decisões que revertem tendências, como a assinatura do Tratado de Não Proliferação (TNP). Por isto mesmo, os momentos de ruptura, em que a mudança é simultaneamente real e simbólica, são raros. Jânio Quadros, com a política externa independente, e Castelo Branco, com o realinhamento com os Estados Unidos em seguida ao movimento militar de 1964, são os melhores exemplos do movimento. A política externa de Lula inverteria, especialmente no início do seu governo, a equação, porque anuncia, no plano do discurso, mudanças que, para muitos analistas, não seriam tantas no plano real. Porém, na seqüência, especialmente no segundo mandato, as mudanças ficam mais claras: uma de ênfase, com o reforço da política africana (que se coloca em outro patamar de engajamento) e da sul-americana; outras de presença internacional, com o fortalecimento de novas articulações Sul-Sul, como a reunião dos BRIC, o Fórum Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), as cúpulas com países árabes, com a Comunidade do Caribe (CARICOM), e outra ainda de atitude, marcada por maior protagonismo (a tentativa de mediar a questão iraniana se enquadraria na lógica da busca de maior e mais visível presença)4.

Esse interesse em sublinhar politicamente a continuidade deriva da própria natureza da presença internacional do Brasil. O país tem peso específico, derivado do território, da população, do oitavo lugar entre as economias mundiais e, como os outros «grandes» (os países-baleia na concepção de George Kennan), tem naturalmente muitas dimensões de presença, mas claramente é a diplomática que prevalece. Não fomos e não somos uma potência militar (as forças armadas estão voltadas para a dissuasão e missões de paz, não para projetar poder); não somos uma potência econômica plena (apesar de sermos o oitavo produto, ainda temos características de país em desenvolvimento), ou comercial (o nosso comércio internacional fica em torno de um por cento do global); não somos uma potência ideológica (no sentido de que tenhamos um modelo que deve ser usado como projeto hegemônico). Temos, sim, tradicionalmente uma presença diplomática nos negócios do mundo: a relação do Brasil com os «outros» tende a passar, quase sempre, pela negociação, pelo diálogo. Aliás, esse aspecto tem ficado claro, por exemplo, nas negociações comerciais, quando, apesar da modéstia na participação no comércio global, somos um dos principais players na OMC5.

Ora, em diplomacia, a continuidade é um trunfo, serve à credibilidade, pois o jogo diplomático é tecido por compromissos em que os lados supõem que serão cumpridos e a tradição de cumprimento trabalha a favor do Estado que a ostenta, agregando valor ao seu «poder de negociação». A valorização política da continuidade se justifica, portanto, porque a marca essencial de nossa presença no mundo é a diplomacia. E, uma diplomacia que tem, desde os primeiros anos da República, uma agenda ampla, balizada pelo que se pode chamar «cenários obrigatórios», ou seja, aqueles em que o país é forçado a atuar, tanto quando quer ser ativa, propor iniciativas, quanto age defensivamente quando as circunstâncias impõem. Essencialmente, os cenários obrigatórios são o sul-americano e o relacionamento com as Potências (com a prevalência da Grã-Bretanha no Império e dos Estados Unidos na República). Há um terceiro cenário, que é o multilateral, em que a obrigatoriedade é menor na República Velha (tanto que abandonamos a Liga das Nações), mas que se torna crescente, na medida em que é o espaço em que se realiza uma das aspirações essenciais da política externa brasileira, que é a de participar dos processos principais de decisão sobre a ordem internacional. Vamos olhar superficialmente para cada um deles, sabendo que, quanto mais nos aproximamos do presente, mais cenários se acrescentariam (o africano, o asiático, agora o caribenho, etc.), que começam eletivos e, em alguns casos, se tornam obrigatórios (o africano seria um exemplo).

 

OS CENÁRIOS DE ATUAÇÃO DIPLOMÁTICA

A AMÉRICA DO SUL

O aprendizado da diplomacia – e a inclinação para torná-la instrumento privilegiado de presença no mundo – começa no Império e se explica, em primeiro lugar, porque somos obrigados a lidar com muitos vizinhos, a partir de uma posição ambígua: somos os mais «fortes», mais «organizados» (como apregoam as lideranças imperiais), e simultaneamente relativamente isolados. A monarquia nos fortalece (ao preservar unido o espaço nacional) e, ao mesmo tempo, nos enfraquece, porque é fonte de atritos e fricção com os vizinhos. Isto exigirá, afastadas soluções de hegemonia (quer militar, quer ideológica), um exercício diplomático complexo e constante na América do Sul, que se torna sem dúvida um dos importantes legados do Império à República. Haverá outros, como o cuidado em lidar com as Grandes Potências, evitando engajamentos políticos ou jurídicos, e que são inspiração para o cuidado com que articulamos as relações com os Estados Unidos (salvo raros momentos de alinhamento).

Assim, é possível dizer que os traços da continuidade no cenário sul-americano nascem no Império e se consolidam nos primeiros anos da República, especialmente com a obra de Rio Branco. Como já indiquei, a primeira e mais clara é opção preferencial, quase exclusiva, pela diplomacia e outros meios pacíficos de solução de controvérsias. De fato, como fomos capazes de resolver os sempre complicados problemas de fronteira por meios diplomáticos ou arbitramento, consolida-se a atitude de que tais meios seriam os meios preferidos para a relação com os vizinhos6.

É com a matriz diplomática que se enfrentam os desafios tradicionais com que nos defrontamos, uma relação equilibrada com a Argentina, uma ação moderadora nos conflitos entre vizinhos, e cuidado para evitar que se unissem contra nós e mediações somente a pedido.

A Argentina, desde o Império, por razões políticas e com justificativa econômica (foi, até os meados do século XX, o país mais desenvolvido da região), atuava como «rival», em um processo que mais parecia um jogo de equilíbrio de poder, de molde europeu novecentista. No plano bilateral, o objetivo era o de manter o equilíbrio de poder, tanto militar (há mais de uma corrida armamentista ao longo do século XX), quanto de influência, especialmente nos foros multilaterais regionais (e, depois, globais) e nas relações com os vizinhos (Bolívia, Paraguai e Uruguai). No plano multilateral, as diferenças se repetem e, especialmente no âmbito regional, a Argentina tendia a defender posições latino-americanistas (seria o caminho para uma liderança regional) e, nós, as que reforçavam a aliança com os Estados Unidos. Para ficar em uns poucos exemplos: o Brasil resiste à tentativa argentina de transformar a Doutrina Drago em parte das normas interamericanas; a Argentina não apóia a pretensão brasileira a um lugar permanente no Conselho da Liga ou no Conselho de Segurança da ONU; a Argentina não aceita, no início dos anos 1940, a aliança que o Brasil preconiza com os Estados Unidos. A controvérsia sobre Itaipu terá sido o último dos conflitos bilaterais maiores e foi resolvido diplomaticamente.

Notável, neste percurso, é o fato de que a rivalidade não se transforma em confronto, nem impede que, em alguns momentos, ceda lugar à aproximação (as visitas de Roca e Campos Sales, a aproximação Janio-Frondizi, Sarney-Alfonsín, Fernando Henrique-Menen, Lula-Kirchner, etc.). De outro lado, o recurso à diplomacia, se previne escalada de conflitos, servirá também para institucionalizar soluções de cooperação e, neste sentido, os melhores exemplos são a superação do risco de uma corrida nuclear por um modelo único e inovador de cooperação, a Agência Brasileiro-Argentina de Controle de Materiais Nucleares (Abacc), estabelecida em 1991, e o Mercosul.

O processo de confiança, que abre espaço para a passagem da diplomacia negociadora para a diplomacia de cooperação ocorre, também, no plano das demais relações bilaterais, por motivos variados. Um dos exemplos marcantes é a cooperação em energia, com o Tratado de Itaipu com o Paraguai e o Acordo do Gás com a Bolívia. Cada processo terá a sua história e não é o caso de contá-la aqui7. Registre-se simplesmente que o marco da cooperação se desenvolve e se aprofunda quando se transforma o panorama ideológico que regula as relações entre os países latino-americanos e, de outro lado, com a intensificação das relações bilaterais, muito modestas, salvo no caso da Argentina, até os anos 1960. E assim se desenha a segunda vertente da continuidade8.

De fato, a diplomacia, como tal, poderia se limitar a evitar conflitos ou congelar situações de não conflito. Para ir adiante, seria necessário algum padrão comum de identidade. O primeiro foi a própria República que, ao ser proclamada, elimina a diferença fundamental que nos afastava dos vizinhos, o regime monárquico. A transformação da identidade republicana em ação diplomática é, porém, limitada. A tentativa de resolver as questões de fronteira com Argentina, movidas pelo entusiasmo dos primeiros dias republicanos, foi rejeitada pelo Congresso Nacional. A República abre as portas, mas não oferece caminhos claros de como ir adiante. Um dos problemas é que, até os anos 1950, para o Brasil, as idéias que tecem o quadro ideológico regional são essencialmente pan-americanas, o que significa que as propostas para o futuro, desenhadas pelas instituições multilaterais, contam necessariamente com o concurso americano (que, claro, como Potência hegemônica, se coloca como principal provedor de idéias). As alternativas latino-americanistas não teriam ainda capacidade mobilizadora suficiente, não ofereciam, em tese, as vantagens que a aliança não escrita com os Estados Unidos oferecia.

A situação começa a se alterar em meados dos anos 1950 no Governo de Juscelino Kubitsheck que lança a primeira iniciativa brasileira de alcance regional, a Operação Pan-Americana (OPA). Ainda que a referência fosse o marco continental e incluísse os Estados Unidos, a formulação seria latino-americana que, unida, apresentaria reivindicações ao «vizinho do Norte»9. A iniciativa não prospera, mas serve para iniciar novos padrões de aproximação do Brasil com os países latino-americanos, além de inspirar mais adiante a Aliança para o Progresso. Paralelamente, especialmente com a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), começamos a articular uma identidade própria como países em desenvolvimento, e, mais do que isto, articular uma plataforma comum para agir internacionalmente com vistas a desenhar mecanismos que facilitassem a superação do subdesenvolvimento. Assim se projeta a segunda marca de continuidade da política externa do Brasil na América do Sul: a promoção de esquemas de integração, que era uma das propostas centrais do pensamento cepalino. E, neste sentido, o Brasil é ativo promotor dos esquemas globais de integração [Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), Mercosul, União de Nações Sul-Americanas (Unasul)], como também dos subregionais, como o Tratado da Bacia do Prata, Tratado de Cooperação Amazônica, etc.

Finalmente, a atitude brasileira evitou sempre que fosse caracterizada como liderança, por várias razões, a principal tem sido o próprio reconhecimento de que a região é amplamente diversa e que tentativas de impor idéias, modelos de hegemonia, levaria a resistência e conflitos. A atitude se marca, em primeiro lugar, por relutância em intervir em conflitos entre vizinhos, e a regra tem sido só participarmos quando existe uma base institucional para fazê-lo (caso de Peru e Equador, em que somos garantes do tratado de 1942) ou quando existe uma solicitação das partes (como nos casos de Letícia e na Guerra do Chaco na década de 1930). As «intervenções», quando existem, tendem a ser discretas, em conversas diretas com as partes, sem intuitos diretos de mediação onde não existe apelo claro para tal10. Outro ponto importante é o fato de que não propusemos, em nenhum momento, modelos de comportamento que fossem além das fronteiras nacionais. Nunca advogamos, à maneira de Perón, uma Terceira Posição ou, como mais recentemente, um Socialismo Boliviariano que são soluções ideológicas que, pela própria natureza, tendem ao proselitismo11.

É evidente que, dado o traçado da continuidade, os seus modos de expressão variaram. A disposição para a cooperação com a Argentina, por exemplo, se realiza quando os dois países, nos anos 1980, se democratizam. As afinidades se tornam mais precisas, mais concretas. De outro lado, o alcance da «presença real» do Brasil na região se transforma de modo significativo nos últimos anos, em parte pelo aumento do comércio, dos investimentos e, em parte, pela intimidade que criam os dirigentes, impulsionada pela multiplicação de foros de encontro de alto nível. Há mais conflitos, especialmente na área econômica (disputas intra-Mercosul, nacionalização de investimentos brasileiros na Bolívia, etc.) que tem exigido, mantida a disposição para lidar diplomaticamente com os vizinhos, novos parâmetros de atuação. As diferenças ideológicas, dentro da região, também geradoras de controvérsias (Colômbia e Venezuela) são outro desafio para o Brasil, que, em regra, tem mantido abertos e em bom nível os canais diplomáticos com todos os vizinhos. Se há mais conflitos, há mais institucionalidade e relações concretas que servem, ao menos em tese, para atenuá-los e contê-los. O desafio é, no marco de diferenças, fortalecer um conjunto de instituições que garanta que as relações, reais e simbólicas, se aprofundem sem arestas.

 

AS RELAÇÕES COM OS ESTADOS UNIDOS

As relações com os Estados Unidos constituiriam, a partir da República, o segundo cenário de atuação obrigatória. Na verdade, para muitos autores, desenha-se com Rio Branco, o pivô do paradigma americanista, que balizaria os movimentos da ação externa do Brasil entre os primeiros anos da República e os anos 1960, quando a política externa independente de Jânio Quadros abriria um segundo modelo, o universalista12. O paradigma funcionaria como condicionante global do comportamento diplomático, mesmo para as relações com a vizinhança. Assim, argumenta-se que o limite para incrementar laços de associação na América do Sul estaria dado, entre outros fatores, pela desconfiança que, nos vizinhos, gerava a «aliança não escrita» com os Estados Unidos13. Isto alimentou as teses de que desempenharíamos um papel de instrumento dos Estados Unidos na região, que alguns qualificavam de «subimperialista». A noção não era compartilhada por todos, nem impediu que tivéssemos uma diplomacia ativa e boas relações com os vizinhos, como vimos anteriormente. De qualquer modo, para estabelecer um marco, é possível dizer que a tese do subimperialismo se torna gradualmente mais inconsistente, sobretudo a partir dos anos 1980, com a expansão democrática e os movimentos integracionistas na região. De outro lado, indagou sempre menos sobre de que maneira a solidez das relações do Brasil com os vizinhos afetaria a relação com os Estados Unidos, ou de que maneira poderiam somar, não chocar.

As relações com os Estados Unidos se situam em um «eixo assimétrico», para usar uma expressão de Rubens Ricupero14. Não lidávamos com vizinhos relativamente iguais, e sim com uma Potência Mundial. Isto tem dois significados imediatos: os Estados Unidos comandam interesses econômicos (se tornam o maior investidor do Brasil nos anos 1920) e comerciais (o maior parceiro desde os primeiros anos do século XX) e, de outro lado, são provedores de ideologia com o pan-americanismo e, mais tarde, com a liderança do Bloco Ocidental durante a Guerra Fria. Outro dado é o de que, por serem uma Potência Mundial, exerceram hegemonia no continente, inclusive com intervenções armadas, e, como definiram, em boa medida, a agenda internacional global, a relação com os Estados Unidos transcende o plano meramente bilateral e terá implicações sobre o modo como lidamos com a América Latina e as questões multilaterais.

Em sua versão inicial, o paradigma americanista sugeria as seguintes constantes: uma aliança ideológica na defesa do pan-americanismo e apoio às causas multilaterais dos Estados Unidos traria, em contrapartida, uma «proteção dos Estados Unidos» contra intervenções de Potências extracontinentais e apoio nos negócios com os vizinhos, além de vantagens econômicas. A aliança neutralizaria, por exemplo, o apoio dos Estados Unidos às empresas norte-americanas que poderiam explorar a borracha no Acre, tendo facilitado a negociação de um tratado com a Bolívia, que nos garantiu o domínio daquele território em 1903. Os Estados Unidos nos apoiaram em demandas específicas nas negociações de Versalhes ao fim da I Guerra Mundial (recompensa pelo café retido na Europa, compensação por navios afundados pela Armada alemã, etc.) e, mais tarde, em São Francisco quando se criam as Nações Unidas. Haveria, como indicam os historiadores, dois movimentos no marco da aliança não escrita. O primeiro, representado por Nabuco (nosso primeiro embaixador em Washington), sublinharia as afinidades ideológicas, porque, afinal, estaríamos ligados ao que seria um modelo de uma nova civilização; de outro lado, na visão de Rio Branco, a ideologia teria os limites do interesse concreto e, mais, da própria liberdade que deveríamos garantir para definir como víamos a ordem internacional.

No plano multilateral, ao longo do período, há momentos de distância e outros de aproximação. Um dos primeiros testes ocorre na Conferência da Haia em 1907, quando defendemos a igualdade soberana dos estados na constituição de um corte internacional de justiça e de um tribunal de presas, em contraposição aos Estados Unidos que preferiam escolhas pré-determinadas para alguns países. As decisões sobre o nosso comportamento na Haia não foram fáceis, já que o embaixador em Washington preconiza alinhamento com os norte-americanos e argumentava com as desvantagens da distância ideológica. É sintomático que tenhamos nos oposto no plano global (e isto se repetirá, com freqüência na ONU) quando as diferenças de lugar na hierarquia de poder condicionam freqüentemente as opções sobre modos de definir instituições e práticas na ordem global. Em contrapartida, fomos parceiros constantes dos Estados Unidos no plano regional, ao ponto de aceitarmos, mesmo, com Rio Branco, as implicações do corolário Roosevelt, que servia como capa para legitimar intervenções dos Estados Unidos na América Central e no Caribe. Apoiamos os Estados Unidos na resistência à que se consagrasse, no âmbito do sistema interamericano, a regra da não intervenção, que só será consagrada nos anos 1930, com a Política da Boa Vizinhança.

A aliança se sustentava, essencialmente, em dois pilares, a identidade pan-americana e a convergência de interesses. Há variações na afinidade pan-americana, mas é possível dizer que prevalece até os anos 1960. Há momentos de hesitação, quando Getúlio insinua aproximação com o Eixo nos anos 1930, e momentos de clara aliança, quando enviamos tropas para lutar na fase final da II Guerra Mundial. Foi o momento da «eqüidistância pragmática», na expressão de Gerson Moura. É interessante mencionar que a aliança com os Estados Unidos, quando se expressa plenamente, não é movida simplesmente por afinidades ideológicas, mas incorpora um elemento de barganha, que se exprime na obtenção de créditos e materiais para a construção da primeira grande siderúrgica brasileira, Volta Redonda.

Com a Guerra Fria, a afinidade ideológica continua, mas a dimensão de interesse fica abalada, ainda ao final dos anos 1940, especialmente pelas frustrações decorrentes das vantagens simbólicas e materiais que se imaginou poderiam derivar de nossa presença no conflito. Na conferência de São Francisco, que cria a ONU, não se realiza, apesar do apoio inicial (depois retirado) dos Estados Unidos, a aspiração a um lugar permanente do Conselho de Segurança; não se realiza a assistência econômica, que se imaginava poderia favorecer a industrialização do país.

Com a Guerra Fria, modifica-se a lógica da aliança. Em primeiro lugar, como indiquei, o Brasil começava a criar identidades que iam além do pan-americanismo e, ao aparecer como país em desenvolvimento no cenário internacional, nos afastávamos das premissas liberais defendidas pelos Estados Unidos nos foros da ONU (especialmente a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a UNCTAD). De outro lado, movimentos internos, especialmente os do nacionalismo econômico (com a criação da petrobras), geravam outras linhas de distanciamento ideológico dos Estados Unidos. O país se tornava mais complexo e o padrão ideológico dos Estados Unidos era insuficiente para as nossas aspirações e para compreender os movimentos internos de uma sociedade que se diversificava. De outro lado, apesar do peso econômico dos Estados Unidos, a tendência à diversificação de parceiros começa a se delinear, com a integração latino-americana, com o aumento dos investimentos europeus no Brasil, etc.

Um terceiro fator são as aspirações de autonomia que, de uma maneira ou outra, se chocam com as disposições hegemônicas dos Estados Unidos. Esse processo tem dois momentos, o primeiro quando se constitui o paradigma universalista com a política externa independente: deixaríamos de ser um mero aliado dos Estados Unidos, para ser uma «ponte» entre o Ocidente e os países do Terceiro Mundo. Continuávamos ocidentais, mas com liberdade de estabelecer relações com os países socialistas, de acompanhar as demandas dos países em desenvolvimento, etc. As divergências atingem seu momento culminante quando, entre 1961 e 1964, divergimos dos Estados Unidos nas votações sobre a expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Depois, entre 1964 e 1967, o alinhamento foi abrangente, e seria um pilar da legitimidade do movimento militar, que se auto-enquadrava na luta anticomunista, liderada pelos Estados Unidos. Mas, pouco depois, já em meados dos anos 1960, rearticula-se um projeto de autonomia, que, apesar do guarda-chuva do anticomunismo e do apoio, inclusive financeiro, oferecido aos governos militares pelos norte-americanos, colecionam dificuldades com os Estados Unidos, todas derivadas da disposição de autonomia (decretação de 200 milhas de mar territorial, recusa a assinar o TNP, acordo nuclear com a Alemanha, além dos problemas de direitos humanos). Era um projeto de autonomia, diferente do que prevaleceu nos anos 1960, este mais voltado para a solidariedade com o Terceiro Mundo, abertura para a África, prestígio do multilateralismo, etc.

A idéia da aliança com os Estados Unidos se diluiu gradualmente e é substituída por um complexo jogo de interesses econômicos, comerciais, políticos, culturais, de segurança, que vai comandar os movimentos de aproximação e distância. Com o fim da Guerra Fria, o problema da identidade ideológica passa a ser também um problema dos Estados Unidos, que começam a exercer uma hegemonia capenga, sem o ingrediente do discurso universal e mobilizador. Os interesses localizados passam a ditar as orientações políticas naqueles temas em que se pede exatamente o discurso universal, como meio ambiente, direitos humanos, comércio internacional, entre outros. O que se acentua, então, nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos, é o distanciamento em vários temas, ao mesmo tempo em que, no plano mais geral, algumas afinidades ideológicas «básicas», especialmente em torno da defesa da democracia, não desaparecem. Não há só distância e as relações pessoais entre as autoridades são exemplares, próximas mesmo, ainda quando vejam o mundo de perspectiva muito diferente (caso de Bush e Lula). Além disto, abre-se perspectiva para alguma cooperação em áreas como biocombustível, em forças de paz, como no caso do Haiti.

Quanto aos elementos de distância, no plano exclusivamente bilateral, são vários os contenciosos econômicos, com a característica de que correm todos em leito diplomático, submetidos a juízo na OMC15. No plano regional, nos afastamos da maior proposta que os Estados Unidos fazem para o continente, que é a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). O afastamento não se dá por razões ideológicas, mas, essencialmente, porque, para uma economia complexa como a brasileira, a oferta norte-americana (especialmente em agricultura) era modesta diante do que demandavam (abertura em serviços, garantias em propriedade intelectual, etc.). Finalmente, as diferenças nos temas da agenda global são inúmeras, tanto no plano da segurança (caso do Iraque e, mais recentemente, Irã), quanto dos valores (perspectivas diferentes em matéria de direitos humanos), do comércio (diferenças de estratégia na Rodada Doha), e do meio ambiente (Estados Unidos demandam maior participação do Brasil nas metas de eliminação dos fatores que geram o aquecimento global).

Talvez sejam as relações com os Estados Unidos as que observem a maior variação dentro da constante, desenhada por Rio Branco e Nabuco. Essencialmente, as vantagens «concretas» que derivariam da adesão ideológica foram desaparecendo, tanto pelas mudanças na própria natureza da hegemonia ideológica, quanto pela complexificação do jogo de interesses, globais, regionais e bilaterais. Apesar disto, é interessante assinalar que, mesmo no auge das disputas bilaterais, que coincidiria com o Governo João Goulart, não há, da parte das autoridades estatais, uma exploração retórica de antiamericanismo. E, agora mais recentemente, as divergências sempre são apresentadas num marco de bom entendimento bilateral. De outro lado, a vulnerabilidade histórica na área financeira, que dava aos Estados Unidos margem para pressão, também desaparece.

Além disto, o apoio dos Estados Unidos, seja na América do Sul ou na Europa, que estava na origem do paradigma, deixa de fazer sentido na medida em que o Brasil cria, a partir dos anos 1970, modos próprios de relação com os parceiros latino-americanos e europeus. É evidente que, dada a sua influência universal, mesmo aqueles modos podem ser «qualificados» pelas relações com os Estados Unidos e dois exemplos podem esclarecer: o uso de bases militares colombianas pelos Estados Unidos foi um fator que «perturbou» as relações bilaterais com aquele país ou o conflito norte-americano com Chávez teve repercussões quando o Brasil pretendeu vender aviões para a Venezuela. No caso da Europa, o lançamento da ALCA é um fator que estimula a aproximação com a América do Sul e o esforço de negociar um acordo de livre comércio com o Mercosul.

O que há, portanto, de contínuo nas relações com os Estados Unidos? Primeiro, a própria relação, na medida em que a atitude que tomamos em relação aos Estados Unidos é sempre um dado importante para definir orientações da política externa brasileira, ainda que gradualmente o peso da variável norte-americana diminua. Idealmente, deixaria de ser uma referência prevalecente, para tornar-se uma variável relevante, como outras. Há que indicar, porém, que a variável americana talvez ainda tenha mais peso sociológico do que diplomático pura (na medida em que tal conceito seja aceitável). Para os setores sociais que se interessam pelas questões internacionais, uma das principais medidas de avaliação e julgamento da política externa é justamente o grau de alinhamento com os Estados Unidos, a contraposição entre alinhamento e nacionalismo, para simplificar. Em segundo lugar, na definição da atitude diante de Potências, o Brasil, desde meados do Império, prefere a cautela à adesão. É verdade que, em alguns momentos, a afinidade ideológica com os Estados Unidos se torna alinhamento, mas é raro que o alinhamento tolha a medida de conflito ou divergência de interesses16. Como vimos, mesmo durante a II Guerra Mundial, a aliança vem qualificada por busca de interesses específicos. E, na Guerra Fria, salvo no período 1964-1967, a aliança sempre teve o mesmo tipo de limites. Finalmente, é possível especular que o que se tenha buscado é alguma estabilidade no relacionamento que combine a intensidade das relações (em várias dimensões), com afinidades ideológicas (hoje, a democracia), com espaço para que as divergências de visão do mundo sejam aceitáveis e não escalem.

A pergunta é, olhando para a história, que fatores podem afetar o curso de estabilidade conseguido. Não existiriam, no horizonte previsível, hipóteses que, do lado dos Estados Unidos, afetassem a relação, quer na direção de mais conflito (como a América do Sul não é uma área de ameaça estratégica, as divergências localizadas sobre segurança, como na questão iraniana, afastam os dois países, mas não sugerem confrontação), quer na direção de mais aproximação. Ou melhor, as possibilidades, neste caso, adviriam de soluções de nós negociadores em comércio ou meio ambiente, para ficar em dois exemplos. Mas, os processos abertos são de longo prazo.

 

A ATITUDE MULTILATERAL

Passemos, agora, ao terceiro cenário obrigatório, que é o do universo multilateral. O sentido do obrigatório é diferente dos anteriores, já que estes foram impostos pela geografia: quando começa a República, a diplomacia brasileira contava com um amplo acervo de conhecimento de como tratar dos vizinhos e das Potências. No Império, nas poucas tentativas que houve, no plano latino-americano, de reuniões multilaterais, o Brasil esteve ausente. Não estivemos representados também na Conferência da Haia de 1899.

A mudança de atitude vai ocorrer, inicialmente no marco continental, no último ano do Império quando designamos representantes para a conferência pan-americana, convocada pelos Estados Unidos em 1889, e mantivemos a delegação, ainda que com outra chefia, quando se proclama a República. Inicia-se, então, a série de conferências interamericanas e a terceira, em 1906, se realiza no Rio de Janeiro. Era «obrigatória» a nossa presença em reuniões que regulariam as relações continentais, especialmente as relações entre os Estados Unidos e a América Latina. Não por acaso um dos objetivos de Rio Branco era «multilateralizar» o monroísmo, que constituía a essência da plataforma ideológica dos Estados Unidos para a América Latina e, do ângulo de muitos vizinhos, especialmente da Argentina, era visto como instrumento ideológico de uma atitude intervencionista e hegemônica.

Porém, interessa chamar a atenção para a atitude brasileira no multilateralismo global, que justamente com as conferências da Haia começa se definir. Se não fomos à primeira, fomos à segunda – e com uma representação de alto nível político, chefiada por uma das personalidades mais importantes da vida pública brasileira, Ruy Barbosa. Ali, em 1907, aparecem, em embrião, dois elementos que definem fatores de continuidade na atitude do Brasil em foros multilaterais: a noção de que tínhamos naturalmente condições de participar no debate das regras que regulariam a convivência entre os estados (fossem as de soluções pacíficas de controvérsias, fossem as de modos de coibir a guerra, que constituíam a essência da agenda da Haia) e, não menos importante, a necessidade de que o mundo multilateral fosse regido por normas que abrissem a participação, que dessem sentido verdadeiramente universal ao processo deliberativo.

Inicia-se, então, uma clara preferência pela atitude multilateral que, praticamente sem recuos (salvo o abandono da Liga), caracteriza a política externa brasileira desde então. Evidentemente, a atitude não é exclusiva do Brasil e é fácil explicar porque a adotamos. Para um país com limites de poder, que tinha vantagens regionais (extensão territorial, maior peso econômico, relações de baixo ou nenhum conflito com vizinhos) e, ao mesmo tempo, pelo próprio tamanho, tinha ambição de participar dos negócios do mundo, o multilateralismo era o canal natural de expressão. De outro lado, na medida em que o multilateralismo se expande em foros e temas, começa a afetar interesses concretos do Brasil. Ou seja: o multilateralismo, ao ordenar o relacionamento entre os estados, pode criar modos de governança que repercutiriam negativamente sobre a possibilidade de participar no desenho de regras para a ordem internacional (como seria o caso de uma corte internacional de justiça com a hegemonia de juízes das Potências ou, mais tarde, como foi a instituição dos membros permanentes e do veto no Conselho de Segurança) ou pode afetar diretamente interesses concretos e específicos (foi no âmbito do Tratado de Paz de Versalhes que se discutiu a indenização que a Alemanha devia ao Brasil pelos navios afundados no Atlântico). Por uma razão ou outra, a aspiração de participar se torna necessidade, especialmente depois que se cria a ONU.

A primeira manifestação «forte» da vontade de participar se dá no final quando manifestamos, de forma clara, a disposição de obter um lugar permanente no Conselho da Liga. Estávamos no Conselho desde a sua criação, como membro eleito, e, quando se propõe, em virtude do Tratado de Locarno, que a Alemanha entre na Liga e como membro permanente, o Brasil chega a vetar a entrada da Alemanha em 1926 e, depois, pressionado, abandona a organização no ano seguinte. O episódio ensina sobre os limites da vontade em um universo de poder, mas o que interessa ressaltar é as justificativas que o discurso diplomático brasileiro apresenta para a candidatura. O que credenciaria o país à condição de membro permanente?

No multilateralismo, a igualdade da condição para participar é a regra. Assim, quando um país quer «mais», alguma credencial deve oferecer (como foi o caso dos vitoriosos na II Guerra Mundial). Ora, a demanda do Brasil na Liga se deparou com o problema das credenciais e, em ocasiões diferentes, várias foram apresentadas: a de que as Américas estavam ausentes e deveríamos ocupar o lugar que tinha sido originalmente previsto para os Estados Unidos, que representaríamos o continente latino-americano, que as nossas dimensões nos qualificavam, etc. A flutuação é sintomática do que, para o Brasil, naquele momento, seria o problema central: com que bases participar, com que credenciais nos diferenciaríamos para conquistar, dentro da igualdade, a vantagem que a instituição oferecia (o lugar permanente no Conselho)? Também fica claro, naquela ocasião, que a idéia de representar o continente, agir em nome dos latino-americanos, não era bem aceite pelos vizinhos.

Existe uma terceira dimensão de continuidade e, esta sim, se constituirá gradualmente um dos fatores que comporá as credenciais para que, mais adiante, com a ONU, renovemos a aspiração à condição de membro permanente do Conselho, que é a combinação de «dimensão» com serviços prestados ao multilateralismo. A fidelidade aos ideais passa a ser o pivô da reivindicação. De fato, o que tem caracterizado a atitude multilateral é a intensidade e abrangência da participação, marcada por disposição conciliatória. A atitude se acentua com a ONU, mas vem de antes. Um dos exemplos mais conhecidos acontece com a proposta da cláusula facultativa da jurisdição obrigatória, sugerida por um brasileiro, Raul Fernandes, e que permitiu que se fechasse a negociação para a criação da Corte Permanente de Justiça.

Assim, fomos o país que, ao lado do Japão, mais períodos serviu, como membro eleito, no Conselho de Segurança. Temos enviado soldados às operações de paz, desde Suez em 1956. Enviamos contingentes importantes para Angola e para o Timor, e agora para o Haiti. Defendemos soluções negociadas para as crises internacionais e tivemos papel ativo, como os painéis chefiados pelo então embaixador Celso Amorim, no esforço para que os inspetores da ONU voltassem ao Iraque em 1999. Fomos ativos na criação de grupos, como o G77, que agregava interesses e abria espaço para os países em desenvolvimento. Nas questões de desarmamento: propusemos a criação de uma zona de paz para o Atlântico Sul e, depois de assinar o TNP, temos atuado com empenho nas negociações quinqüenais de revisão daquele tratado. Recentemente, propusemos uma Iniciativa contra a Fome e defendemos um relatório geral sobre direitos humanos, que abrangesse todos os países.

De certa forma, a participação se reforçava na medida em que nos colocávamos no mainstream da legitimidade internacional. Houve poucos desvios: no tempo dos governos militares, nos afastamos do Conselho de Segurança, embora estivéssemos ativos nos temas econômicos e comerciais; outro tema que nos isolou foi o apoio à posição de Portugal na defesa das províncias ultramarinas, que só superamos, quando finalmente se tornaram independentes nos anos 1970. Neste sentido, a democratização nos anos 1990 criou as condições para que assinássemos os pactos de direitos humanos e do Tribunal Penal Internacional e, mais adiante, já no Governo Fernando Henrique, aderíssemos ao TNP.

A continuidade está caracterizada, portanto, pela atitude de prestigiar o multilateralismo (que abriria as portas para a participação nas decisões sobre a ordem internacional) e, como conseqüência, a disposição de atuação crescente em praticamente todos os temas da agenda internacional (seremos, talvez, entre os países em desenvolvimento o que maior número de diplomatas terá em Genebra, Nova York e Viena). Em alguns temas, como meio ambiente, o nosso peso é óbvio. Daí, a naturalidade da aspiração à condição de membro permanente do Conselho de Segurança. Ainda que seja difícil e possa tardar a solução para a reforma do Conselho, ninguém questiona as credenciais brasileiras, para que venha a ocupar uma cadeira permanente ou, em outra hipótese, ganhe a possibilidade de um mandato longo.

 

OUTROS ESPAÇOS

Não foram tratadas, neste ensaio, outras áreas importantes para a ação diplomática brasileira. Exatamente por sua abrangência e tendência universalista, mantemos relações importantes com os países europeus (desde o século XIX) e com a África, relações que, neste caso, se aprofundam na seqüência do movimento de descolonização nos anos 1960. Esses movimentos têm sua lógica, ganharam alguns a condição de cenário obrigatório de nossa ação externa, mas, neste ensaio curto, não é o caso de rever a sua história e as suas constantes.

Lembremos simplesmente que as relações com os países europeus sempre tiveram peso para o Brasil. A Grã-Bretanha manteve longa hegemonia econômica e comercial, que começa no Império e só vai se enfraquecer com a ascensão econômica dos Estados Unidos e, nos anos 1950, com a diversificação do parque industrial brasileiro com recursos alemães e italianos. Mais adiante, nos anos 1990, são os espanhóis e portugueses que aproveitam a onda de privatização e estabelecem base no Brasil. É verdade também que as relações com os europeus têm densidade e vão muito além do econômico. Sem mencionar Portugal que está na base da nacionalidade, sublinharíamos a importância da influência cultural da França ou da Itália (esta com peso dos emigrantes, especialmente em São Paulo), as afinidades de perspectivas em inúmeras questões multilaterais (que levaram a que o Brasil, em 2007, assinasse um acordo de parceria estratégica com a União Européia). Há alguma constante no relacionamento? Diferentemente do que ocorre com a relação com os Estados Unidos, com os europeus, nos últimos cinqüenta anos, não existem atritos maiores e o objetivo constante tem sido o de ampliar o relacionamento tanto político quanto econômico. Ou melhor: os atritos, como os derivados da política agrícola comum, estão «controlados» em trilhos multilaterais, no caso, a OMC. Do ângulo político, a expectativa seria tornar a Europa um interlocutor em processos que abririam a ordem internacional para acolher outros pólos de poder17.

As relações com a África também têm se ampliado, especialmente, como indiquei, depois de que «pagamos» a hipoteca do apoio ao colonialismo português. A constante tem sido buscar formas de aproximação, que correspondam à importância da África na formação da cultura brasileira. A constante é a «expansão», que passou por uma fase política inicial (reconhecimento do Governo do MPLA em 1975, apoio às posições anti-apartheid, envio de tropas para a UNAVEM), depois uma fase diplomática (com abertura de várias embaixadas naquele continente, movimento que se reforçou muitíssimo nos anos do Governo Lula e temos hoje cerca de trinta missões diplomáticas na África, além de dois escritórios de cooperação técnica) e, finalmente, a fase da cooperação (que incorpora tanto investimentos, com algum tipo de subsídio para construção de infra-estrutura quanto modos clássicos de cooperação técnica, de que o melhor exemplo é a instalação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) em Acra.

 

CONCLUSÕES

É possível propor, de maneira esquemática, algumas conclusões:

• Existem claras marcas de continuidade no comportamento diplomático brasileiro, embora seja necessário aprofundar a própria noção de continuidade e buscar caracterização mais precisa para que valha como referência analítica e possa ser trabalhada historicamente. De outro lado, a continuidade é quase sempre valorizada politicamente. Interessa entender porquê.

• Os processos de transformação e adaptação (a mudanças internas ou internacionais) tendem a ser graduais. Momentos de ruptura, anunciados em discurso, são raros, mas ocorreram com a política externa independente de Jânio, a interdependência de Castelo Branco, o pragmatismo responsável de Geisel e, em certa medida, no Governo Lula.

• Outro elemento permanente é a tendência a ampliar espaços. A política é mais expansiva do que cíclica (abertura e fechamento), orientada tradicionalmente a buscar ampliar parcerias e participação nas questões de ordem internacional.

• As razões estruturais da continuidade fundamental – a preferência por diplomacia na América do Sul – se ligariam a condições derivadas da própria lógica diplomática (o fato de que temos dez vizinhos e é preciso evitar confrontos, etc.), além de que seríamos um país «geopoliticamente satisfeito» e não ganhamos com atritos. Haveria outros: o fato de que nunca tivemos conflitos sociais de gravidade que induzisse governantes a buscar em conflito externo fonte de legitimidade; o fato de que temos uma burocracia diplomática estruturada e com prestígio interno; a necessidade de que tenhamos tranqüilidade regional para levar adiante qualquer pretensão de presença global...

• As transformações (mais ou menos graduais) nos padrões de continuidade derivariam de fatores variados, alguns internos (diversificação econômica e necessidade de atitude mais reivindicativa no plano internacional); democratização (que leva a atitude mais positiva em relação a direitos humanos); ou de fatores externos (o fim da Guerra Fria amplia a margem de manobra em diversos temas e permite aprofundar mecanismos subregionais de articulação diplomática).

• As rupturas obedecem igualmente ora a fatores internos (o movimento militar de 1964 e a necessidade de afirmar lealdade ao Ocidente leva a que se reveja a política em relação a Cuba, algumas posições multilaterais, etc.), ora a fatores externos (o isolamento internacional do Brasil durante os governos militares forçam, ainda em sua vigência, a tentativa de rever posições em relação a temas como Oriente Médio, apartheid, etc.).

• No marco da permanência, se as rupturas são raras, menos raras são as diferenças de estilo diplomático, que se revelam em praticamente todos os presidentes, mesmo quando as condições estruturais não variam (por exemplo: o ativismo de Arthur Bernardes e a passividade internacional de Washington Luiz; as diferenças entre os governos militares, que vão, com os Estados Unidos, do alinhamento de Castelo Branco ao desafio de Geisel).

• A resultante «desejada» das constantes terá sido a conquista de autonomia diplomática, maior liberdade de manobra nos negócios do mundo e, nesse sentido, as constantes foram um elemento da conquista da autonomia. O desafio que continua a existir é sempre o de saber de que forma avançamos na autonomia e que traços de continuidade nos reforçam nesse projeto.

 

NOTAS

* O presente artigo resulta da comunicação proferida nos XVII Cursos Internacionais de Cascais realizados entre 21 e 26 de Junho de 2010 no Centro Cultural de Cascais, e organizados pela Câmara Municipal de Cascais e pelo IPRI – UNL.        [ Links ]

1 Agradeço a Luiz Felipe Seixas Correa e a Benoni Belli os comentários sobre o texto, que permitiram enriquecê-lo e aprimorá-lo.

2 Este texto se valeu muito do livro de LAFER, Celso – Identidade Nacional. São Paulo: Perspectiva, 2004. Valeu-se ainda da ampla bibliografia sobre história diplomática, que recentemente aparece no Brasil, com os livros de Amado Cervo, Clodoaldo Bueno, Eugenio Vargas, Leticia Pinheiro, Maria Regina Soares de Lima, Monica Hirst, Moniz Bandeira, e outros.         [ Links ]

3 Uma das vantagens da diplomacia brasileira é o fato, que apontava o ministro Saraiva Guerreiro, de que não fomos dominados por «problemas específicos», que mobilizassem todos os esforços diplomáticos numa mesma direção e que obrigassem a repetição permanente de posições, como ocorre com os países que têm reivindicações territoriais insatisfeitas.

4 Não se vai aprofundar a análise da diplomacia do Governo Lula, que, para os historiadores, coloca desafios conceituais, e o primeiro é justamente de saber até que ponto há traços de continuidade, qual o alcance da ruptura, se é conjuntural ou se é expressão de uma nova posição do Brasil no mundo, etc.

5 Isto se deve, em parte, de nosso peso em alguns produtos, especialmente commodities, e, também, pela complexidade e dimensão da nossa economia, que nos permite ter algo a dizer em praticamente todos os temas da Rodada Doha, como antes na Rodada Uruguai. Ora, essas são condições reais que foram, porém, valorizadas exatamente pela tradição da diplomacia brasileira no GATT e, agora, na OMC.

6 A diplomacia imperial lida com soluções militares na fronteira sul (Guerra da Cisplatina, intervenções no Uruguai, conflito com Rosas e Uribe, Guerra da Tríplice Aliança). Porém, ficaram, de uma certa maneira, congeladas no passado e não se tornaram modelo para atuação, desde o fim da Guerra do Paraguai que, aliás, não trouxe nenhum ganho territorial para o país.

7 Há um único episódio de rompimento de relações diplomáticas: a Venezuela aplica a chamada doutrina Betancourt e suspende as relações depois do golpe militar de 1964. As relações consulares foram mantidas e, poucos anos depois, plenamente restauradas.

8 É sintomática da atitude tradicional a conferência que Heitor Lyra, embaixador influente e formado nos anos 1930, pronuncia nos anos 1950, quando apresenta os pilares da política brasileira na América do Sul, ainda marcada por atitude essencialmente defensiva: a «política de limites», voltada para a preservação das fronteiras; a «política de equilíbrio», destinada a preservar o papel proeminente do Brasil, através do bloqueio das iniciativas de unidade hispânica; e a «política de intervenções», orientada contra o surgimento de lideranças ameaçadoras, capazes de aglutinar os estados vizinhos ou fomentar a instabilidade interna. Cf. MAGNOLI, Demétrio – O Corpo da Pátria. São Paulo: Editora da UNESP, 1997, p. 223.        [ Links ]

9 Uma das tendências históricas era atuar seletivamente com os vizinhos. Exemplos são as tentativas de acordos ABC (Argentina, Brasil e Chile), tentados por Rio Branco e, mais tarde, durante o Governo Vargas. Também não prosperaram.

10 A tendência natural é buscar, especialmente em conflitos de fronteira, mediadores ou árbitros fora da região. Isto valeu no passado, quando foram árbitros, para a questão de Palma com a Argentina, o Presidente Cleveland, dos Estados Unidos, e a do Amapá, o Presidente da Confederação Suíça. Mais recentemente, é o papa João Paulo II que será o mediador para a questão de Beagle, entre o Chile e a Argentina. Tradicionalmente, vizinhos não são mediadores preferidos, exatamente porque teriam, quase sempre, alguma vantagem a auferir em função do resultado da arbitragem. Isto talvez explique o cuidado brasileiro na crise das «papeleras» entre a Argentina e o Uruguai ou a discrição quando buscou atenuar conflitos e atritos, originados pelo Presidente Chávez.

11 Os governos militares fizeram movimentos de cooperação no «combate ao comunismo», mas, pela própria natureza, ficaram mais na esfera da clandestinidade. E, as «afinidades ideológicas» nos anos 1970, sobretudo, não trouxeram «afinidade diplomática». Ao contrário, a rivalidade com a Argentina se exacerba e as relações com o Chile de Pinochet não se ampliam.

12 Para uma análise dos modelos e referências bibliográficas pertinentes, cf. PINHEIRO, Letícia – Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, especialmente p. 77.         [ Links ]

13 A expressão é do historiador Bradford Burns, em um livro clássico, The Unwritten Alliance (Nova York: Columbia University Press, 1966).         [ Links ]

14 RICUPERO, Rubens – VISÕES DO BRASIL. Rio de Janeiro: Record, 1995.        [ Links ]

15 Houve, na década de 1980, contenciosos graves com os Estados Unidos, com ameaças de aplicação de sanções unilaterais, em virtude da Lei de Informática e em casos de propriedade intelectual de patentes farmacêuticas. Cf. VIGEVANI, Túlio – O Contencioso Brasil-Estados Unidos da Informática – Uma Análise sobre a Formulação de Política Exterior. São Paulo: Alfa Omega e Edusp, 1995.        [ Links ]

16 O alinhamento não é necessariamente imposto, mas responde a interesses de grupos que «ganhariam» com a parceria. É curioso que, em algumas ocasiões, mesmo no auge do alinhamento, ou não aceitamos demandas importantes para os Estados Unidos (como o envio de tropas para a luta na Coréia) ou divergimos de propostas apresentadas em foros multilaterais (especialmente na área econômica, tanto no Governo Dutra, nas reuniões de Havana para negociar um órgão de comércio, quanto nos foros da ONU). Também é curioso assinalar que, em certas circunstâncias, fomos além dos Estados Unidos na luta anticomunista, quando se baniu o Partido Comunista Brasileiro, em 1947, aliás contra o conselho americano, mas por razões de política interna.

17 É evidente que, se olhamos padrões de votação na ONU, haverá diferenças específicas em algumas áreas, como direitos humanos, desarmamento, etc. Cf. o capítulo, «A União Européia e a América Latina nas Nações Unidas: possibilidades de ação conjunta». In FONSECA, Gelson – O Interesse e a Regra. São Paulo: Paz e Terra, 2008, pp. 243-263.        [ Links ]