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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.35 Lisboa set. 2012

 

Portugal: país-arquipélago. Contributo para a definição de um conceito estratégico1

Portugal: archipelago country. Contribution to a strategic concept definition for the 21st century

 

António Costa e Silva

Professor universitário. Presidente da Comissão Executiva do Grupo Partex Oil and Gas.

 

RESUMO

O objetivo deste artigo é propor uma visão estratégica para Portugal enfrentar o século xxi. Esta visão estratégica baseia-se nos grandes desafios que o mundo de hoje enfrenta e da necessidade de o mar voltar a desempenhar um papel central no pensamento geopolítico português.

Palavras-chave: Portugal, mar, conceito estratégico, geopolítica

 

ABSTRACT

This article seeks to present a strategic vision to Portugal facing the 21st century. This strategic vision is founded on the current great challenges and on the recognition of the sea to present a central role in the Portuguese geopolitical thinking.

Keywords: Portugal, sea, strategic concept, geopolitics

 

Enfrentemos a época, tal como ela se nos apresenta.

Shakespeare, Cimbelino

Portugal atravessa hoje grandes dificuldades do ponto de vista político e económico que são o resultado de más decisões políticas e estratégicas tomadas nas últimas três décadas, agravadas pela crise económica e financeira que atingiu os Estados Unidos e a Europa na sequência da falência do banco norte-americano Lehman Brothers, em 2007. Quando olhamos hoje para a situação na Europa a melhor forma de a descrever reside no célebre pensamento de Pascal: «Quand tous vont vers le débordement nul n’y semble aller.» Nesta Europa do desatino, onde Portugal se integra, a crise é muito mais do que uma crise financeira e económica. É uma crise de exaustão, de falta de vontade, de inércia e de falta de confiança. É por isso que as respostas não podem ser apenas económicas e financeiras. Têm de ser respostas políticas, culturais e estratégicas, numa altura em que parece cada vez mais longínqua a asserção de Hegel: «A quem olhar para o mundo com racionalidade, o mundo, por sua vez, irá apresentar um aspeto racional. A relação é mútua.»

Neste contexto, qual é a relação mútua de Portugal com o mundo? É imperioso também para Portugal definir um caminho para sair da encruzilhada em que está e fazer face aos desafios do mundo de hoje. O objetivo deste artigo é propor uma visão estratégica para Portugal enfrentar o século xxi. Esta visão estratégica não se pode alhear dos grandes desafios que o mundo de hoje enfrenta e da necessidade de o mar voltar a desempenhar um papel central no pensamento geopolítico português.

 

ENQUADRAMENTO: O MAR, OS RECURSOS E A GEOPOLÍTICA

A CHINA, O JAPÃO E A CRISE DAS TERRAS RARAS

O século xxi vai continuar a ser marcado pela luta intensa pelo controle das matérias-primas estratégicas. Se dúvidas houvesse elas dissiparam-se em setembro e outubro de 2010 quando na sequência de uma disputa marítima entre a China e o Japão, a China suspendeu a exportação de terras raras para o Japão. As terras raras são um grupo de 17 elementos que têm um lugar particular na Tabela Periódica de Mendeleiev e muitos destes elementos como o neodímio, o disprósio e os lantanídeos, são cruciais para a indústria eletrónica de alta precisão. O Japão capitulou em vinte e quatro horas porque a China é o maior produtor e exportador mundial de terras raras (controla mais de 90 por cento do mercado) e a sua decisão agressiva arriscava-se a paralisar a indústria eletrónica japonesa de alta precisão. Este incidente é apenas um microcosmos do que pode acontecer no século xxi com a intensificação da luta por recursos cada vez mais escassos desde os recursos minerais e energéticos até à água e aos recursos alimentares. Vivemos num mundo em que 21 países, com cerca de 700 milhões de pessoas, estão com dificuldades crescentes de acesso a água potável e onde mais de mil milhões de pessoas passam fome. Vivemos num mundo em que assistimos à erosão crescente dos equilíbrios geopolíticos e económicos tradicionais com os efeitos da globalização, o crescimento de ameaças à escala planetária e a intensificação da luta pelos recursos.

 

A EVOLUÇÃO DA GEOPOLÍTICA, DA ECONOMIA E OS DESAFIOS À ESCALA GLOBAL

Neste contexto, as transformações registadas ao nível da geopolítica, da economia e do desenvolvimento tecnológico combinadas e interligadas com os efeitos da globalização, estão a conduzir ao declínio do Estado-Nação, à emergência de novos atores não estatais, à transferência sem precedentes de recursos financeiros dos países consumidores para os países produtores de matérias-primas e em especial de petróleo e gás natural. A crise global do sistema capitalista acentua-se com a emergência de uma espécie de «desordem financeira e económica global» exponenciada por ameaças sem precedentes como a ameaça climática, o terrorismo, a pirataria, a proliferação nuclear, a emergência de estados falhados, o colapso da ordem em várias partes do globo. A figura 1 resume a encruzilhada do mundo de hoje, caracterizado por uma espécie de padrão de «catástrofe múltipla», e a necessidade de se encontrarem respostas.

 

Figura 1

Para onde vai o século xxi?

 

Por outro lado, as transformações que estão a atingir a economia e o sistema energético internacional estão a provocar movimentos sísmicos de consequências imprevisíveis. Até há muito pouco tempo podíamos dizer que o retrato da situação global do planeta residia no seguinte: os mil milhões de pessoas que habitavam nos países da ocde produziam três quartos do pib mundial e consumiam mais energia primária do que os cerca de 5500 milhões de pessoas que habitavam no resto do mundo. Já não é assim: em 2008, pela primeira vez na História, o consumo de energia primária dos países não ocde ultrapassou o dos países da ocde e o ícone dessa transformação é a China. Em 2009, a China consumiu 2250 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep), quatro por cento acima do consumo de energia primária dos Estados Unidos. Nove anos antes, em 2000, os Estados Unidos consumiram mais do dobro da energia primária da China. Esta mudança tectónica ocorrida em apenas nove anos é reveladora das grandes transformações que estão em curso no nosso planeta e que afetam a matriz energética e o sistema económico.

Os grandes desafios que o século xxi vai colocar têm a ver com múltiplas vertentes que estão sumarizadas na tabela 1.

 

Tabela 1

Desafios à escala global

 

Uma coisa é certa: com o ritmo da expansão económica e do crescimento demográfico, a pressão sobre os recursos vai aumentar e é necessário encontrar respostas que assegurem a sustentabilidade da vida no planeta. A raça humana demorou duzentos e cinquenta mil anos a atingir os mil milhões de pessoas mas demorou apenas doze anos a passar dos cinco para os seis mil milhões de pessoas e demorou mais doze anos a passar dos seis para os sete mil milhões de pessoas. Em termos do desenvolvimento económico as últimas décadas têm registado um ritmo sem precedentes na História: em 1950 o pib mundial era de cinco triliões de dólares e sessenta anos depois o pib era dez vezes maior. Como assegurar os recursos para dinamizar o desenvolvimento económico e ao mesmo tempo alimentar e transportar uma população que não cessa de crescer?

 

UMA RESPOSTA ESTRATÉGICA: O PAPEL DOS OCEANOS E EM PARTICULAR DA BACIA ATLÂNTICA

Uma das respostas estratégicas para a magnitude dos desafios é a mineração dos oceanos. Este movimento partiu da indústria petrolífera que já há algumas décadas faz a exploração e produção de recursos marinhos, mas esta resposta tem também suscitado algumas interrogações. Omar é um componente vital do clima da Terra, a interação entre o oceano e as nuvens é essencial para o equilíbrio do planeta e a mineração dos oceanos tem de ser regulada para evitar a degradação ambiental e assegurar a sustentabilidade na exploração dos recursos.

A grande revelação na exploração dos recursos marítimos tem sido a bacia atlântica cuja morte tinha sido prematuramente anunciada por múltiplos analistas. Nos últimos anos, a Bacia Atlântica revelou descobertas de petróleo e gás impressionantes no golfo do México, no offshore das Guianas francesa e Holandesa, no deep offshore do Brasil e no outro lado do Atlântico, no golfo da Guiné, no offshore do Gana, no delta do Níger, no deep offshore de Angola. Uma das grandes revelações foi a descoberta feita pela Petrobrás de recursos petrolíferos de grande magnitude em formações do pré-sal no offshore do Brasil. Esta nova província petrolífera estende-se por mais de oitocentos quilómetros de extensão desde a bacia de Campos, até à bacia de Santos e ao litoral de Santa Catarina no Sul. As reservas estimadas podem ir até 80 ou 90 mil milhões de barris de petróleo, o que significa a descoberta de um novo Kuwait em pleno Atlântico Sul. Há uma nova ordem energética a emergir no oceano Atlântico e, pela primeira vez desde há muitas décadas, pode existir um novo contrapeso ao poder e à influência dos países do Médio Oriente no sistema energético internacional. Se o escritor norte-americano Mark Twain fosse vivo podia hoje dizer que a notícia da morte do oceano Atlântico foi um pouco exagerada.

O impacto desta reemergência do oceano Atlântico como província energética é significativo: 91 por cento das reservas de petróleo localizadas no offshore no mundo estão no oceano Atlântico. A produção hoje do deep offshore já é cerca de oito milhões de barris por dia (mb/d), o que representa cerca de dez por cento da produção mundial. Metade desta produção, cerca de quatro mb/d corresponde ao Brasil e a Angola. O offshore à escala global contém cerca de 30 por cento das reservas de petróleo do mundo e cerca de 35 por cento das reservas de gás. Até ao ano 2000 existiam apenas cerca de 40 campos de petróleo em produção no mundo no offshore com lâminas de água de mais de 500 metros; hoje existem mais de 160 campos, o que representa um crescimento considerável, quatro vezes em apenas doze anos.

As consequências geopolíticas da reemergência da bacia atlântica são muito importantes para o funcionamento do sistema energético internacional. O oceano Atlântico pode ser uma plataforma crucial para o fluxo das matérias-primas e da energia; o papel dos recursos do offshore vai tender a crescer; as rotas energéticas e comerciais vão intensificar-se no Atlântico e as consequências para Portugal podem ser múltiplas atendendo à excelente posição geográfica do país.

 

VANTAGENS COMPETITIVAS DA BACIA ATLÂNTICA

O papel de toda a bacia atlântica pode ser ainda mais valorizado porque é um oceano aberto e sem os problemas de estrangulamento que condicionam os fluxos energéticos da Península Arábica, em particular através do estreito de Ormuz. Pelo estreito de Ormuz circulam diariamente cerca de 18 milhões de barris de petróleo que correspondem a 86 por cento do petróleo importado pelo Japão, 82 por cento da Coreia do Sul, 42 por cento da China, 21 por cento dos Estados Unidos e 20 por cento do petróleo importado pela Europa. É por isso que o encerramento do estreito de Ormuz pode ter consequências muito danosas para a economia mundial porque pode significar a paralisação da economia japonesa e sul-coreana e a semiparalisação da economia chinesa, europeia e norte-americana. Acresce a este facto a ameaça que a pirataria em toda a costa da Somália, no golfo de Áden e no mar de Omã, representa para os fluxos energéticos que vêm da Península Arábica. A emergência de um Estado falhado na Somália potenciou as condições para o crescimento exponencial da pirataria que ameaça todos os fluxos na zona. No ano de 2005 ocorreram três dezenas de ataques piratas a navios na costa da Somália mas em 2010 os ataques piratas subiram para 284. O facto de o oceano Atlântico ser um mar aberto, sem estrangulamentos e o facto de a pirataria ser quase residual, embora existam preocupações grandes com a situação no delta do Níger, pode dar vantagens significativas ao fluxo energético na bacia atlântica.

 

A GEOPOLÍTICA DO ÁRTICO

A evolução da geopolítica do Ártico tem mostrado que as cinco nações envolvidas – Rússia, Canadá, Dinamarca, Noruega e Estados Unidos – estão numa corrida pelo controlo dos recursos do Ártico onde residem 25 por cento do petróleo e gás por descobrir no planeta. Além disso, o degelo que se regista no polo Norte, onde a temperatura tem aumentado duas vezes mais rapidamente que no resto do planeta e é hoje 3,5º C acima do que se registava há cem anos atrás, pode ter consequências importantes nas rotas comerciais e energéticas possibilitando a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico através das chamadas passagem Nordeste e passagem Noroeste. Um superpetroleiro russo acompanhado de dois submarinos nucleares fez pela primeira vez o percurso da passagem Nordeste em 2010. É importante que as outras nações atlânticas saibam compreender os desenvolvimentos em curso para que as rotas energéticas e comerciais do Atlântico Sul e Norte tenham um novo impulso no século xxi e não venham a ser marginalizadas pelas mudanças em curso no Ártico, onde o equilíbrio do gelo está ameaçado, sendo que o recuo e desaparecimento de grandes massas dos glaciares significa que a temperatura tende a aumentar porque o gelo reflete o calor e a sua ausência acelera o aquecimento.

 

O MAR NO CENTRO DO PENSAMENTO GEOPOLÍTICO DA CHINA

Finalmente é útil enfatizar que o mar está hoje no centro do pensamento geopolítico da China. Pela primeira vez desde há séculos, a China definiu-se a si própria como uma potência marítima e decidiu projetar a sua força estratégica nos oceanos. A China é um país continental, que tem uma grande debilidade estratégica: uma saída para o mar relativamente limitada e controlada pela Armada dos Estados Unidos. Por isso é significativo este regresso do mar ao pensamento geopolítico chinês. Desde que o almirante Zheng He, no século xv, comandou as últimas grandes viagens da Armada chinesa, a China encetou a seguir um período de séculos encerrada sobre si própria. Este regresso da China ao mar vai condicionar toda a evolução geopolítica no século xxi. Os dirigentes chineses anunciaram que a sua estratégia de projeção da força da China no mar será feita a longo prazo e a partir do que as autoridades chinesas chamam as três cadeias de ilhas: a primeira cadeia envolve o espaço até ao arco representado pelo Japão, Taiwan e Filipinas; a segunda envolve o espaço até ao arco das ilhas Sacalinas até ao Sudoeste do Pacífico; a terceira cadeia de ilhas envolve o espaço que vai das ilhas Aleutas ao longo do Meridiano Internacional de Mudança de Data. Não há nada de ilegítimo na ascensão naval da China. Como fez notar Robert Kaplan1: «À medida que os interesses económicos do país se expandem dramaticamente, assim a China expande a sua influência militar, e em particular a sua Marinha, para zelar por esses interesses.» Isto aconteceu assim no passado com a Inglaterra no século xix ou com os Estados Unidos antes da I Guerra Mundial.

A ascensão naval chinesa insere-se num movimento de viragem do país para o exterior que começou em 1990 quando o Presidente Jiang Zemin encorajou as empresas estatais chinesas a atuarem na arena internacional na busca de recursos naturais. Como nota Elizabeth Economy2 isto levou a um aumento explosivo do comércio da China com os países ricos em recursos naturais da Ásia, da América Latina e da África, que cresceu 600 por cento entre 2001 e 2007. E acrescenta: «À medida que o povo chinês muda o seu modo de vida e a gestão da economia, isso tem um impacto profundo no resto do mundo.» A viragem da China para o mar foi evidenciada em 2005, quando o país começou a procurar uma maior presença no oceano Índico na sequência da grande campanha nacional de celebração das comemorações dos feitos do almirante Zheng He que nas primeiras décadas do século xv, quando os portugueses iniciaram a grande aventura dos Descobrimentos, sulcou os mares da China até à Indonésia e depois o oceano Índico até ao Sri Lanka e ao golfo Pérsico.

Em abril de 2010, o almirante chinês Zhang Huachen explicitou a mudança em curso da estratégia naval chinesa3:

«Nós vamos passar da defesa costeira para a defesa mais distante no mar profundo. Com a expansão dos interesses económicos do país, a Armada chinesa quer proteger melhor as vias de transporte e assegurar a segurança das principais rotas marítimas.»

No entanto, a ascensão que parece imparável da China na cena internacional irá ser pontuada por crises e retrocessos porque um crescimento económico mais lento do que se tem verificado nos últimos anos, arrastará problemas sociais e políticos. A economia chinesa pode não ser tão robusta como parece e a estabilidade política do país, alimentada pelo crescimento de dois dígitos, pode revelar-se precária noutras circunstâncias. Alguns autores como George Friedman4 consideram que «a China é o Japão com esteroides», isto é, a China não é apenas um Estado asiático que valoriza as relações sociais mais do que a disciplina económica, é também um Estado comunista que atribui dinheiro e recursos politicamente, manipula dados económicos e, acima de tudo, o modelo de crescimento é muito questionável e não se sabe se de facto gera lucro e faz crescer a economia. Na década de 1980, o Japão era um motor de crescimento e dizia-se que ia ultrapassar os Estados Unidos mas isso falhou claramente porque as taxas de crescimento do Japão eram insustentáveis e quando o crescimento caiu o Japão enfrentou uma enorme crise bancária que se estendeu durante décadas.

De qualquer forma o regresso da China ao mar é um facto geopolítico marcante, o controlo dos mares que é hoje exercido pelos Estados Unidos vai ser disputado e a formulação feita em 1890 pelo teórico militar e almirante americano Alfred Thayer Mahan5 de que o poder para proteger as frotas mercantes tem sido o fator determinante da história do mundo, mantém-se mais atual do que nunca e vai influenciar profundamente a história do século xxi.

 

OS PILARES ESTRATÉGICOS PARA PORTUGAL

Todo este enquadramento revela o conjunto de tendências que estão a marcar o pensamento geopolítico internacional e que acentuam a relação entre o mar, a geopolítica e os recursos. É neste contexto que deve ser feita a articulação de um conceito estratégico para Portugal no século xxi, tendo em conta a excecional qualidade do recurso geográfico do país, localizado no centro da bacia atlântica e no cruzamento de três continentes.

Portugal atravessa uma situação muito difícil e para sair dela é preciso resolver o curto prazo mas com uma perspetiva de futuro. Um dos erros mais frequentes na gestão das crises é deixarmo-nos devorar pelo curto prazo e adotar medidas avulsas sem um pensamento e um plano integrado. Não se pode negligenciar a dimensão estratégica e geopolítica que o país tem de ter para construir um caminho para o futuro.

Nos últimos trinta anos as elites políticas que governaram o país cometeram erros estratégicos que nos conduziram à situação em que estamos. Há trinta anos o país pescava a maior parte do peixe que consumia, hoje importa 70 por cento. Há trinta anos o País tinha uma indústria de construção naval que era referência no mundo, hoje tem um fantasma. Há trinta anos o País produzia riqueza a partir do mar, hoje a Bélgica que tem 100 quilómetros de costa, produz três vezes mais e a Dinamarca, com metade da população, produz seis vezes mais, como enfatiza Tiago Pitta e Cunha na sua obra Portugal e o Mar6. Os erros estratégicos pagam-se muito caro, às vezes com o sacrifício de gerações inteiras. Uma questão crucial é compreendermos que o País só pode voltar a ter sucesso se elaborar uma geopolítica, se definir uma política de alianças e se valorizar os seus recursos e os puser ao serviço dessa visão. Há uma constante na história de Portugal: sempre que o País se virou para o mar prosperou, sempre que abandonou o mar definhou. Grande parte das nossas elites políticas têm a ideia errada de que o País não tem recursos. Isto ignora para começar o maior de todos os recursos que Portugal tem: a sua posição geográfica no cruzamento de três continentes, quando o oceano Atlântico está a ressurgir com uma formidável sucessão de descobertas energéticas que vão marcar o século xxi e quando a ampliação do canal do Panamá e o projeto ferroviário da China de ligar as duas margens da Colômbia, vai aumentar ainda mais o comércio na bacia atlântica. Hoje, 90 por cento do comércio mundial faz-se por mar e seguir o comércio é seguir a riqueza. Como explicitou o historiador Felipe Fernández-Armesto (citado por Robert Kaplan7), através da história as rotas marítimas tiveram uma primazia muito maior do que as rotas terrestres porque elas transportam bens e mercadorias de uma forma muito mais económica. Ao longo da história as potências marítimas foram quase sempre mais ricas do que as potências não marítimas, como Tucídides8 evidenciou na sua História da Guerra do Peloponeso ao comparar Esparta com Atenas, que detinha um porto, uma frota marítima e uma marinha para a proteger. Com o advento da globalização no século xv esta verdade impôs-se de forma ainda mais radical e contribuiu para a emergência da tese de Alfred Thayer Mahyan9 de que quem controla os mares controla o mundo. A análise do domínio de Portugal e Espanha sobre os mares do mundo nos séculos xv e xvi reforçou esta leitura: o domínio do mar abre o caminho para o comércio por via marítima, o transporte marítimo é sempre mais barato e mais eficaz e as potências marítimas, como aconteceu com Portugal nos séculos xv e xvi, definem também as regras do comércio e bloqueiam as regras dos outros moldando o sistema internacional de trocas e abrindo períodos de prosperidade sem precedentes. É evidente que hoje o País não é nem virá a ser uma potência marítima mas o mínimo que se exige é que use a sua rede de portos para criar ainda mais riqueza e que use a história «não só como um acervo de conhecimentos, mas também como uma maneira de pensar»10. Portugal tem de conseguir neste século aproveitar de novo a sua posição geográfica como antes fez D. João II, o nosso maior governante, que elaborou uma geopolítica e um modelo estratégico que vigorou por cinco séculos. Com a extensão da Zona Económica Exclusiva (zee), o território sob jurisdição portuguesa aumenta quarenta vezes quando comparado com o território continental. Portugal passará a ter uma área similar à da Índia e se conseguir projetar esta Índia marítima no Atlântico, com os pilares cruciais que são a Madeira e os Açores, pode construir um projeto vencedor: articular toda a sua rede de portos com as rotas comerciais e as rotas energéticas. Esta combinação – portos mais comércio mais energia – é uma combinação que tem tudo para ganhar.

Quando se discute em Portugal a necessidade de o país se virar para o mar e potenciar todos os recursos que possui existe sempre alguma relutância. Isto tem raízes históricas como diz Tiago Pitta e Cunha:

«A ignorância ou forte relutância dos decisores políticos nacionais em reconhecer o valor estratégico e económico do mar para Portugal, e por consequência em fomentarem a sua exploração, está tão radicada no sistema político português das últimas décadas que não será muito exagerado dizer-se que ele é o resultado como que de uma alergia epidérmica à propaganda do Estado Novo, ou seja, uma rejeição, consciente ou até inconsciente, do invólucro ideológico em que o anterior regime envolveu a questão do mar durante várias décadas.»11

A esta rejeição inconsciente costumam juntar-se hoje dois argumentos que importa escalpelizar.

O primeiro advoga que hoje, na situação em que o País está, «temos que ser realistas» implicando isso que olhar para o mar é ser «irrealista». Este argumento não colhe: o mar é a coisa mais realista que Portugal tem e a viragem para o mar não pode deixar de começar pela coisa mais realista, do ponto de vista económico, que é a rede portuária nacional cuja integração e ligação às regiões autónomas, a sua otimização e especialização e o reforço da inserção nas rotas comerciais e energéticas internacionais, dinamizadas com a revitalização da bacia atlântica, pode constituir uma das saídas para a crise que se vive no País. Os «realistas» em Portugal combinam sempre a defesa do status quo com o fatalismo e a resignação e, escorados na sua pretensa visão «pragmática» e «racional» fecham as saídas para o futuro mesmo quando elas estão debaixo do nariz.

O outro argumento é de ordem jurídica: não podemos fazer nada com o mar porque algumas cláusulas do Tratado de Lisboa (em particular a cláusula 3), podem ser interpretadas como a perda da soberania dos estados europeus sobre o seu espaço marítimo. A este argumento junta-se o facto de a Comissão Europeia ter exprimido a intenção de formular uma política para o «mar europeu». São argumentos importantes mas o que se deve deduzir daqui é que o País não pode cometer duas vezes o mesmo erro estratégico e abandonar hoje um recurso crucial como é o mar, justificando-se com a legislação europeia, como ontem abandonou as pescas, a agricultura, os estaleiros navais e outros segmentos que criavam riqueza no País, com a justificação da «entrada na Europa». Se a entrada na Europa significa a decapitação de fontes essenciais da riqueza nacional é porque algo vai mal no Reino da Dina marca. É indispensável que o projeto europeu, que é um grande projeto em que Portugal deve estar, se regenere e se redefina porque ele deve ajudar os países a respirar e não a asfixiá-los. Jean Monet dizia que quando a Europa tem um problema e não o consegue resolver a solução é «alargar o contexto».

A figura seguinte (figura 2) resume os seis pilares para uma nova ideia estratégica para Portugal. Nos pontos seguintes cada um dos pilares será explicitado e analisado. O conjunto dos seis pilares está articulado de forma a potenciar o recurso geográfico do país, a valorizar a sua inserção na bacia atlântica, a desenvolver um modelo para mapear e explorar os seus recursos endógenos em particular no offshore, a transformar o País e a sua zee numa plataforma giratória para os fluxos energéticos e comerciais, a atuar como uma porta entre o Atlântico Norte e Sul valorizando toda a sua rede de portos no Continente, nos Açores e na Madeira, a desenvolver um modelo que transforme o País numa plataforma tecnológica moderna e, finalmente, a colocar as Forças Armadas Portuguesas no centro do novo Conceito Estratégico.

 

Figura 2

Os seis pilares da nova ideia estratégica para Portugal no século xxi

 

O PRIMEIRO PILAR

O primeiro pilar radica no conceito estratégico para o País no século xxi que deve ser o conceito de país-arquipélago. Com a extensão da zee Portugal vai ter a maior mancha de sulfuretos polimetálicos do mundo, a sul dos Açores. Vai ter crostas de níquel, cobalto, ferro e magnésio. Vai ter campos hidrotermais com ocorrências de cobre, zinco, chumbo, ouro e prata. O mapa da figura 3 mostra os recursos identificados na zee portuguesa fruto dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do projeto liderado pela Estrutura da Missão para a Extensão da Plataforma Continental (emepc) integrada no Ministério da Defesa Nacional.

 

Figura 3

A zee e os recursos identificáceis (emepc)

 

O controlo de matérias-primas estratégicas vai marcar a geopolítica deste século, como se percebeu na crise entre a China e o Japão em 2010, quando as exportações chinesas de terras raras, metais de alta tecnologia, foram canceladas e a indústria eletrónica japonesa de alta precisão paralisou. Para realizar este programa de aproveitamento das matérias-primas estratégicas é essencial atrair investimento estrangeiro e a aliança de Portugal com países como a Alemanha e os Estados Unidos para produzir os seus recursos minerais marítimos, criar um novo polo de desenvolvimento e gerar riqueza, tem pernas para andar. Os reflexos deste projeto no fortalecimento do know-how nacional, dando um novo fôlego aos programas de Investigação e Desenvolvimento e à aliança das empresas com as universidades, não são despiciendos.

 

O SEGUNDO PILAR

O segundo pilar assenta na valorização do deep offshore português que nunca foi explorado para mapear potenciais reservas de petróleo, gás e hidratos de metano. Há duzentos milhões de anos atrás, quando existia um continente único antes da abertura e formação do oceano Atlântico – a Pangea e depois o supercontinente Gondwana – Portugal estava ligado aos grandes bancos do Canadá no que é hoje a Terra Nova. Há similaridades geológicas profundas entre o deep offshore português e a Terra Nova onde foram feitas importantes descobertas de petróleo e gás como as ocorridas na bacia de Jeanne d’Arc, nos campos de Hibernia e Terra Nova, que têm mais de mil milhões de barris de petróleo de reservas. Acresce a isto que a empresa norte-americana Pecten perfurou em 1985 um poço no offshore português que evidenciou indícios de petróleo com a mesma composição e características do descoberto no Canadá. Estes factos criam um quadro atrativo para a exploração do offshore português, a par da similaridade que também existe com a geologia do offshore da Mauritânia, onde já foram feitas descobertas.

A aliança com o Brasil e a Noruega para o desenvolvimento de um plano para o offshore português e a criação de um polo de desenvolvimento, caso se confirmem descobertas, pode ser um marco para o futuro. A assinatura que o Governo português efetuou, em outubro de 2011, do contrato com a Repsol para explorar o offshore do Algarve é importante. O País demorou dez anos a assinar este contrato depois de o Governo português ter lançado um concurso internacional em 2001 ganho pela Repsol, o que é uma ilustração clara da nossa incompetência política e estratégica. Acontece que há uma continuidade geológica entre o golfo de Cádis, onde a Repsol descobriu o campo de gás de Poseidon, e o Algarve. Se a probabilidade de existirem reservas de gás no offshore do Algarve se confirmar, Portugal pode iniciar a produção doméstica deste recurso com tudo o que isso representa para diminuir a sua fatura energética e melhorar a balança comercial, para além das consequências que poderá ter ao nível do aumento da segurança energética do País e da criação de um modelo para a geração elétrica e térmica baseado em recursos endógenos. O desenvolvimento de atividades de pesquisa no deep offshore deve ser aproveitado pelas autoridades para criar e reforçar o sistema nacional de monitorização dos impactos ambientais de todas as operações a conduzir no offshore incluindo a circulação de petroleiros que já hoje ocorre com muita intensidade, em particular em torno do cabo de São Vicente.

É ainda importante o país desenvolver uma iniciativa estratégica para identificar o potencial do chamado gás de xisto (shale gas). Este shale gas é gás que ficou retido na rocha-mãe, as reservas descobertas no mundo, em particular nos Estados Unidos, no Canadá, na Argentina e na China são apreciáveis e Portugal tem potencial para a ocorrência deste recurso na bacia lusitaniana (em particular nas argilas marinhas do Cretácico Inferior); na zona ibérica central (em particular nos carvões e argilas do Paleozoico); na zona de Ossa Morena no Alentejo (em particular nas argilas do Paleozoico); e no Algarve (em particular nas argilas marinhas do Devónico e do Carbonífero).

 

O TERCEIRO PILAR

O terceiro pilar estratégico visa potenciar a Península Ibérica como plataforma giratória dos fluxos energéticos com a Europa. Portugal tem uma apreciável capacidade de armazenamento de gás se otimizar a utilização dos domas salinos e das estruturas diapíricas que existem espalhadas pelo continente, em particular a Norte do Tejo no polígono localizado entre a Figueira da Foz, Rio Maior, Leiria e Lisboa; a sul do Tejo, com os anticlinais e domas salíferos de Pinhal Novo, Montijo, Sesimbra, e, na região algarvia, com os domas e alinhamentos salíferos de Portimão, Albufeira, Loulé, Faro, Arrifes e Tavira.

Acresce a isto o facto de 50 por cento da capacidade de receção de gás natural liquefeito (lng) da Europa se localizar na Península Ibérica. Ficam assim reunidas condições para, com visão estratégica, se transformar a Península Ibérica numa plataforma giratória dos fluxos energéticos com a Europa valorizando a Bacia atlântica e diminuindo a dependência da Rússia e de fornecedores instáveis. Este projeto é estratégico para a Europa que se viu confrontada, em 2006, 2007 e 2009, com cortes brutais no abastecimento de gás da Rússia o que deixou populações sem energia no pico do inverno, em vários países do Leste europeu. A ligação das redes energéticas ibéricas ao resto da Europa é crucial e a criação de um mercado Spot ibérico do gás é possível e pode dinamizar ainda mais a fachada atlântica do País.

 

O QUARTO PILAR

O quarto pilar visa potenciar o recurso geográfico de Portugal no centro do Atlântico e no cruzamento dos três continentes. Como disse Morris West: «A Geografia é a determinante primária do nosso destino.» A geografia de Portugal pode ser um recurso considerável no século xxi. Com a ampliação do canal do Panamá, o projeto ferroviário chinês de ligar as duas margens da Colômbia (do Pacífico e do Atlântico) e a reemergência da bacia atlântica como uma grande província energética, os fluxos comerciais e energéticos vão crescer ao longo de toda a bacia e o reforço da rede de portos nacionais, a sua interligação com as regiões autónomas e a sua especialização, pode conferir vantagens competitivas ao País, localizado no centro do Atlântico e numa zona nevrálgica das rotas que ligam a América do Sul e Central à Europa, o Atlântico Norte ao Atlântico Sul e este ao Mediterrâneo. O porto de Sines é um excelente porto de águas profundas, ao nível dos melhores do mundo, e apesar dos avanços recentes, o volume de tráfego tem um potencial de crescimento ainda grande, o que pode refletir-se nos outros portos portugueses. Os portos europeus transportam por ano cerca de 3,5 mil milhões de toneladas de mercadorias, 350 milhões de passageiros e geram 20 mil milhões de euros de receitas. Portugal pode captar um volume muito mais elevado do tráfego de mercadorias e passageiros e fazer mais-valias consideráveis se souber otimizar a sua rede de portos, reforçar o excelente trabalho feito nos últimos anos e não cometer erros estratégicos. Uma questão central que pode ter reflexos notáveis na economia do País é que uma rede de portos eficientes potencia um setor exportador mais forte.

 

O QUINTO PILAR

O quinto pilar estratégico visa potenciar o papel de Portugal como plataforma tecnológica moderna. O País tem dez milhões de habitantes e tem características específicas que o transformam numa plataforma de ensaio para novas tecnologias. A aliança entre as empresas tecnológicas nacionais e multinacionais tecnológicas que querem testar as suas tecnologias antes de as libertarem para o mercado global, pode dar ao País um ímpeto importante em termos da Investigação e Desenvolvimento, construção de redes de conhecimento e inserção nas redes internacionais mais inovadoras. O conceito de país-laboratório para ensaio e teste de novas tecnologias, em articulação com companhias multinacionais, pode dar a Portugal vantagens competitivas em áreas como as energias renováveis, as nanotecnologias, as cidades inteligentes.

O movimento para mudar as cidades, criar cidades mais atrativas, menos poluídas, com melhor qualidade do ar, menos dependentes dos combustíveis fósseis, mais sustentáveis do ponto de vista energético, com edifícios mais eficientes, com semáforos que funcionem com díodos (led), com menos desperdício, com sistemas de transportes públicos mais eficazes e baseados na eletricidade e com incentivos para a crescente «hibridização» e «eletrificação» do parque automóvel, começou nos Estados Unidos (Fenix no Arizona ou Houston no Texas são um exemplo) e está a tomar conta do mundo. As poupanças a longo prazo que derivam da criação de cidades atrativas conferem vantagens competitivas apreciáveis. Novas soluções para o ambiente, para o sistema de transportes, a sustentabilidade e o planeamento do território, as telecomunicações e as tecnologias de informação e a sua aplicação a redes inteligentes de energia e transporte podem criar condições para o desenvolvimento das empresas tecnológicas que existem e gerar mais start-up partindo do teste das soluções tecnológicas para engendrar uma nova onda de empreendedorismo e inovação no País. Questões cruciais a ter em conta devem incluir a aliança do mercado das tecnologias com a qualidade, o desenvolvimento de um modelo equilibrado que permita a colaboração frutuosa entre as multinacionais e as empresas portuguesas para estas não serem marginalizadas, a criação de condições para o florescimento das pme’s, a ajuda à internacionalização das empresas e a criação dos seus canais de distribuição. É ainda crucial reformar os mecanismos dos fundos de capital de risco do Estado e encontrar formas eficazes de ultrapassar as dificuldades de financiamento das empresas. A abertura do mercado de capitais às pme’s incluindo as tecnológicas é crucial porque o País só pode crescer gerando mais riqueza e são as empresas, não o Estado, que o farão. A atração e mobilização da diáspora pode dar ainda mais sustentabilidade e dinâmica a todo este processo.

A inovação tecnológica pode ser um estímulo poderoso para o desenvolvimento da economia e essa ideia crucial é tão antiga como a Via Ápia dos romanos. A Via Ápia, um sistema sofisticado de transportes para o seu tempo, foi um acelerador do comércio e da riqueza de Roma. O século xxi vai vivenciar a emergência de inovações tecnológicas fulcrais no sistema de transportes (a Via Ápia moderna), na energia, na exploração dos recursos marinhos, na robótica, nas tecnologias da informação, na organização das cidades e os países que forem capazes de criar instituições de qualidade para lidar com estes desafios vão ter sucesso neste século. Portugal tem hoje um sistema científico desenvolvido, fruto do investimento e das políticas corretas seguidas na última década, tem uma rede de universidades e centros de investigação bem equipados, tem uma geração de cientistas bem preparados que estão ao nível dos melhores do mundo. Oque é preciso é encontrar mecanismos capazes de transformarem este potencial em novas empresas e em geração de riqueza para o país. A aliança com algumas multinacionais tecnológicas e a criação de instituições nacionais que ponham em ação aquilo que, segundo o diretor do mit, William Bonvillian12 , é a essência dos sistemas de inovação (inspirada nas lições do projeto darpa, a Agência Americana da Defesa para os Projetos de Investigação Avançada, criada pelo Presidente Eisenhower e que é responsável por invenções extraordinárias que converteram o exército americano no mais sofisticado do mundo do ponto de vista tecnológico), pode capitalizar com ganhos claros e sem precedentes, aquilo que o País já hoje tem. No fundo, é uma questão de organização dos recursos de forma eficaz para produzir resultados de excelência. Os «realistas» dirão que isto não é possível. Eu direi que tem de ser possível.

 

O SEXTO PILAR

O sexto pilar visa potenciar o papel das Forças Armadas Portuguesas como centro do Novo Conceito Estratégico através da promoção da cooperação com a nato e articulação com países aliados e amigos, entre eles o Brasil, Angola e outros, para o reforço da segurança no Atlântico Sul. As Forças Armadas Portuguesas podem funcionar como interface para as operações de segurança e fiscalização da zee portuguesa, participar no mapeamento dos recursos, auxiliar e intervir para evitar atos de pirataria, encetar colaboração com o Brasil e Angola para reforçar a segurança no Atlântico Sul e cooperar com os países do Magrebe para manter a estabilidade e a segurança nos mares e monitorizar os fluxos comerciais e energéticos em toda a área.

 

CONCLUSÃO

A figura 4 resume o quadro conceptual e as consequências dos seis pilares da nova ideia estratégica para Portugal no século xxi.

 

Figura 4

As consequências dos seis pilares da nova ideia estratégica para Portugal no século xxi

 

Em conclusão, deve dizer-se que o Novo Conceito Estratégico pode ser um projeto mobilizador para o País sair da crise, encontrar vantagens competitivas, potenciar um novo modelo de desenvolvimento económico baseado nos recursos endógenos e encontrar um caminho para fazer face ao desafio da globalização. O País, para crescer e se desenvolver, tem de deixar de funcionar mal em termos económicos, e isso exige um novo pensamento estratégico, a derrota do mito de que o País não tem recursos, a atração do investimento estrangeiro e um novo ciclo na inovação, nos programas de Investigação e Desenvolvimento e na ligação das empresas às universidades. Exige também maior qualidade das instituições. Uma das razões que Douglass North13 aponta para a fraca performance económica dos países é a qualidade das instituições que fixam as regras do mercado, que definem a estrutura de incentivos, que regulam o mercado e que o operam. O País precisa de mais concorrência e de uma estrutura de incentivos que premeie a produtividade, a criatividade e a inovação. É o contrário que acontece hoje com as empresas asfixiadas em barreiras burocráticas e administrativas, com a defesa do status quo e o medo da concorrência, com o mercado muralhado por barreiras de entrada de todo o tipo. Portugal é um país que precisa de um projeto mobilizador, precisa de um Novo Conceito Estratégico para afrontar os desafios do século xxi e precisa de melhorar o espírito de cooperação a todos os níveis e a qualidade e a exigência das suas instituições. Só assim se pode antecipar e construir o futuro.

 

NOTAS

1Kaplan, Robert – «Center stage for the twenty-first century, power plays in the Indian Ocean». In Foreign Affairs. Vol. 88, N.º 2, 2009.         [ Links ]

2Economy, Elizabeth C. – «The game changer – coping with China’s foreign policy revolution». In Foreign Affairs. Vol. 89, N.º 6, 2010.         [ Links ]

3Ibidem.

4Friedmam, George – Os Próximos 100 Anos – Uma Previsão para o Século XXI. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009.         [ Links ]

5Mayan, Alfred Thayer – The Influence of Sea Power Upon History, 1660-1783. Cambridge: Cambridge Library Collection, 2010.         [ Links ]

6Cunha, Tiago Pitta e – Portugal e o Mar – À Redescoberta da Geografia. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011.         [ Links ]

7Kaplan, Robert – «Center stage for the twenty-first century, power plays in the Indian Ocean».

8Tucídides – História da Guerra do Peloponeso. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.         [ Links ]

9Mayan, Alfred Thayer – The Influence of Sea Power Upon History, 1660-1783. Cambridge: Cambridge Library Collection, 2010.         [ Links ]

10Ramos, Rui, Monteiro, Nuno Gonçalo, e Sousa, Bernardo Vasconcelos e – História de Portugal. Lisboa: Esfera dos Livros, 2009.         [ Links ]

11Cunha, Tiago Pitta e – Portugal e o Mar – À Redescoberta da Geografia.

12Bonvillian, William B. – «The once and future darpa». In Fukuyama, Francis – Blindside – How to Antecipate Forcing Events and Wild Cards in Global Politics. Washington: Bookings Institution Press.         [ Links ]

13North, Douglass – Understanding the Process of Economic Change. Princeton: Princeton University Press, 2005.         [ Links ]