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Relações Internacionais (R:I)
versão impressa ISSN 1645-9199
Relações Internacionais no.48 Lisboa dez. 2015
PORTUGAL-EUROPA, 30 ANOS
Nota introdutória - Portugal-Europa, 30 anos
Nuno Severiano Teixeira* e David Castaño**
* Professor catedrático de Relações Internacionais e vice-reitor da Universidade NOVA de Lisboa. Diretor do ipri unl. Doutorado em História pelo Instituto Universitário Europeu (Florença) e agregado em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa. Foi Visiting Professor na Universidade Georgetown (2000) e Visiting Scholar no Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Califórnia, Berkeley (2004). Foi ministro da Administração Interna (2000-2002) e ministro da Defesa (2006-2009) do Governo português. Tem obra publicada sobre história militar, história das relações internacionais, história da construção europeia e segurança e defesa.
** Investigador no IPRI UNL onde desenvolve um projeto de pós-doutoramento sobre processo de consolidação da democracia portuguesa (1976-1982). Doutor em História Contemporânea. Tem-se dedicado ao estudo da história contemporânea portuguesa e da história das relações internacionais, centrando-se no período do Estado Novo, da transição e da consolidação democrática.
No momento em que a Europa atravessa uma das suas maiores crises desde o início do processo da construção europeia, Portugal completa, simultaneamente, trinta anos de adesão às Comunidades Europeias. Neste contexto, em que os desafios do presente e do futuro nos levam a interrogar o passado, este número especial da RI procura, precisamente, conjugar estas duas dimensões: a primeira, centrada no processo histórico que transformou Portugal num Estado-Membro da atual União Europeia; a segunda, centrada na crise europeia e no seu impacto num país que tinha feito dessa integração «a prioridade das prioridades». Essa era uma aposta que, encerrado o ciclo imperial e derrotada a deriva terceiro-mundista ensaiada durante o processo revolucionário que se seguiu à queda do regime autoritário, garantia a Portugal a opção ocidental, que além do desígnio político da consolidação democrática perseguia, também, o objetivo económico da modernização, centrada na ideia da convergência europeia.
Acontece que ao sucesso de década e meia de convergência se seguiu, em Portugal, outra década e meia de divergência, o que em conjugação com as duas crises europeia e nacional abriu o espaço para uma reapreciação do caminho até agora percorrido.
É esta contextualização que justifica a edição deste número da RI. Mais do que celebrar ou evocar uma efeméride, trata-se de contribuir para o necessário balanço destas já longas três décadas.
Seguindo uma ordenação cronológica, o dossiê abre com um artigo de David Castaño dedicado ao papel da Europa no processo de transição democrática em Portugal. Partindo das linhas abertas pela ciência política, que chamou a atenção para a relevância do contexto internacional nos processos de democratização, este texto realça a importância do papel desempenhado pela Comunidade Europeia, não apenas na fase de consolidação do regime democrático, mas ainda durante o período revolucionário, enquanto diferentes opções sobre o posicionamento internacional e a organização política do País se confrontavam. Através de uma abordagem histórica alicerçada em fontes diplomáticas, estabelece-se a ligação entre atores internos e atores externos empenhados no sucesso da transição democrática, ligação essa que favoreceu a transformação e afirmação dos socialistas portugueses como principais defensores da opção europeia.
O processo negocial para a adesão é tratado por Alice Cunha, que o analisa numa perspetiva transnacional estabelecendo, por um lado, um paralelo com o processo negocial do país vizinho, a Espanha, que condiciona e atrasa a adesão portuguesa, e, por outro, descreve como o alargamento aos países ibéricos foi gerido pelos países-membros que procuraram condicionar a evolução das negociações à satisfação de condições que pretendiam ver reconhecidas.
Já Isabel Valente examina os trinta anos da adesão de Portugal às Comunidades por um prisma pouco utilizado: a partir dos territórios insulares. Baseando-se no binómio regionalização/integração, a autora chama a atenção para o facto de a adesão ibérica ter contribuído para o desenvolvimento de um novo conceito o de ultraperiferia que em grande medida se deveu ao empenho dos governos regionais portugueses, focados num duplo processo de autonomia em relação ao Continente e de aprofundamento do processo de construção europeia que se traduziria em benefícios tanto para as regiões em causa como para o projeto europeu no seu conjunto.
O estudo de Nuno Severiano Teixeira e Reinaldo Saraiva Hermenegildo permite-nos traçar a história das três décadas da adesão de Portugal e da própria evolução do projeto europeu através de uma análise às presidências portuguesas da União Europeia. Partindo de um quadro teórico que recorre a duas conceções diferentes, a abordagem racionalista e a abordagem sociológica, os dois autores analisam, numa perspetiva comparada, os três casos empíricos que constituem as três presidências portuguesas (1992, 2000 e 2007). E concluem que as duas abordagens não são incompatíveis mas que, pelo contrário, se complementam, fornecendo uma grelha que, quando devidamente articulada, constituiu uma mais-valia para o estudo da Presidência do Conselho, que apesar das alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa, continua a ser um instrumento relevante, particularmente para os pequenos estados-membros.
Aqui chegados, os artigos seguintes debruçam-se sobre a crise europeia e o seu impacto em Portugal. António Goucha Soares analisa o modo como as instituições europeias responderam à crise do euro e como foram desenhados os três grandes elementos da reforma da governação económica europeia («Six Pack», Tratado Orçamental e «Two Pack»), seguindo essencialmente a narrativa alemã, que tendia a colocar a ênfase da origem da crise das dívidas soberanas na manipulação das contas públicas gregas, sem se ter em consideração outros fatores mais profundos, nomeadamente que os défices das balanças comerciais dos países da zona euro eram a outra face de uma moeda que não devia ser avaliada sem se ter em conta o excedente comercial da Alemanha. Goucha Soares sublinha ainda que estas reformas resultaram numa avalanche normativa condicionadora das competências soberanas de cada Estado-Membro que acabou por favorecer a Comissão, sendo esta a justificação que o autor encontra para explicar o modo como esta se acomodou a um conjunto de respostas que continua a não contemplar mecanismos de estabilização capazes de contrariar choques assimétricos.
Mais centrados no caso português, Teresa de Sousa e Carlos Gaspar recuam até à década de 1980 para defenderem que era impensável que Portugal ficasse à margem do processo de unificação económica e monetária. No entanto, a primeira década da moeda única ficou marcada por um período de estagnação que acabaria por revelar a gravidade da situação financeira do País e conduzi-lo a um programa de resgaste. Traçada a história desse processo, os autores entendem que, no futuro, a integração europeia de Portugal não deve ser considerada como um fim em si mesmo, mas como parte integrante de uma estratégia de integração internacional que deverá passar pela defesa da consolidação do acquis comunitário, pela presença do País no centro da integração europeia, evitando alinhamentos redutores, e que deve procurar contrabalançar a marginalidade no espaço europeu com a centralidade no espaço atlântico que receberá um novo impulso através do futuro Tratado de Comércio e Investimento Transatlântico.
A encerrar, Pedro Lains faz um balanço da participação da economia portuguesa na União Europeia. Tendo em consideração as circunstâncias internacionais à data da adesão, são analisados os seus efeitos, tanto a nível interno como a nível comunitário, defendendo-se neste ensaio que o processo de integração europeia não é mais do que um reflexo da evolução da economia internacional, contexto em que Portugal há muito estava inserido.