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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.48 Lisboa dez. 2015

 

PORTUGAL-EUROPA, 30 ANOS

A propósito dos trinta anos da adesão de Portugal à Comunidade Europeia - Um percurso histórico a partir da ultraperiferia Portuguesa

Concerning the 30 years of the Portuguese accession to EEC

Isabel Valente*

 

* Investigadora integrada do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20 e membro do Team Europe da Comissão Europeia.

 

RESUMO

A adesão de Portugal e Espanha às Comunidades Europeias, na década de 1980, trouxe uma nova dimensão geopolítica ao processo de construção europeia. A Europa Comunitária adquire, deste modo, uma presença privilegiada no Atlântico (espaço de confluência entre os continentes europeu, americano e africano) por intermédio das regiões autónomas dos Açores e da Madeira e da Comunidade Autonómica das Canárias. Neste artigo, propomos-nos trazer à reflexão a importância da ultraperiferia atlântica no quadro da União Europeia, mais propriamente através do papel que esta desempenha como fronteira avançada do projeto europeu. E, numa perspetiva ainda mais específica, traçar o percurso de integração europeia da ultraperiferia portuguesa.

Palavras-chave: Portugal, Comunidades Europeias, regiões ultraperiféricas, integração europeia.

 

ABSTRACT

With the accession of Portugal and Spain to the European Communities, during the 1980s, a new geopolitical dimension was added to the process of European integration. The European Community thus acquired a privileged position at the Atlantic, through the integration of the Autonomous Regions of the Azores and Madeira, and the Autonomous Com- munity of the Canaries (all standing at the crossroads between the European, American and African continents). This article proposes a reflection about the importance of the Atlantic outer- most regions within the framework of the European Union, highlighting their role as furthermost frontiers of the European project. More specifically, the history of the process of integration of the Portuguese outermost regions will be also sketched.

Keywords: Portugal, European Communities, Outermost Regions, European integration.

 

Memória breve

Na época contemporânea, a «região» não tem sido o motor da História, mas sim a Nação1.

Até há pouco tempo, as teses regionalistas não pareciam ter muita aceitação nem grande futuro na Europa. De facto, a criação da Comunidade Europeia, no decurso dos anos 1950, operou-se num contexto em que, com a exceção da Alemanha, a centralização era a característica comum dos estados impulsionadores da Comunidade. Deste modo, os tratados fundadores ignoram quase completamente as regiões.

Hoje, o devir histórico, político e social acabou por dar razão aos que consideravam necessário criar e consolidar a região como uma «entidade dotada de poder político»2e fazê-la participar no processo de integração europeia. Uma rápida observação da realidade permite-nos afirmar que, paralelamente ao aprofundamento do processo de integração europeia, muitos dos estados que nela participam descentralizaram-se politicamente, criando um novo nível de governo mais próximo dos cidadãos.

Assim, podemos afirmar que regionalização e integração não são processos contraditórios, antes constituem as duas faces do mesmo fenómeno: a crise do Estado como único nível de governo capaz de resolver todos os problemas que afetam a sociedade. Enquanto se avança na «aventura» da moeda única ou na política exterior comum, a educação, a cultura, a investigação, a ordenação do território, a agricultura, entre outros, são temas usualmente mais abordados por entidades mais próximas dos cidadãos e com as quais estes têm um alto grau de autoidentificação, na encruzilhada entre a democracia representativa e a democracia participativa: a região – como marco individualizador de diversidade.

O Tratado de Maastricht (1992) reflete esta realidade e pela primeira vez introduz a região como «entidade dotada de poder político e reconhece-lhe mecanismos de participação no processo de tomada de decisão»: criou-se o Comité das Regiões. No mesmo registo, o Tratado de Lisboa (2009) confere um maior grau de participação das regiões a nível europeu, em geral, e no caso particular das regiões ultraperiféricas reforça a sua capacidade de coor- denação e participação nas políticas europeias.

Neste contexto, Carlos Eduardo Pacheco do Amaral, num artigo intitulado «Autonomia regional e liberdade. 25 anos de integração europeia dos Açores», refere e vale a pena citar:

«As Regiões dispõem de condições para se apresentarem e viverem a sua condição de agentes autónomos: participando nos processos de decisão da União Europeia e dispondo de condições para serem elas a proceder à adequação do quadro normativo geral da União às condições e às necessidades específicas que apresentam. Parece estar a cumprir-se, nos nossos dias, a velha aspiração de uma Europa das Regiões.»3

Estamos particularmente de acordo com esta afirmação, na medida em que se torna, de facto, evidente que a Europa passou a ser, também ela, das suas regiões, como sustenta Carlos Amaral.

 

Afirmação dos açores, madeira e canárias na europa comunitária

Neste pano de fundo é de todo útil e importante chamar à colação o facto de o terceiro alargamento, a Portugal e Espanha, ter trazido uma nova dimensão geopolítica ao processo de integração europeia bem como ter permitido, pela primeira vez, que a Europa deixasse apenas de ser de «Estados e para Estados»4. E deveria garantir a elaboração não só de políticas gerais e unitárias para toda a União mas, simultaneamente, de políticas específicas diferenciadas para as regiões ou comunidades do seu território que apresentassem necessidades e graus de desenvolvimento diferenciados, como, por exemplo, as regiões de montanha, as regiões industriais degradadas, as ilhas. Entre as referidas ilhas5, algumas beneficiariam de um estatuto específico – as regiões ultraperiféricas.

Na verdade, existem regiões que correspondem a uma realidade geográfica, política e histórica muito própria no seio da União Europeia (UE) – as Regiões Ultraperiféricas (RUP). Os departamentos franceses «d’Outre-Mer», as ilhas portuguesas dos Açores e da Madeira e as ilhas espanholas das Canárias possuem simultaneamente um conjunto de semelhanças e diferenças que lhes conferem um quadro especial dentro da UE. Apesar de uma série de características específicas, comuns a todas estas regiões, que dificultam o seu crescimento e a recuperação do atraso em relação a outras regiões da União, como seja o grande afastamento do continente europeu, a insularidade, a pequena superfície, o relevo e clima difíceis, a sua economia pouco diversificada e a sua dependência económica em relação a alguns produtos e formas de energia, o regime político-administrativo, podemos concluir que a maioria delas possui um regime particular, detém diferentes regimes económicos e fiscais e regista diferenças de estatuto no quadro da adesão.

Ora, Portugal e Espanha, na sequência dos processos de democratização vividos em meados da década de 70 do século XX, acabariam por adotar uma via mais autonomista face às suas ilhas. Portugal mantém-se como Estado unitário, no entanto, concede autonomia político-administrativa às regiões insulares dos Açores e da Madeira. Por seu lado, a Espanha tornou-se num Estado multirregional, com 17 comunidades autónomas, com estatutos autonómicos equilibrados.

Assim, o Estado português é unitário e respeita, na sua organização, os princípios da autonomia dos poderes locais e a descentralização democrática e administrativa pública. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira são regiões autónomas dotadas de estatutos políticos e administrativos e de órgãos de governo que lhes são próprios. Cada arquipélago dispõe de uma assembleia regional eleita por quatro anos por sufrágio direto e universal e de um governo regional composto por um presidente, e de secretários regionais. A Assembleia Regional exerce o poder legislativo, vota o orçamento e controla o governo regional que exerce o poder executivo.

Em relação às ilhas Canárias, a organização institucional assenta numa Assembleia Legislativa eleita por sufrágio universal e proporcional, num Conselho de Governo que exerce as funções executivas e administrativas dispondo de um presidente eleito pela Assembleia e nomeado pelo rei de Espanha. Acresce dizer que a Constituição espanhola tem por fundamento a unidade indissolúvel da Nação, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis. Ela reconhece e garante o direito à autonomia das nacionalidades e das regiões que a compõem e a solidariedade entre elas.

Uma das conclusões a que podemos chegar é que a autonomia, por um lado, e a integração europeia, por outro, constituem os dois eixos fundamentais do combate às assimetrias internas constituindo-se também como veículos de unificação política destas regiões. Relativamente a este assunto, Avelino de Freitas Meneses, no seu artigo intitulado «As ilhas de Portugal na construção da Europa», escreve o seguinte:

«Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a autonomia é a principal conquista do 25 de Abril, mas a União Europeia é também uma indispensabilidade. Aliás, a Europa de hoje já não é a Europa das Nações. Em vez disso, é cada vez mais Europa das regiões. Assim, a par da Constituição da República Portuguesa, a União Europeia é um dos principais arrimos da autonomia, enquanto expressão da democracia e instrumento de desenvolvimento.»6

Importa igualmente considerar que a apresentação da candidatura de Portugal às Comunidades Europeias (28 de março de 1977) representou um enorme desafio, do ponto de vista executivo e administrativo, para as recentes autonomias açoriana e madeirense. Assim, os governos regionais dos Açores e da Madeira mantiveram, durante o período das negociações de adesão, um membro responsável pela integração europeia que acompanhou, em nome das respetivas regiões, o processo negocial com a Comissão Europeia.

No âmbito do novo quadro institucional, as negociações de adesão às Comunidades Europeias, por parte dos Açores, foram coordenadas no âmbito da Comissão Regional para a Integração Europeia, presidida pelo membro do Governo responsável por esse processo7. No caso da Madeira, é criada em 1978, pelo Decreto Regional n.º 13/78/M, de 10.3, a Comissão Regional de Estudos para a Integração Europeia dando lugar à Comissão Regional para a Integração Europeia, em 1981 (Decreto Regional n.º 6/81/M, de 20.4), que acompanhou todo o processo negocial de adesão desta região. Já em 1986, através da Resolução do Conselho de Governo n.º 273/86, de 13.0, é instituída a Comissão Regional para os Assuntos das Comunidades Europeias. Dito de outra forma, o Governo Regional da Madeira, no âmbito das negociações para a integração de Portugal na Europa Comunitária e das medidas para acautelar as particularidades específicas da região, acompanhou desde sempre o processo negocial, através de um seu representante na Comissão para a Integração Europeia8.

Tendo em conta o objetivo para que é convocada aqui e agora a reflexão, parece-nos importante sublinhar que o processo de integração das regiões ultraperiféricas portuguesas e espanholas seguiu rumos diferentes, a partir do momento em que estes territórios foram incorporados na Europa Comunitária. Assim, a Madeira e os Açores optaram por uma adesão plena9, o que lhes possibilitou, logo no início, beneficiarem de todas as ajudas estruturais europeias. Enquanto as ilhas Canárias decidem por uma fórmula mais eclética, com determinadas condições, nomeadamente em sede de união aduaneira bem como económica e fiscal, fixadas no protocolo anexo ao Tratado de Adesão, curiosamente relativo às Canárias, a Ceuta e a Melilla10.

Neste quadro não deixa de ser importante realçar que no processo de adesão relativo aos Açores e à Madeira, a inscrição, por parte dos estados signatários do Tratado de Adesão de Portugal da «Declaração comum relativa ao desenvolvimento económico e social das regiões autónomas dos Açores e da Madeira», anexa ao tratado11, revestiu-se de um enorme alcance político. Registe-se também que a referida declaração reconhece as desvantagens económicas e sociais dos dois arquipélagos portugueses decorrentes da sua situação geográfica (afastamento do continente europeu), da sua orografia acentuada e da grande insuficiência de infraestruturas. Deste modo, foram identificados, pela primeira vez, os constrangimentos permanentes das ilhas atlânticas que viriam a ser utilizados na construção e definição do conceito de ultraperiferia.

 

Conceito de ultraperiferia

Desde a entrada em vigor do Ato Único Europeu (1987) que o princípio da coesão económica e social adquire uma importância vital. Constitui-se, então, como um dos pilares fundamentais em que assenta o projeto europeu,

«entendido como o garante da aplicação do objectivo – muito claro – da harmonização territorial da Europa, numa perspectiva económica e social. A Europa só poderá garantir uma adesão tranquila e saudável aos candidatos na medida em que se apresentar económica e socialmente coesa, sem situações adiadas, que causem dúvidas aos novos membros quanto à determinação da aplicação dos seus objectivos.»12

Assim, numa Europa alargada e com um nível de desenvolvimento mais diversificado, o princípio da coesão económica e social deverá ser preservado através de uma política comunitária a favor das regiões e estados menos desenvolvidos.

A esta luz, cabe recordar as palavras do comissário europeu Michel Barnier:

«la politique de cohésion ne doit pas négliger les régions de l’Union actuelle, où de réels besoins demeurent. La cohésion en Europe n’est pas seulement une question d’équilibre économique – c’est aussi une affaire politique. L’Union européenne signifie aussi, et peut-être surtout, la solidarité et la coopération entre Etats et régions. Il ne s’agit pas seulement de produire des normes, des règlements ou directives.»13

É de todo útil e importante chamar à colação o lóbi que, desde a década de 1970, as regiões vinham fazendo junto das Comunidades Europeias com o objetivo de integração plena dos seus interesses no processo de construção europeu. Esta estratégia concertada iniciou-se com a criação, em 1973, em Saint-Malo, da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da CEE (CRPM) composta pelas regiões dos estados-membros bem como dos estados que instruíam os seus processos de candidaturas de adesão às Comunidades. Neste contexto, Jean-Didier Hache questiona-se: «les Etats membres ont pratiquement tous mis en place des dispositions particulières pour leurs îles. Pourquoi L’Europe n’en ferait-elle pas autant?»14

Ora, aqui emerge e se desenha um longo e árduo caminho, embora relativamente rápido, até começar a ser utilizado na Europa um conceito de carácter jurídico e agrupador destas regiões específicas – as RUP, o que acontece porém, a partir de meados da década de 1980, por iniciativa das autoridades portuguesas15. Efetivamente, a consagração do estatuto de ultraperiferia para estas regiões deve-se à ação inequívoca e entusiástica dos governos regionais da Madeira e dos Açores em estrita coordenação com o Governo da República. É indubitável que, através de Alberto João Jardim (presidente do Governo da RAM)16e de João Bosco Amaral17(presidente do Governo da RAA), as regiões autónomas portuguesas puderam não só marcar a agenda das negociações no quadro das RUP, como também obter uma grande parte do apoio internacional necessário à aprovação do mesmo.

Se bem que a sua origem ainda esteja sujeita a controvérsia, estamos em crer que o vocábulo ultraperiférica foi utilizado talvez em primeiro lugar em outubro de 1987, quando ocorreu a Assembleia Geral da CPRM18na ilha da Reunião, dirigida pelo então presidente dos Açores, João Bosco Mota Amaral. Procurando uma matização de referência no quadro conceptual, o então presidente dos Açores utiliza, de forma espontânea, a expressão «mais que» e depois «ultra» para caracterizar o conceito de perifericidade da situação das ilhas afastadas do continente europeu. Deste modo, e no dizer de Patrick Guillaumin, «les îles et les Régions Ultrapériphériques étaient nées, crées par les Régions eles-mêmes»19. É um facto que tentativas houve no sentido de criar um espaço político que inserisse estas regiões permitindo o seu desenvolvimento económico e social, projeto aliás já acalentado nos fins dos anos 1950. O que viria a acontecer de forma mais formal no Conselho Europeu de Rodes, em 198820.

«A motivação política dos Estados-membros envolvidos era evidente: conferir um estatuto especial às sete regiões – Açores, Madeira, Canárias, Reunião, Guadalupe, Martinica e Guiana – que garantisse, por parte das Comunidades Europeias, a adopção de medidas que minimizassem os efeitos perversos do Mercado Interno face à insularidade daquelas regiões.»21

 

Mais uma vez, não deixa de ser sintomático o papel dos políticos regionais portugueses. Em 1988, o presidente da Madeira convida os seus colegas das RUP para uma sessão de trabalho com o objetivo de abordar questões do interesse comum, na hora em que se discutia o projeto do programa próprio de ações específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade dos departamentos franceses ultramarinos22 (POSEIDOM), nas instâncias comunitárias. Nascia, deste modo, o grupo de regiões ultraperiféricas da UE23. A pedido de Portugal e da Espanha, a Comissão propõe ao Conselho dois novos programas decalcados do POSEIDOM: o POSEIMA24, dedicado à Madeira e aos Açores, e o POSEICAN25, que diz respeito às Canárias. Ceuta e Melilla não foram objeto de nenhum programa-quadro POSEI porque não foi apresentado por Espanha nenhum requerimento de modificação de estatuto e, além do mais, estas duas cidades não apresentam um afastamento do continente europeu comparável ao das regiões beneficiadas por aqueles programas-quadro. Neste contexto, os programas POSEI procuram dar conteúdo aos objetivos delimitados no Conselho Europeu de Rodes.

No âmbito da reforma dos fundos estruturais, estas regiões são todas classificadas de objetivo1, formulação respeitante a todas as zonas com atraso de desenvolvimento26.

É bom lembrar que o recurso à ação dos fundos estruturais constitui um dos dois motores que «devem contribuir para a descolagem económica destas regiões». O outro motor é «constituído por modelação na aplicação de certas políticas comuns, a fim de torna-las mais consentâneas com a realidade».

Com efeito, foi neste cenário que se afirmou o «conceito de ultraperiferia, que designa as regiões beneficiárias dos três programas. Este conceito baseia-se nas especificidades que são comuns a estas regiões e que as diferenciam das outras regiões da União»27.

Na perspetiva de um aprofundamento do conceito de ultraperiferia, por um lado, e da obtenção de um maior número de medidas de discriminação positiva para as rup, por outro, ocorreram, a partir de 1991, as Jornadas Parlamentares Madeira-Açores-Canárias, que passaram a ter um carácter regular.

O ano de 1992 marca um ponto fundamental e decisivo no reconhecimento dos handicaps estruturais conjugados com o grande afastamento, a insularidade, o relevo acentuado e o clima difícil é consagrado na Declaração n.º 2628, proposta esta feita pela França e consagrada no Tratado de Maastricht (1992). Embora se trate de um ato, anexo a este tratado, ele deve ser considerado como um acordo unânime dos estados-membros de adotarem o direito comunitário a estes territórios. Na verdade, foi possível considerar

«medidas específicas a seu favor, na medida em que exista e enquanto existir uma necessidade objectiva de tomar tais medidas, tendo em vista o desenvolvimento económico e social dessas regiões. Essas directrizes deviam referenciar simultaneamente objectivos de realização do mercado interno e de reconhecimento da realidade regional, de modo a permitir que essas Regiões Ultraperiféricas consigam atingir o nível económico e social médio da Comunidade»29.

Deste modo, tal declaração constitui um primeiro passo no sentido do reconhecimento, por parte dos países da UE, de que existem regiões com características específicas e peculiares que justificam a existência de políticas específicas para as RUP e que estas deveriam ter uma natureza diferente, melhor dizendo, um carácter mais permanente, merecendo um compromisso mais firme por parte dos países da União30.

Em termos políticos reforçou-se assim o princípio da harmonização territorial da Europa, numa perspetiva económica e social; daí a resolução de 29 de junho de 199531sobre o documento da Comissão «Europa 2000 – Cooperação para o Ordenamento do Território Europeu» na qual se solicitava a criação de um estatuto jurídico específico para as regiões ultraperiféricas da União.

É óbvio que a declaração procurava dar esteio jurídico-constitucional à iniciativa que os POSEI representavam. No entanto, a Declaração n.º 26, anexa ao tratado, acabaria por se revelar insuficiente face ao

«exigente entendimento dos serviços jurídicos da Comissão Europeia sobre a necessidade de agir, conforme determinavam as decisões POSEI, nos termos de um mandato devidamente clarificado no próprio articulado do Tratado. Foi nesse sentido que as regiões ultraperiféricas começaram a atuar, na perspectiva da convocação de uma conferência Intergovernamental em 1996 para rever os tratados.»

Sublinhe-se ainda o facto de o Colóquio de Estrasburgo, de 16 de março de 1995, reafirmar a necessidade de obter da CIG96 as garantias jurídicas que permitam à União tomar as medidas de compensação e de adaptação necessárias à realidade e especificidades regionais previstas na Declaração n.º 26 do Tratado de Maastricht, conforme ao objetivo de coesão económica e social. De acordo com os representantes dos governos regionais, deve-se agora avocar a inclusão de um novo articulado no Tratado de Amesterdão.

Para tal, era necessária a inscrição no tratado de um artigo que cobrisse o conjunto das RUP em substituição do n.º 2 do artigo 227 que apenas se referia aos departamentos ultramarinos (DU) e cuja redação estava ultrapassada.

Em 14 de março de 1996, as RUP, reunidas na Madeira, mais concretamente no Funchal, na segunda conferência dos respetivos presidentes, pedem a modificação e uma nova redação para o n.º 2 do artigo 227 do Tratado de Roma. Vão mesmo mais longe, pois debruçam-se sobre a questão e redigem um projeto comum, a inserir no novo tratado32. Nesta reunião foi criado um comité de acompanhamento da CIG. Este comité reuniu-se várias vezes no decorrer de 1996 e em Gozo, durante a reunião da comissão das ilhas; em abril, em Bruxelas, por ocasião das reuniões do Comité das Regiões; e em outubro de 1996, e em Tenerife, por ocasião da reunião da CRPM. Em todas elas, os presidentes das RUP reiteraram, numa declaração comum, a necessidade de consolidar o estatuto de ultraperifericidade e clarificam os objetivos que o articulado deveria consagrar. Simultaneamente, o conjunto dos estados-membros começa a dar-se conta que este tema não podia continuar a ser ignorado.

O Conselho Europeu de Turim, de 29 de março de 1996, indicava nas suas conclusões que a Conferência Intergovernamental deveria examinar o estatuto das RUP. No âmbito desta conferência (CIG96), as regiões pretendem o seu reconhecimento como RUP de pleno direito, beneficiando por isso do enquadramento mais adequado ao seu desenvolvimento económico e social à luz dos objetivos orientadores da política de coesão33. Vale a pena referir o interesse e o apoio demonstrados por este assunto pelo Estado português34 durante a CIG96. Portugal defende a fixação de medidas conducentes a uma política de sustentação do modelo social europeu, no sentido de uma coesão económica e social, que constitui um «elemento-chave de solidariedade intracomunitária». Neste ponto, Portugal procurou que o «Tratado da União Europeia revisto consagrasse uma mais substantiva atenção às questões das Regiões Ultraperiféricas»35.

Em setembro de 1996, no Conselho Europeu de Dublin, a Espanha apresentou formalmente um projeto à Conferência Intergovernamental de alcance bastante abrangente. Ele seria substituído, em dezembro de 1996, por um outro projeto conjunto apresentado por Espanha, França e Portugal36, tendo em vista: 1.º) o reforço do conceito de ultraperifericidade definido na Declaração n.º 26 do TUE; 2.º) a manutenção do apoio prioritário acordado pela UE no quadro da coesão económica e social; 3.º) a possibilidade de adaptação das políticas comunitárias às realidades regionais como forma de responder à necessidade de desenvolvimento37. Deste modo, as rup esperavam que os seus objetivos fossem alcançados através da inclusão, no tratado, de uma disposição que, ao reconhecer o seu Estatuto Específico, permitisse às instituições comunitárias «não só a adoção de medidas particulares a seu favor como também determinar condições especiais de aplicação do tratado aos seus territórios»38. Nas conclusões da referida cimeira consta que o Conselho tomou nota da referida proposta e transmitiu-a à CIG para apreciação, comprometendo-se a presidência seguinte (holandesa) a dar continuidade ao dossiê. Foi nesta base que se desenrolaram, durante o primeiro semestre de 1997, os trabalhos da Conferência consagrados ao estatuto das RUP.

É bom lembrar ainda a reunião levada a efeito em 3-4 de fevereiro de 1997, no Funchal, dos representantes das RUP, no âmbito dos projetos de cooperação entre as ilhas. É também importante assinalar a posição comum dos presidentes das RUP, entregue no Parlamento Europeu, em 26 de fevereiro de 1997. A par destas reflexões muitas outras podem ser evocadas. Com efeito, a ultraperifericidade implica tanto o reconhecimento das especificidades estruturais de certas regiões da União como a resposta que essas especificidades devem encontrar nas políticas comunitárias a fim de permitir uma plena integração, em igualdade de condições, dessas regiões no espaço europeu.

Em 17 de abril de 1997, realizou-se a 3.ª Conferência dos Presidentes das RUP, em Saint Denis, na ilha da Reunião39. Durante este encontro os presidentes dialogaram com a comissária Wulf Mathies, responsável pela política regional, e puderam sensibilizá-la para os problemas concretos das RUP, muito especificamente sobre a inclusão do novo artigo no Tratado de Amesterdão, a organização do mercado das bananas e as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como a política regional e medidas derrogatórias a favor das RUP40.

Os três estados-membros encontraram, de facto, um sólido apoio na Comissão, que defendeu o projeto. Por seu lado, o Parlamento Europeu votou, em março de 1997, uma resolução41que aprovava, sem ambiguidade, o texto, após o encontro de uma solução de equilíbrio entre as legítimas necessidades das RUP e a salvaguarda da indispensável coerência da construção comunitária42.

Foi assim que, quarenta anos após a assinatura do Tratado de Roma, as RUP passaram a fazer parte integrante do Tratado da União. Com efeito, o novo artigo tem um âmbito de aplicação mais lato do que o n.º 2 do artigo 227. Doravante, para além dos «departamentos franceses ultramarinos, estariam igualmente abrangidos os Açores, a Madeira e as ilhas Canárias». Este novo artigo (299 n.º 2) confere um fundamento jurídico claro e sólido a medidas a favor das RUP43. É bem claro este excerto.

O n.º 2 do artigo 227 passa a ter a seguinte redação:

«2. O disposto no presente Tratado é aplicável aos departamentos franceses ultramarinos, aos Açores, à Madeira e às ilhas Canárias. Todavia, tendo em conta a situação social e económica estrutural dos departamentos franceses ultramarinos, dos Açores, da Madeira e das ilhas Canárias, agravada pelo grande afastamento, pela insularidade, pela pequena superfície, pelo relevo e clima difíceis e pela sua dependência económica em relação a um pequeno número de produtos, fatores estes cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o seu desenvolvimento, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, adotará medidas específicas destinadas, em especial, a estabelecer as condições de aplicação do presente Tratado a essas regiões, incluindo as políticas comuns. O Conselho, ao adotar as medidas pertinentes a que se refere o parágrafo anterior, terá em consideração domínios como as políticas aduaneiras e comercial, a política fiscal, as zonas francas, as políticas nos domínios da agricultura e das pescas, as condições de aprovisionamento em matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, os auxílios estatais e as condições de acesso aos Fundos Estruturais e aos programas horizontais da Comunidade. O Conselho adotará as normas plasmadas no segundo parágrafo tendo em conta as características e os condicionalismos especiais das Regiões Ultraperiféricas, sem pôr em causa a integridade e a coerência do ordenamento jurídico comunitário, incluindo o mercado interno e as políticas comuns.»

Como se vê, este artigo insere três aspectos que merecem um especial destaque:

•O novo tratado realça o empenho político da União na procura de soluções para os problemas das RUP.

•Sendo um artigo novo no tratado e não uma declaração, fornece uma base legal para ações concretas.

•Este artigo compromete a União a prosseguir e a consolidar a ação com os países envolvidos através de medidas específicas adequadas ao desenvolvimento económico e social destas regiões.

Em suma, a ultraperiferia representa assim um estatuto específico para certas regiões da UE que detêm determinadas características comuns, como vimos anteriormente. Na verdade, trata-se de um estatuto jurídico que confere garantias políticas em relação à participação destas regiões no processo de integração europeia.

Para esclarecer este ponto deve-se ter em conta que o Tratado de Lisboa, em virtude do qual se modifica o Tratado da União Europeia, e o Tratado Constitutivo da Comunidade Europeia, que agora passa a designar-se por Tratado de Funcionamento da UE (TFUE), consolida juridicamente o estatuto de ultraperiferia e reafirma o modelo de plena integração das regiões ultraperiféricas através dos articulados dos artigos 349.º e 355.º. Existem atualmente nove regiões ultraperiféricas:

•cinco departamentos ultramarinos franceses Martinica (no mar das Caraíbas), Maiote, Guadalupe, Reunião (no oceano Índico) e a Guiana Francesa (enclave na floresta amazónica);

•uma coletividade ultramarina francesa São Martinho (no mar das Caraíbas);

•duas regiões autónomas portuguesas Madeira e Açores (no oceano Atlântico);

•uma comunidade autónoma espanhola ilhas Canárias (no oceano Atlântico).

Convém referir que até ao fim de 2011, a coletividade ultramarina francesa de São Bartolomeu era também uma região ultraperiférica da UE. Contudo, em virtude do seu afastamento da França metropolitana, do estatuto jurídico específico, das relações económicas estreitas com parceiros das Américas e de uma concentração no turismo, a França solicitou a alteração do estatuto de São Bartolomeu, tornando-o num dos países e territórios ultramarinos (PTU) da UE. Esta alteração entrou em vigor em 1 de janeiro de 2012.

Os PTU são constituídos por 26 países e territórios (incluindo, até ao fim de 2013, Maiote) na sua maioria, pequenas ilhas fora do continente europeu, com laços constitucionais comuns dos seguintes estados-membros: Dinamarca, França, Países Baixos e Reino Unido.

O artigo 355.º do Tratado de Lisboa prevê que o Conselho Europeu altere o estatuto dos PTU da França, da Dinamarca ou dos Países Baixos para o estatuto de regiões ultraperiféricas, sem que seja necessário alterar o tratado.

 

«De região problema a região oportunidade»

Não se pense, porém, que a importância das RUP se reduz ao seu peso demográfico, ao número de turistas que as visitam, ou à sua agricultura. Elas também valem e são ricas pelo seu extraordinário legado cultural, pela diversidade da sua envolvência geográfica e também pelo papel estratégico que desempenham na proteção das rotas marítimas da Europa e na defesa das suas fronteiras exteriores.

Deste modo, as RUP devem ser caracterizadas, não só pelo seu afastamento em relação à Europa, mas também pela sua proximidade com países terceiros. É de notar que Carlos Português Carrilo e Júlian Zafra Diaz, num artigo intitulado «La actualización del marco normativo europeo específico para la ultraperiferia», referem o seguinte:

«Se puede afirmar sin temor a equivocarse que las Rups son verdaderas puntas de lanza europeas en sus entornos para propiciar la cooperación en otros ámbitos regionales posibilitando la presencia real y cercana de Europa en áreas geográficas alejadas del continente europeo.»44

Dito de outra forma, no quadro da mundialização, a UE é o único espaço continental que pode afirmar a sua presença no coração do oceano Índico, das Caraíbas e da América do Sul, exatamente por intermédio das RUP. Estas constituem-se como plataformas privilegiadas da UE para desenvolver as suas políticas para além das suas próprias fronteiras, nos seus respetivos âmbitos geográficos. Foi este novo paradigma intelectual que inspirou, em 2004, a designada «Política Europeia de Vizinhança» (PEV), cujo objetivo central era precisamente o de:

«impedir o surgimento de novas linhas de fratura entre a ue alargada e os seus vizinhos e de reforçar a prosperidade, a estabilidade e a segurança de todos. Esta política, que se baseia nos valores da democracia, no Estado de direito e no respeito dos direitos humanos, é aplicada a 16 dos vizinhos mais próximos da União Europeia: Argélia, Arménia, Autoridade Palestiniana, Azerbaijão, Bielorrússia, Egito, Geórgia, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia, Marrocos, Moldávia, Síria, Tunísia e Ucrânia. A PEV é essencialmente uma política bilateral entre a União e cada país parceiro, à qual se associam iniciativas complementares de cooperação regional, como a Parceria Oriental e a União para o Mediterrâneo.»45

Desde então, a ênfase tem sido colocada nas RUP como regiões de oportunidade, fronteiras ativas da Europa e territórios de influência europeia em zonas não europeias. Esta nova perceção é reforçada na implementação da Estratégia Europeia 2020 nas rup. Ora, estas regiões formam autênticas pontes entre a ue e a África, o Mercosul (acordo firmado entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República do Uruguai, em 26 de março de 1991), e os Estados Unidos.

As RUP representam uma presença europeia no seu ambiente geográfico, dando-lhe uma dimensão planetária e constituindo o seu posto avançado. Elas constituem, ainda, «pontas de lança da Europa» para o desenvolvimento de relações comerciais com os respetivos vizinhos, bem como sítios de implantação privilegiados para determinadas atividades de alta tecnologia (por exemplo, Agência Espacial Europeia situada na Guiana, Instituto Astrofísico nas Canárias).

Em termos marítimos, as rup representam mais de metade da zona económica exclusiva (ZEE) da UE, com uma reserva potencial dos recursos marinhos aproximada dos 15 milhões de quilómetros quadrados. Tal equivale a um laboratório marítimo de profundidade único, que pode ser explorado pela UE em domínios como a segurança alimentar, a luta contra as alterações climáticas, a energia e a biotecnologia. Ou seja, é graças às RUP que a UE dispõe do primeiro território marítimo mundial, com 25 milhões de quilómetros quadrados de zona económica, de importância crucial devido aos numerosos recursos e potencialidades que encerra.

Em termos de turismo constitui também um ativo excecional graças ao seu ambiente natural e cultural. As RUP abrigam uma diversidade de espécies e de ecossistemas únicos muito importantes para a biodiversidade do planeta. Estas regiões, juntamente com os países e territórios ultramarinos, têm mais espécies animais e vegetais endémicas do que toda a Europa continental, incluindo mais de 20 por cento dos recifes de corais e lagoas do mundo. A sua biodiversidade representa um potencial nas áreas da saúde, da biomedicina e da biofarmácia, dos cosméticos e muitos outros setores como o dos materiais de construção ecológicos e o da madeira. Existem condições em várias regiões para desenvolver fontes de energia renováveis, desde os biocombustíveis até à energia eólica, solar, geotérmica ou fotovoltaica. Em termos de capital humano, as RUP dispõem de uma mão de obra com níveis de educação e de qualificação mais elevados e de serviços públicos e de competências mais avançados do que os seus vizinhos, dando-lhes a possibilidade de prestar serviços e conhecimentos especializados em setores de elevado valor acrescentado.

Ou seja, as RUP representam uma presença territorial europeia em zonas estratégicas do globo, possuindo características geográficas e geológicas excecionais que as tornam laboratórios privilegiados para a investigação e a inovação em setores de futuro como a biodiversidade e os ecossistemas terrestres e marinhos, a farmacologia, as energias renováveis e as ciências do espaço, por exemplo.

Como tal, pode acentuar-se que a especificidade destes territórios deve traduzir-se numa perspetiva de valorização das potencialidades para a integração no espaço comunitário. Mais, as suas características próprias têm de ser entendidas como mais-valias da UE em múltiplos domínios e, como tal, reconhecidas e assumidas por estados-membros. Trata-se, no fundo, de reconhecer a riqueza da diversidade e identificar o contributo insubstituível que estas regiões prestam devido a características paradoxalmente associadas a dificuldades.

Torna-se necessário pois reforçar a estratégia comunitária para o desenvolvimento destas regiões, num esforço de criação de sinergias e de coerência entre diversas políticas comunitárias com incidência nas RUP. Uma estratégia que potencialize, sobretudo, a sua originalidade e aproveite a sua situação única.

 

Conclusão

Pelo exposto, podemos inferir que a integração europeia alterou significativamente o desenvolvimento das regiões ultraperiféricas.

No caso concreto da ultraperiferia portuguesa (Açores e Madeira), esse modelo de desenvolvimento e de mudança assenta em dois factos essenciais da história contemporânea portuguesa: a conquista da autonomia, em 1976, e a adesão às Comunidades Europeias, em 1986. Estes dois momentos marcam de forma substancial a história das regiões autónomas portuguesas, não só no quadro nacional, mas também no europeu. Na verdade, as regiões insulares autónomas encontram atualmente na UE o seu melhor enquadramento, quer quanto à sua teoria política de descentralização, que advém do princípio da subsidiariedade, quer quanto à sua autonomia financeira e ao próprio desenvolvimento económico, resultante, em grande parte, das políticas e das ações comunitárias para a ultraperiferia, e dos efeitos induzidos do princípio da coesão económica e social europeia conjugada com a coesão económica e social que a própria Constituição portuguesa acolheu.

O florescimento e o progresso económico-social das RUP inscreve-se na defesa do conceito de ultraperiferia, não só pela consagração no enquadramento formal da ue da sua existência, da necessidade de soluções equilibradas e criativas que satisfaçam as exigências de real tradução prática e que reforcem o espírito de solidariedade, que desde sempre foi a principal característica do espírito comunitário, mas também pela necessidade de avançar com audácia, no sentido de as RUP se apresentarem como uma unidade também numa dimensão política, com participação e voz ativa nas instâncias comunitárias.

Por outro lado, a especificidade destes territórios pode, e deve, traduzir-se numa perspetiva de valorização das suas potencialidades. Estas devem ser entendidas como mais-valias da UE e como tal assumidas e reconhecidas pelos estados-membros, conforme foi sublinhado pelo Conselho Europeu em março de 2011.

À luz deste panorama, e num mundo globalizado, as RUP são postos avançados da Europa «chamados a participar plenamente no papel que a União aspira desempenhar a nível mundial»46. As suas localizações geoestratégicas fazem delas verdadeiras fronteiras ativas da ue a partir das quais esta pode desenvolver a sua ação externa.

 

Data de receção: 2 de setembro de 2015

Data de aprovação: 19 de outubro de 2015

 

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Notas

1VALENTE, Isabel Maria Freitas – As Regiões Ultraperiféricas Portuguesas – Uma Perspectiva Histórica. Região Autónoma da Madeira, Funchal: CEHA, 2009.

2Leia-se: AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco – Do Estado Soberano ao Estado das Autonomias – Regionalismo, Subsidiariedade e Autonomia para Uma Nova Ideia de Estado. Porto: Afrontamento, 1998.

3Cf. AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco – «Autonomia regional e liberdade. 25 anos de integração europeia dos Açores». In Portugal-Europa, 25 Anos de Adesão. Coimbra: Almedina, 2012. pp. 59-72.

4Relembre-se a este propósito que, no primeiro alargamento, as regiões autónomas dinamarquesas e inglesas optaram por não aderir às então Comunidades Europeias.

5Na verdade, as ilhas europeias, na sua vasta maioria, suscitaram a execução de meios políticos ou de estruturas administrativas com carácter particular não circunscrito ao quadro dos respetivos estados, mas também, e de forma progressiva, afetariam a Europa Comunitária ao longo da sua construção.

6MENESES, Avelino de Freitas – «As ilhas de Portugal na construção da Europa». In As Ilhas e a Europa. A Europa das Ilhas. Funchal: CEHA, 2011, pp. 398--411.

7 Relativamente a este assunto Pedro Faria e Castro sustenta que «inicialmente, o Governo Regional dos Açores teve dúvidas quanto ao interesse da Região em aderir, pelo menos de pleno direito, às Comunidades Europeias. E essas dúvidas tinham origem numa preocupação de natureza política que se traduzia na necessidade de garantir que as competências que a Região havia ganho ao “Terreiro do Paço” com a autonomia político-administrativa não fossem transferidas para Bruxelas […]. Por esse motivo, o Governo Regional decidiu encomendar um estudo que avaliasse esse interesse. As conclusões do estudo permitiram ao Governo Regional não levantar objeções à regular negociação de adesão às Comunidades Europeias.» Cf. CASTRO, Pedro Faria e – Açores – Paradiplomacia e Autonomia. A Participação das Entidades Subestatais na Determinação e Condução da Política Externa dos Estados. Lisboa: ISCSP, 2015, p. 59.

8Criada na Presidência do Conselho de Ministros, pelo Decreto-Lei n.º 306/77, de 3 de agosto. ram – Direção Regional dos Assuntos Europeus e da Cooperação Externa/Comissão Regional para a Integração Europeia. [Consultado em: 13 de outubro de 2015]. Disponível em: file:///C:/Users/Isabel%20Valente/Downloads/file874.pdf

9Beneficiava, todavia, de regimes especiais em matéria fiscal.

10Protocolo n.º 2 relativo às ilhas Canárias e a Ceuta e Melilla, anexo ao Tratado de Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Comunidades Europeias. In Jornal Oficial das Comunidades Europeias. L 302, de 15 de novembro de 1985, p. 400.

11Declaração comum relativa ao desenvolvimento económico e social das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, anexa ao Tratado de Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Comunidades Europeias. In Ibidem, p. 479.

12AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco, e CASTRO, Pedro Faria e – As Ultraperiferias na Europa do Futuro. Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2004.

13BARNIER, Michel – «L’élargissement de l’Union européenne et politique de cohésion». In Europa: Novas Fronteiras. Lisboa: Principia, 2001, pp. 11-13.

14Cf. HACHE, Jean-Didier – «Quel statut pour les Îles d’Europe?». In HACHE, Jean-Didier – Quel Statut pour les Îles d’Eu-rope?/What Status for Europe’s Islands? Paris: L’Harmattan, 2000, p. 30.

15A este propósito leia-se FORTUNA, Mário – «A problemática das regiões ultraperiféricas». In Compêndio de Economia Regional. Coimbra: APDR, 2002, pp. 596-622.

16Recorde-se que Alberto João Jardim se destacou nos meios comunitários em virtude de ter sido líder do movimento regionalista europeu. Entre 1987 e 1996 foi presidente da Conferência das Regiões Periféricas da União Europeia, da qual é hoje presidente honorário. Foi representante de Portugal no extinto Conselho Consultivo da Política Regional e Local da Comunidade Europeia, agora substituído pelo Comité das Regiões. É vice-presidente do Comité das Regiões da União Europeia. É um dos representantes portugueses na Conferência dos Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa. E foi um dos fundadores do Bureau da Assembleia das Regiões da Europa, ao qual pertenceu.

17De igual modo, João Bosco Soares Mota Amaral evidenciou-se nos comunitários pelo seu trabalho enquanto membro e presidente da Delegação Portuguesa ao Congresso Permanente dos Poderes Locais e Regionais da Europa (1979-1995); presidente da Comissão das Ilhas da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Comunidade Europeia (1994-1995); vogal da Comissão Permanente da Assembleia das Regiões da Europa; chefe da Delegação Portuguesa no Comité das Regiões; vice-presidente do Comité das Regiões (1994-1995).

18As RUP acolhem a crpm durante dois anos consecutivos: na ilha da Reunião, em 1987, e na Madeira, em 1988. Deste modo, a crpm contribui certamente para a transformação de uma «Communauté d’approche» numa «communauté de des-tin». Cf. GUILLAUMIN, Patrick – «La dimension ultrapériphérique de l’Union Européenne». In HACHE, Jean-Didier – Quel Statut pour les Îles d’Europe?/What Status for Europe’s Islands?, p. 108.

19Ibidem, p. 108.

20Por iniciativa do então primeiro-ministro português, Aníbal Cavaco Silva.

21AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco, e CASTRO, Pedro Faria e – As Ultraperiferias na Europa do Futuro.

22Os programas POSEI tiveram início em 1989 com a adoção para os DOM franceses, do programa de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade (POSEIDOM). Em 1991 foram aprovadas as versões destinadas às Canárias (POSEICAN) e aos Açores e à Madeira (POSEIMA). Quanto à sua natureza, as ações de política ao abrigo do POSEI podem ser classificadas em seis grandes grupos: financeiras, setoriais, relativos à agricultura e às pescas, fiscais, aduaneiras, cooperação regional e auxílios de Estado.

23Efetivamente, as sete regiões, em resultado das reuniões informais constantes após a iniciativa histórica de Alberto João Jardim, assinam um Protocolo de Cooperação, em 1995, na Gourbeye (Guadalupe), criando a Conferência dos Presidentes das Regiões Ultra Periféricas (RUP).

24Decisão do Conselho das Comunidades n.º 91/315/CEE de 26 de junho de 1991 relativo ao programa de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade da Madeira e dos Açores (POSEIMA). Jornal Oficial das Comunidades Europeias. L 171, 29 de junho de 1991.

25Decisão do Conselho das Comunidades de 26 de junho de 1991 referente ao programa de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade das Canárias (POSEICAN). Jornal Oficial das Comunidades Europeias L 171, 29 de junho de 1991.

26Irlanda, Grécia e Portugal pertencem inteiramente a esta categoria de regiões onde o pib/hab. é inferior a 75 por cento da média comunitária.

27AZZI, Giuseppe Ciavarini – «Etapa por etapa. O caminho que conduziu ao estatuto das regiões ultraperiféricas». In Economia & Prospetiva, Economias. Lisboa. N.º 13/14, julho-dezembro de 2000, pp. 49-60.

28Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht, em 7 de fevereiro de 1992, a Declaração relativa às Regiões Ultraperiféricas da Comunidade. Jornal Oficial das Comunidades Europeias. C 191, 29 de julho de 1992, p. 104.

29FORTUNA, Mário – «A problemática das regiões ultraperiféricas», pp. 598-600.

30A partir deste momento procede-se a uma aceleração do processo de consolidação da situação das RUP com a sucessiva aprovação de distintas iniciativas realizadas em seu benefício. Neste mesmo ano foi aprovado o Programa REGIS, de iniciativa comunitária, para favorecer o desenvolvimento das RUP. Em 1993, os representantes das RUP, reunidos na XX Assembleia da CRPM em Saint-Malo, reafirmam a necessidade de reforçar a cooperação no seio das organizações inter-regionais como a CRPM e a Comissão das Ilhas bem como no seio do Comité das Regiões criado pelo Tratado de Maastricht. Entre outras reivindicações os governos das ilhas pretendem um apoio pleno por parte dos respetivos governos e da Comissão, no processo de aproximação dos cidadãos e dos operadores económicos às suas ilhas, bem como a atenção «du Conseil et de la Commission sur la nécessité de traduire concrètement les principes nouvellement actés dans le Traité de Maastricht vis à vis des régions ultrapériphériques, notament au niveau de la politique régionale». Cf. relatório dos Representants des régions ultrapériphériques (Açores- Canaries- Guadeloupe-Madere- Mar tinique- Réunion). XXème assemblée générale de la CRPM. St. Malo, 14 de outubro de 1993.

31Jornal Oficial das Comunidades Europeias. 183, 17 de julho de 1995, p. 39.

32As pretensões das RUP estão bem claras neste excerto da proposta de projeto comum, a inserir no novo tratado: «As disposições do Tratado, assim como as de direito derivado, serão aplicáveis às Regiões Ultraperiféricas (Departamentos franceses do Ultramar, Madeira, Açores e Canárias); contudo, tendo em vista a realidade específica destas regiões, as normas jurídicas que desenvolvem as políticas comunitárias comuns a que se refere o artigo 3.º do Tratado, devem prever medidas de modulação e derrogação que adaptem a sua aplicação às características estruturais de insularidade, afastamento, orografia, pequena dimensão e fragmentação do mercado e carência de recursos naturais; ainda assim o Conselho pode determinar as condições de aplicação do presente Tratado, adotando medidas particulares a favor das Regiões Ultraperiféricas de acordo com o procedimento previsto no artigo 189-B, com intensidade e pelo período de tempo em que persistam as necessidades objetivas de tomar tais ações. Estas deverão nos termos do Protocolo anexo, permitir a estas Regiões compensar as suas desvantagens estruturais. As disposições do Direito derivado atualmente em vigor relativas às Regiões Ultraperiféricas mantêm a sua vigência.»

33Neste mesmo ano (1996) é apresentada uma proposta de resolução pelos deputados Sánchez García, Mendonça, Vieira, Costa Neves, Sierra González e Fernández Martín (B4-0721/96).

34As noções e as reflexões sobre a ultraperifericidade, bem como a necessidade de uma base político-jurídica, foram sempre objeto de pressão e de diligências por parte da Região Autónoma da Madeira, junto do governo central. A este propósito leia-se a Moção n.º 1/96/M, aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira em 8 de maio de 1996, onde se solicita «ao governo da República que, no âmbito das negociações a decorrer na CIG, cujo início ocorreu no passado dia 29 de Março em Turim, tenha em particular e permanente atenção a especial e desfavorável situação da região insular da Madeira e da sua ultraperificidade face ao continente europeu».

35Leia-se Portugal e a Conferência Intergovernamental para a Revisão do Tratado da União Europeia. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros, março de 1996, p. 30.

36Veja-se CONF/2501/96, CONF/3999/96.

37Cf. JARDIM, Alberto João – «A Região Autónoma da Madeira». In Eipascope. N.º 1997/1, Instituit Européen d’Adminis-tration Publique, pp. 19-35.

38Ibidem, p. 22.

39Durante esta conferência foi deliberado elaborar um «memorando» ou «Livro Branco», das RUP, com o objetivo de identificar, num plano concreto, os eixos prioritários em que deve assentar a política comunitária no que respeita às RUP, na base do novo artigo 227 n.º 2 do Tratado da União Europeia. As regiões das Canárias e da Reunião ficaram encarregadas, no âmbito do Comité de Acompanhamento, de dinamizar os trabalhos de elaboração do documento em causa.

40 Ainda durante esta reunião foi decidido mandatar o Comité Técnico para avançar com os trabalhos preparatórios para a realização de um memorando conjunto das sete regiões, a ser apresentado à Comissão Europeia, após a ratificação do Tratado de Amesterdão.

41Resolução A4-0128/97; Resolução sobre os problemas de desenvolvimento das RUP da União Europeia. Jornal Oficial. C 150, 19 de maio de 1997, p. 0062.

42Ainda em relação ao processo negocial, deve-se salientar a importância assumida pelo protocolo solicitado inicialmente por Portugal e Espanha, a que se juntou posteriormente a França. Este instrumento jurídico possibilitou aos três estados-membros interessados a possibilidade de uma margem negocial que lhes foi extremamente útil na salvaguarda dos seus interesses. Na proposta aprovada, o protocolo aparece sob forma resumida no terceiro parágrafo passando a constituir um programa de ação das instituições comunitárias para com as RUP.

43O texto consagrado no Tratado de Amesterdão, assinado a 2 de outubro de 1997, é um texto favorável aos interesses das RUP portuguesas (Açores e Madeira) porque, partindo do princípio de que se aplica às RUP o regime geral comunitário, prevê a possibilidade de o Conselho poder adotar medidas de discriminação positiva que, ao terem em conta as especificidades das rup, configurarão um regime derrogatório permanente para essas regiões. Nesta sequência, o Comité Técnico, reunido em La Rochelle, em outubro de 1997, definiu a metodologia e calendário para a realização do memorando conjunto.

44CARRILO, Carlos Português, e ZAFRA, Júlian Diaz – «La actualización del marco normativo europeo específico para la ultraperiferia.» In Movilidad y Gran Vecindad en las Regiones Ultraperiféricas de la Unión Europea. Tenerife: Cabildo Insular de Tenerife. Área de Empleo, desarrollo Económico, Comercio y Acción Exterior, 2014, p. 17.

45 Política Europeia de Vizinhança. [Consultado em: 30 de agosto de 2015]. Disponível em: http://www.eeas.europa.eu/delegations/cape_verde/what_eu/neigh-bourhood_policy_eastern_partnershi/index_pt.htm

46Cf. COM (2009) 647.

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