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Relações Internacionais (R:I)
versão impressa ISSN 1645-9199
Relações Internacionais no.51 Lisboa set. 2016
O IMPACTO DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL NORTE-AMERICANA
Retraimento ou acomodação? A herança de Barack Obama para as potências emergentes e a ordem internacional
Strategic retrenchment or accommodation? Barack Obama’s legacy for emerging powers and international order
Diana Soller
Doutoranda em Estudos Internacionais na Universidade de Miami (Fubright Scholar) e investigadora associada do IPRI-NOVA, onde está a desenvolver um projeto sobre modelos de ordem internacional.
RESUMO
A comunidade epistémica das relações internacionais tem vindo a afirmar, quase de uma forma unânime, que Barack Obama escolheu a estratégia de retraimento para fazer face ao declínio norte-americano. Este artigo questiona esta leitura, argumentando que a herança de Obama relativamente à ordem internacional é ambígua. Tanto pode ser uma estratégia de retraimento como de acomodação. Ambas são muito semelhantes nos meios, mas muito diferentes nas finalidades, uma vez que a primeira procura um ressurgimento americano no sistema internacional (preferencialmente como única grande potência) e a segunda implica que a Administração aceitou o declínio como inevitável e prepara-se para negociar com as potências emergentes uma forma de partilha de poder que lhe seja vantajosa. Concluiremos que é muito cedo para saber como é que o posicionamento americano vai evoluir, mas deixamos uma análise das diferentes estratégias e desejáveis consequências.
Palavras-chave: Retraimento, acomodação, Barack Obama, potências emergentes, estratégia.
ABSTRACT
The epistemic community of IR has been affirming almost unanimously that the United States under Barack Obama had adopted a strategy of retreatment as answer to its decline and the rise other great powers. This article questions those positions by arguing that strategic restraint is easily confused with another strategy, accommodation, as they are very similar in the means, but very different in the ends. Restraint is all about rising back, while accommodation is about acceptance of the rise of other powers and to find ways to negotiate a new design for the international order that makes all actors satisfied – avoid power transition conflict. This paper will conclude that it is too soon to advance an answer to this issue, but tries to underline differences and outcomes for the two possible scenarios.
Keywords: Retrenchment, accommodation, Barack Obama, raisings powers, strategy.
«Barack Obama foi o primeiro presidente desde o fim da Guerra Fria que teve de se preocupar com o facto de a América poder ser ultrapassada por um (estado) rival.»1
INTRODUÇÃO
Nos anos 1980, nos Estados Unidos, a teoria das relações internacionais encheu-se de declinistas. A perceção (sabemos agora que errada) de que a América estava em declínio perante o seu perigoso rival, a União Soviética, deu origem a um conjunto de trabalhos sobre transição de poder e declínio2 e, talvez mais importante, ao programa do estado da paz democrática3. Afirmava-se, com base em métodos quantitativos e qualitativos, que as democracias se manteriam unidas, com ou sem hegemonia para as sustentar, porque os estados democráticos eram potências satisfeitas com o seu conjunto de valores, e estavam dispostos a defender a sua forma de vida4. Apoiar-se-iam no momento em que os Estados Unidos já não pudessem liderar, uma vez que tinham constituído uma comunidade democrática disposta a defender-se militar, económica e normativamente dos desafios futuros5.
O declínio não se verificou, antes pelo contrário, mas estes textos tornaram-se referência para estudos de transição de poder. Afinal, os Estados Unidos eram uma potência hegemónica liberal6, e isso dava-lhes vantagem contra rivais mais propensos a traições políticas e menos inclinados para alianças permanentes. Seguiu-se, como se sabe, com o fim da Guerra Fria, um pico do poder americano, que começou a declinar paulatinamente a partir de 2003, com a intervenção no Iraque7.
Em 2008, quando o declínio americano se tornou inevitavelmente percetível com o colapso financeiro do sistema bancário, os candidatos presidenciais (Barack Obama e John McCain), bem como diversos académicos (John Ikenberry, Anne-Marie Slaughter, Robert Keohane, Ivo Daalder, James Goldegeier, entre outros), tentaram reinventar as teses dos anos 1980: fizerem planos e propostas para uma liga de democracias, ocidentais e não ocidentais, dispostas a ser o centro de uma ordem internacional (na versão mais soft) ou a fazerem frente aos adversários não democráticos (na versão mais expansionista)8. Silenciosamente, o projeto foi caindo por falta de entusiasmo em várias partes do globo. Os próprios decisores americanos temiam que a China achasse que o projeto era de caráter ofensivo, o que teria consequências tão previsíveis quanto nefastas; a Europa temia a perda de centralidade na hierarquia das alianças americanas e estava demasiado ocupada com a sua própria decadência financeira; e as democracias não ocidentais (com a eventual exceção de Israel), não se mostravam particularmente interessadas em fazer parte do clube das alianças permanentes dos Estados Unidos9. Perdeu-se o momentum.
Depois das eleições, veio a cautela de Obama. E hoje, pelos primeiros testemunhos sobre a sua presidência, sabe-se que foi para a Casa Branca carregando três princípios: uma vontade de envolver os aliados no burden sharing da liderança; pouca tolerância para intervenções que «operassem mudanças sociais» nos países em questão; e uma visão do mundo mais regionalizada do que multilateralizada10. Mais a mais, Obama arcou com uma pesada herança: como denota a epígrafe, o tabuleiro de xadrez que teve de gerir era mais complexo, o financiamento para lidar com questões de segurança e defesa muito mais apertado, e havia a necessidade urgente de restaurar a liderança moral americana, há alguns anos em maus lençóis11.
Todas estas componentes (a predisposição de Obama e o cenário nacional e internacional, incluindo a crise financeira, as guerras do Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria, bem como a «primavera árabe») tornaram-se constrangimentos que não existiam nas administrações anteriores e que, de certa forma, lhe reduziram a margem de manobra. Isto sem contar com o facto de que a fraqueza americana, agora percetível pelo mundo fora, criou espaço para a afirmação de potências emergentes. Aqueles estados que até aí se consideravam, segundo a literatura, médias potências, passaram a considerar-se (e a ser consideradas) potências com poder e vontade de transformar o mundo. E a agir em conformidade12.
Rapidamente, Obama começou a ser visto como o Presidente do retraimento estratégico13. Como Nixon antes de si, Obama estava a cortar laços internacionais desconfortáveis e dispendiosos, para poder, mais tarde, ele ou o seu sucessor, relançar os Estados Unidos como grande potência, talvez até a única (outra vez). Tendo em conta que o sucesso de Nixon foi evidente, Obama deveria voltar a usar a mesma estratégia. Desde então têm-se escrito diversos artigos e alguns livros sobre o mérito (e os riscos) desta estratégia, muitas vezes apresentando-a como a única viável para um declínio condigno e/ou para deter esperança no futuro14. Mais, o retraimento estratégico tem sido apontado – e aqui pode fazer-se um paralelismo com os anos 1980 e a sua insistência na interdependência económica e na paz democrática – como a única possível estratégia para garantir a manutenção de uma hierarquia, ainda que mais moderada, mas necessária para que o mundo possa continuar a ser governável.
Se existem políticas da Administração Obama que podem ser identificadas com uma estratégia de retraimento estratégico, essas mesmas políticas podem ser equacionadas com uma outra estratégia – a da acomodação. Aliás, as duas são tão semelhantes nos meios, que na fase histórica em que nos encontramos são indestrinçáveis. Terá Obama referido que o mundo já é multipolar na «The National Security Strategy of the United States of America» e no seu último «Discurso sobre o Estado da União» para acalmar os ânimos dos estados emergentes (o que corresponderia ao retraimento) ou porque acredita realmente que é preciso dar início a um processo para acomodar os estados emergentes?
A resposta não é fácil. Primeiro, porque Barack Obama tem sido um presidente ambíguo em questões de política internacional. Como diz Stephen Walt, numa breve avaliação da Presidência Obama, tendo por base uma série de entrevistas concedidas à Atlantic,
«O Presidente acredita que há quatro grandes alternativas estratégicas para os Estados Unidos: o realismo, o intervencionismo liberal, o internacionalismo e o isolacionismo. A última alternativa foi completamente rejeitada em detrimento da crença de que fazer política externa relaciona-se com a escolha à la carte entre as primeiras três alternativas. Assim, apesar de algumas críticas azedas ao intervencionismo da cartilha de Washington, Obama acredita (bem como a maioria do establishment da política externa) que os Estados Unidos são uma potência “excecional” e que a liderança americana ainda é “indispensável”. No fundo, Obama queria o melhor de dois mundos: assumir que o poder norte-americano tem limitações e que há problemas que podem ser ignorados, ao mesmo tempo que se encontra disponível para intervir quando interesses vitais estão em risco ou o poder dos EUA pode produzir efeitos positivos»15.
Ainda que Walt esteja a referir-se a um balanço geral, esta citação é inteiramente justa para questões de política externa. O natural é que o Presidente Obama não tenha tomado nenhuma decisão sobre que estratégia seguir, e a tenha deixado para o próximo presidente. Daí que valha a pena escrever este artigo neste momento. Não se pretende dar resposta à pergunta de se os Estados Unidos estão a seguir uma estratégia de retraimento ou acomodação. Mas pretende-se realçar as diferenças entre uma e outra, os méritos e deméritos de cada uma, para que possamos reconhecer os passos do próximo presidente americano relativamente a questões de ordem internacional.
Para isso, este artigo divide-se em três partes. A primeira refere-se ao estado da arte: faz um resumo dos últimos vinte e cinco anos e de como os Estados Unidos ficaram limitados a uma destas duas estratégias. Resume também aquilo que se conhece das pretensões das potências emergentes que são significativamente diferentes umas das outras, apesar de muitas vezes se mostrarem alinhadas sob a liderança chinesa. A segunda, olha para a recém-criada teoria do «retraimento estratégico»16. Como nos mostra Stephen Sestanovich, está longe de ser uma estratégia nova. Foi usada por Eisenhower e Nixon, antes de Obama. Mas apenas agora se começa a teorizar sobre este assunto, daí a importância de o abordar academicamente. O retraimento estratégico consiste numa retirada temporária dos assuntos internacionais não vitais, acompanhada de um reforço da ordem interna e uma consolidação de alianças que permitam um ressurgimento internacional com revigorada assertividade. A terceira parte do artigo investiga a possibilidade de os Estados Unidos poderem optar por uma estratégia de acomodação. Trata-se de uma das mais antigas estratégias internacionais (ainda que seja vista com desconfiança devido ao famoso Twenty Years Crisis de E. H. Caar)17 que consiste na negociação faseada entre a potência do statu quo e as potências emergentes, com vista à criação de uma ordem internacional que esteja de acordo com as preferências de todos os intervenientes. Como a estratégia do retraimento, a acomodação não oferece garantias, mais a mais porque não só nunca constou do leque de opções dos Estados Unidos, como se pode ver no supracitado excerto de Stephen Walt, como o desenvolvimento de uma ordem internacional liberal, dificilmente aceite por todos mas que os Estados Unidos consideram a única legítima, pode ser um impedimento profundo ao desenvolvimento de outras ideias. A acomodação é, pois, uma estratégia em que o poder em declínio aceita a sua condição de perda de poder e procura negociar com as potências emergentes um modus vivendi que não destrua completamente a sua posição de potência e, ao mesmo tempo, deixe as outras potências satisfeitas, evitando assim os conflitos característicos das transições de poder.
As estratégias de retraimento e acomodação têm sinais exteriores semelhantes, exigem um exaustivo trabalho diplomático, mas têm resultados totalmente diferentes (no caso de resultarem). Assim, e tendo em conta que quem tomará as decisões fundamentais relativamente à ordem internacional é o senhor ou senhora que entrará na Sala Oval a partir de janeiro de 2018, as conclusões vão centrar-se no cruzamento das ideias teóricas e na predisposição dos candidatos presidenciais que estão em campanha para as eleições de novembro.
O DECLÍNIO AMERICANO E OS DESAFIOS DOS ESTADOS EMERGENTES
O 11 de Setembro transformou os Estados Unidos. Antes de o mundo se confrontar com a existência de uma organização terrorista com o objetivo ideológico de destruir as sociedades ocidentais e o plano megalómano de implementar um novo califado, os Estados Unidos eram, sem sombra para dúvida e segundo todos os indicadores18, a única grande potência internacional que não só se mantinha a uma distância considerável dos seus eventuais competidores, como prosseguia com uma estratégia de democratização da ordem internacional. Alavancadas pelas palavras de Francis Fukuyama e da sua utopia liberal19, as administrações de George H. W. Bush e Bill Clinton tinham-se empenhado em transformar o mundo num sistema mais democrático, igualitário e pacífico. Usaram os mais diversos meios, desde a transformação das organizações internacionais até ao uso da força para travarem guerras pela paz, imporem a democracia pelo exemplo e pela construção de novos estados, e apoiando, sem hesitações, todo o tipo de revoluções coloridas e grupos internos democráticos em estados menos livres20. À parte da China e da Rússia, teimosamente iliberais, nenhum Estado parecia contestar a legitimidade de tais eventos, ou por achá-los justos e adequados (Europa)21 ou por não ter poder suficiente para os contestar de forma a não parecer um pária internacional22.
Depois veio George W. Bush, com um programa internacional conservador e com tendências mais isolacionistas23, e o mundo perguntou-se o que seria uma América menos intervencionista. A pergunta não durou muito tempo. Nove meses depois de ter tomado posse Bush vê-se confrontado com um ataque terrorista sem precedentes e transforma o seu programa de política externa contida numa agenda expansionista, que inclui a guerra preventiva24, que nunca tinha figurado – pelo menos explicitamente – nas estratégias consideradas legítimas pelo establishment americano. A utopia liberal ganhou músculos, empurrada por um presidente sem modelos para lidar com o «inimigo invisível» e por um gabinete de guerra composto por nacionalistas assertivos e neoconservadores25, decididos a enfrentar esta ameaça sem Estado nem modelos de defesa como uma ameaça tradicional.
Invadiu-se o Afeganistão, comprovadamente o safe heaven dos terroristas, com a bênção da ONU, e depois o Iraque, sob pretexto da legitimidade que os ataques conferiam a intervenções militares preventivas, e alegando a existência de armas de destruição maciça (que podiam cair em mãos terroristas) que nunca foram encontradas. A intervenção no Iraque não teve consequências imediatas, com a vitória rápida e decisiva das forças americanas no terreno. Mas abriu um ciclo de questionamento da liderança moral norte-americana e cedo se percebeu que os Estados Unidos não estavam preparados para o pós-guerra, anulando a possibilidade da imposição do objetivo a longo prazo: a democratização do caótico Médio Oriente.
Se já havia autores que proclamavam que o Ocidente declinava26, a intervenção no Iraque foi a primeira estocada moral na supremacia do Estado ainda visto por muitos como o líder do mundo livre. A esta seguiram-se mais três: a dificuldade de atuar em dois cenários de guerra simultaneamente, que começou a ser notória por volta de 200527; a emergência económica da China, que em 2008 fez uma organização impecável dos Jogos Olímpicos de Verão; e a reemergência militar da Rússia, que, enquanto os líderes internacionais se juntavam em Pequim para o fecho do evento desportivo, invadiu sem cerimónias a Geórgia, antiga província da União Soviética manifestamente pró-Ocidental, seguida da proclamação da «doutrina Medvedev», que definia unilateralmente o direito russo à sua esfera de influência e prometia represálias a quem passasse dos limites. O Ocidente não respondeu da forma que se esperava. Pelo contrário: a nova presidência (Barack Obama) ofereceu a sua amizade à Rússia, que a declinou28.
A terceira estocada veio em setembro de 2008, dois meses antes das eleições presidenciais, com o colapso da economia americana, que rapidamente se espalhou pelos países mais industrializados, poupando os estados em vias de desenvolvimento, que pela primeira vez na história se candidatavam, através de ações e retórica mais ou menos assertiva, a ocupar a posição de grandes potências internacionais. Já respeitados nas suas regiões como estados poderosos ou mesmo hegemónicos29, a China (principalmente), a Rússia (com menos margem de manobra económica, mas uma grande vontade política de se tornar uma potência), a Índia (desejosa de se ver livre da omnipresença americana), e o Brasil (que desde os anos 1960 esperava por uma oportunidade para se impor relativamente ao gigante vizinho) começaram a contestar o poder norte-americano.
Como se afirmou no início, nem todos os estados (até pelo seu poder económico-militar e as suas potencialidades internacionais) procuram o mesmo. Sabemos hoje que a Rússia é um Estado revisionista, mas podemos calcular que prefere manter-se na sua esfera de influência. A Índia e o Brasil procuram essencialmente três coisas: prestígio internacional e maior representatividade nas decisões transnacionais (de preferência associados a um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas)30; menos intervenção americana nos seus territórios; e uma ordem internacional mais justa, i.e., com maior preponderância nos valores liberais clássicos da soberania e do pluralismo, e uma ordem económica que lhes dê mais oportunidades31.
A China prometeu uma ascendência pacífica, mas tem feito cada vez mais pressão nos seus vizinhos para que estes não cedam ao «pivô da Ásia», e tem vindo a desenvolver uma agenda global alternativa à dos Estados Unidos. Em termos de segurança, a Organização de Cooperação de Xangai tem-se mantido como um fórum em que potências «insatisfeitas»32 e a recente iniciativa de revitalização das Rotas da Seda, bem como da tentativa de dominar o mar do Sul da China têm revelado alguma assertividade que já se vinha tornando aparente nos últimos anos. Já quanto à ordem económica, a China projetou o «capitalismo de Estado» (inventado em Singapura) e projetou-o internacionalmente, primeiro projetando investimento estrangeiro noutros estados (a maioria esquecidos pelas grandes potências) criando as suas próprias redes de interdependência económica, depois através das insípidas cimeiras dos BRICS, que acabaram por se traduzir na criação de instituições internacionais alternativas às constituídas pelo Ocidente33. Não serão estes desafios suficientes para se pensar numa estratégia para preparar o futuro?
RETRAIMENTO, OU A ESTRATÉGIA DA PACIÊNCIA
Apesar do excelente trabalho que tem sido feito acerca das questões do retraimento estratégico, é necessário começar com duas advertências: a primeira é que se usa a expressão «retraimento» (retrenchment) para designar duas coisas diferentes: por um lado, historiadores como Stephen Sestanovich argumentam que o retraimento faz parte de ciclos históricos, que surgem depois de grandes potências terem estendido os seus recursos até ao limite34. Neste caso, Obama parece ser um clássico presidente em retraimento como Dwight Eisenhower e Richard Nixon. Retraimento, neste contexto, é definido como «retirar, gastar menos, diminuir os riscos, e passar aos aliados parte do fardo de liderança», segundo Stephen Sestanovich, um especialista em política externa presidencial do Council on Foreign Relations. «Se John McCain tivesse sido eleito em 2008 ainda teríamos um certo grau de retraimento», disse Sestanovich, «porque era o que o país queria.»35 Ora este conceito é iminentemente histórico e sistémico e está completamente desligado do conceito estratégico de que pretendemos falar aqui: uma escolha consciente que um presidente faz, não apenas tendo em conta os fatores nacionais e internacionais, mas as suas próprias preferências na hierarquia de prioridades.
A segunda advertência é também uma crítica. Os realistas como Paul K. MacDonald e Joseph M. Parent, que são, como já foi referido, os autores que mais se têm debruçado sobre o problema do retraimento estratégico36, dão pouco crédito ao conceito de acomodação, muitas vezes confundindo-o com o de retraimento como sendo uma e a mesma coisa37. Não é. Teoricamente, o retraimento estratégico está em diálogo com a teoria da transição de poder e a teoria do equilíbrio de poder – que querem refutar e evidenciar, respetivamente38 – e as teorias de política externa – para as quais querem contribuir. Estes e outros autores têm vindo a reconhecer que as quatro estratégias tradicionais – o isolacionismo, a contenção, o liberalismo internacionalista e a primazia39 – com as devidas alterações adaptadas ao momento presente, são manifestamente insuficientes para a manutenção da liderança americana no sistema internacional de hoje. Assim, vêm acrescentar novos dados empíricos, defendendo a bondade de uma estratégia que já existia, mas não tinha sido enunciada, nem suficientemente estudada para atingir esse estatuto. O resultado prático é misto. Por um lado, temos uma nova abordagem que pode esclarecer e sugerir novos caminhos quer na política, quer na investigação das ciências sociais. Por outro, temos o problema clássico do eurocentrismo (ou atlântico-centrismo, para usar um termo mais adequado ao momento histórico atual). Há lições políticas para a (ainda) única grande potência (em declínio), mas devota-se pouquíssima atenção ao outro lado da equação: as potências emergentes e os seus desejos relativamente à futura ordem internacional. E a estratégia de acomodação é praticamente o contrário.
Feitas estas advertências, vamos ao «retraimento estratégico». Deve ser entendido como «uma mudança sustentada e significativa para uma grande estratégia menos ambiciosa (…) uma política de diminuição dos custos totais da política externa dos estados em resposta a um agudo declínio relativo»40. Para isso, os estados têm ao seu dispor um número significativo de táticas. Entre elas está a redução de gastos na defesa aplicados no fortalecimento económico interno, o uso de alianças permanentes numa tentativa de burden sharing com estados com os mesmos objetivos estratégicos, ou mesmo a suspensão de alianças mais dispendiosas que eficazes. Por outras palavras, trata-se de «reduzir riscos através da supressão de fraquezas na política externa, ratificando os objetivos de política externa em determinadas áreas geográficas, ou diminuindo o grau de importância atribuído a algumas questões»41.
Ora, esta estratégia tem uma grande desvantagem e uma grande vantagem: a desvantagem é que comporta um enfraquecimento forçado pela própria potência ainda dominante, e que tem garantido o statu quo e a ordem internacional. A retirada, ainda que temporária, pode ter, pelo menos, dois riscos graves: (1) o da criação de um vazio de poder que pode ser ocupado pelo caos (veja-se as consequências da quase-ausência americana no pós-«primavera árabe»)42, ou (2), por potências emergentes, ansiosas por ter um papel mais importante no sistema internacional (veja-se o aproveitamento chinês do declínio americano descrito na secção anterior).
No entanto, apesar dos riscos que esta estratégia comporta, ela pode também ser a única solução para dois problemas usualmente associados ao declínio – sendo esta a sua grande vantagem. Por um lado, Joseph Parent e Paul McDonald desafiam a literatura convencional argumentando que o retraimento estratégico evitou guerras hegemónicas43. A literatura clássica e os seus seguidores recentes avisam que as guerras hegemónicas estão associadas a um de dois fatores: ou uma guerra preventiva desencadeada pelos poderes em posição de statu quo, para evitar que o seu adversário mais direto chegue a tornar-se uma grande potência; ou, pelo contrário, as potências revisionistas ganham força e entendem estar em condições de obter, através da guerra ou da coerção, o estatuto de grande potência que almejam. Uma publicação recente enumera todos os casos existentes nos últimos dois séculos, reclamando que, por um ou outro motivo, nos casos em que houve transição houve, quase sempre, violência44. Ora, a retirada do Estado que detém o statu quo de muitos assuntos complexos e criadores de potenciais rivalidades locais e regionais pode ter a vantagem de amortecer este perigo.
A estratégia tem estado fora das opções do leque americano por três razões: nos casos em que a estratégia surtiu efeitos positivos (no tempo de Nixon, por exemplo), esta simplesmente não foi vista como uma estratégia autónoma, mas como uma cambiante da contenção, a chamada détente; segundo, porque os casos de não conflito são também não casos, nas relações internacionais – daí serem muito pouco estudados até aparecer um paralelismo, como no caso presente; terceiro, os presidentes não anunciam que estão em retraimento estratégico. Fazem-no, simplesmente, ensurdecendo-se relativamente às previsões declinistas académicas e às alternativas que, do seu ponto de vista, não têm a possibilidade de aproveitar. Aqui, reconhece-se Obama e as suas tentativas exaustivas de diplomacia acompanhadas pelo discurso de liderança liberal.
O que nos leva à segunda solução que Parent e MacDonald consideram a mais eficaz, quer em termos quantitativos (o número de ocorrências), quer em termos de resultados (o número de ocorrências positivas). Segundo os autores, o retraimento é a estratégia mais comum em casos de declínio, não só porque os estados que estão a perder poder ainda são mais eficazes que os revisionistas, como porque se as potências de statu quo tiverem uma situação interna funcional (condição necessária para um resultado positivo da estratégia do retraimento), os estados ganham tempo suficiente para se reforçarem internamente, reavivarem velhas alianças e construírem novas. Assim, o período de retraimento permite o restabelecimento das grandes potências, reequilibrando o statu quo ante45.
Os autores avisam que nem sempre é este o resultado final: os vazios de poder têm riscos e as relações internacionais são terreno fértil para choques endógenos e exógenos nestes momentos de incerteza46. Especialmente nesta primeira fase de transição de poder, em que muito está por decidir, sendo provavelmente o mais importante, uma resposta que só o tempo se encarregará de dar: a manutenção da China numa rota de desenvolvimento suficientemente estável, para que a sua economia ultrapasse a dos Estados Unidos já na próxima década, como está previsto47. No entanto, os autores vão argumentando e provando que o resultado menos favorável será a manutenção da paz, e que, em condições favoráveis, os Estados Unidos poderão regressar ao seu lugar cimeiro na hierarquia de poder.
Em última análise, sendo o retraimento estratégico bem-sucedido, este seria a porta que daria continuidade à ordem liberal americana e à integração, nuns casos por consentimento, noutros por coação48, na ordem internacional, a qual os americanos ainda não deram um passo para modificar. Mas é uma estratégia de riscos, de anseios, e de paciência. E, nesse aspeto, Obama parece favorecer um crescimento estável da China, para a poder acomodar49.
ACOMODAÇÃO, OU A ESTRATÉGIA DA NEGOCIAÇÃO
A ideia de estratégia de acomodação arrasta consigo três problemas. O primeiro, é que a sua fonte teórica mais importante, E. H. Carr, fez uma brilhante defesa moral e política deste posicionamento, no sítio errado à hora errada. Na verdade, Carr usou a palavra appeasement, que pode ter um significado muito mais lato. No entanto, fê-lo nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, alegando que não só era moralmente justo acomodar a Alemanha, a União Soviética e o Japão no sistema das decisões internacionais, uma vez que estes tinham conquistado uma posição internacional de poder e prestígio por mérito próprio, como não o fazer teria consequências para a estabilidade do sistema internacional50 .
A teimosia ocidental de se lhes opor (ainda que numa estratégia de contenção) acabaria por degenerar em conflito, uma vez que nenhum Estado poderoso aceitaria ficar de fora das decisões internacionais. Não fossem as potências ascendentes a Alemanha nazi, o Japão imperial e a União Soviética de Estaline, talvez o argumento, aparentemente correto em termos teóricos realistas, tivesse ganho asas. Esta desavença entre a teoria e a história continua a ter consequências. Como argumenta T. V. Paul, há uma realist bias relativamente à acomodação, seguida por todas as outras escolas racionalistas (neoliberalismo e construtivismo) que se centram demasiado na potência decadente, e acreditam que o equilíbrio de poder é, por si só, uma forma de acomodação51.
Os segundo e terceiro problemas estão interligados. Por um lado, a estratégia de acomodação nunca esteve no leque das opções norte-americanas. Desde o princípio da sua história a América foi uma potência ascendente: ganhou a sua independência da Inglaterra, expandiu o seu território, tornou-se a potência regional no hemisfério ocidental, foi acomodada pela Grã-Bretanha no final do século XIX, tentou transformar a ordem internacional no princípio do século XX, e conseguiu-o a seguir à Segunda Guerra Mundial, construindo uma ordem liberal internacional tão revisionista quanto internacionalista, com aliados, mas sem rival, no mundo livre. Passou quarenta anos em Guerra Fria com o seu rival militar e ideológico e ganhou, tornando-se a única potência global. Adotou uma estratégia de primazia que visava não só manter o seu lugar cimeiro no mundo o mais tempo possível, como expandir a sua agenda liberal e universalista o mais longe possível52.
É por isso natural que, confrontado pela primeira vez com o declínio, a acomodação não seja a primeira opção na lista do (ou da) Presidente americano. Além disso, o tema não tem sido suficientemente estudado por académicos americanos, que têm preferido reter a sua atenção nas formas de continuidade de poder e não de declínio – uma das realidades internacionais mais difíceis de aceitar. Mas, mais importante, a acomodação não depende apenas dos Estados Unidos, mas das potências emergentes e das suas exigências. E ainda há grande desconhecimento quer linguístico, quer histórico, quer das políticas externas dos estados que querem concorrer à ordem global. Não é por acaso que os estudos de área têm perdido interesse. E sem este conhecimento é muito difícil fazer uma transição pacífica, uma vez que o fator «afinidade», crucial na acomodação dos Estados Unidos pela Grã-Bretanha53 , não existe nas relações históricas dos Estados Unidos com os estados emergentes. Autores estrangeiros têm-se dedicado a tentar fazer essa ponte, mas ainda é claramente insuficiente54 .
Num recente volume organizado por T. V. Paul, a acomodação – definida como «a adaptação e aceitação mútua por poderes estabelecidos e emergentes, e a eliminação ou redução substancial da hostilidade entre eles»55 – é descrita como um processo verdadeiramente difícil, uma vez que «envolve um ajuste de estatuto, a partilha de papéis de liderança pelo acordo com a pertença a organizações internacionais e aos seus benefícios, e a aceitação de esferas de influência: algo que os poderes estabelecidos raramente oferecem aos recém-chegados», ainda que não envolva, necessariamente, amizade entre estados ou alianças. Nem é inibidor de competição entre estados. Mas exige respeito mútuo – daí a importância da demarcação de esferas de influência – um mínimo denominador comum no que respeita às regras da convivência internacional56, e, também muito difícil, a aceitação de que é um processo «longo» e «gradual», uma vez que implica que «os estados em competição aceitem as normas cruciais da ordem existente como legítimas e válidas»57 (torna-se evidente que o retraimento estratégico é bem mais apetecível para os Estados Unidos).
Mais, uma estratégia de acomodação tem de ter pelo menos quatro vertentes e uma dificuldade à partida: as quatro vertentes são: (1) ideológico-normativa, (2) territorial, (3) económica, e (4) institucional; a dificuldade é que os estados candidatos a grandes potências estão em diferentes níveis de evolução, procurando vantagens diferentes58. Seria menos difícil para Obama negociar as questões da territorialidade – uma vez que o Presidente tem denotado a vontade de deixar esferas de influência entregues aos estados hegemónicos regionais59 –, e da institucionalização – desencadeando um processo de adesão de novos membros permanentes nas Nações Unidas, processo que devido à sua morosidade não teria de completar, e deixaria de herança ao seu sucessor. As questões ideológicas e normativas (bem como as económicas que não são mais que uma extensão das anteriores)60 seriam muitíssimo mais difíceis de negociar. Como referido anteriormente, os Estados Unidos têm um grande apego à sua ordem internacional universalista e ao seu excecionalismo61. Desistir da ordem internacional valorativa que criaram para uma menos entrecruzada com a democracia, como as potências ascendentes preferem, será sempre uma dificuldade acrescida relativamente às ordens internacionais anteriores62. Daí que a forte normatividade e respetiva institucionalização – descrita pelos autores liberais como uma das maiores qualidades da ordem internacional americana – possa vir a tornar-se um impedimento significativo.
No entanto, Paul, que faz um dos primeiros trabalhos completos, como editor, sobre a questão da acomodação, esquece-se de enumerar duas questões fundamentais. A primeira é que pelo menos três fatores tornam os estados ascendentes muito diferentes: a posição geoestratégica, o estádio de desenvolvimento económico e a história de cada um. Estas diferenças desencadeiam não só diferentes mundivisões, como diferentes formas de encarar o papel internacional que cada Estado quer ter no mundo pós-americano.
A China, por exemplo, é o mais perigoso competidor dos Estados Unidos. No entanto, Washington e Pequim foram os protagonistas no sucesso da Cimeira do Clima em Paris. Mas são assumidamente rivais em muitas outras vertentes. Sendo o Estado mais importante na transição de poder, poderia esperar-se, de uma perspetiva realista, que Obama começasse por acomodar Pequim (o que o Presidente parece querer fazer). Por outro lado, os liberais tenderiam a insistir (e Obama não deixa essa hipótese de lado) que uma liberalização da China é possível, mais a mais hoje em que «o sentimento geral é que uma mudança fundamental é agora necessária, devido à subida do número de protestos, corrupção, desigualdade e a ausência de providência de Estado social»63.
Por outro lado, a Índia não parece querer competir por poder militar, mas tem preferências normativas firmes, que a têm impedido de avançar naquilo que o autor chama «acomodação simbólica» em que Washington e Nova Deli estão envolvidos desde 200564. Mas procura transformar a ordem internacional normativa num liberalismo menos internacionalista e mais pluralista, em que a democracia e a sua expansão não estejam no centro das regras do jogo, e onde possa representar os interesses do hemisfério sul, papel em que se sente confortável desde o tempo de Jawaharlal Nehru65. Ora se a Índia não é um Estado fundamental na transição de poder, porque oferece poucas hipóteses de conflito, o alinhamento ou neutralidade indianas poderão fazer uma profunda diferença na interrupção ou continuidade da ordem vigente, bem como contrabalançar um poder ou outro proporcionando opções de transição mais ou menos violentas. Seria o candidato ideal para os liberais (a par do Brasil), até porque apesar das devidas diferenças, é um Estado democrático. Richard Holbrooke favorecia esta opção66, mas Obama pouca atenção tem prestado ao subcontinente – em parte devido à importância estratégica que o Paquistão ainda tem para os Estados Unidos. E o mesmo se aplica ao Brasil, principalmente desde o início do processo de destituição de Dilma Russeff.
O que nos leva à segunda questão. Ao contrário do retraimento, que é uma estratégia integrada (até porque implica a vontade de apenas um Estado), a acomodação é uma estratégia pelo menos parcialmente fragmentada. Parcialmente, porque uma transição de poder pacífica implica um acordo de todos os atores importantes no que respeita às regras da ordem internacional. Fragmentada, porque implica a negociação do papel de cada Estado, caso a caso. As regras que podem deixar a China satisfeita podem não ser as regras que a Índia está disposta a aceitar. Aliás, a probabilidade deste cenário é grande, porque Nova Deli e Pequim são rivais «congelados».
A transição pacífica entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos é um exemplo concreto desta afirmação. Em declínio e rodeada de estados sedentos de encontrar o seu lugar num sistema internacional indefinido, os britânicos tentaram aplicar diferentes estratégias relativamente a todos os emergentes. Aos Estados Unidos propuseram uma acomodação com base na cedência de poder67. No entanto, como é também sabido, a mesma estratégia não foi possível, ou não resultou, com outros estados. É interessante e significativo que a literatura da transição de poder olhe para o caso Reino Unido-Estados Unidos como um sucesso, esquecendo frequentemente que o mesmo não se passou com outros estados exatamente no mesmo cenário internacional68. O que constitui outra lição para Washington: a Grã-Bretanha não escolheu os Estados Unidos por acaso. Fê-lo porque achou que era possível, que era mais fácil de apaziguar que outros rivais. A história podia ser diferente; mas a verdade é que esta acomodação permitiu vitórias em guerras, em momentos determinantes onde o rumo do sistema internacional podia ter mudado significativamente.
Assim, esta estratégia implica escolhas estratégicas: com que Estado quererá Washington negociar em primeiro lugar? Com a China, por ser a mais ameaçadora potência? Com a Índia e/ou o Brasil, que apesar de ressentimentos próprios da «psicologia da emergência»69 poderão ser mais fáceis de acomodar, devido ao menor poder militar e menor vontade de entrar em conflitos armados? É que a escolha da China provocará a alienação da Índia; a escolha aberta de Nova Deli poderá provocar receios chineses, que podem saldar na diminuição do registo da ameaça, ou uma aceleração do revisionismo chinês e o fortalecimento dos laços de Pequim com Moscovo. E a negligência do Brasil aumentará um ressentimento alimentado sucessivamente desde os anos 1960, que conheceu um pico com os mandatos de Lula da Silva70.
O problema da estratégia de acomodação – aquilo a que podemos chamar o dilema Caar – é que não depende apenas do Estado em declínio. Depende também de terceiros, neste caso, um conjunto de potências emergentes, que têm sido profundamente ambíguas nas suas opções de política externa. Se a China proclama a ascensão pacífica, as suas ações demonstram uma tendência cada vez mais assertiva na imposição dos seus projetos, como se tem visto no já tão famoso one belt, one road71. A Rússia tem-se antecipado aos Estados Unidos, criando situações de conflito com países terceiros que ameaçam destabilizar seriamente a já debilitada Europa, e o caótico Médio Oriente onde, até à data, se encontram os mais féis aliados norte-americanos e as mais destabilizadoras ameaças, respetivamente72.
A Índia e o Brasil, menos ameaçadores, têm desenvolvido uma estratégia de soft-balancing que tem contribuído para uma crítica cada vez mais abrangente da ordem liberal americana, reforçada pelo facto de estes estados serem democráticos. Normativamente, se continuarem neste caminho, poderão conseguir transformar a perceção de outros estados importantes como a Turquia ou mesmo o Japão. Finalmente, em conjunto, estes quatro estados (por vezes coadjuvados pela África do Sul) têm desenvolvido paulatinamente uma ordem internacional alternativa, que ameaça a erosão e perda de importância da ordem liberal internacional73. Aconteça o que acontecer, já existem alternativas, algo impensável há uma década. Por isso, se Barack Obama ainda teve o privilégio de não ter de tomar decisões precisas, o mesmo poderá não ser possível para o próximo presidente dos Estados Unidos.
NOTAS FINAIS: RETRAIMENTO OU ACOMODAÇÃO, QUAL O MELHOR CAMINHO?
Num livro recente, Colin Dueck defende que a grande estratégia de Barack Obama foi uma hibridização «de um generalizado retraimento americano e acomodação internacional, em grande parte para permitir que o Presidente se pudesse focar em assegurar heranças liberais internas»74. A primeira parte é verdade: a escassez de meios económicos e o cansaço de guerra levaram os Estados Unidos a prescindir de alguns compromissos internacionais, inclusive em relação à Europa, que continua a perder centralidade na hierarquia de alianças, agora centrada no Pacífico.
Mas é preciso apresentar três argumentos: o primeiro é que Obama pode ter apenas feito uso de uma estratégia de contenção adequada ao budget do Pentágono e falta de vontade política da Casa Branca (contrariamente aos departamentos de Estado de Hillary Clinton e John Kerry, muito mais dispostos a intervir internacionalmente).
O segundo é que num primeiro momento, as estratégias de retraimento e acomodação são muito semelhantes: a grande potência assume um decréscimo do seu poder no sistema internacional e retira-se de compromissos anteriormente assumidos, com especial cuidado para não interferir nas esferas de influência alheias. Pelo caminho, encontra-se com chefes de Estado, negoceia, lidera por detrás. Assim, as estratégias confundem-se, ainda que os riscos de uma e de outra sejam diferentes – o retraimento ameaça pelo vazio de poder e a acomodação porque acomodar um Estado emergente pode alienar o outro e a taxa de sucesso, sem guerra, é muito precária – e os resultados, caso cada uma tenha sucesso, são marcadamente diferentes. O retraimento tem por objetivo o regresso à primazia, enquanto a acomodação tem por objetivo último a reconstrução da ordem internacional.
Em terceiro lugar, e para concluir, se em Barack Obama se verificou um recuo dos Estados Unidos da estratégia de primazia, trata-se apenas de uma herança e a indefinição da estratégia torna-a ainda uma herança mais débil. Donald Trump não fala de ordem, mas o seu discurso está impregnado de uma retórica que tanto pode ser protecionista (pelo menos em termos económicos) como expansionista (pelo menos em termos políticos). Hillary Clinton tem um registo liberal intervencionista, que a poderá levar a desistir do retraimento (ou acomodação) para uma espécie de revivalismo internacional dos tempos do marido, ainda que com um orçamento mais modesto. O que não se pode ignorar é que a ordem internacional, porventura um dos mais invisíveis e cruciais elementos das relações entre estados, está ameaçada. E diz-nos a história que ela tem um momento para ser negociada. Se a janela de oportunidade não for aproveitada, pode ser tarde demais.
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Data da receção: 14 de setembro de 2016 | Data de aprovação: 26 de setembro de 2016
NOTAS
1 SESTANOVICH, Stephen – Maximalist: America in the World from Truman to Obama. Nova York: Knopf, 2014, p. 314.
2 Os mais importantes trabalhos nesta época são de Robert Gilpin, Robert Keohane e J. G. Ruggie. Todos estes livros/artigos, avançavam soluções realistas, liberais e construtivistas, respetivamente, GILPIN, Robert – War and Change in World Politics. Princeton: Princeton University Press, 1981; KEOHANE, Robert O. – After Hegemony. Princeton: Princeton University Press, 1984; RUGGIE¸ John Gerard – «International regimes, transitions and change: embedded Liberalism in the post war economic order». In International Organization. Vol 36, N.º 2, 1982, pp. 379-415.
3 Existe um número considerável de trabalhos sobre a tese da paz democrática. É importante reconhecer que quem deu o pontapé de saída para este programa de estudos foi Jack Levy, em 1988 (LEVY, Jack S. – «Domestic politics of war». In Journal of Interdesciplinary History. Vol. 18, N.º 4, 1988, pp. 653-673), mas, desde então, diversos autores têm tentado encontrar justificações filosóficas (a mais completa coletânea de textos é DOYLE, Michael – Liberal Peace: Selected Essays. Londres: Routledge, 2012) e causais (RUSSETT, Bruce – Gasping the Democratic Peace: Principles for a Post-Cold War World. Princeton: Princeton University Press, 1993; e OWEN, John M. – Liberal Peace, Liberal War: American Politics and International Security. Ithaca: Cornell University Press, 1997). Owen também é referência bibliográfica para as justificações causais. Mais tarde o programa estendeu-se aos estudos quantitativos que pretendiam provar que a paz democrática era uma «lei» das relações internacionais. Entre outros, MESQUITA, Bruce Bueno de, e LAIMAN, David – War and Reason: Domestic and International Imperatives. Boston: Yale University Press, 1992, cap. 5.
4 KEOHANE, Robert O. – After Hegemony: Cooperation and Discord in the World. Princeton: Princeton University Press, 1984.
5 Cf. DOYLE, Michael – Liberal Peace: Selected Essays.
6 Cf. IKENBERRY, G. John – After Victory: Institutions, Strategic Restraint, and Rebuilding Order after Major Wars. Princeton: Princeton University Press, 2001; e IKENBERRY, G. John – The Liberal Leviathan: The Origins, Crisis, and Transformation of the American World Order. Princeton: Princeton University Press, 2011.
7 Esta posição é da autora deste artigo e tem um suporte limitado na literatura. No entanto, explica-se os seus motivos na secção seguinte.
8 Para as várias propostas de projeto democrático ver SOLLER, Diana – «Liga das democracias: haverá um modelo viável para o século XXI?». In Relações Internacionais. N.º 23, 2009, pp. 105-118.
9 KUPCHAN, Charles – No One’s World: The West, the Rest and the Coming Global Turn. Nova York: Oxford University Press, 2012, pp. 131-145.
10 Cf. GOLDBERG, Jeffrey – «The Obama doctrine: the U.S. President talks through his hardest decisions about America role in the world». In The Atlantic. Abril de 2016, pp. 2-65.
11 Ibidem, p. 7.
12 BURGES, Sean – «Mistaken Brazil for a middle power». In Journal of Iberian and Latin American Research. Vol. 19, N.º 2, 2013, p. 287.
13 SESTANOVICH, Stephen – Maximalist: America in the World from Truman to Obama, p. 302.
14 Os principais responsáveis por este novo argumento são Paul MacDonald e Joseph Parent, que escreveram uma série de artigos e estão a preparar um livro sobre este tema. Partes do livro serão citadas neste artigo com a devida autorização dos autores.
15 WALT, Stephen M. – «Obama was not a Realist President: if he had been, he might have avoided some of his biggest mistakes». In Foreign Policy Blog. 7 de abril de 2016.
16 O retraimento estratégico como doutrina ou estratégia de política externa não é uma novidade. Pelo contrário. Diversos autores têm referido o retraimento estratégico como a doutrina usada – com muito sucesso – por Richard Nixon e Henry Kissinger, e alguns até já têm feito a ponte entre as medidas de Nixon e as de Obama (ver, por exemplo, DUECK, Colin – The Obama Doctrine: American Grand Strategy Today. Oxford: Oxford University Press, 2015, p. 16).
17 Este assunto também será debatido mais pormenorizadamente na terceira secção.
18Nye, Robert – Soft Power: The Means for Success in World Politics. Nova York: Public Affairs, 2004, p. 26.
19 Cf. FUKUYAMA, Francis – The End of History and the Last Man. Nova York: Free Press, 2006.
20 GOLDGEYER, James, e CHOLLET, David – America between the Wars: The Misunderstood Years between the Fall of the Berlin War and the Beginning of the War on Terror. Nova York: Public Affairs, 2010, p. 227; PARIS, Roland – At Wars End: Building Peace after Civil Conflict. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, Introdução, pp. 1-12.
21 Aqui usa-se uma versão portuguesa da «logic of appropriatness» de Stephen Krasner.
22 Aqui também se faz uso do conceito de hegemonia de Antonio Gramsci, adotado e transformado pelos liberais nos anos 1980. KEOHANE, Robert O. – After Hegemony.
23 RICE, Condoleezza – «Campaign 2000: promoting national interest». In Foreign Affairs. Janeiro-fevereiro de 2000. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/2000-01-01/campaign-2000-promoting-national-interest.
24 WHITE HOUSE – «The National Security Strategy of the United States of America». 2002. Disponível em: http://www.state.gov/documents/organization/63562.pdf.
25 DAALDER, Ivo, e LINDSAY, James – America Unbound: The Bush Revolution in Foreign Policy. Washington DC: The Brookings Institution Press, 2003, p. 15.
26 COKER, Christopher – Twilight of the West. Londres: Westview Press, 2008.
27 Curiosamente, o primeiro documento oficial que denota a emergência de novas potências e a necessidade de agir perante o novo cenário internacional é a «National Defense Strategy of the United States of America» de 2005.
28 ASH, Timothy Garton – «We friends of Liberal international order face a new global disorder». In The Guardian. 11 de setembro de 2008. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2008/sep/11/1.
29 John Marsheimer aponta no seu livro que o estatuto máximo que um Estado pode alcançar no sistema internacional é o de hegemonia regional. Apesar de os últimos vinte e cinco anos terem provado que a sua teoria está errada, uma vez que os Estados Unidos foram efetivamente uma potência global, a sua tese de que a hegemonia regional é um dado fundamental faz algum sentido. Se não forem respeitados como potências nas suas próprias áreas de influência, será muito difícil procurar um lugar de potência internacional. Cf. MEARSHEIMER, John – The Tragedy of Great Power Politics. Princeton: Princeton University Press, 2001.
30 CHITALKAR, Poorvi, e MALONE, David M. – «India and global governance». In Oxford Handbook of India Foreign Policy. Oxford: Oxford University Press, 2015, p. 586.
31 SOLLER, Diana – «A emergência da Índia e a ordem liberal americana: notas sobre desafios futuros». In Relações Internacionais. N.º 44, 2014, p. 22.
32 Este é o termo usado na teoria da transição de poder. As potências insatisfeitas caracterizam-se pela sua contestação à ordem internacional e ao risco de se tornarem revisionistas.
33 BOYLE, Michael J – «The coming Illiberal order». In Survival. Vol. 2, N.º 58, 2016, p. 40.
34 Este é o argumento geral de SESTANOVICH, Stephen – Maximalist: America in the World from Truman to Obama.
35 GOLDBERG, Jeffrey – «The Obama doctrine: the u.s. President talks through his hardest decisions about America role in the world». In The Atlantic. Abril de 2016, pp. 23-24.
36 Como foi referido anteriormente, esta secção tem por base o livro ainda por publicar dos autores supramencionados, citado com autorização dos mesmos. No entanto, caso haja interesse em consultar artigos mais antigos dos autores sobre o assunto ver: MACDONALD, Paul K., e PARENT, Joseph M. – «Graceful decline? The surprising success of great power retrenchment». In International Security. Vol. 35, N.º 4, 2011, pp. 7-44; e PARENT, Joseph M., e MACDONALD, Paul K. – «The wisdom of retrenchment: America must come back to move forward». In Foreign Affairs. Novembro-dezembro de 2011. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/americas/2011-10-14/wisdom-retrenchment.
37 Cf. PARENT, Joseph M., e MACDONALD, Paul K. – The Twilight of the Titans (no prelo, 2016), cap. 4: «The hegemon hits snooze: 1872 Great Britain».
38 Sobre este assunto ver LOBELL, Steven E. – «Realism, balance of power and power transitions». In PAUL, T. V. (ed.) – Accommodating Rising Powers: Past, Present and Future. Oxford: Oxford University Press, 2016, p. 37.
39 Há vários exemplos da aplicação das velhinhas estratégias ao momento atual. Sendo que o isolacionismo e a primazia estão praticamente postas de lado, deverá prestar-se atenção a ensaios como LAYNE, Christopher – «This time is real: the end of unipolarity and the Pax Americana». In International Studies Quarterly. Vol. 56, N.º 1, 2012, pp. 203-213, que remete para a posição da contenção, e BROOKS, Stephen, IKENBERRY, G John, e WOHLFORTH, William – «Don’t came home America: the case against retrenchment». In International Security. Vol. 37, N.º 3, 2012-2013, pp. 7-51, que fazem um argumento consistente da manutenção do liberalismo internacionalista.
40 PARENT, Joseph M., e MACDONALD, Paul K. – The Twilight of the Titans, Introduction, p. 10.
41 Ibidem, p. 11.
42 Barack Obama considera que o Médio Oriente deixou de ter a importância estratégica que tinha para os Estados Unidos depois da revolução energética.
43 PARENT, Joseph M., e MACDONALD, Paul K. – The Twilight of the Titans¸ p. 12.
44 RIPKIN, David P., e THOMPSON, William R. – China and the United States in the Twenty First Century. Chicago: The University of Chicago Press, 2013, pp. 4 e segs.
45 PARENT, Joseph M., e MacDonald, Paul K. – The Twilight of the Titans, p. 14.
46 OWEN, John M. – The Clash of Ideas in World Politics: Transnational Networks, States, and Regime Change, 1510-2010. Princeton: Princeton University Press, 2010, pp. 4, 9, 75.
47 S. R. e D. H. – «China and American forecasts: catching the eagle». In The Economist. 22 de agosto de 2014. Disponível em: http://www.economist.com/blogs/graphicdetail/2014/08/chinese-and-american-gdp-forecasts.
48 Referimo-nos aqui à conhecida definição de hegemonia de António Gramsci, adotada quer por neomarxistas, quer por neoliberais institucionalistas. A grande diferença é que os primeiros veem a hegemonia americana como forma de repressão e os segundos como uma hegemonia benigna que tem de fazer pontual uso da força para poder continuar a providenciar bens comuns aos estados do sistema internacional.
49 De acordo com um jornalista, Barack Obama terá dito que «Se continuarmos no caminho certo e a China continuar numa trajetória de ascensão pacífica, então teremos um parceiro que está a crescer em capacidade e a partilhar connosco as responsabilidades da manutenção da ordem internacional». Caso continuemos a ler o texto, compreendemos que Obama acredita, tal como Bill Clinton antes dele, que o crescimento chinês, para ser sólido, implica a democratização de Pequim, a única forma de manter a classe média satisfeita e apoiante do regime – ainda que ponha a hipótese de a China se tornar «nacionalista», portanto, mais difícil de acomodar. Cf. GOLDBERG, Jeffrey – «The Obama doctrine: the U.S. President talks through his hardest decisions about America role in the world». In The Atlantic. Abril de 2016, p. 56.
50 CARR, E. H. – Twenty Years’ Crisis, 1919-1939: An Introduction to the Study of International Relations. Londres: Palgrave, 2001, pp. 209-210.
51 PAUL, T. V. – «The accommodation of rising powers in world politics». In Paul, T. V. (ed.) – Accommodating Rising Powers: Past, Present, and Future. Cambridge: Cambridge University Press, 2016, pp. 10-11.
52 BACEVICH, Andrew – American Empire: The Realities and Consequences of u.s Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2002, p. 196.
53 KHONG, Yuen Foong – «Negotiating order during power transition». In KUPCHAN, Charles (ed.) – Power Transition: The Peaceful Change of International Order. Nova York: United Nations University Press, 2001, p. 43.
54 Há inúmeros exemplos, mas para citar a bibliografia mais recente sobre o assunto ver: PAUL, T. V. (ed.) – Accomodating Rising Powers: Past Present and Future; BOYLE, Michael J – «The coming Illiberal order»; Youngs, Richard – The Puzzle of Non-Western Democracy. Nova York: Carneggie Endowment for International Peace, 2015. Estes trabalhos são mais generalistas, mas há inúmeros sobre as pretensões de cada potência emergente.
55 PAUL, T. V. – «The accommodation of rising powers in world politics», p. 4.
56 Ibidem, pp. 4-5.
57Ibidem, p. 17.
58 Ibidem, p. 20.
59 Na sua entrevista à Atlantic, já diversas vezes citada, Obama explicou que os Estados Unidos compreendiam o interesse da Rússia na Crimeia, daí a ausência de interferência. Estas declarações, associadas ao facto de a Europa (em risco devido aos conflitos na sua vizinhança) ser ainda um aliado americano, deixam-nos inferir que os Estados Unidos de Obama estavam dispostos a conceder esferas de influência, mesmo a estados que não tenham dado mostras de amizade ou grande cooperação.
60 Este é o argumento de GALLEGHER, Kevin P. – The Clash of Globalizations: Essays on Political Economy of Trade and Development Policy. Londres: Anthen Press, 2014. Logo na página 1, Gallegher explica sem contemplações que existem desde o início de 2000 dois modelos ideológicos de globalização em disputa. O modelo clássico neoliberal subscrito pelo Ocidente e o modelo misto de capitalismo com intervenção do Estado subscrito pelas potências emergentes. Segundo o autor, esta é uma das vertentes em que tem havido pouca tolerância do Ocidente – daí os inúmeros falhanços das Doha Rounds e o impasse que ainda hoje subsiste.
61 Ver texto referente à nota 15.
62 Sobre as diferenças entre a ordem vigente e a ordem imaginada pelas potências emergentes ver FOOT, Rosemary – «Introduction». In FOOT, Rosemary, GADDIS, John, e HURRELL, Andrew (eds.) – Order and Justice in International Relations. Oxford: Oxford University Press, 2003, pp. 1-23.
63 YOUNGS, Richard – The Puzzle of Non-Western Democracy, p. 63.
64 Esta acomodação simbólica refere-se, obviamente, à integração indiana como potência nuclear no regime de não proliferação, por ação unilateral dos Estados Unidos. No entanto, este gesto, que por si só é um passo em frente na relação dos dois países, esconde, pelo menos dois factos: (1) a profunda divisão entre a elite e a população indiana relativamente a este acordo; e (2) a animosidade que a Índia ainda sente relativamente aos Estados Unidos. Apesar do entusiasmo nos meios académicos relativamente a uma possível conciliação/acomodação entre estes dois estados, a verdade é que o trabalho de campo na Índia, realizado no final de 2014, trouxe-me provas concretas de que as dificuldades de acomodação estão latentes e são profundas.
65HURRELL, Andrew – «Hegemony, Liberalism, and global order: what space for world be great powers?». In International Affairs. Vol. 82, N.º 1, p. 17.
66 SESTANOVICH, Stephen – Maximalist: America in the World from Truman to Obama, p. 311.
67 Como refere Kupchan, os britânicos fizeram uma proposta irrecusável aos Estados Unidos, cedendo em quase tudo, face ao seu declínio naval, que os impedia de abranger o hemisfério ocidental. KUPCHAN, Charles – How Enemies Become Friends: The Sources of Stable Peace. Princeton: Princeton University Press, 2010, p. 75.
68 Ibidem, p. 74.
69 JONES, Bruce – Still Ours to Lead: Rising Powers and Tension between Rivalries and Restraint. Washington DC: Brookings Institution Press, 2014, p. 57.
70 FISHLOW, Albert – Starting Over: Brazil since 1985. Washington DC: The Brookings Institution Press, 2011, p. 159.
71 WILSON, William T – «China’s huge initiative one belt, one road is sweeping Central Asia». In The National Interest. 27 de julho de 2016. Disponível em: http://nationalinterest.org/feature/chinas-huge-one-belt-one-road-initiative-sweeping-central17150.
72 BRANDS, Hal – Dilemmas of Brazilian Grand Strategy. Washington DC: Strategic Studies Institute, 2010, p. V; AHRARI, Ehsan M. – The Great Powers versus the Hegemon. Londres: Palgrave MacMillan, 2011, pp. 114-116.
73 BOYLE, Michael J – «The coming Illiberal order», pp. 57-58.
74DUECK, Colin – The Obama Doctrine: American Grand Strategy Today. Oxford: Oxford University Press, 2015, p. 2.