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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.62 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.23906/ri2019.62r01 

RECENSÃO

 

Uma defesa do nacionalismo e do Estado-Nação

 

Bruno Rocha

NOVA FCSH | Avenida Berna 26 C, 1069-061 Lisboa | brunocrocha97@gmail.com

 

YAEL TAMIR, Why Nationalism, Princeton, Princeton University Press, 2019, 205 páginas, ISBN: 9780691190105

 

O novo livro de Yael Tamir, Why Nationalism, surge num contexto em que a globalização atinge uma escala sem precedentes e a difusão da ideia de um mundo pós-nacional prefigura a substituição do Estado-Nação por novas fórmulas de governação. Yael Tamir mostra que o confronto entre as visões soberanas-nacionalistas e as correntes idealistas-liberais se manteve nas margens do debate político. O ressurgimento do nacionalismo aparece aliado ao espírito coletivista, clamando pelo combate às desigualdades socioeconómicas através da restituição da plenitude do Estado-Nação e da sua intervenção no tecido social.

 

PORQUÊ O NACIONALISMO?

Na primeira de quatro partes, a escrita límpida de Tamir permite compreender a natureza controversa – e, em certos momentos, até nostálgica – da sua tese: a defesa condicional do nacionalismo (p. 24) como ideologia necessária não só para a sobrevivência das democracias modernas, mas também para contrabalançar as consequências da «hiperglobalização» que implicaram a erosão do substrato cultural, político e sensível do Estado: a nação. Porquê o nacionalismo? Yael Tamir afirma que a explicação está na sua força legitimadora (p. 8), tanto para o Estado como para a nação, enquanto pedra angular de um novo contrato social para a maioria vulnerável vis a vis os riscos e as oportunidades do contexto económico mundial.

Enquanto discípula de Isaiah Berlin, Yael Tamir tem consciência da importância e da dificuldade de equilibrar liberalismo e nacionalismo (p. 6). No seu caso, dá primazia ao nacionalismo pela sua força na batalha contra o individualismo desenfreado e observa no novo nacionalismo a força modernizadora. O nacionalismo confere aos indivíduos o sentido transgeracional, a ligação entre passado, presente e futuro (p. 45), o meio para contrariar, por um lado, o afastamento das elites liberais quanto às suas responsabilidades nacionais. A autora analisa à vol d’oiseau a evolução da discussão em torno do nacionalismo, desde do otimismo do pós-guerra, passando pelos picos nacionalistas da Guerra Fria e pelo aprofundamento das instituições europeias nos anos 1990, até ao ano de 2008, pautado pela reemergência do nacionalismo chinês, pelo euroceticismo e pela crise financeira global. Yael Tamir procura perceber o que levou as elites liberais a desatender aos avisos de que nem o Estado-Nação tinha chegado ao fim – uma vez que não se consolidaram novas formas de governação capazes de atuar de forma igualmente eficaz (p. 32), por exemplo, na definição da cidadania, determinando os que pertencem e/ou podem pertencer à nação, historicamente definida pelas tradições e pela cultura –, nem o nacionalismo estava derrotado.

Yael Tamir reserva a segunda parte do seu livro para analisar a relação que o nacionalismo mantém com as noções de democracia, de Estado, de nação, recorrendo – quiçá, de forma assaz simplista –, às exegeses clássicas da literatura sobre nacionalismo – e para justificar a sua pertinência nas esferas sociais, como a educação. A autora começa por sustentar que a democracia moderna depende de uma clara definição de território, e de cidadania (p. 35), a qual fomenta uma ideia de igualdade entre todos os membros da nação, unindo-os a um destino coletivo e incitando a criatividade a fim de trazer benefícios coletivos. A ideia de nação, que decreta os contornos da cidadania, permanece em constante interação com o Estado, no sentido em que este a molda através do nacionalismo. Ao integrar uma ideia de nação que compreende todo o tecido social, o Estado-Nação elimina as diferenças de estatuto social entre os membros, pois, existindo um sentimento nacional de pertença, as disparidades entre classes sociais são atenuadas – ou, no limite, desaparecem. O nacionalismo permite construir uma coligação que perpassa os estratos sociais (p. 86), atraindo-os para um destino, um caminho comum, do qual todos beneficiarão.

Seguindo a literatura clássica, Yael Tamir considera o nacionalismo fundamental para a consolidação da narrativa nacional que, ora por intermédio do desenvolvimento da literatura nacional, ora da expansão da língua a todos os segmentos da comunidade, possibilita a «coletivização da memória» (p. 64), assente em momentos comuns de glória e de desespero. A autora identifica também a influência do nacionalismo no desenvolvimento dos sistemas de educação nacional, que devem ser, na sua tese, instrumentalizados em virtude de introduzir rituais nacionais, solidificando a nacionalidade, difundindo o conhecimento indispensável à participação democrática, preservando, ao mesmo tempo, a liberdade democrática e os laços nacionais (p. 77).

É nos laços nacionais que Yael Tamir, por um lado, vislumbra um nacionalismo do quotidiano (p. 72), que se exprime nos pequenos atos domésticos e pessoais (e.g. no conto de estórias), e, por outro, justifica o nacionalismo no âmbito da psicologia social: afirma que os indivíduos não conseguem viver isolados e salienta os perigos da solidão. Indica-nos que o valor da nação está na inevitabilidade de estar em grupo, visto que os indivíduos necessitam de um «sistema provedor de significados» (pp. 39, 45, 58), ou seja, de um quadro cultural, composto por instrumentos interpretativos do mundo. Inerente a esta necessidade é a imperatividade de reconhecimento por parte dos membros do grupo, a qual faz coincidir a autoestima do indivíduo com a do grupo, e o combate à injustiça, de naturezas várias, que quando exacerbada pelo contexto pode resultar em hostilidade (pp. 46-49, 51).

Com a globalização, as conceções universais tenderam a romper com as filiações locais e nacionais que conferiam significado aos membros de uma nação. Porém, o nacionalismo, ao criar ligames mais fortes, focados na particularidade e no sentimento de solidariedade nacional, apresenta-se resiliente vis a vis as disrupções sociais. Se a nação, por não ser manutenida pelo nacionalismo, se desvanece, então, a democracia e a figura do Estado perecerão. A «escolha racional» será, no raciocínio, a escolha da nação (p. 56).

 

O NOVO NACIONALISMO

A terceira parte de Why Nationalism, que compreende o argumento substancial do livro, trata, primeiro, os efeitos da globalização sobre as conceções de elite, de nação, de Estado, e, depois, aborda a distinção original entre «nacionalismo dos vulneráveis» (nationalism ofthe vulnerable) e «nacionalismo dos abastados» (nationalism of the affluent). À medida que avançava, o globalismo e a cultura do universalismo tornaram-se rivais do Estado-Nação e da cultura nacional (p. 94), erodindo não só a coligação entre classes, mas também a cidadania, a educação nacional, a nação e, por conseguinte, a democracia. A elite liberal apartou-se da nação, desassociando-se da sua comunidade nacional em troca de uma constante mobilidade e transitoriedade internacional. Não obstante, segundo Yael Tamir, a elite liberal poderia ter prevenido o aumento das desigualdades, que vinham crescendo desde os anos 1980 (p. 99). Todavia, ao desvalorizar os efeitos da resposta nacional das massas – o novo nacionalismo –, acabou por sustentar não só a edificação de «duas nações» hostis, onde antes apenas existia uma (pp. 104-105, 115), marcadas por divisões de classe que não se associam e que consomem as premissas da meritocracia e da mobilidade social, como também o enfraquecimento das classes médias ocidentais em relação às homólogas asiáticas, proponentes de uma economia planeada (p. 112). Sem a elite, as massas voltam a apoiar noções de coletivo construtoras de uma única leitura do futuro que mitigue a sensação de alienação, de falta de reconhecimento e de injustiça que, de acordo com Yael Tamir, é experienciada pelos «vulneráveis» com maior intensidade quando as circunstâncias externas o impõem. O novo nacionalismo é racional e calculado, fruto das prioridades dadas aos riscos e às oportunidades, e mediado pela personalidade dos indivíduos (p. 126).

Dentro deste novo nacionalismo, a autora distingue entre dois tipos. Por um lado, socorrendo-se do caso norte-americano, o «nacionalismo dos vulneráveis» é marcado pelo descontentamento da maioria nacional mais afetada pelas dinâmicas da globalização face aos reconhecimentos cultural e político conferidos pelas elites liberais às minorias, ao princípio da diversidade e às políticas de identidade, entendidos como perdas do sentido de nação: a ambiguidade do coletivo nacional determina o desvanecimento da nação (p. 128). Este novo nacionalismo, que para Yael Tamir não é injustificado, nem meramente ridículo – constitui, ao invés, uma «vitória democrática» (p. 135) –, procura o restabelecimento quase-sentimental da nação, do estatuto de membros originários e da solidariedade entre classes. É um nacionalismo bottom-up, contrário aos seus antecessores, que retira poder efetivo aos que se imiscuem das responsabilidades nacionais – a elite liberal – e restabelece o equilíbrio nacional-global. Por outro, examinando a experiência catalã, o «nacionalismo dos abastados» – entenda-se abastado no sentido de ser adotado por nações ditas capazes de produzir bens públicos –, além de ser mais percetível pelas elites porquanto afeta a «integridade do Estado» (p. 148), surge da erosão do poder político e do sentimento de injustiça histórica sentido pelas nações minoritárias aquando da sua necessária assimilação pelo nacionalismo maioritário, prescrevendo uma separação nacional, uma linha de rutura com a solidariedade nacional, ao contrário do «nacionalismo dos vulneráveis» (p. 148).

 

UM NACIONALISMO LIBERAL?

Na quarta parte de Why Nationalism reside a conclusão substancial, em conjunto com a referência a outras contribuições suas anteriores, nomeadamente no que respeita ao seu nacionalismo liberal e ao debate da inclusão. No que concerne ao debate da inclusão, Yael Tamir acaba por concluir que esta tem os seus custos ao afetar a coesão interna e o significado da nação – e, no limite, a manutenção das fronteiras do próprio Estado –, pelo que qualquer assunção de uma abertura total à inclusão deveria ser abdicada, em virtude da preservação da nação (p. 157).

No argumento do nacionalismo liberal, que não se confunde com o foco constitucional (visto como insuficiente) do nacionalismo cívico, o Estado-Nação desempenha um papel fundamental no combate às tensões culturais e na manutenção das filiações culturais e tradicionais, por meio de políticas estruturais efetivas (e.g. educação) de integração e de acomodação dos imigrantes na nação. Esta versão do nacionalismo com nuances de liberalismo apresenta-se, para Yael Tamir, como o alicerce do novo contrato social que perpassa as classes sociais, recuperando a elite para a nação, distribuindo os riscos e as oportunidades da globalização pela maioria vulnerável e assegurando a justiça real e o reconhecimento moralmente necessário (pp. 167 e 180). Um nacionalismo telúrico que coloca os nacionais primeiro, envolvendo algum favoritismo intragrupo morigerado por matizes de tolerância e liberdade vis a vis as minorias nacionais, as quais, embora protegidas e respeitadas, devem ser assimiladas empaticamente na identidade nacional (p. 178).

A pertinência de Why Nationalism prende-se com a vontade de salientar a relevância de uma análise crítica do nacionalismo, que não deve ser ignorada por qualquer noção ingénua de progresso. Do mesmo modo, compreende-se a necessidade de olhar o Estado-Nação, mas, sobretudo, a nação, enquanto quadro histórico-cultural fundamental para as sociedades. Por ser uma postura debatível, no esforço de torná-la sustentável é, porventura, categórica a apresentação de um ecleticismo teórico amplo que nos convide a pensar da mesma forma, o que, todavia, é pouco explorado em Why Nationalism. De facto, ficam para o leitor algumas relações por fazer, mas que, é certo, encontramos na literatura recente, por exemplo, quanto à distinção – ou não –, entre nacionalismo e patriotismo1, ou quanto aos diferentes impactos que distintas variantes do nacionalismo – atentando às particularidades de cada um, as quais excedem aquelas identificadas no novo nacionalismo da autora – têm sobre o comportamento dos estados2.

Além disso, da forma como constitui o seu nacionalismo liberal, Yael Tamir não discute, pragmaticamente, a sua aplicação e nem tem em conta as consequências que este poderá ter, por um lado, internamente, na exigência democrática de uma revisitação crítica às memórias e narrativas nacionais, e, por outro, externamente, ora na continuidade e na subsistência do projeto europeu, que se apoia na articulação sintética e singular entre o Estado-Nação e o quadro das instituições europeias, ora na própria ordem internacional liberal que, assente no multilateralismo, vem sendo, com maior ou menor sucesso ao longo de diferentes distribuições de poder, preservada desde a Segunda Guerra Mundial. O nacionalismo é uma força poderosa, mas a flexibilidade que propõe é, como em qualquer outro caso, questionável. Why Nationalism, de Yael Tamir, é importante na conjuntura internacional porque lança novas respostas a velhas perguntas, mantendo, porém, a principal: porquê o nacionalismo?

 

BIBLIOGRAFIA

CRITTENDON, David – «Differentiating patriotism and nationalism: influence of valence in primes». In New School Psychology Bulletin. Vol. 15, N.º 1, 2018, pp. 1-10.

HEINRICH, Horst-Alfred – «Dimensional differences between nationalism and patriotism». In GRIMM, Jürgen; HUDDY, Leonie; SCHMIDT, Peter; SEETHALER, Josef, eds. – Dynamics ofNational Identity: Media and Societal Factors of What We Are. Londres: Routledge, 2016.

KOCHER, Matthew Adam; LAWRENCE, Adria K.; MONTEIRO, Nuno P. – «Nationalism, collaboration, and resistance: France under nazi occupation». In International Security. Vol. 43, N.º 2, 2018, pp. 117-150. doi: 10.1162/isec_a_00329.

RESENDE, Madalena Meyer – Catholicism and Nationalism: Changing Nature of PartyPolitics. Londres: Routledge, 2014.

SCHROCK-JACOBSON, Gretchen – «The violent consequences of the nation: nationalism and the initiation of interstate war». In The Journal of Conflict Resolution. Vol. 56, N.º 5, 2012, pp. 825-852.

TAMIR, Yael (Yuli) – «Not so civic: is there a difference between ethnic and civic nationalism?». In Annual Review of Political Science. Vol. 22, N.º 1, 2019, pp. 419-434,doi: 10.1146/annurev-polisci-022018-024059.

 

NOTAS

1 Dois contributos recentes neste debate são: CRITTENDON, David – «Differentiating patriotism and nationalism: influence of valence in primes». In New School PsychologyBulletin. Vol. 15, N.º 1, 2018, pp. 1-10; e HEINRICH, Horst-Alfred – «Dimensional differences between nationalism and patriotism». In GRIMM, Jürgen; HUDDY, Leonie; SCHMIDT, Peter; SEETHALER, Josef, eds. – Dynamics of National Identity: Media and Societal Factors of WhatWe Are. Londres: Routledge, 2016, p. 382.

2 Yael Tamir publicou, no passado mês de maio, um artigo (que parece continuar o argumento de Why Nationalism), onde analisa a distinção entre nacionalismo cívico e nacionalismo étnico. Cf. TAMIR, Yael (Yuli) – «Not so civic: is there a difference between ethnic and civic nationalism?». In Annual Review of Political Science. Vol. 22, N.º 1, 2019, pp. 419-434. Não obstante, relativamente à forma como as particularidades de cada nacionalismo motivam diferentes decisões por parte dos estados, seja no que respeita à integração europeia, seja na propensão para a guerra ou para o conflito, salientamos, aqui, os contributos de: RESENDE, Madalena Meyer – Catholicism and Nationalism: ChangingNature of Party Politics. Londres: Routledge, 2014; SCHROCK-JACOBSON, Gretchen – «The violent consequences of the nation: nationalism and the initiation of interstate war». In TheJournal of Conflict Resolution. Vol. 56, N.º 5, 2012, pp. 825--852; e KOCHER, Matthew Adam; LAWRENCE, Adria, K.; MONTEIRO, Nuno P. – «Nationalism, collaboration, and resistance: France under nazi occupation». In International Security. Vol. 43, N.º 2, 2018, pp. 117-150.

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