A Presidência rotativa da União Europeia (UE) tem representado uma potencial via de influência e prestígio para os Estados-Membros. Com efeito, devido às suas funções de gestão de agenda, mediação e representação do Conselho, a Presidência tem oferecido a oportunidade a todos os Estados-Membros, de maneira indistinta, de influenciar a agenda da UE, bem como de reforçar a sua imagem nacional ao contribuírem para a construção de políticas conjuntas europeias. Tais vantagens têm sido particularmente importantes para os Estados-Membros de menor dimensão, tendo em conta o seu menor peso e visibilidade no seio da UE.
Porém, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa em 2009 teve implicações consideráveis para a Presidência semestral, especialmente na área da política externa em que o seu papel foi significativamente diminuído. Embora as presidências portuguesas tenham vindo a ser estudadas segundo diferentes enfoques e perspetivas, não abundam os estudos providenciando abordagens abrangentes e aprofundadas de um ponto de vista das Relações Internacionais2. Os contributos mais significativos desse ponto de vista tendem a ser assaz descritivos, sem um quadro teórico explícito que ajude a guiar a análise ou a relevar os seus resultados3.
O presente artigo visa contribuir para colmatar tal lacuna ao apresentar um estudo sobre as estratégias portuguesas para influenciar a política da UE para África, enquadrado na literatura sobre política externa de pequenos Estados. Parte-se do entendimento que o uso da Presidência constitui uma das várias estratégias que os Estados-Membros de menor dimensão tendem a lançar mão a fim de tentar compensar as limitações estruturais que constrangem a sua possibilidade de exercer influência na UE.
Entende-se relevante enquadrar a Presidência num plano mais amplo, incluindo outras estratégias, visto que na prática tende a haver uma interligação entre essas mesmas estratégias, além de que, como foi referido, a Presidência rotativa perdeu recentemente importância no domínio específico da política externa. Embora Portugal seja por vezes descrito como um Estado de média dimensão no contexto da UE, a problemática deste estudo extravasa tal quadro regional já que o seu ponto de partida situa o país a uma escala internacional, onde faz sentido entendê-lo como um pequeno Estado. Adotar esta perspetiva é também uma forma de tentar escapar a um certo «eurocentrismo» nas abordagens à Presidência, interligando mais os Estudos Europeus e as Relações Internacionais. A área das relações UE-África foi escolhida por se tratar de um domínio onde o país tem sido bastante ativo a tentar influenciar e a contribuir para a ação europeia. O âmbito da análise cobre todo o período de envolvimento português na UE, seguindo uma estrutura essencialmente temática.
O artigo prossegue com um breve enquadramento teórico baseado na literatura sobre pequenos Estados. De seguida, providencia-se algum contexto sobre a política europeia e externa portuguesa, com referência especial a África. Segue-se uma análise das estratégias oficiais portuguesas para influenciar as relações UE-África, em que se engloba a Presidência. O artigo encerra com algumas reflexões finais.
Os pequenos estados e as suas estratégias compensatórias
Os pequenos Estados tendem a partilhar um conjunto de desvantagens que influenciam as suas escolhas de política externa e os resultados que podem alcançar no sistema internacional. Uma desvantagem crucial é a de possuírem menos poder estrutural agregado do que os Estados maiores. O tamanho reduzido das suas populações e economias limita necessariamente as capacidades de que dispõem e os instrumentos de política externa que podem mobilizar, desde logo no domínio militar, mas também diplomático, económico ou cultural. Ao disporem de menos poder estrutural, são parceiros menos atrativos na criação de coligações e com menos opções em negociações internacionais.
Além do mais, atendendo aos seus interesses diversificados têm dificuldade em coligar-se entre si com vista a contrabalançar o poder de Estados maiores. Face a tais desvantagens, os pequenos Estados têm necessidades específicas que se refletem nas suas escolhas e de cuja satisfação depende em grande medida o sucesso das suas políticas externas. Acima de tudo, precisam de um sistema internacional estável e da proteção de Estados mais poderosos ou de organizações internacionais que lhes garantam a sua segurança. Para acautelar as suas necessidades económicas e de segurança têm também de atenuar a assimetria de poder em negociações com Estados maiores, bem como reforçar os seus recursos diplomáticos. Além disso, para poderem prosperar necessitam de uma economia internacional aberta e de se envolver nos mercados internacionais com vista a promover a eficiência e a inovação que os seus pequenos mercados nacionais não propiciam4.
Os pequenos Estados exibem tendencialmente uma preferência por organizações multilaterais, visto que estas diminuem os custos de transação inerentes à atividade diplomática, impõem constrangimentos aos Estados maiores e, nesse sentido, atenuam a assimetria de poder entre Estados. As organizações internacionais permitem-lhes ter acesso a informação, aprender «boas práticas», estabelecer relações, coordenar-se com outros Estados ou realizar acordos, tudo benefícios que de outra forma teriam dificuldade em alcançar devido aos seus limitados recursos. Os secretariados deste tipo de organizações providenciam-lhes um canal de influência, enquanto entidades que influenciam a definição e implementação de decisões conjuntas. Nesse sentido se explica a preocupação em colocar funcionários e cidadãos nacionais nos serviços dessas organizações. Além disso, ao estabelecerem regras, mecanismos de acompanhamento e formas de sancionamento em caso de incumprimento, as organizações internacionais criam um contexto de debate, compromisso e reciprocidade que favorece os pequenos Estados. Daí que, regra geral, estes Estados prefiram estratégias multilaterais, ao invés de abordagens bilaterais5.
Embora a UE tenha uma natureza ambígua, incorpora características de uma organização internacional, podendo ser encarada como uma via multilateral para os seus Estados--Membros. Mas também no âmbito da UE os pequenos Estados têm de fazer face a desvantagens estruturais resultantes designadamente da distribuição desigual de votos no Conselho, do número limitado de deputados no Parlamento Europeu, bem como da reduzida dimensão das suas administrações públicas e serviços diplomáticos6. Essas desvantagens afetam a possibilidade de tais Estados influenciarem os processos e políticas da UE. No entanto, a literatura neste domínio identifica diversas estratégias que os pequenos Estados podem adotar para compensar as suas limitações e, assim, exercer influência no quadro da UE. Entre outras estratégias possíveis, tais Estados procuram seguir um envolvimento bastante seletivo, concentrando esforços num número restrito de áreas e temáticas de importância central. Essa priorização permite-lhes mais facilmente desenvolver uma especialização que, se for prosseguida de maneira coerente ao longo do tempo, poderá contribuir para o seu reconhecimento e maior influência nessas matérias. Além disso, os pequenos Estados tendem a tirar partido de certas características das suas administrações públicas, tais como a informalidade nas comunicações, a flexibilidade dos processos de decisão e a autonomia dos seus funcionários e diplomatas7.
A ocupação de cargos formais no quadro dos diferentes serviços da UE é também uma forma procurada de exercer influência. Tal como uma cooperação estreita com a Comissão Europeia, visto que isso permite obter informação, ganhar tempo na preparação de posições nacionais, bem como conseguir apoio para argumentos e interesses próprios. Os pequenos Estados têm igualmente tendência a prosseguir estratégias negociais que não requerem muito poder material, tais como coligações, persuasão e framing. Como não lhes convém negociar sozinhos, procuram envolver-se em coligações com outros Estados-Membros com interesses convergentes. Além disso, a apresentação de argumentos convincentes e o enquadramento de uma dada questão de forma consentânea com a visão de outros atores europeus é suscetível de produzir melhores resultados do que táticas de negociação mais agressivas, pelo menos em matérias decididas através de votação. Táticas mais afirmativas são mais eficazes em áreas onde vigore a regra da unanimidade, desde que se possuam outras opções além da UE8.
Uma outra estratégia a destacar é a utilização das oportunidades da Presidência rotativa da UE. A possibilidade de liderar os destinos da União, ainda que durante alguns meses apenas, tem representado uma janela de oportunidade de especial importância para os Estados-Membros de menor dimensão, tendo em vista os potenciais ganhos em termos de influência e prestígio9. Ainda que constrangido por fatores tais como a continuidade de temas, desenvolvimentos imprevistos e a regra da «neutralidade», o exercício da Presidência oferece uma oportunidade singular de influenciar a agenda da UE10. Além disso, os pequenos Estados-Membros beneficiam de uma imagem de maior imparcialidade na condução das suas presidências. As suas limitações estruturais tendem a propiciar um papel de mediação (honest broker), o que favorece a sua reputação. O Tratado de Lisboa teve implicações importantes para a Presidência, especialmente em matéria de relações externas. Com a criação de presidências a longo prazo tanto do Conselho Europeu como do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros foi removida uma via de influência11. No entanto, a Presidência semestral continuou a oferecer oportunidades, inclusive no domínio da ação externa, que os Estados-Membros podem aproveitar12.
Portugal, a UE e África
A UE tem representado uma prioridade de topo da política externa do Portugal democrático, reafirmada por diferentes e sucessivos governos. Tal grau de importância e continuidade tem-se estribado num amplo consenso nacional, tanto ao nível das elites como da opinião pública. Não imune a flutuações e adaptações ao longo do tempo, essa relevância e estabilidade geral tem decorrido igualmente do entendimento que o país faz das suas capacidades e limites13. Se as motivações políticas são geralmente destacadas na explicação da adesão portuguesa à então Comunidade Europeia, em 1986, este plano multilateral revelou-se subsequentemente determinante para o desenvolvimento socioeconómico do país, bem como para potenciar o seu papel internacional.
Após uma fase inicial de envolvimento reservado, utilitário e de forte pendor «atlantista», a partir do início dos anos 1990 o posicionamento português na UE evoluiu gradualmente para uma postura de maior visibilidade, mais integracionista ou «europeizada»14. Estar no «pelotão da frente» da construção europeia - em matérias como Schengen, o euro ou mesmo quanto à PESC/PESD e ao alargamento - é encarado como necessário para compensar os riscos de marginalização nas novas dinâmicas europeias do pós-Guerra Fria. Face aos dilemas da integração, são assumidos riscos em termos de autonomia em troca de potenciais ganhos de influência decorrentes de um maior envolvimento nos processos decisórios da UE15. Embora se possa entender que em geral Portugal represente mais um policy-taker do que um policy-shaper, tal como para os demais Estados-Membros, a sua influência na UE é melhor avaliada de maneira específica já que esta tende a variar de área para área. A abordagem portuguesa no plano europeu tem sido em regra cooperativa e positiva, procurando contribuir de maneira consistente para a construção de compromissos e consensos. Em termos substantivos, o país tem enfatizado princípios tais como a igualdade formal entre Estados-Membros, a coesão económica e social, bem como a abertura da UE ao mundo16.
Portugal tem demonstrado particular interesse pela ação externa da UE, distinguindo-se nisso de outros Estados-Membros com dimensão similar. Ao contrário de domínios em que a influência do país é mais flagrantemente constrangida pelas suas limitações estruturais, na área da diplomacia Portugal pode valer-se de recursos importantes relacionados nomeadamente com a sua localização geográfica, história e cultura. Assim, Portugal tem procurado realçar a relevância estratégica do seu território, bem como os seus laços «especiais» em diferentes regiões do globo decorrentes da sua longa experiência histórica, com vista a reforçar o seu perfil e influência enquanto Estado-Membro. De igual modo, o país tem tentado tirar partido dos benefícios que a UE pode trazer à sua própria política externa nacional, designadamente em termos de estatuto e meios. A «vocação global» da política externa portuguesa ajuda a entender que Lisboa tenha em geral sido favorável à expansão e reforço do papel internacional da UE, não deixando com isso de evidenciar certas condições e preferências próprias17.
Em relação à dimensão mais marcadamente política das relações externas da UE a postura portuguesa tem sido cautelosa (mormente em matéria de segurança e defesa), favorecendo uma evolução gradual, de carácter intergovernamental, inclusiva e complementar ao papel primordial da Aliança Atlântica18. Embora contribuindo de maneira construtiva para desenvolvimentos relativos a outras áreas geográficas do globo, o país tem mostrado especial empenho e dinamismo no reforço das relações da UE com o Sul, onde se encontram localizadas todas as suas ex-colónias19. O «saldo» da participação de Portugal na PESC/PESD é geralmente considerado como positivo, designadamente por terem sido contempladas a nível europeu algumas das principais prioridades da política externa portuguesa20.
África tem sido uma área geográfica prioritária da atuação portuguesa ao nível das relações externas da UE. O grau de importância que Portugal lhe tem atribuído tem sido superior ao da maioria dos demais Estados-Membros, o que em dados momentos representou um constrangimento para os seus objetivos neste domínio, mas em certa medida também uma oportunidade. Tal importância concedida a África é mais facilmente comparável ao caso de outros países europeus com um passado colonial recente na região, particularmente a França. Além disso, a relevância para Portugal entende-se melhor se se tiver em conta que não abundam as áreas geográficas em relação às quais o país disponha de vantagens competitivas fortes ou da possibilidade de deixar uma marca específica significativa na ação internacional da UE.
Motivações político-diplomáticas parecem ter influenciado de maneira preponderante o envolvimento português neste domínio da UE. Portugal tem procurado afirmar um papel de intermediário ou «elo» nas relações UE-África, fundamentado nas ligações «privilegiadas» e na política de longa data do país em relação ao continente africano21. Tal aposta na complementaridade entre a Europa e África foi uma forma encontrada pelas elites nacionais de reconciliar duas dimensões centrais da política externa portuguesa22. Ao ligar os dois planos o país tem visado cimentar uma identidade diplomática específica, bem como ampliar a sua influência a nível europeu e internacional.
Assim, desde muito cedo e de maneira consistente, a diplomacia portuguesa empenhou-se em promover o reforço do relacionamento económico e político da UE com África. Embora numa fase inicial os esforços portugueses via Bruxelas estivessem muito centrados nas suas ex-colónias, o âmbito das suas iniciativas foi-se subsequentemente alargando e sistematizando23. A realização das cimeiras UE-África durante as presidências portuguesas de 2000 e 2007 teve um papel importante na materialização do papel do país enquanto promotor de diálogo e criador de «pontes», permitindo-lhe contribuir de maneira efetiva e muito visível para a produção de ganhos partilhados nessas relações inter-regionais24.
As estratégias de Portugal nas relações UE-África
Nesta secção são sucintamente analisadas algumas das principais estratégias definidas e implementadas pelas autoridades portuguesas no sentido de influenciar a política da UE para África. Embora a sua apresentação seja feita de forma separada e algo esquemática, na prática tais estratégias compensatórias são frequentemente combinadas ou encontram-se interligadas. Em função da sua relevância e por razões de espaço, as estratégias destacadas são as seguintes: multilateralismo, especialização, coligações, uso da Presidência rotativa.
Multilateralismo
A adoção por parte de Portugal de uma estratégia multilateral europeia para as relações com África decorreu da própria adesão do país à CEE, visto que na altura Bruxelas dispunha já de políticas direcionadas para esse continente. Tais políticas integravam o acervo comunitário que Lisboa teve necessariamente de subscrever. Subsequentemente, o grau de envolvimento português nessa via multilateral refletiu em grande medida o nível de empenhamento europeu do país, bem como a importância que Portugal tem atribuído às relações Europa-África. Enquanto Estado-Membro o país passou a poder participar e influenciar os processos de decisão europeus relacionados com matérias africanas.
Mas, tal como para os demais Estados-Membros de menor dimensão, esse envolvimento multilateral trouxe vantagens suplementares, quer de um ponto de vista «defensivo» quer «ofensivo». Por um lado, a UE representou um fator de proteção contra rivalidades entre países europeus, bem como face a outros atores e dinâmicas internacionais. Sendo África um domínio tradicional de competição entre potências europeias, os mecanismos institucionais de cooperação da UE serviram para atenuar em parte tais rivalidades, nomeadamente envolvendo a França e o Reino Unido.
Além disso, a cobertura e escala da atuação conjunta europeia ajudou a lidar com certos desenvolvimentos africanos ou com o papel de outros atores externos na região, designadamente a União Soviética e, mais tarde, a China. Por outro lado, a UE serviu como plataforma potenciadora da influência do país a nível europeu e internacional. Ao combinar os seus laços «especiais» em África com os meios do quadro multilateral europeu Portugal pôde mais facilmente substanciar um papel específico nas relações UE-África, com implicações para o seu prestígio e influência internacional25.
Tendo em conta essas vantagens compreende-se que em geral o país tenha sido favorável a «mais Europa» em África. No entanto, tal aposta esteve longe de ser exclusiva ou estanque. Outras vias multilaterais (principalmente a CPLP e a ONU) ou bilaterais (com cada um dos PALOP ou com os Estados Unidos) foram igualmente prosseguidas e, inclusive, privilegiadas em dados momentos, quanto a certas matérias ou em relação a certos países, especialmente as ex-colónias portuguesas26. Estes diferentes canais têm sido maioritariamente apresentados como compatíveis e complementares, sendo a sua adequada articulação encarada como uma forma de garantir autonomia estratégica, maximizar oportunidades e afirmar a identidade internacional do país enquanto fazedor de «pontes»27. Questão diferente é, naturalmente, aquilatar em que medida tais sinergias têm sido prosseguidas, na prática, de forma consistente e efetiva.
Especialização
Antes ainda da adesão formal à CEE, as autoridades portuguesas identificaram África como sendo um domínio ou «nicho» onde o país poderia desempenhar um papel específico relevante no que toca às relações externas europeias. Tal priorização foi propiciada pelo estreito leque de interesses nacionais suscetíveis de serem promovidos de maneira profícua a nível europeu, bem como pelos laços históricos do país com os PALOP e o interesse destes últimos em poder contar com o apoio português em Bruxelas.
O papel que Portugal entendeu desempenhar nas relações Europa-África foi o de «interlocutor privilegiado», promovendo de maneira útil e diferenciada o estreitamento de relações entre os dois continentes28. Visando tal afirmação, as autoridades portuguesas esforçaram-se por enfatizar as especificidades do país, designadamente face a outros Estados-Membros também com laços africanos. Assim, a dimensão do país foi aventada como menos suscetível de produzir o tipo de intervencionismo por vezes presente na ação de outras ex-metrópoles de maior dimensão29. É também notória uma concentração de esforços com vista a apoiar a expertise africana do país no plano europeu.
Desde cedo houve a preocupação em assegurar a presença de portugueses nos serviços comunitários relacionados com África, tanto em Bruxelas como no terreno. O pelouro da Comissão Europeia relativo a aspetos de desenvolvimento e à cooperação com África foi um alvo privilegiado30. Lisboa procurou igualmente nomear portugueses para postos-chave nas delegações europeias em África, particularmente nos países lusófonos31. Além disso, empenhou-se em contribuir de maneira substantiva para a formulação de programas da UE relacionados com África, bem como em promover novas iniciativas, especialmente no quadro das suas presidências32. A consistente prossecução desta especialização ao longo do tempo ajudou ao reconhecimento e influência do país em matérias africanas.
Tal especialização a nível europeu fez-se a par com um reforço da política bilateral ou nacional do país em África, principalmente em relação aos PALOP. Além disso, não foi livre de dificuldades. Entre elas conta-se seguramente a baixa prioridade de África para a UE de um ponto de vista político, sobretudo num momento inicial. Durante os anos 1990, com a desvalorização estratégica do continente africano decorrente do final da Guerra Fria, poucos eram os Estados-Membros com um interesse genuíno pela região. Mas se o reorientar de grande parte da atenção europeia para Leste, então verificado, foi certamente um desafio, parece ter igualmente propiciado espaço e visibilidade ao papel de Portugal nas relações UE-África. Malgrado alguma vontade nacional de diversificação, a necessidade de promover um certo equilíbrio geográfico nas relações externas da UE parece ter sido uma razão adicional para a persistência desta área tradicional de especialização.
Coligações e outras estratégias negociais
A abordagem portuguesa no contexto das relações UE-África tem-se caracterizado em geral por um certo «otimismo» quanto à evolução do continente africano. Além disso, tem favorecido uma perspetiva regional e abrangente em termos temáticos, priorizando o apoio aos países africanos menos desenvolvidos e assumindo uma postura moderada ou conciliadora em assuntos políticos. Na prossecução de tal abordagem, Portugal tem tido na Comissão Europeia um importante aliado, sobretudo em matérias com uma componente mais económica.
Tal como para outros Estados-Membros da mesma componente, uma colaboração estreita com a Comissão tem-lhe sido particularmente útil para obter informação e apoio para os seus pontos de vista. Talvez o exemplo mais flagrante disso tenha ficado patente durante o mandato de Durão Barroso enquanto presidente da Comissão Europeia entre 2004 e 201433. O país tem também procurado coligar-se com outros Estados-Membros com perspetivas convergentes, segundo uma «geometria variável». A Alemanha tem representado um parceiro de monta, nomeadamente devido à sua abordagem integracionista e regional. Partilhando um importante interesse por África, Portugal tem tido desde o início uma larga sintonia com a França e a Bélgica, sendo que mais recentemente a cooperação com a Espanha e a Itália ganhou relevância. O Reino Unido foi até há pouco tempo outro Estado-Membro like-minded, embora as convergências tenham variado bastante em função das matérias e da geografia africana. Tem naturalmente havido outros parceiros de coligação, mas de maneira mais pontual.
Durante entrevistas com diversos diplomatas portugueses resultou clara a consciência da necessidade de ser credível ou de apresentar argumentos convincentes para ter influência no seio da UE. Tal foi enfatizado, por exemplo, em relação às atividades de interceção pelos PALOP junto de Bruxelas, notando a importância de apresentar razões válidas e úteis para se ser escutado e poder persuadir parceiros. Também é notória a preocupação que as autoridades portuguesas têm tido em formatar certas questões segundo uma perspetiva europeia. Isso transparece da própria construção do papel do país enquanto intermediário, promovendo interesses e valores comuns, ou do realçar de interdependências, descrevendo a segurança e o desenvolvimento africanos como também do interesse da UE34.
Parece ter havido aqui um processo de aprendizagem gradual em termos do nível de sofisticação dos argumentos, porventura ainda com margem para melhorar. O grande uso de tais estratégias negociais ditas «suaves» não significa que em dados momentos não tenham sido seguidas táticas mais afirmativas, particularmente em matérias decididas por unanimidade. Por exemplo, durante os anos 1990٠ Lisboa terá bloqueado a adoção de uma posição comum sobre direitos humanos em Angola35. Também por essa altura, numa fase preliminar da negociação do Acordo de Cotonu, Lisboa ameaçou rever o seu envolvimento nas relações UE-África, caso a negociação não trouxesse um reforço desse relacionamento36.
A Presidência
Portugal tem feito grande uso das oportunidades da Presidência rotativa da ue em matérias relacionadas com África. Um enfoque africano foi já visível durante a primeira Presidência, em 1992, malgrado a margem de manobra limitada37. Com efeito, apesar do contexto externo pouco propício e da preocupação principal em fazer uma «boa Presidência», as autoridades portuguesas aproveitaram a ocasião para envidar esforços no sentido de aumentar a atenção e o apoio europeu a desenvolvimentos africanos, sobretudo na região subsariana.
Os resultados da Presidência neste campo não foram fartos, mas destaca-se o reconhecimento dos cinco PALOP enquanto grupo regional, de base linguística e cultural, no quadro da Convenção de Lomé. Esse passo vinha já sendo perseguido pelas autoridades portuguesas desde 1988, o que sublinha a importância do exercício da Presidência. Além disso, se a ambição inicial do país em incluir África enquanto região prioritária da futura PESC não se concretizou, as conclusões da Presidência retiveram tal relevância para o Magrebe, o que foi entendido como servindo o interesse nacional de reequilibrar a atenção europeia em relação ao Sul38.
Num quadro bastante diferente, a segunda Presidência portuguesa, em 2000, assumiu um enfoque africano mais pronunciado39. Enquanto Estado-Membro já plenamente integrado e mais experiente, Portugal adotou objetivos mais ambiciosos, tendo procurado aproveitar a oportunidade da Presidência para se afirmar como um dos principais promotores de um diálogo político integrado entre a UE e toda a África. Entre os vários resultados alcançados nesse contexto sobressai a organização da 1.ª Cimeira UE-África, através da qual o país revelou capacidade de iniciativa e liderança. Decorrente de uma proposta portuguesa lançada quatro anos antes, tal concretização deixou uma marca clara do país neste domínio da agenda externa europeia.
Também a terceira Presidência portuguesa, em 2007, concedeu grande atenção ao continente africano. Beneficiando de uma conjuntura favorável e já sob o figurino do «trio de presidências», o objetivo de realizar em Lisboa a 2.ª Cimeira UE-África foi mesmo apresentado como uma prioridade40. Entre outras realizações, a concretização da cimeira e a aprovação da Estratégia Conjunta UE-África revelou a capacidade do país em projetar interesses nacionais e simultaneamente contribuir para objetivos partilhados, o que reforçou a imagem do país a nível europeu e internacional. O facto de a cimeira ter estado prevista para Lisboa em 2003, novamente evidencia a relevância do uso da Presidência enquanto estratégia de influência.
Conclusão
A análise conduzida neste artigo permitiu identificar e avaliar algumas das principais estratégias adotadas pelas autoridades portuguesas no sentido de influenciar a política da UE para África. Nesse âmbito, o uso da Presidência rotativa surgiu como uma estratégia muito importante, tendo contribuído gradualmente para projetar Portugal para além do espaço lusófono africano, bem como para a afirmação de um papel específico do país no âmbito da ação externa europeia. Mas apesar da sua relevância, tal estratégia esteve longe de ser exclusiva, antes surgindo em paralelo ou combinação com outras. Se não coube aqui explorar tais interligações, resulta evidente que elas existiram.
É sabido que no contexto do exercício da Presidência a coordenação com outros Estados-Membros, bem como uma cooperação estreita com a Comissão e outras instituições europeias é de importância central. Além disso, é difícil de conceber que, sem todo o trabalho prévio de priorização, concentração de esforços e desenvolvimento de uma expertise, a influência que o país veio subsequentemente a ter sobre a agenda africana da UE, no quadro das suas presidências, pudesse ter sido possível.
O enquadramento teórico desta pesquisa ajudou a guiar a análise e a lançar um novo olhar sobre as presidências portuguesas da UE, enquanto exemplo de uma estratégia compensatória passível de ajudar o país a mitigar a sua condição de pequeno Estado. Esta visão de conjunto, mais sistemática e analítica, traz um contributo para a literatura sobre política europeia e externa portuguesa, com referência especial a África. Oferece também elementos empíricos que corroboram as expetativas gerais de estudos teóricos sobre política externa de pequenos Estados. Além disso, ao relacionar abordagens das Relações Internacionais (no que toca às estratégias portuguesas) com outras mais derivadas da Ciência Política (no que toca à Presidência) espera-se ter relevado a importância do diálogo entre diferentes perspetivas e disciplinas neste campo.
De um ponto de vista prático, ao colocar em perspetiva as anteriores presidências portuguesas, este estudo ajuda a encarar melhor as implicações do Tratado de Lisboa para os próximos exercícios da Presidência. Convém desde logo notar que, se a Presidência perdeu relevância em matéria de política externa, tais mudanças afetam, obviamente, todos os Estados-Membros, não apenas Portugal. Além do mais, essas alterações são supostas trazer benefícios ao conjunto da UE, particularmente em termos de efetividade, sendo que, a 27, o exercício da Presidência tornou-se um evento muito espaçado no tempo. Assim, cabe a cada Estado-Membro tentar tirar o melhor partido das oportunidades que a Presidência semestral continua a oferecer. A literatura comparada sobre este aspeto fala da necessidade de os Estados-Membros de menor dimensão utilizarem de maneira inteligente as suas próprias vulnerabilidades a fim de maximizar a sua influência41. Tal smart state strategy, englobando uma atuação enquanto «lobista», «mediador» e «empreendedor», no fundo, integra e sistematiza várias das estratégias consideradas neste artigo, além do uso da Presidência.