«Em termos simples, as questões comerciais tornaram-se demasiado políticas para serem submetidas a exigências puramente do mercado. Portanto, as negociações comerciais serão sempre difíceis e impopulares por uma razão importante: os benefícios do comércio raramente são imediatos e visíveis, enquanto os custos são visceral e instantaneamente sentidos.»
Zaki Laïdi2
O comércio internacional tem um papel crucial no bem-estar material do ser humano. Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, está na origem de tensões sociais e políticas, internas e internacionais, de maior ou menor grau de amplitude e conflitualidade. Em parte, isso ocorre pelo facto de o mundo continuar organizado em entidades políticas soberanas (Estados), sendo o bem-estar das suas populações - não o bem-estar da globalidade - uma responsabilidade política maior dos governos nacionais. Ao mesmo tempo, as unidades políticas soberanas, sobretudo quando são grandes potências, tendem a usar o comércio como instrumento não só para a riqueza (bem-estar), mas também para os seus objectivos de poder. Para além disso, o comércio internacional está, pelo menos nas economias desenvolvidas, no centro de pulsões contraditórias do ser humano. Enquanto consumidor este quer ter acesso a um espectro alargado de produtos que satisfaçam as suas necessidades básicas, mas também as mais sofisticadas, a preços mais baixos e/ou com mais qualidade, beneficiando da concorrência e avanços tecnológicos, dentro e fora da economia nacional. Enquanto trabalhador deseja estar protegido, não estando sujeito a uma concorrência que pressiona os salários e outras regalias sociais para uma contenção ou redução. Mas, com a globalização, a concorrência é-lhe movida dentro e fora da economia nacional um pouco por todo o mundo onde há uma similar produção de bens ou serviços, quando estes são transaccionáveis nos mercados internacionais.
Tudo o que anteriormente foi mencionado acabou por se repercutir - e com grande intensidade - na Organização Mundial do Comércio (OMC), a instituição internacional de referência nesta área. Mas o que aconteceu à OMC que, fundada com assinalável entusiasmo e expectativas elevadas nos anos 1990, vinte e cinco anos depois parece ter um papel cada vez menor no comércio multilateral global, tendo mesmo o seu director-geral, o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, decidido abandonar o cargo antes do final do seu mandato?3 Importa notar que, dada a complexidade do assunto, acrescida do facto de o tema estar muito ligado a desenvolvimentos em curso na economia política internacional (desde logo, o conflito comercial Estados Unidos-China e o impacto da pandemia de covid-19), se optou por efectuar aqui apenas uma análise exploratória focando nos aspectos com mais histórico e mais estabilizados desta problemática. Assim, para encontrar pistas de resposta a esta questão, foi usada uma metodologia de tipo qualitativo suportada pela pesquisa nos textos/documentos oficiais e por uma abordagem, ainda que selectiva, à literatura relevante sobre a OMC. Acresce adicionalmente o recurso a um estudo empírico (um índice compósito de globalização), o qual permitiu ainda a obtenção de alguns dados quantitativos. Quanto à abordagem efectuada, está estruturada da forma que a seguir se indica. Num primeiro ponto é passado em revista o sistema comercial contemporâneo, o que levou a colocar em paralelo - e a traçar a evolução - o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) para a OMC. Em seguida, é analisada a transformação do optimismo inicial em torno da organização para uma gradual descrença devido ao fracasso da Ronda de Doha. A forma de tomada de decisão na organização e o sistema de resolução de litígios de comércio internacional são em seguida analisados pela sua relevância nesse contexto. Por último, são analisadas as tendências contraditórias de globalização e de desglobalização que se detectam na última década e o seu impacto no comércio global. A abordagem é concluída com breves reflexões sobre o futuro da OMC, sendo ainda apontadas novas pistas para investigações mais aprofundadas sobre esta temática.
O sistema comercial global contemporâneo: origem e traços fundamentais4
As raízes do sistema comercial global contemporâneo encontram-se numa era pré-globalização, à saída da Segunda Guerra Mundial, nos Acordos de Bretton Woods (1944). Esse período foi determinante para a configuração do mundo tal como ainda hoje o conhecemos. A par do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), estava prevista a instituição de uma Organização Internacional do Comércio (OIC). A criação de um sistema comercial multilateral procurava impedir um regresso ao nacionalismo económico, como ocorreu nos anos 1930, visto como parte de uma complexa engrenagem de tensões e rivalidades que levaram ao conflito militar. Todavia, a OIC acabou por não se concretizar. Para o seu abandono foi decisiva a não ractificação pelo Congresso dos Estados Unidos, que recusou a vinculação do país a um abrangente compromisso comercial multilateral. É uma ironia histórica com paralelismos com o mundo actual que exploraremos ao longo desta análise, pois importa lembrar que os Estados Unidos foram o principal impulsionador dos Acordos de Bretton Woods e também da própria OIC.
A ambição limitada do acordo geral sobre tarifas aduaneiras e comércio (GATT)
Em 1947 foi adoptado um compromisso comercial limitado nos seus propósitos, baseado numa parte do dispositivo da Carta de Havana - que seria o tratado instituidor da Organização Internacional do Comércio. O GATT era visto como um compromisso transitório, para funcionar apenas até à entrada em funcionamento da OIC. Não foi assim que aconteceu. Quando emergiu a actual globalização, na segunda metade dos anos 1980, ainda era esse o quadro de regras e institucional existente para o comércio internacional. Com o sistema do GATT surgiram diversas regras e mecanismos para facilitar as trocas comerciais, entre os quais se destacam os seguintes: (i) diminuição gradual dos direitos aduaneiros; (ii) aplicação da cláusula da nação mais favorecida entre todos os membros; (iii) criação de um sistema multilateral garantindo o acesso de novos países aos mercados externos; (iv) afastamento de obstáculos não pautais, ou seja, outras medidas públicas que não são direitos aduaneiros mas criam distorções nas trocas comerciais. No âmbito do GATT foi desenvolvida, periodicamente, uma actividade de negociação multilateral com vista à redução dos direitos aduaneiros. Nos primeiros tempos as negociações eram restritas a produtos industriais e às tarifas aduaneiras sobre estes. A partir do Kennedy Round, nos anos 1960, assistiu-se a um alargamento das matérias sujeitas às negociações comerciais. Nessa altura, ocorreu também um grande aumento do número de Estados subscritores do GATT. Esse duplo aumento - de Estados e de matérias negociais -, apesar de um sinal de sucesso, trouxe também consequências negativas. A mais óbvia foi o enorme aumento da complexidade das negociações, com reflexos nos seus resultados.
A ambição globalizadora da Organização Mundial do Comércio (OMC)
A OMC5 corresponde, de alguma maneira, ao ressurgimento da ideia de uma organização comercial internacional no âmbito do sistema das Nações Unidas (a já referida OIC dos anos 1940). Importa lembrar aqui as principais razões que levaram à sua criação. Ao longo do tempo, o sistema comercial do GATT evidenciou intrínsecas debilidades no seu funcionamento, desde logo no seu objectivo de evitar abordagens proteccionistas ou mercantilistas ao comércio internacional. Em muitos dos seus membros subsistia uma concepção de tipo neomercantilista das trocas internacionais, em que as exportações são vistas como um objectivo fundamental, e, paralelamente, se procura travar as importações. Em parte, esse problema resultou da ausência de formulação de uma política comercial global, ou seja, de uma abordagem abrangente dos problemas do comércio internacional. O comércio internacional foi objecto de acordos relativamente restritos, sobretudo centrados nas tarifas aduaneiras e outras restrições pautais. Um outro problema estava ligado ao uso e abuso das cláusulas de salvaguarda por muitos países, as quais perturbaram o bom funcionamento do sistema comercial internacional e mostraram a existência de um proteccionismo sofisticado. O GATT também não estava particularmente vocacionado para as relações comerciais entre os países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos (ou países avançados e países menos avançados, numa terminologia mais recente), pois nasceu, fundamentalmente, como uma organização comercial de países desenvolvidos. Só a partir dos anos 1970 se passaram a implementar regimes comerciais preferenciais a favor dos países menos desenvolvidos, na sequência da pressão política da II UNCTAD, realizada em 1968, em Nova Deli, na Índia.
A OMC surgiu, assim, para aprofundar e ampliar o sistema comercial multilateral do GATT6, que resultou, como anteriormente explicado, das contingências da não criação da organização internacional inicialmente prevista. As principais inovações da OMC foram as seguintes: (i) compromissos de pleno direito com carácter permanente; (ii) para além do comércio de mercadorias, inclusão do comércio de serviços e dos aspectos de direito da propriedade intelectual ligados ao comércio, tal como já acontecia nas últimas rondas negociais do GATT; (iii) supervisão de todos os acordos tipificados como multilaterais, ou seja, subscritos por todos os seus membros (o GATT representava um instrumento multilateral mas condicionado por acordos selectivos e de carácter plurilateral); (iv) inclusão de um Órgão de Regulação de Diferendos - algo que o GATT não dispunha -, o qual, pela sua relevância, será analisado em detalhe mais à frente.
Do optimismo à descrença no sistema multilateral global
Na altura da criação da OMC, em parte devido ao optimismo dos primeiros tempos da globalização - o qual acompanhou o final da Guerra Fria -, as expectativas em torno da organização eram bastante elevadas. Esperava-se que esta pudesse iniciar e concluir um abrangente ciclo de negociações do comércio internacional num mundo cada vez mais globalizado, que superasse amplamente os resultados obtidos na Ronda do Uruguai (1986-1994), a última do GATT. Na realidade, isso nunca aconteceu. Em finais dos anos 1990, em Seattle, nos Estados Unidos, deu-se uma tentativa falhada de lançar a ronda do milénio. Na prática, acabou por ser uma vitória para os movimentos antiglobalização e/ou alterglobalização da época, que se manifestaram ruidosamente nas ruas, por vezes de forma violenta. É verdade que a tarefa da OMC não foi nada facilitada pelas múltiplas e contraditórias expectativas que se criaram sobre esta. Por um lado, a expectativa era de uma maior liberalização do comércio internacional, entendido de forma ampla e abrangendo não só os produtos industriais como a generalidade dos serviços, dos produtos agrícolas, dos produtos audiovisuais e outros produtos transaccionáveis, incluindo aqui o complexo tema dos obstáculos não pautais e das diferenças de regulamentação. Tudo isso seria feito numa lógica clássica de livre-câmbio próxima do ideal liberal, ou (neo)liberal, na designação preferida pelos críticos. Por outro lado, a expectativa era quase oposta. Embora esperando, também, que a OMC pusesse em prática uma concepção abrangente de comércio internacional, o intuito principal deveria ser não o de liberalizar (ainda mais), mas o de aprofundar a regulação do comércio à escala global. Procurava-se, assim, que fosse adoptada uma ambiciosa agenda negocial incluindo nela temáticas como o desenvolvimento, os direitos dos trabalhadores e dos consumidores e o impacto do comércio no ambiente. Claro que todas estas inúmeras expectativas apoiadas não só em reivindicações dos Estados como também de organizações da sociedade civil - as quais são, pelo menos em parte, contraditórias -, em nada facilitaram a tarefa negocial. Pelo contrário, provavelmente contribuíram para o seu fracasso como veremos em seguida.
A interminável Ronda de Doha
A Ronda de Doha foi o primeiro ciclo de negociações comerciais internacionais no âmbito da OMC. Iniciou-se em finais de 2001, na capital do Qatar, num contexto de tensões político-militares internacionais, devido aos atentados terroristas do 11 de Setembro nos Estados Unidos. A agenda traçada para as negociações - conhecida como Agenda de Doha para o Desenvolvimento7 -, provavelmente foi ambiciosa em excesso. As negociações pretendiam abranger múltiplas áreas do comércio internacional8, em dossiês temáticos como a agricultura, os serviços, a facilitação do comércio, as normas, o meio ambiente, as indicações geográficas e a propriedade intelectual, entre outros. Assim, o comércio seria um potenciador de desenvolvimento (temática atractiva para os países menos desenvolvidos) e as regras do sistema comercial internacional seriam revistas de forma a eliminar, o mais possível, os obstáculos não pautais (temática do interesse dos países mais desenvolvidos). As questões ambientais ligadas ao comércio entraram na agenda negocial com grande projecção mediática. Quanto aos serviços, ao comércio de produtos agrícolas e às questões ligadas à protecção da propriedade intelectual voltaram a reaparecer nas negociações. Todavia, este abrangente conjunto de dossiês temáticos, para além da sua complexidade técnica, passou a ter, pela própria natureza dos assuntos abordados, uma incontornável dimensão política.
Ao envolverem-se mais de uma centena e meia de Estados9 nas negociações ganhou-se em representatividade do mundo, mas perdeu-se a relativa homogeneidade inicial do GATT, que era um grupo restrito10. Na OMC, uma organização tendencialmente global, os seus membros têm perfis, interesses, graus de participação no comércio internacional e níveis de desenvolvimento muito diferenciados. Em parte devido a essa enorme heterogeneidade, nas sucessivas reuniões negociais, de Doha (Qatar) a Nairobi (Quénia), passando por Cancún (México) ou Hong Kong (China), o resultado foi quase sempre o mesmo: adiamentos, suspensões e falhanços na obtenção de resultados de relevo. Se já antes do início da crise financeira e económica de 2008 o impasse negocial11 era bem visível, com o alastrar das negociações comerciais globais estas foram secundarizadas, ou pura e simplesmente afastadas da agenda negocial das principais potências comerciais, desde logo dos Estados Unidos. O cepticismo sobre a as vantagens da globalização - de que a liberalização do comércio internacional é uma componente central - aumentou significativamente. Aspecto importante, o cepticismo quanto às vantagens da globalização está em crescendo nas áreas do mundo que mais a impulsionaram: os Estados Unidos e a União Europeia (UE). Foi daí que vieram os maiores impulsos para o último ciclo de negociações do GATT (a já referida Ronda do Uruguai) e para a criação da própria OMC. Mas sobretudo ao longo da última década surgiram crescentes pressões para serem adoptadas medidas de política comercial que, de alguma forma, podem ser rotuladas como nacionalismo económico. Como resultado de tudo isto, em 2015 a Ronda de Doha acabou por ser formalmente abandonada12 pela OMC.
As limitações da regra do consenso e da arbitragem de conflitos de comércio
Há outras razões que explicam também as limitações da OMC e a falta de resultados nas negociações multilaterais globais. Uma dessas razões está relacionada com o próprio funcionamento da OMC e a forma de deliberação instituída, a qual se manteve ancorada nos princípios pré-existentes do GATT, os quais apontavam para uma tomada de decisão por consenso. Mas aquilo que pode ser apontado como contendo virtudes democráticas - procura de consensos, igualdade entre os membros e carácter democrático da organização - é também, na prática, uma das suas fragilidades. No sistema instituído cada Estado-Membro dispõe de um voto, não existindo privilégios especiais para alguns, como, por exemplo, o direito de veto das grandes potências (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França) no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A forma de deliberação é similar à existente na Assembleia Geral das Nações Unidas e à de outras organizações do sistema das Nações Unidas (unesco, fao, oit, etc.). Afastou-se, assim, da forma de deliberação instituída nas organizações de Bretton Woods (BIRD e FMI), muito mais selectiva. Por exemplo, no caso do FMI, o peso na deliberação está directamente ligado à participação dos Estados nos recursos do Fundo. Quanto maior for a sua participação nos recursos do Fundo (direitos de saque especiais), maiores são os direitos de voto, pelo que as grandes economias mundiais, desde logo os Estados Unidos, têm aí um peso preponderante na decisão.
No caso da OMC, a autoridade decisória suprema é a Conferência Ministerial, que integra representantes de todos os Estados-Membros que se reúnem, pelo menos, uma vez de dois em dois anos13. Não há formalmente qualquer privilégio de voto atribuído às maiores economias/potências comerciais. Assim, o princípio estabelecido no artigo ix ponto 1 do Acordo de Marraquexe14 é o de que cada Estado dispõe de um voto. Para além disso, o sistema foi desenhado de maneira que a decisão seja preferencialmente tomada por consenso - ou seja, com aceitação, por todos os membros, de uma determinada proposta de decisão. Os processos informais de tomada de decisão, como os «Green Room meetings»15, têm papel de relevo na OMC, notando-se aqui uma certa continuidade face ao sistema anterior do GATT. Quando o consenso não é possível, existirá uma votação formal sendo a aprovação feita por maioria dos votos, ou, em certas situações específicas, por maiorias qualificadas com diferentes configurações. Por exemplo, para um Estado-Membro poder ser dispensado de uma qualquer obrigação prevista nos acordos (waiver) terá de existir uma maioria qualificada favorável de três quartos dos membros. Por sua vez, se estiver em causa uma modificação de disposições dos acordos multilaterais, a maioria qualificada exigida é de dois terços dos votos. É também necessária uma maioria de dois terços para a admissão de um novo membro.
Uma das inovações institucionais de maior relevância da OMC face ao GATT foi a criação de um Órgão de Resolução de Diferendos. Como notado, a experiência do GATT mostrou a falta de segurança jurídica ligada à multiplicidade de litígios que ocorreram sobretudo a partir do Tokyo Round, altura em que teve um grande aumento de membros. Na prática, o que acontecia era que qualquer uma das partes em litígio podia adiar indefinidamente a resolução. Ao mesmo tempo, tornou-se evidente a debilidade das medidas de sancionamento no caso de não respeito por uma decisão de um Estado-Membro. Assim, para suprir tais deficiências, foi criado um sistema integrado de resolução de litígios - destinado aos membros da organização e a outros Estados signatários de acordos plurilaterais - com aplicação a todos os sectores enquadrados pelo Acto Final do Uruguay Round, tais como mercadorias, serviços e propriedade intelectual, entre outros. Todavia, também este sistema de resolução de diferendos, inicialmente visto como um grande progresso, ficou gradualmente no centro das tensões políticas que hoje se projectam na OMC.
Assim, um Órgão de Resolução de Litígios (ORL)16 (DSB, na sigla inglesa) foi instituído na OMC para resolver os conflitos comerciais17 entre os seus membros. Entre as competências do ORL estão ainda estabelecer grupos especiais e aceitar/validar os relatórios dos grupos especiais e do Órgão de Recurso, supervisionar a aplicação das decisões e recomendações, autorizar a suspensão de concessões e de outras obrigações determinadas pelos acordos do GATT/OMC. Uma das inovações relevantes deste sistema foi a consagração da regra do chamado «consenso negativo», o que, na prática, leva a que as decisões e relatórios do painel e do OR sejam aceites de forma quase automática. (Só podem ser afastadas se todos os membros do ORL se manifestarem contra tais decisões). Em termos práticos, este sistema impede também um Estado-Membro, quando demandado, de obstaculizar a aplicação de uma decisão que não lhe seja favorável. Para isso ser possível necessitaria de um (muito improvável) consenso entre todos os restantes membros.
Todavia, hoje o sistema de solução de litígios da OMC está tendencialmente bloqueado. Há um número cada vez menor de membros (juízes-árbitros) para decidir litígios de comércio internacional, resultado de os Estados Unidos bOICotarem a nomeação de novos membros à medida que os mandatos dos actuais terminam. Desde finais de 2019 que apenas ficou um membro activo, Hong Zhao, da China, cujo mandato terminou a 30 de Novembro de 2020. Ujal Singh Bhatia, da Índia, e Thomas R. Graham, dos Estados Unidos, terminaram os seus mandatos a 10 de Dezembro de 2019, e não foram reconduzidos, nem substituídos por outros membros18. Como principal motivo do bloqueio da nomeação de novos membros, os Estados Unidos manifestaram discordância face à prática segundo a qual os membros cujos mandatos terminaram continuam a fazer parte do OR nos recursos para os quais foram previamente nomeados19. Há também a convicção, instalada entre muitos norte-americanos20, de que a arbitragem da OMC é enviesada e injusta, por demasiadas vezes proferir decisões desfavoráveis ao país. No entanto, pelo menos no caso dos litígios comerciais com a China - com a qual os Estados Unidos estão envolvidos numa rivalidade cada vez mais intensa -, essa convicção não parece ter grande suporte na realidade das decisões no âmbito da OMC. Como mostraram Jeffrey J. Schott e Euijin Jung21 do Peterson Institute for International Economics (PIIE), os norte-americanos têm obtido sucesso na maioria dos casos. Seja como for, a consequência de tudo isto foi tornar o processo de arbitragem da ORL disfuncional, uma vez que são necessários no mínimo três membros (juízes-árbitros) para o regular funcionamento do OR, no caso de este ser usado, o que é habitual nestes litígios comerciais. Os Estados Unidos recusaram-se a permitir a nomeação de novos membros do OR à medida que os mandatos dos actuais membros expiram. Assim, um país demandado passa a ter ao seu dispor uma estratégia relativamente fácil de bloqueio das decisões que lhe forem desfavoráveis: «pode simplesmente apresentar um recurso de forma a colocar o caso num limbo legal permanente» afastando assim a possibilidade de a OMC «autorizar retaliação tarifária contra países que não cumpram» com as suas regras22. Embora outros países compartilhem das preocupações dos Estados Unidos quanto à necessidade de revisão do ORL, os norte-americanos foram os que levaram mais longe a sua crítica e contestação radical, com essa estratégia de bloqueio. Estes conflitos comerciais e bloqueios no âmbito da OMC sugerem, também, uma perda de impulso da globalização económico-comercial, ou até um retrocesso desta, no que seria uma nova fase de desglobalização. Mas será que é isso mesmo que está a acorrer?
Globalização, desglobalização e comércio internacional
Nos anos 1990, quando surgiu a OMC, a emergente globalização constituía uma preocupação maior, sobretudo pelos seus múltiplos impactos na economia e na sociedade, vistos frequentemente como negativos pelos mais críticos. Vale a pena revisitar o que se escrevia sobre o assunto nessa altura. Um dos trabalhos mais relevantes foi da autoria do Grupo de Lisboa que reflectiu sobre essa realidade - nova na época -, procurando traçar-lhe limites e propondo também formas de regulá-la. Na sua óptica, a globalização era constituída por uma «multiplicidade de ligações e interconexões entre os Estados e as sociedades que caracterizam o presente sistema mundial», compreendendo dois fenómenos distintos, ao nível do alcance (extensão) e da intensidade (profundidade). Continha um «conjunto de processos que abrangem a maioria do globo e que actuam mundialmente» (dimensão espacial ou geográfica). Envolvia ainda «uma intensificação dos níveis de interacção, interconjugação ou interdependência entre os Estados e sociedades que constituem a comunidade mundial» (dimensão de profundidade ou intensidade)23. Os mesmos autores identificavam ainda múltiplos processos de globalização, com impactos variáveis em diferentes facetas das sociedades humanas:(i) a globalização das finanças e capitais (desregulamentação dos mercados financeiros, mobilidade do capital e fusões e aquisições); (ii) a globalização dos mercados, das estratégias e da concorrência (integração das actividades de negócios à escala internacional, pesquisa de componentes e alianças estratégicas); (iii) a globalização da tecnologia e I&D e conhecimento (surgimento de tecnologias de informação e comunicação possibilitando a criação de redes globais); (iv) a globalização dos modos de vida e dos padrões de consumo e a globalização cultural (transferência e transplante dos modos de vida dominantes; padrões de consumo similares; aplicação das regras da OMC aos fluxos culturais); (v) a globalização das capacidades reguladoras de governação (papel diminuto dos governos e parlamentos nacionais, perdas da democracia, tentativas de projectar uma nova geração de instituições de governação global); (vi) a globalização como unificação política do mundo (integração das sociedades mundiais num sistema político e económico global liderado por um poder central); (vii) e globalização das percepções e da consciência (processo sócio-cultural centrado no conceito «uma terra», movimento «globalista» e cidadãos planetários)24.
Nos anos 2020 a preocupação com a globalização irá dar lugar à preocupação com a desglobalização? Antes de mais, o termo «desglobalização» pode ser usado de várias formas, com um significado e um alcance não coincidentes, o que dificulta a análise. Não é surpreendente pois que o termo «globalização» também não tenha uma conceptualização unívoca e amplamente aceite. Por exemplo, Walden Bello - na altura em contracorrente pois o termo «desglobalização» era ainda de uso invulgar - utilizou-o para defender uma abordagem alternativa à da globalização (neo)liberal. Walden Bello partiu de uma crítica às organizações de Bretton Woods (FMI e BIRD), à OMC e ao G7 (o grupo dos sete países mais industrializados - Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), que foram os maiores impulsionadores da actual globalização. Em seguida, propôs uma desglobalização entendida como uma mudança fundamental da direcção da actual globalização (neo)liberal, para um sistema mais pluralista e descentralizado de governação económica global25. Mas não é bem esse o sentido aqui dado ao termo. Por desglobalização entende-se aqui um conjunto de processos que levam à diminuição da interdependência e da integração do mundo, ou em partes substanciais deste, que afectam, desde logo, as economias nacionais e as empresas. O termo «desglobalização» é também adequado (e frequentemente usado, sobretudo no campo da Economia) para descrever os períodos históricos de redução mais ou menos drástica do comércio e investimento a nível internacional (tal como ocorreu, por exemplo, entre 1914 e 1945, ou num ciclo mais longo, entre 1914 e 1970). Uma questão vem de imediato à mente: estamos hoje a viver um período de desglobalização e/ou está seriamente um período deste tipo em perspectiva?
A globalização segundo o índice do KOF - Instituto Económico Suíço
Uma das formas de tentar responder a esta questão é através da análise do índice compósito de globalização do KOF - Instituto Económico Suíço26, em Zurique (Konjunkturforschungsstelle), o qual mede as dimensões económica, social e política da globalização e procura identificar qual(ais) a(s) tendência(s) em curso. Na sua metodologia, o índice de globalização do KOF27 inclui 195 países e abrange o período de 1970 a 2017. Para uma avaliação da globalização e das suas tendências é feita também uma distinção entre globalização de facto e de jure quer no índice geral, quer nas já referidas dimensões económica, social e política que o integram. Assim, o KOF chegou a uma classificação em que é usada uma escala de 1 a 100 e o índice compreende 42 variáveis diferentes, que são agregadas com determinados pesos específicos atribuídos a cada uma. Quanto às três dimensões da globalização consideradas abrangem os seguintes aspectos específicos:
(i) A dimensão da globalização económica inclui os fluxos comerciais e financeiros. A globalização do comércio de facto é determinada com base no comércio de bens e serviços. A globalização do comércio de jure inclui as tarifas alfandegárias, impostos e as restrições comerciais. A globalização financeira de facto refere-se ao investimento estrangeiro. A globalização financeira de jure abrange os diversos tipos de restrições ao investimento estrangeiro.
(ii) A dimensão da globalização social abrange os contactos pessoais, fluxos de informação e a globalização cultural. Os contactos pessoais de facto são medidos em termos de conexões telefónicas internacionais, fluxos turísticos e migratórios. Por sua vez, os contactos pessoais de jure são quantificados com base no aluguer de linhas telefónicas, aeroportos internacionais e restrições de vistos. Os fluxos de informações de facto são determinados com base em pedidos de patentes internacionais, nos estudantes internacionais e no comércio de produtos de alta tecnologia. Os fluxos de informação de jure são avaliados pelo acesso à televisão e à internet, pela liberdade de imprensa e conexões internacionais à internet. A globalização cultural de facto inclui o comércio de bens culturais, registos de marcas internacionais e o número de restaurantes de fast food (McDonald’s) e de lojas multiprodutos para habitação (Ikea). A globalização cultural de jure é medida em termos de direitos civis, igualdade de género e padrões de educação.
(iii) Na sua dimensão política, e numa perspectiva de facto, esta é medida através do número de embaixadas e de organizações não governamentais internacionais (ONG), bem como através da participação em missões de manutenção da paz da ONU. Quanto à globalização política de jure compreende variáveis relacionadas com a pertença a organizações internacionais e vinculação por tratados internacionais.
Quanto aos mais recentes resultados deste índice - os dados são referentes ao ano de 2017 -, a Suíça (91,19) continuou a ser o país mais globalizado do mundo seguida de perto da Holanda (90,71), da Bélgica (90,59), da Suécia (89,93) e do Reino Unido (89,84). Portugal aparece em 15.º lugar (84,72). Importa notar que os países pequenos tendem, em regra, a estar mais globalizados do que os grandes países. Estão, desde logo, mais interligados ao mundo exterior (e dependem mais deste). Nos grandes países, uma parte considerável das transacções comerciais ocorre internamente. Assim, as maiores economias não estão nos primeiros lugares deste ranking. Os Estados Unidos estão no 23.º lugar no índice geral (82,41) e ocupam a 59.ª posição em termos de globalização económica, a 27.ª em termos de globalização social e a 14.ª em termos de globalização política. Por sua vez, a Rússia ocupa o 51.º lugar (72,45) e a China, apesar de ser a maior exportadora mundial, o 80.º lugar (65,08).
Uma nova era de desglobalização económico-comercial?
Os dados gerais do KOF - Instituto Económico Suíço, os quais permitem um comparativo no período entre 1970 e 2017, apontam para um crescendo da globalização a partir de 1970, com especial aceleração após o final da Guerra Fria nos anos 1989-1990. Todavia, na sua mais recente análise da globalização, no estudo KOF é assinalado o seguinte:
«A integração do comércio internacional (globalização do comércio de facto) diminuiu desde 2014, e as últimas tendências sugerem que o comércio mundial deverá enfraquecer ainda mais. Embora as condições comerciais subjacentes tenham melhorado desde 2014, os conflitos comerciais em curso entre os EUA e a China, bem como entre os EUA e a União Europeia, não estão reflectidos no índice mais recente. Os EUA elevaram as suas tarifas aduaneiras pela primeira vez no início de 2018, impondo direitos de importação mais altos sobre máquinas de lavar e painéis solares da China e aumentaram as tarifas sobre produtos de aço importados de vários países em meados de 2018.»28
Levanta-se assim uma questão: se afinarmos a análise no âmbito da globalização económica, e, mais especificamente, incidirmos na globalização comercial, poderemos detectar já tendências de reversão da globalização? Para ter consistência falar-se numa desglobalização económico-comercial deveremos estar já num ciclo - ou seja, num período de vários anos - de decréscimo das exportações provocado por medidas proteccionistas (compensado, no todo, ou em parte, por aumentos do consumo interno). Entre 2014 e 2017 os dados do KOF sugerem, como referido, uma desaceleração da globalização comercial. Tudo indica que essa tendência se terá acentuado após 2018 com o conflito comercial Estados Unidos-China, mas, na realidade, não temos ainda dados para esse período no índex do KOF que nos permitam uma conclusão sólida.
Um outro aspecto importante da globalização/desglobalização está ao nível dos acordos mundiais de comércio. Estão a aumentar, estão estagnados, ou estão em retrocesso? Aqui o que se tem verificado é um abandono do multilateralismo globalista - o qual tem na OMC a sua referência - em detrimento de acordos bilaterais entre países, ou de grupos de países. A ue é um exemplo dessa tendência. Nos últimos tempos negociou diversos acordos bilaterais - os quais já foram assinados e/ou já estão em vigor - com o Canadá (2017), o México (2018), o Japão (2019), Singapura (2019), o Vietname (2019) e o Mercosul (2019, aguardando ainda ratificação). Estão nesta altura ainda em negociação acordos com a Austrália e a Nova Zelândia, respectivamente29. Quanto aos Estados Unidos, também se verifica similar linha de abandono do multilateralismo globalista da OMC, aliás ainda mais acentuada. As negociações da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla inglesa)30 com a UE, e da Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla inglesa)31 com 11 países da Ásia-Pacífico (Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname), mostravam já tal tendência. Entretanto, ambos os acordos foram abandonados pelos norte-americanos - a TTIP em fase avançada de negociações e a TPP já em processo de ratificação - não por colocarem em causa o globalismo da OMC, mas por fazerem excessivas concessões, em matéria de comércio e de investimento, aos parceiros negociais dos Estados Unidos.
Quer dizer, pelo menos quando aferida pelos acordos comerciais mundiais a globalização - ou mais rigorosamente a globalização económico-comercial - está estagnada ou a sofrer algum tipo de retrocesso. Tal percepção é corroborada pelo recente trabalho de investigação de Peter A. G. van Bergeijk, «On the brink of deglobalisation... again»32. A análise deste professor e investigador holandês colocou em paralelo os anos 1930 e 2000, tendo o autor notado uma (irónica) transformação no papel geopolítico dos Estados Unidos, que parecem agora passar de uma potência hegemónica e estabilizadora para um elemento perturbador do sistema internacional. Essa transformação «complica o fornecimento de bens públicos globais incluindo os sistemas multilaterais de comércio e pagamento e o funcionamento das instituições globais relevantes»33. O mesmo autor sublinha ainda o impacto do factor político - em especial do comportamento das democracias34 - na actual desglobalização:
«as descobertas econométricas revelam novos enigmas de pesquisa: a política tem uma correlação significativa com a desglobalização no contexto dos dois colapsos do comércio mundial, mas o sinal de impacto da política é oposto nos dois períodos. Na década de 1930, as democracias parecem ter reduzido as pressões para a desglobalização. Nos anos 2000, as pressões para a desglobalização surgem especialmente nas democracias»35.
Reflexões finais
A partir da sua criação em 1995 a OMC pretendeu assumir um papel central na globalização, simultaneamente de impulsionadora e reguladora da mesma - para os mais críticos desreguladora e perniciosa socialmente -, através de uma abordagem abrangente ao comércio internacional. O objectivo seria atingir uma (ainda) maior liberalização do comércio internacional de mercadorias e de serviços, efectuando também um escrutínio dos instrumentos de política comercial dos seus membros, alargado às principais políticas económicas. De uma abordagem centrada na liberalização das fronteiras ao comércio de mercadorias herdada do GATT passava-se, assim, para uma abordagem de espectro muito abrangente, orientada para a competição internacional que envolvia eliminar, o mais possível, os entraves e distorções regulamentares nacionais a esta. Num outro plano, as preocupações com o impacto ambiental do comércio e com o desenvolvimento deveriam ter também um papel de relevo, numa organização onde os países menos desenvolvidos ganhavam ascendente e as vozes das ONG e outros grupos da sociedade civil se faziam ouvir.
Estas múltiplas ambições dificilmente conciliáveis redundaram, na prática, num fracasso da organização face aos seus objectivos iniciais. Há mais de uma década, Zaki Laïdi, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), constatava já que as questões comerciais deixavam de ser vistas como meramente técnicas e de despertarem apenas o interesse dos especialistas na área, como normalmente ocorria no passado (foi ainda assim na Uruguay Round). Em vez disso, «tornaram-se altamente políticas, não apenas porque as questões comerciais mudaram, mas também porque o contexto geopolítico em que as trocas ocorrem se alterou.» Acrescentava Zaki Laïdi que tal transformação impedia que fossem submetidas «a exigências puramente do mercado» e que as negociações comerciais «serão sempre difíceis e impopulares por uma razão importante: os benefícios do comércio raramente são imediatos e visíveis, enquanto os custos são visceral e instantaneamente sentidos»36. A crise financeira e económica iniciada em 2008 teve também um papel central nessa politização do comércio internacional. Relevante foi ainda a passagem de uma contestação à globalização - maioritariamente feita por movimentos da esquerda social e política (e centrada nos problemas de injustiças e desigualdades dos países do Sul), ou seja, dos países menos desenvolvidos - para uma contestação diferente, feita por movimentos sociais e políticos à direita (populista), e tendo por preocupação maior a deterioração das condições de vida e de emprego das classes média e média baixa dos países do Norte, ou seja, dos países desenvolvidos mais antigos.
A organização passou razoavelmente incólume à primeira vaga de movimentos antiglobalização, mas esta segunda vaga está a paralisá-la. Se o comércio já estava a tornar-se demasiado político no final dos anos 1990 e na década seguinte, hoje a tendência é ainda mais acentuada. A Ronda de Doha foi abandonada, sem perspectivas de uma outra abrangente negociação multilateral-global lhe suceder. O sistema de resolução de litígios de comércio está agora tendencialmente paralisado. Pela investigação preliminar efectuada, há também sinais significativos de que a crescente rivalidade entre as duas maiores potências comerciais estaduais do mundo (os Estados Unidos e a China) se projecta negativamente na OMC, desde logo no seu Órgão de Resolução de Litígios, cuja paralisação terá nessa rivalidade uma causa maior. Mas, pela sua especificidade e importância própria, o conflito comercial Estados Unidos-China é um tema que necessitará de uma investigação futura que aqui não foi efectuada por exorbitar o propósito limitado desta análise. Também uma investigação futura mais profunda, nomeadamente sobre o período 2018-2020, será necessária de forma a ser possível afirmar, com maior solidez analítica e empírica, se estamos efectivamente perante um ciclo de desglobalização económico-comercial. Importa notar que o índice de globalização do KOF, só por si, não permite uma conclusão definitiva pelas limitações anteriormente apontadas. A tudo isto acresce agora o extraordinário impacto na economia e comércio da pandemia de covid-19, sobre o qual apenas é possível conjecturar nesta altura sobre as suas múltiplas consequências. Será certamente um dado maior de qualquer análise futura, pelo que será necessário ainda investigar em que medida vai, ou não, acentuar as tendências anteriores para o proteccionismo e originar outras. Não obstante estas limitações, a análise exploratória aqui efectuada aponta com alguma consistência para que a OMC enfrentará tempos difíceis, especialmente se as tendências para a desglobalização se confirmarem no mundo em devir.