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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.74 Lisboa jun. 2022  Epub 30-Jun-2022

https://doi.org/10.23906/ri2022.74a03 

Timor-Leste: 20 anos de independência

Portugal e a descolonização de Timor - Da Cimeira de Macau à invasão indonésia*

Portugal and Timor decolonization - from the Macau Summit to the Indonesian invasion

Zélia Pereira1 

Rui Graça Feijó1 

1 CES, Universidade de Coimbra, Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal, zeliacruzpereira@gmail.com ruifeijo@gmail.com


Resumo

A Cimeira de Macau entre Portugal e movimentos nacionalistas timorenses resultou na publicação da Lei 7/75 que contemplava um roteiro para uma descolonização pacífica do «Timor Português». Eventos ocorridos tanto em Lisboa como em Díli na sequência da publicação dessa lei inviabilizaram que ela pudesse ter sido cumprida. No entanto, Portugal manteve - embora com hesitações - a ideia de respeitar o seu espírito e, nesse sentido, procurou intervir no conturbado processo de luta intestina em Timor. O presente artigo faz o historial dos cruciais meses que antecederam a invasão indonésia de Timor, pondo um fim provisório à sua autodeterminação.

Palavras-chave: descolonização; Timor; UDT; APODETI; FRETILIN

Abstract

The Macau Summit between Portugal and Timorese nationalist movements originated Law 7/75 which offered a roadmap for a peaceful decolonization of ‘Portuguese Timor’. Events in Lisbon and Dili immediately after its publication prevented the law from being implemented. However, Portugal decided to stick to its spirit - even if with some hesitations - and, in that sense, sought to intervene in the struggle between Timorese forces. The present article draws a history of the critical months that preceded the Indonesian invasion of that territory, which provisionally brought to a halt the process of self-determination.

Keywords: Timor; UDT; APODETI; FRETILIN

Introdução

O processo de descolonização do «Timor Português» teve início quando já estavam definidos os passos essenciais das várias questões africanas e assumiu um trajeto singular no quadro geral do processo de autodeterminação do império português. O facto de Timor não ser um teatro de guerra nem dispor, à data da Revolução dos Cravos, de movimentos de libertação reconhecidos e implantados facilitou o deslizamento deste caso para tempos mais tardios. O falhanço de uma descolonização aceitável, com a invasão indonésia e o quase quarto de século que se lhe seguiu até que a autodeterminação fosse possível, veio também afastar o caso de Timor de análises detalhadas até tempos recentes, como se pode constatar em obras de referência publicadas por ocasião dos 30 e depois dos 40 anos sobre os eventos de 1974-19751. Houve certamente tentativas sérias2 de fazer luz sobre um processo que, pelo seu dramatismo, saltou para a arena da opinião pública de forma extremada, e tantas vezes excessivamente simplista, assumindo uma forma de catarse pós-colonial3. Talvez a mais profunda análise seja a que foi levada a cabo pela Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), criada em Timor-Leste com o contributo de especialistas de várias nacionalidades, o apoio da ONU e a participação de centenas de indivíduos que perante ela testemunharam, dando lugar a um impressionante relatório final4. Mas subsistem ainda memórias, com forte expressão na opinião pública, carregadas de sentimentos contraditórios nascidos no calor desse passado já distante - como o volume da CAVR5 sobre os acontecimentos de 1974-1975 tão bem ilustra6. O conhecimento sobre a complexidade das relações entre os vários atores portugueses e timorenses no período crítico de 1974-1975, as suas decisões e hesitações, as proclamações públicas e os jogos de bastidores, carece ainda de análises mais detalhadas e distanciadas das emoções que o caso suscita. É nesse esforço que o presente ensaio se situa.

Podemos considerar que o processo de descolonização do «Timor Português» passou por dois períodos distintos antes da invasão indonésia. Numa primeira fase, enquanto em Timor se assistia à formação de movimentos políticos que corporizavam soluções estratégicas distintas e, em Lisboa, os atores nacionais iam afinando posições que abarcavam, a princípio, um leque também ele bastante amplo de soluções para a mais distante colónia portuguesa, à imagem da «descolonização sem agência» que Norrie MacQueen entende caracterizar esse processo em Portugal7, o centro do debate encontrava-se no desenho de um roteiro que conduzisse a um ato de autodeterminação. Essa primeira fase ficou concluída com a realização da Cimeira de Macau (26 e 27 de junho de 1975). Sem ter sido possível um acordo formal entre Portugal e os três principais movimentos timorenses, a potência colonial assumiu o ónus de publicar a Lei (constitucional) 7/75 (17 de julho), na qual se plasmava um roteiro para a autodeterminação de Timor que seguia de muito perto o teor das longas conversações havidas com aqueles movimentos8.

Com essa publicação abre-se uma nova fase no processo, que deveria ter conduzido a uma aplicação prática dos termos dessa lei. Sabemos que assim não foi. A crise do IV Governo Provisório, em Lisboa, que diminuiu a capacidade de resposta das autoridades portuguesas, logo de seguida, a erupção em Díli, na noite de 10 para 11 de agosto, do «golpe da UDT», e a completa alteração do cenário provocada pela breve guerra civil que se lhe seguiu, impediram que a Lei 7/75 tivesse efeitos práticos. No entanto, nos meses que medeiam entre a sua publicação e a invasão militar que a República da Indonésia levou a cabo sobre o «Timor Português», os termos dessa lei, os princípios de acordo interpartidário e a necessidade de auscultar formalmente a população que a animavam, estiveram sempre no centro das preocupações de Portugal e das diligências que intentou levar por diante, embora com matizes importantes. Neste ensaio, baseado em extensa pesquisa em arquivos nacionais (públicos e privados)9, procura-se pôr em evidência, no período entre a Cimeira de Macau e a invasão indonésia, não só os esforços e as hesitações portugueses com vista a encontrar uma solução abrangente para a descolonização do seu território do Sudeste Asiático, como as múltiplas e nem sempre coerentes respostas que foi ouvindo, não tendo logrado obter vencimento de causa.

A Cimeira de Macau e a Lei 7/75

Portugal preparou com bastante antecedência, e com intensos contactos com as várias associações políticas timorenses, uma cimeira onde pudesse ser acordado um roteiro para a autodeterminação da sua colónia. Em finais de junho de 1975 esse encontro teve lugar em Macau, que apenas juntou à delegação portuguesa as de dois dos três principais agrupamentos políticos timorenses - a UDT e a APODETI, tendo a FRETILIN optado por não comparecer. Nesse cenário, Portugal afinou com as organizações presentes o modelo que vinha propondo há algum tempo, mas não pôde firmar, como era seu desejo, um acordo que comprometesse todas as partes. No entanto, ao contemplar a possibilidade de Timor vir a optar pela independência ou pela integração na Indonésia, no termo de um processo que passava por uma consulta popular, o documento que emergiu da cimeira prestava-se a não ser abertamente hostilizado por nenhuma das partes. Assim, Portugal assumiu o encargo de publicar sob forma de lei constitucional - Lei 7/75 de 17 de julho - o entendimento contido no documento que havia sido amplamente discutido com as partes10.

A Lei 7/75 determinava que, no prazo de noventa dias sobre a data da sua publicação, seriam nomeados pelo Presidente da República (PR) um alto comissário coadjuvado por cinco secretários-adjuntos, sendo dois deles portugueses e os restantes distribuídos pela UDT, APODETI e FRETILIN, que teriam a seu cargo a governação da colónia e, ainda, um «Conselho de Governo» igualmente aberto à participação das organizações políticas locais (artigo 6.º). Mais se estipulava que no terceiro domingo de outubro de 1976 se procederia à eleição, por sufrágio universal, secreto e direto, «com inteiro acatamento dos princípios inscritos na Declaração Universal dos Direitos do Homem», de uma assembleia popular com poderes constituintes, a qual teria dois anos para definir o futuro do território, podendo optar pela independência ou pela integração na Indonésia (artigos 2.º e 3.º). E ainda determinava que

«a definição do estatuto político e administrativo do território de Timor deverá processar-se por forma a que no terceiro domingo de outubro de 1978 cessem todas e quaisquer prerrogativas de soberania e administração da República Portuguesa sobre aquele território, sem prejuízo da continuação de laços de estreita cooperação em todos os domínios, no âmbito de acordos livre e mutuamente aceites» (artigo 5.º-1.).

Essa prevista rutura de laços só poderia ser postergada ou eliminada mediante uma negociação com as autoridades de Lisboa (artigo 5.º-2.) e Portugal contava que este esquema pudesse ser aceite pelos três movimentos políticos locais. A UDT e a APODETI haviam dado o seu assentimento em Macau e a FRETILIN não apresentara argumentos que permitissem encarar o seu repúdio por esta solução11. Além do mais, dando ênfase a que agia «de acordo com as resoluções pertinentes da Organização das Nações Unidas, e uma escrupulosa salvaguarda do princípio do respeito pela vontade do povo de Timor» (artigo 1.º), Portugal prevenia a hipótese de o processo vir a ser posto em causa, nomeadamente por parte da Indonésia que não deixava de apresentar reivindicações quanto ao destino do «Timor Português» a que Lisboa não pretendia ceder12.

Respostas à Publicação da Lei 7/75

A publicação da Lei 7/75, a 17 de julho, coincidiu com a crise final do IV Governo Provisório. António de Almeida Santos, que vinha desde o I Governo a sobraçar a pasta da Coordenação Interterritorial, ou seja, sendo o principal artífice do processo de descolonização, e como tal o responsável pelos termos em que essa lei acabou por vir a lume, foi um dos que se demitiu. De repente, Lisboa via-se a braços com uma crise política interna de grandes dimensões, que tolhia a sua capacidade de intervenção no processo de descolonização de Timor.

Em Díli, o governador tenente-coronel Mário Lemos Pires pensou que iria ser nomeado alto-comissário. Nesse sentido, solicitou autorização para se deslocar a Lisboa para se inteirar in loco dos resultados da cimeira e das decorrências da publicação da lei de descolonização de Timor13. No entanto, o Presidente Costa Gomes considerou prematura a deslocação, pedindo-lhe que aguardasse em Díli pelo desenrolar da situação em Lisboa14.

Entretanto, Lemos Pires informa Lisboa da degradação da situação local que se vinha a verificar desde finais de junho, quando a FRETILIN e a UDT se envolveram em incidentes reputados de graves. Essa degradação foi-se acentuando ao longo do mês de julho, sempre com o governador a evidenciar a sua preocupação15. No início de julho, a apreciação que se fazia em Díli sobre os efeitos da Cimeira de Macau era a seguinte: a UDT estaria «interessada na promulgação da lei por considerar a única forma viável de independência e continuação do atual governo», ao passo que a FRETILIN fazia o que podia para vir a ser reconhecida como «o único interlocutor possível: conseguir que a lei constitucional não seja publicada, contestação ao governo local». Os serviços militares portugueses em Díli acreditavam que a FRETILIN parecia «pôr em causa o processo de descolonização, desde já obrigando a sua reformulação, tentando constituir-se como interlocutor através de manobras de força», tendo para tal decidido «voltar-se para o Exército e a Polícia»16. Anos mais tarde, refletindo sobre a sua participação nos eventos de 1974-1975 no âmbito de um processo de audição de responsáveis políticos da época levada a cabo pela Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação, Mari Alkatiri afirmaria que a posição da FRETILIN em relação à Lei 7/75 era a de «acompanhar o processo, mas não participar [...] Nós estávamos à espera da consulta e aí é que nós iríamos participar». Alkatiri fora abordado por representantes do governador com vista a integrar o gabinete de secretários-adjuntos do alto-comissário, mas declinou o convite em nome da disciplina partidária17.

Quanto à APODETI, o seu presidente Arnaldo dos Reis Araújo escreveu a Costa Gomes dando conta de uma iniciativa que tinham feito junto do Comité dos 24 das Nações Unidas e referindo que veria com bons olhos «toda a contribuição para corrigir a evolução errada da descolonização de Timor, devido à parcialidade e pressão dos responsáveis contra a real vontade do povo»18. Em Timor, esta organização também elevava o teor da sua contestação, nomeadamente promovendo manifestações em que exibia a bandeira indonésia em clara oposição a determinações emanadas do governador19.

A situação no terreno era, pois, bem diferente daquilo que os responsáveis portugueses esperariam depois do esforço para conseguir definir um roteiro para a autodeterminação. E iria ainda piorar significativamente a breve prazo.

Do «Golpe de 10 de Agosto» à Guerra Civil

Com o agudizar das tensões políticas entre a UDT e a FRETILIN, o primeiro destes movimentos levou a cabo um «golpe de estado» na noite de 10 para 11 de agosto. Nessa altura, adotou a designação de «Movimento Anti-Comunista», e teve na «ala radical da FRETILIN» o seu alvo principal, que depressa estendeu também a elementos das forças armadas portuguesas - os majores Mota e Jónatas - conotados com posições «comunistas». Num primeiro momento, perante a decisão do governador de tentar preservar a neutralidade das forças portuguesas, a UDT controlou Díli e parte do território20. De acordo com o diário do governador21, a UDT reivindicou a transmissão do poder para as suas mãos, mantendo-se um alto-comissário a ser nomeado por Lisboa; e desejava a dissolução da FRETILIN22. As condições iniciais da UDT eram reforçadas com a ameaça de provocar a «intervenção de países anticomunistas da região» caso as suas reivindicações não fossem atendidas23.

A 16 de agosto, a UDT apresenta novo caderno reivindicativo ao governador. Nele inclui, em lugar de destaque, a «anulação da Lei Constitucional saída da Cimeira de Macau», a par do estabelecimento de negociações diretas com o Governo português para a independência de Timor24. Lemos Pires envia um telegrama ao Presidente Costa Gomes em que aventa três hipóteses de atuação: ida a Díli de um representante do Estado português com plenos poderes para negociar; internacionalizar a questão de Timor pedindo intervenção externa; ou a entrega do poder à UDT, seguindo-se negociações com esse movimento25. A sugestão de envio de uma missão com plenos poderes seria atendida - mas a sua concretização demoraria alguns dias.

Por seu turno, a FRETILIN considerou que a resposta do governador - a procura de uma intermediação e não o uso da força contra os sublevados - representava uma forma de colaboração com aqueles que tinham feito o golpe. O major Mota almoçara no dia 14 com um alto responsável da FRETILIN que lhe dissera que «o Comité Central desconfia do governador que, pensa, está a entregar o poder à UDT»26. As condições que o movimento colocava para aceitar participar em conversações seriam mais tarde qualificadas de «inaceitáveis» pelo major Mota em reunião da Comissão Nacional de Descolonização (CND), em Lisboa, poucos dias depois da sua saída de Timor27. Restavam poucas dúvidas de que o conflito iria ser resolvido pela via da força: a FRETILIN declarou a sublevação popular e constituiu as Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste (FALINTIL) a 20 de agosto. Rapidamente o conflito escalou, «podendo considerar-se Díli em ambiente de guerra civil»28. Poucos dias depois, a FRETILIN controlava a maior parte da cidade de Díli e uma fatia importante do restante território, já que muitos militares timorenses das forças armadas portuguesas haviam decidido juntar-se a este movimento. A nível político, a radicalização era evidente, com a FRETILIN a proclamar-se como representante do povo de Timor, que só aceitava o Governo português como interlocutor legítimo em quaisquer negociações29. Noutro documento do Comité Central para Otelo Saraiva de Carvalho, a FRETILIN reitera a sua posição: «Não nos sentamos à mesa de negociações com a UDT porque além de sermos a única e legítima vanguarda do povo Timorense seria grave traição pactuar com um partido fantoche e criminoso como a UDT»30.

Perante a vontade de se manter neutro no conflito e as condições que se viviam em Díli onde era virtualmente impossível conceber uma zona de neutralidade, o governador decide, a 26 de agosto, pela retirada do que restava das forças portuguesas para a ilha de Ataúro, 20 milhas náuticas a norte de Díli, o que sucederia durante a noite e madrugada31. O facto seria comunicado à representação de Portugal nas Nações Unidas, que acompanhava o desenrolar dos acontecimentos em Timor: «[A] decisão de deslocar o posto de comando para Ataúro deve-se à necessidade localmente sentida de garantir a segurança do governo local, que constitui sinal da autoridade portuguesa em Timor»32.

A situação no final de agosto era, portanto, de guerra aberta, e o governador havia perdido a confiança de todas as partes33. A possibilidade de algum diálogo passava pelo envio, a partir de Lisboa, de uma missão com plenos poderes.

A Difícil Missão de Almeida Santos (agosto-setembro)

Perante o desencadear da guerra civil em Timor, e dadas as limitações que o governador tinha em termos de meios militares ao seu dispor, que inviabilizavam uma intervenção que pudesse servir para reduzir a tensão, Portugal tomou uma nova opção. O Presidente Costa Gomes convidou Almeida Santos - então sem responsabilidades governativas - a chefiar uma delegação à qual confiou plenos poderes para «tentar fazer a paz entre a UDT e a FRETILIN»34. De notar que, no momento em que esta iniciativa foi tomada, não só as forças militares portuguesas no território eram exíguas, em virtude da desmobilização de efetivos que ocorrera ao longo do ano, deixando que elementos oriundos do próprio Timor assegurassem as funções das várias unidades35, como o controlo efetivo destas pelos movimentos nacionalistas timorenses, colocando nas suas mãos a esmagadora maioria do equipamento das forças armadas locais, permitia encarar que as armas e munições poderiam sustentar «um ano de guerra clássico»: «[O]s grupos que agora tiveram acesso aos paióis podem combater na prática indefinidamente, ou pelo menos durante alguns anos»36.

Embora investido de poderes plenipotenciários, Almeida Santos sabia que havia uma limitação às soluções que Portugal estava disposto a aceitar: as implicações que pudessem interferir com a questão de Angola. De facto, a maior e mais rica colónia portuguesa, e a de maior centralidade na polarização geoestratégica da Guerra Fria, caminhava a passos largos para o confronto que já era latente entre os três movimentos nacionalistas, colocando em risco o papel de Portugal em todo o processo de descolonização. As autoridades de Lisboa tinham consciência de que este era um caso com uma dimensão superior à de Timor, e temiam que a solução encontrada para Timor pudesse de algum modo condicionar o desenrolar dos acontecimentos em Luanda. Nesses termos, a internacionalização do problema timorense não deveria ser aceite senão em última instância e perante iniciativa da ONU, nunca de Portugal. Nesse sentido, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) enviou instruções sublinhando que «a nossa posição é não, repito, não solicitar em caso algum formalmente intervenção das forças da Indonésia para restabelecer ordem e segurança salvo se iniciativa nesse sentido for tomada por ONU»37. Em boa verdade, Portugal sabia já que o Governo da Indonésia «estaria na disposição de prestar apoio se tal fosse pedido por escrito pelo governo português»38.

O primeiro passo do périplo que Almeida Santos encetou em finais de agosto teve lugar em Nova York, junto das Nações Unidas. A principal preocupação consistia em tentar pôr termo ao conflito armado e atender à situação de emergência humanitária que a guerra provocara, nomeadamente com um afluxo de refugiados à parte indonésia da ilha. Nesse sentido, Almeida Santos encontra-se com o secretário-geral Kurt Waldheim, com o secretário-adjunto, o somali Abdulrahim Abby Farah e com o presidente do Comité dos 24, o embaixador tanzaniano Salim A. Salim, com quem estabelece as bases do que poderia vir a ser uma missão da ONU em Timor, fosse ela de natureza simplesmente informativa ou pudesse ter o selo de «bons ofícios». Desses encontros resultou a necessidade de Portugal apresentar um pedido escrito para que a ONU enviasse uma missão a Timor, devendo esta integrar elementos da Indonésia, da Austrália e de outro país da área, como as Filipinas ou a Nova Zelândia39. Quer a Austrália (que não pretendia envolver-se diretamente na questão) quer a Indonésia (que fazia depender a sua aceitação de um pedido expresso por parte de Portugal) não facilitaram a concretização desta missão40. E Portugal, quatro dias depois do encontro de Almeida Santos com Waldheim, decidiu suspender o envio da carta, «atendendo à missão de Almeida Santos» a ter lugar na Indonésia, na Austrália e em Timor41. Apesar de Almeida Santos ter considerado que «a visita a Nova Iorque foi oportuna e útil», não se vislumbrou qualquer resultado ou avanço no processo.

De Nova York, Almeida Santos partiu para Jacarta, onde foi inicialmente recebido com pompa e circunstância - mas onde cedo a atmosfera mudaria por completo, tendo a delegação portuguesa sido hostilizada em posterior visita42. A proposta inicial que ali apresentou era semelhante à que deixara junto de Waldheim: a constituição de uma força militar internacional, composta por tropas portuguesas, indonésias, australianas e eventualmente de mais um ou dois países da região. Os interlocutores indonésios reagiram colocando exigências que Portugal não podia aceitar: desejavam um convite direto do Governo português para uma intervenção militar em Timor, e assumir o comando técnico das operações com efeitos imediatos. Portugal, por sua vez, desejava assegurar um comando conjunto, a recuperação do controlo efetivo após o fim da missão à qual se pretendia imprimir o cunho de «humanitária» e o retomar do processo de descolonização nos termos que vinham da Cimeira de Macau. Dos contactos havidos retirou Almeida Santos a «convicção que a Indonésia não intervirá militarmente sem uma plataforma política que legitime essa intervenção. Mas é patente o seu interesse em conseguir essa plataforma em ordem a poder intervir o mais rapidamente possível»43.

As autoridades indonésias insistiram no seu ponto de vista, tendo apresentado um rascunho de um Memorandum of Understanding que consignava a sua visão do problema, pondo inclusivamente Portugal a pagar os custos da operação militar que desejavam empreender. Almeida Santos haveria de comentar nas suas memórias: «Não faltava mais nada! Os indonésios iam fazer um torneio de tiro aos “comunistas” e Portugal pagava a conta?»44. A visita a Jacarta saldar-se-ia, assim, por mais um falhanço em obter assentimento para qualquer tipo de ação internacional.

A Austrália foi o ponto seguinte do périplo da delegação portuguesa, a quem o PR reafirmava o seu pleno apoio e a concessão de plenos poderes com a restrição de «repete-se, não solicitar em caso algum formalmente intervenção forças indonésias»45. Em Camberra, foram recebidos por Gough Whitlam, primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, e pelo ministro da Defesa. A posição que estes veicularam foi a de que pouco podiam fazer, condicionando a sua eventual participação numa força multinacional da presença da Indonésia. Acrescentavam que «não se escusa[vam] de todo a participar num organismo multilateral que tivesse por exclusiva função supervisionar a ação das forças indonésias no caso de se encontrar um meio aceitável por Portugal de provocar a sua intervenção»46. Mesmo assim, reservavam a sua posição para um momento posterior à deslocação de Almeida Santos a Timor, que se prontificaram a ajudar. Mais uma vez, Almeida Santos saía de uma diligência «com as mãos a abanar».

Nos primeiros dias de setembro, Almeida Santos aterra em Ataúro, onde se encontra com o governador e com outros membros da sua delegação que haviam viajado diretamente de Lisboa. Entretanto, uma significativa mudança estava a ocorrer: a FRETILIN consolidava avanços significativos no teatro de guerra e estava claramente numa posição de força. A 8 de setembro, a FRETILIN telegrafa ao PR dando conta da rendição incondicional apresentada pelo comando operacional da UDT ocorrida dias antes, tendo a grande maioria dos dirigentes desse agrupamento procurado refúgio na Indonésia47. «O Movimento estava derrotado. A confusão era geral. Por algum tempo, ninguém sabia do paradeiro do Comandante Operacional do MAC»48.

Em Lisboa, a reação a estas notícias propiciou o surgimento de uma nova posição, assumida por Mário Ruivo, ministro dos Negócios Estrangeiros do V Governo Provisório (em vias de cessar funções): a evolução da situação no território e a progressiva afirmação da FRETILIN alterariam consideravelmente o problema, podendo «modificar modalidades inicialmente encaradas» para a sua solução. Embora mantendo como horizonte a aplicação do roteiro definido em Macau, «o processo deve ser consideravelmente acelerado com vista a assegurar a independência se possível ainda este ano ou em princípios de 1976». Considerava Mário Ruivo que «por motivos de princípio dever-se-ia assegurar diálogo com três partidos. No entanto, se se verificar controlo de facto do território por um só movimento, considerá-lo como interlocutor válido como no caso de Moçambique». Daqui concluía que Portugal deveria entabular negociações bilaterais com a FRETILIN49.

Esta orientação colidia frontalmente com o que vinha sendo defendido - e praticado - por Almeida Santos, que contava com o apoio do PR. Por um lado, admitia que Portugal viesse a sair do quadro definido pela Lei 7/75 que continuava a guiar os passos dados desde o espoletar da crise, e que encarasse a concessão de independência através de uma negociação bilateral - atitude que era verberada pela Indonésia, que por várias vezes manifestara a sua oposição a tal eventualidade. Da parte portuguesa, e tirando a hipótese aventada (mas não defendida) por Lemos Pires de transferir o poder para a UDT logo após o golpe de 10 de agosto, era a primeira vez que se admitia abandonar a espírito da Lei 7/75 e seguir um modelo mais parecido com o que fora adotado no cenário da descolonização africana, sobretudo nos casos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe50. Em segundo lugar, era também a primeira vez que se sugeria abandonar o princípio - decorrente do estatuto de neutralidade que Portugal pretendia reivindicar - de recusar negociações separadas com a UDT e a FRETILIN51, posição esta que irá ser seguida durante algumas semanas.

Enquanto permaneceu em Ataúro entre 3 e 6 de setembro, a delegação portuguesa tinha-se pautado por um princípio diferente: o de apelar às partes envolvidas no confronto armado para que se dispusessem a conversações tripartidas tendo como única condição - que seria relevante - a prévia libertação dos militares portugueses que haviam, entretanto, sido aprisionados pela FRETILIN e pela UDT. A partir de Lisboa, a CND dirigiu mensagens aos três movimentos timorenses propondo conversações em Portugal, Macau ou a bordo de um vaso de guerra português em águas timorenses52. A UDT, pela voz de Lopes da Cruz, riposta lamentando que o Governo português «continue a ignorar que a luta armada não é entre a UDT e a FRETILIN, mas entre o movimento revolucionário anticomunista e os comunistas tanto no seio do MFA como na cúpula da FRETILIN», sugerindo Batugadé (posto fronteiriço, mas território da colónia portuguesa), e ignorando a questão dos prisioneiros de guerra53. Nas condições expostas, Portugal entendeu não poder aceitar. Almeida Santos concluiria que «a UDT - refugiada na parte ocidental da ilha - deixara de ter vontade própria. Era agora, repito, um simples instrumento dos interesses da Indonésia»54.

A FRETILIN, ciente da importância que assumia o controle militar do território, responde ao chamamento das autoridades portuguesas disponibilizando-se para o diálogo, propondo a data de 20 de setembro em Camberra, e oferecendo-se para libertar os militares sob sua custódia no dia 11 (o que efetivamente veio a suceder uns dias mais cedo). No entanto, colocava condições: ser reconhecida como «único legítimo representante» do povo timorense - à semelhança do que ocorrera na descolonização africana - e limitar as conversações a encontros bilaterais entre si e Portugal para efetivar o direito à imediata e total independência55. Através de contactos com Ramos-Horta, que circulava entre Darwin (onde a delegação portuguesa passou uns dias) e Díli, as partes entabularam diálogo com vista a encontrar uma localização alternativa, sendo que a questão da localização das conversações haveria de se revelar um problema de primeira grandeza, hoje difícil de entender.

Jacarta voltou a entrar no roteiro da delegação, que aí se deslocou entre 10 e 13 de setembro, sendo recebida com grande hostilidade, após terem circulado rumores de que Portugal se estaria a preparar para negociar a entrega de Timor à FRETILIN. A ideia era «transmitir a convicção de que a FRETILIN é recuperável para solução política» e desmentir que «o governo português esteja a marginalizar a UDT e a APODETI»56. O governo local insistia que não aceitaria nenhum acordo bilateral entre Portugal e a FRETILIN57. Almeida Santos reiterou que a linha mestra da posição de Portugal era a de regressar tão breve quanto possível ao roteiro definido em Macau, que poderia ser ajustado, enquanto assegurava que «em momento nenhum admitiu negociações isoladas com a FRETILIN e menos ainda o reconhecimento deste partido como único e legítimo representante do povo»58. O ministro indonésio insistiu numa anterior proposta, já antes feita a Almeida Santos, para que a delegação se deslocasse a Atambua (na fronteira entre as duas partes de Timor, do lado ocidental) para um encontro com a UDT e APODETI - que aceitariam o encontro «mas só para negociar a integração de Timor na Indonésia» - e tomasse devida nota do problema dos refugiados de Timor-Leste que aí se encontravam, o que seria aceite por Almeida Santos caso houvesse uma prévia libertação dos militares portugueses em poder desses movimentos - o que não viria a suceder59.

Antes de partir de regresso a Portugal, o chefe da delegação endereçou, num último esforço que não teria resposta, uma carta ao Ministério dos Negócios Estrangeiros indonésio reiterando as posições de Portugal: não haveria acordo bilateral com a FRETILIN; desejava-se continuar os esforços de diálogo com os três partidos; e condicionava-se as conversações à prévia libertação de prisioneiros60. A 13 de setembro embarcou rumo a Lisboa sem ter logrado obter qualquer espécie de acordo. Amargamente, haveria de recordar: «A decisão de pôr de lado a diplomacia e optar pela violência estava tomada. Era só uma questão de oportunidade»61.

Um Novo Governo em Lisboa e a Ação de Melo Antunes

Em Lisboa estava em curso a substituição do último governo de Vasco Gonçalves pelo VI Governo Provisório, no qual Melo Antunes voltava a sobraçar a pasta dos Negócios Estrangeiros - e com ela as rédeas do processo de descolonização que faltava cumprir - coadjuvado pelo ministro da Cooperação, comandante Vítor Crespo62. Com este regresso voltava a posição de destaque, a linha que defendia a validade do roteiro inscrito na Lei 7/75 e a necessidade de procurar o diálogo com todas as partes. Nesse objetivo se empenharam as autoridades portuguesas nos meses seguintes, sem descurar a necessidade de controlar o «fator Indonésia».

Melo Antunes haveria de discursar perante a Assembleia Geral da ONU a 9 de outubro, abordando as questões de Angola e de Timor. No caso desta última, afirmaria a disponibilidade de Portugal para «uma amplidão de fórmulas políticas que respeitem o interesse do povo, levando em conta os interesses geopolíticos da área», e declarando-se pronto a novo contacto com as autoridades indonésias «no sentido de se obter uma solução negociada para o conflito, determinando o futuro de Timor de acordo com os três partidos»63. Na mesma data, avista-se com Kurt Waldheim, aborda o plano de negociação com os três partidos e pede os bons ofícios do secretário-geral para obter a libertação dos militares presos64. Também se encontra com o embaixador indonésio, a quem propõe um encontro ao nível dos ministérios dos Negócios Estrangeiros a ter lugar em Roma ainda em outubro. Encontra-se, ainda, com o presidente do Comité dos 24, Salim A. Salim, a quem dá conta da preocupação portuguesa com o respeito do direito à autodeterminação e com a necessidade de se evitar uma intervenção militar estrangeira65. Ciente de que o tempo não era muito, ainda assim Melo Antunes entendia que a resolução da questão de Timor não se poderia dar antes da independência de Angola, marcada para 11 de novembro, posição em que era acompanhado pelo PR66.

O encontro entre Melo Antunes e o ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio, Adam Malik, teve lugar em Roma a 1 e 2 de novembro67. Nessa ocasião, Portugal voltou a rejeitar propostas indonésias para que autorizasse tropas suas no território. Contudo, foi possível obter acordo nalguns pontos vertidos, num Memorandum of Understanding, dos quais salientamos:

• ambos os lados expressaram a sua continuada adesão aos princípios da descolonização como enunciado nas resoluções pertinentes da ONU, e à salvaguarda escrupulosa do princípio do respeito pela vontade do povo de Timor;

• ambos os lados concordaram em exercer esforços concertados e coordenados em ordem a convencer os partidos políticos do «Timor Português» da necessidade de retomar conversações com o Governo português, as quais deveriam ter lugar o mais brevemente possível68.

De referir que Portugal implicitamente acedeu a recuar em duas matérias: as conversações com os partidos não teriam de ser simultâneas, e não se colocaria como condição para contactos com a UDT a libertação dos prisioneiros. Melo Antunes regressou convencido que havia, conforme relatou em reunião da CND, «o empenhamento mútuo na celebração de conversações visando o cessar-fogo, o problema dos prisioneiros, o estabelecimento de um governo de transição e a discussão das vias para a autodeterminação». Nessa mesma reunião, o PR argumentou que caso essa esperança se desvanecesse, apenas haveria como hipóteses regressar à via das armas - que Portugal não estaria em condições de fazer, pelo menos sozinho - ou internacionalizar o problema, o que conviria à parte indonésia69.

Como vimos acima, a FRETILIN cedo definiu as bases de uma posição que não viria a abandonar: considerar Portugal como o único interlocutor válido; recusar conversações com os restantes partidos; reivindicar ser reconhecida como o único e legítimo representante do povo timorense. Nesse sentido mostrava-se disposta a aceitar negociações bilaterais, sendo que impunha o seu reconhecimento nos termos apontados como ponto prévio - condição que Portugal reiteradamente se recusou a aceitar70. Várias vezes teve o ensejo de repetir o mesmo discurso71. Também propunha o regresso de Lemos Pires a Díli, «mantendo o reconhecimento pela bandeira e soberania portuguesas», o que equivaleria à aceitação das suas condições por parte de Portugal - sem que de sua parte houvesse qualquer flexibilidade para aceitar, mesmo que com alterações pragmáticas, o espírito da Lei 7/75 e o implícito multipartidarismo que sustentasse uma consulta popular72.

Perante a abertura da FRETILIN para contactos formais com o Governo português, o governador chama a atenção para a necessidade de lhes dar resposta, sem o que a tensão não cessaria de crescer73. Ramos-Horta é uma das individualidades que se expressa no sentido de reprovar a falta de resposta de Lisboa, e «estranha o silêncio do governo português face à situação e às propostas e apelos para negociações para prosseguimento do processo de descolonização»74. A CND, porém, ponderava o seguinte: aceitar conversações isoladamente poderia pôr em perigo a sorte dos militares aprisionados pela UDT; influenciar a solução do caso de Angola; e retirar o tapete à posição de Ataúro75. Por isso, e até ao encontro de Roma a que se aludiu, Portugal não irá encarar tal hipótese76 - o que, de certa forma, reforçava o poder negocial da UDT e da APODETI, e criava uma enorme frustração junto da FRETILIN.

A 22 de outubro, a CND envia uma mensagem ao presidente da FRETILIN, aceitando a realização de conversações em novembro, pedindo que proponha uma agenda e sugira possíveis locais para o encontro, sendo que Portugal prefere o seu território77. A FRETILIN responde com aceitação de princípio78. O MNE indica então que o ministro da Cooperação, comandante Vítor Crespo, chefiaria uma delegação ao encontro agendado para uma data entre 15 e 20 de novembro - mais tarde adiada para 24 ou dias seguintes - na Austrália (que acabara por aceder a que as conversações pudessem ser realizadas em território seu na condição de virem a contar com os três partidos)79. Na mesma data (5 de novembro) seguiram telegramas idênticos para a UDT e a APODETI. A FRETILIN aceitará esse princípio, sugerindo Melbourne para local do encontro80.

Entretanto, que sucedera com a UDT /MAC e a APODETI, refugiados que estavam os seus líderes na Indonésia, que sobre eles exercia um controlo apertado, como reconheceria mais tarde Mário Carrascalão?81

A resposta ao apelo dirigido a todos os partidos por Almeida Santos a partir de Ataúro, a 4 de setembro, só seria dada pela UDT no dia 11, propondo conversações em Batugadé sem a FRETILIN e sem libertar os prisioneiros82. Justificavam, em contacto efetuado através do governador de Timor Ocidental, que «estavam ocupados em conduzir a população na luta contra o terror e intimidação da FRETILIN apoiada pelas autoridades portuguesas»83 - curiosamente, uma posição simétrica em relação à da FRETILIN, que acusava Lemos Pires de conluio com a UDT. Perante esta resposta, o MNE deu instruções à delegação que se encontrava em Darwin para que fizesse novo convite à UDT e à APODETI84. Esta decisão foi secundada por uma diligência do PR junto da Embaixada da Indonésia em Lisboa no sentido de pressionar esses partidos a responder positivamente e assegurar a libertação dos prisioneiros em seu poder85. A 25 de setembro, Lopes da Cruz, em nome da UDT, comunica a aceitação de conversações em Macau, com a presença de média internacionais e sem a FRETILIN. Dois dias depois, a APODETI, pela voz do seu presidente Guilherme Maria Gonçalves, também liurai (régulo) de Atsabe, declina o convite e informa que não admite mais negociações com a delegação portuguesa86. Em Lisboa, a CND decide enviar nova mensagem a estes partidos reiterando a proposta de negociações87. A resposta foi mais uma vez negativa: através da agência indonésia Antara, a Embaixada Portuguesa em Jacarta tomou conhecimento de que os partidos convidados recusavam conversações se estas tivessem por finalidade assegurar a libertação dos prisioneiros, cujo problema seria por eles considerado inseparável do desenrolar da descolonização e não podia ser aceite como condição prévia88.

Em meados de novembro, e na sequência do encontro de Roma atrás referido, parecia haver desenvolvimentos positivos. Lopes da Cruz, via autoridades indonésias, indicou que poderia aceder a conversar com Portugal89. Uns dias mais tarde, foram requeridos, e emitidos, passaportes portugueses pela Embaixada em Jacarta em nome de vários elementos da UDT (Domingos de Oliveira, João Viegas Carrascalão, Paulo Pires e Mariano Lopes da Cruz) e da APODETI (Januário dos Reis e Américo da Costa Nunes), com a justificação de que se destinavam a facilitar a deslocação desses cidadãos às conversações com Portugal90.

Lentamente, as peças do puzzle pareciam estar a juntar-se, com cedências de todas as partes. Portugal estava preparado para que as conversações durassem oito dias, e admitia assumir uma posição flexível que não pusesse em causa o princípio fundamental do exercício do direito do povo a ser chamado a pronunciar-se. Tudo o resto estaria em cima da mesa91. Da parte das organizações timorenses, para além de uma retórica sempre inflamada e pouco dada a compromissos, parecia ir-se caminhando pragmaticamente no sentido de realizar a ronda de conversações, se bem que a UDT e a APODETI tenham, no último minuto, recusado a hipótese de reunir na Austrália e proposto Bali92.

Mas o correr dos dias é por vezes cruel. O momentum que parecia estar a desenvolver-se deu-se em simultâneo com o agravamento da crise política portuguesa, que culminou nas ações político-militares de 25 de novembro, paralisando por alguns dias a administração. Insatisfeita com o protelar da data para conversações, a 28 a FRETILIN declara unilateralmente a independência de Timor - ato que Portugal não só não reconhece, como publicamente verbera. Em comunicado, o PR afirma que «Portugal não pode aceitar afirmações de independência nem de integração em terceiros estados» e anuncia que «Portugal ver-se-á obrigado a recorrer a instâncias internacionais na esperança de tornar possível uma solução pacífica e a conclusão do processo de descolonização»93. A UDT, a APODETI e os pequenos partidos KOTA e Trabalhista subscrevem - em condições de falta de liberdade de movimentos - um pedido de integração na Indonésia, a chamada «Declaração de Balibó»94. A República Indonésia avança militarmente sobre o «território não autónomo sob administração portuguesa» (que assim permanecerá oficialmente durante mais um quarto de século) a 7 de dezembro. Era o fim (provisório) do processo de autodeterminação de Timor.

Conclusão

A Cimeira de Macau definiu um roteiro para uma descolonização ordeira de Timor, baseada no princípio de uma autodeterminação participada pelo povo do território, que veio a ser materializado na Lei 7/75. Porém, as esperanças de um desenvolvimento pacífico cedo se esfumaram.

O «Processo Revolucionário em Curso» (PREC) sofreu uma aceleração brutal no início do que viria a ser chamado o «Verão Quente», com a queda do IV Governo Provisório, a vigência do efémero V Governo Provisório, e a constituição do VI Governo Provisório, com a tensão social e política a crescer até ao desenlace de 25 de novembro - ou seja, até à véspera do desfecho do processo descolonizador de Timor. Neste quadro, a atenção à descolonização de Timor (que não à de Angola, questão de importância central) dificilmente poderia ter concitado mais atenção do que a que recebeu. Portugal viu-se sob fogo cruzado - mesmo num sentido literal - entre posições antagónicas dos vários atores timorenses, crescente pressão indonésia e o avolumar da questão de Angola na agenda da descolonização. Entre os atores portugueses, várias foram as respostas ensaiadas ao desenrolar dos acontecimentos - desde sugestões que passavam pela contemplação da entrega do poder à UDT na sequência do golpe de 10 de agosto (feita pelo governador) até à possibilidade de reconhecer a supremacia da FRETILIN e acelerar por meio de conversações bilaterais o processo de independência (admitida pelo MNE do V Governo Provisório), pondo em causa os princípios definidos na Cimeira de Macau. Nenhuma dessas sugestões viria a ter seguimento, e Portugal, quer pela voz do Presidente Costa Gomes, quer pela ação de Almeida Santos, quer ainda pela tomada em mãos do processo por parte de Melo Antunes, manteve sempre viva a chama da Lei 7/75 (que admitiu vir a sofrer ajustamentos sem trair o princípio da autodeterminação participada através de consulta popular).

Aberto o conflito armado em Timor, Portugal procurou sem grande compreensão pelas partes - manter uma posição de neutralidade. Enquanto as armas não se calaram, procurou na arena internacional constituir uma força que levasse a paz ao território e, perante as exigências indonésias que determinavam o equilíbrio de forças na região e a subordinação australiana aos ditames do seu grande vizinho95, viu o seu propósito frustrado. Finda a guerra com a vitória de FRETILIN, Portugal foi confrontado com a reivindicação de reconhecer de facto a dominação desse partido, o que sempre recusou em nome da necessidade de envolver os três movimentos numa solução duradoura. Esse propósito foi sempre mantido, no respeito pelo espírito da Cimeira de Macau e do roteiro para a autodeterminação, e em sintonia quer com as recomendações das Nações Unidas, quer com princípios democráticos decorrentes de documentos fundadores da ordem internacional. A esperança de Portugal era que o cumprimento desses preceitos constituísse a melhor garantia de que a vontade livremente expressa do povo timorense fosse respeitada num quadro regional altamente desfavorável. A proclamação unilateral de independência, seguida pela invasão formal de tropas indonésias, veio pôr termo a tais esperanças e adiar a autodeterminação por um quarto de século.

Zélia Pereira Doutorada em Ciências da Informação e Documentação pela Universidade de Évora. Licenciou-se em História, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e é mestre em História Social Contemporânea pelo Instituto Universitário de Lisboa - ISCTE. Desde 1997 tem vindo a colaborar em diversos projetos de investigação no domínio da história e da arquivística. Investigadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, colaborou num projeto de investigação sobre o processo de autodeterminação de Timor-Leste. É ainda técnica de arquivo na Fundação Mário Soares.

Rui Graça Feijó Investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e investigador associado do Instituto de História Contemporânea (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa). Doutorado em História Moderna e Contemporânea pela Universidade de Oxford (1984) e com agregação em Democracia no Século XXI, pela Universidade de Coimbra (2017). Coordenador do projeto de investigação (financiado pela FCT) «A Auto-determinação de Timor-Leste: Um Estudo de História Transnacional» (2018-2022).

Bibliografia

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Notas

* A investigação plasmada no presente ensaio decorreu no âmbito do projeto «A Autodeterminação de Timor: um estudo de História Transnacional», financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PTDC/HAR-HIS/30670/2017), desenvolvido no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

1 Lloyd-Jones, Stewart; PINTO, António Costa, eds. - The Last Empire. Thirty Years of Portuguese Decolonization. Bristol e Portland (or): intellect., 2003; ROSAS, Fernando; MACHAQUEIRO, Mário, OLIVEIRA, Pedro Aires, orgs. - O Adeus ao Império. 40 Anos de Descolonização Portuguesa. Lisboa: Veja, 2015; SMITH, Sarah, et al., eds. - Timor-Leste: The Local, the Regional, and the Global. Proceedings of the Timor-Leste Studies Association Conference, Díli, 2015. Hawthorn: Swinburne Press, 2016, vol. II, Timor-Leste: 1975 - 40 years on.

2Como são exemplos, em Portugal, MAGALHÃES, António Barbedo - Timor-Leste: Interesses Internacionais e Actores Locais. Porto: Afrontamento, 2007; FIGUEIREDO, Fernando Augusto - Timor-Leste: A Presença Portuguesa desde a Reocupação à Invasão Indonésia (1945-1975). Lisboa: Âncora, 2018; e, a nível internacional, TAYLOR, John G. - East Timor: The Price of Freedom. Londres e Nova York: Zed Books, 1999; MOLNAR, Andrea Katalin - Timor-Leste: History, Politics and Culture. Basingstoke: Routledge, 2010; HICKS, David - Rhetoric and the Decolonization and Recolonization of East Timor. Londres. Routledge, 2015; LEACH, Michael - Nation-building and National Identity in Timor-Leste. Abingdon: Routledge, 2017.

3 VALE DE ALMEIDA, Miguel - «O epílogo do império: Timor e catarse pós-colonial portuguesa». In Novos Estudos CEBRAP. N.º 5, 1999, pp. 7-26.

4Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) - Chega! The Final Report of the Timor-Leste CAVR. Jacarta: KPR, em colaboração com STP-CAVR, 2013.

5Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) - Timor-Leste Internal Political Conflict 1974-1975. Díli: CAVR, 2009.

6BARRETO, Madalena Salvação; FEIJÓ, Rui Graça - «The katuas look back. Portugal and the events of 1974-75 through the lenses of CAVR testimonies». In PEREIRA, Zélia, et al., orgs. - A Luta de Libertação Nacional de Timor-Leste. Coimbra, Lisboa, Díli e Melbourne: TLSA-PT, 2021, vol. II.

7MACQUEEN, Norrie - «Portugal: decolonization without agency». In THOMAS, M.; THOMPSON, A. S., eds. - The Oxford Handbook of the Ends of Empires. Oxford: OUP, 2018, pp. 162-178.

8FEIJÓ, Rui Graça - «Desvendando os bastidores da Lei 7/75. Interações entre Portugal e os movimentos políticos timorenses». In Ler História. 2022 (no prelo).

9São também fonte de informação relevante os seguintes relatórios: PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor (Período de 13 de Novembro de 1974 a 7 de Dezembro de 1975). Lisboa: Presidência do Conselho de Ministros, 1981; RISCADO, Francisco Abreu, et al. - Relatório da Comissão de Análise e Esclarecimento do Processo de Descolonização de Timor. Lisboa: Presidência do Conselho de Ministros, 1981. Embora publicados em 1981, foram elaborados, respetivamente, em 1976 e 1977, no contexto do primeiro impacto da invasão indonésia, enumerando vários acontecimentos ocorridos.

10FEIJÓ, Rui Graça - «Desvendando os bastidores da Lei 7/75...».

11O governador salientaria que o acordo feito em Macau correspondia, no essencial, ao que se negociara em Díli e que obtivera o assentimento da FRETILIN. PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor..., p. 151. Ver também PIRES, Mário Lemos - Descolonização de Timor. Missão Impossível?. Lisboa: Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1991, pp. 173-174.

12PEREIRA, Zélia; FEIJÓ, Rui Graça - «Talking at cross-purposes. Portugal, Indonesia and the “Timor Issue”». In Bijdragen, 2022 (no prelo).

13Ver, por exemplo, os telegramas que enviou a Costa Gomes em 2 de julho. Arquivo Histórico da Presidência da República (AHPR) - GB0102/3569; e a Almeida Santos (86 Sec., 87 Sec. e 88 Sec.). Arquivo Histórico Ultramarino/Ministério do Ultramar - Coordenação Interterritorial (AHU/MU-MCI) - Dossier telegramas Timor 1975 Secretos recebidos; Apontamento, Reunião da Comissão de Descolonização de Timor, 16.07.1975. Arquivo Particular Silvério Jónatas (APSJ) - Dossier Documentos 1975.

14Telegrama 46 Sec. Ministério da Coordenação Interterritorial (MCI) para governador. AHU/MU-MCI - Dossier telegramas 1975 secretos expedidos. Ver também RISCADO, Francisco Abreu, et al. - Relatório da Comissão de Análise e Esclarecimento..., p. 93; e PIRES, Mário Lemos - Descolonização de Timor..., pp. 181-182.

15Telegramas 83 Sec., 84 Sec., 85 Sec., Governador para MCI. AHU/MU-MCI/Dossier telegramas Timor 1975 Secretos recebidos; Mensagens do Governador para EMGFA. Arquivo da Defesa Nacional (ADN) - ADN/SGDN/1REP/110/362 capilha 4.

16Mensagem 193/B, confidencial, Governador para Defesa Nacional. ADN/SGDN/1REP/110/362 capilha 4.

17Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) - Timor-Leste Internal Political Conflict 1974-1975, p. 55; depoimento de Mari Alkatiri. Arquivo Nacional de Timor-Leste, Fundo Administração Portuguesa (ANTL/FAP) - ANTL/FAP/F-14-176-Chega!

18Carta ao Presidente da República (PR). AHPR/GB0205/3567/002.

19Telegrama 91 Sec., Governador para MCI. AHU/MU-MCI/Dossier telegramas Timor 1975 Secretos recebidos.

20Telegrama 035C, Governador para PR. AHPR/GB0102/3569. Para uma análise da posição dos movimentos timorenses e da sua atuação no período veja-se HICKS, David - Rhetoric and the Decolonization and Recolonization of East Timor.

21Uma cópia desse diário está na posse de Silvério Jónatas, que gentilmente partilhou connosco o seu arquivo. APSJ - Dossier Documentos 1975.

22Telegrama 002, Governador para CEMGFA. AHPR/GB0102/3569.

23Telegrama s/n, Governador para PR. AHPR/GB0102/3569.

24PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor…, p. 260; Manuscrito (João Carrascalão). AHPR/GB0205/3564; Telegrama 030C, Governador para PR. AHPR/002/3569.

25Telegrama 035C, Governador para PR. AHPR/GB0102/3569; e PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor…, pp. 261-262.

26Diário de Lemos Pires. APSJ - Dossier Documentos 1975. Ver também telegrama de Rogério Lobato (militar do exército português e militante da FRETILIN) para Otelo Saraiva de Carvalho no COPCON. Centro de Documentação 25 de Abril, Fundo Francisco Fialho da Rosa (CD25A/FFFR) - Dossier III/16.

27Atas CND. AHPR/GB0205/0699.

28Telegrama 050, Governador a PR. AHPR/0102/3569; e PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor…, p. 268.

29Telegrama, Governador de Macau para PR. AHPR/GB0102/3569 (este telegrama dava conta da escuta em Macau de emissão rádio oriunda de Timor).

30Telegrama de Nicolau Lobato para COPCON. CD25A/FFFR/Dossier III/8.

31A autorização para que procedesse de acordo com a sua leitura da situação no terreno havia já sido comunicada dias antes. Telegramas 07/GT, PR para governador, e 616/CG, CEMGFA para governador. APSJ - Dossier telegramas.

32Telegrama 281, Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) para Missão de Portugal na ONU. Arquivo Histórico-Diplomático/Ministério dos Negócios Estrangeiros (AHD/MNE) - PAA 132.

33A posição da FRETILIN, que tinha ascendente militar no terreno, seria verbalizada por Nicolau Lobato numa mensagem na qual utiliza termos de extrema gravidade para caracterizar a ação de Lemos Pires, a quem acusa de conluio com a UDT e de ter armado esse movimento. Telegrama, Lobato para COPCON. CD25A/FFFR/Dossier III/19. Ver também carta de Lobato a Almeida Santos em PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor…, pp. 327-328.

34Almeida Santos deu destaque a esta sua missão no seu livro de memórias, SANTOS, António Almeida - Quase Memórias. 2 vols. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 2006, pp. 370-388. Seguiremos de perto o seu testemunho nesta secção do nosso ensaio.

35O governador informaria o PR, a 26 de agosto, de que dispunha em Díli de 107 elementos do Exército, 27 da Armada e 71 da Força Aérea, dos quais 64 eram paraquedistas - a força mais importante no território -, que poderiam ter sido utilizados no início dos confrontos, mas que em finais de agosto eram insuficientes para sustentar uma operação militar. Mensagem 80C do Governador para PR. AHPR/GB0102/3569. Alguns elementos sobre a hipótese de uso da força são discutidos por PEREIRA, Zélia - «A reação de Portugal à invasão de Timor-Leste: entre um regresso à força e a internacionalização do problema (1975-1976)». In PEREIRA, Zélia, et al., orgs. - A Luta de Libertação Nacional de Timor-Leste.

36Apontamento de Queirós de Barros (funcionário do MNE). ANTT/FEMA/Cx.120, pasta 2.

37Telegrama 104, MNE para Almeida Santos. AHD/MNE, GPE Timor, Pasta 868.

38Apontamento de uma reunião na Presidência da República com o MNE. APSJ - Dossier Documentos 1975.

39Relatório de Almeida Santos. Fundação Mário Soares, Fundo Mário Ruivo (FMS/FMR) - Pasta 11492.

40Telegrama 543, Missão Portuguesa na ONU para MNE. AHD/MNE-GPE Timor/Pasta 868.

41Telegrama 283, MNE para Missão Portuguesa na ONU. ANTT/FEMA/Cx. 20, pasta 2.

42Santos, António Almeida - Quase Memórias, vol. II, p. 373.

43Telegrama 141, Almeida Santos para MNE. AHD/MNE-GPE Timor, Pasta 868. Ver também SANTOS, António Almeida - Quase Memórias, vol. II, pp. 374-376.

44SANTOS, António Almeida - Quase Memórias, vol. II, p. 376.

45Telegrama 90, PR para Almeida Santos. AHD/MNE-GPE Timor, Pasta 868.

46Telegrama 109, Almeida Santos para MNE. APSJ - Dossier Documentos 1975.

47Telegrama, FRETILIN para PR. AHPR/GB0102/3569.

48CARRASCALÃO, Mário - Timor-Leste antes do Futuro. Díli: Livraria Mau Huran, 2006, p. 98.

49Telegramas, 111 a 115, MNE para Almeida Santos. AHD/MNE-GPE Timor, Pasta 868. Ver também BRAGA DA CRUZ, Manuel - A Política Externa do V Governo Provisório. Lisboa: Serviços Sociais dos Trabalhadores da CGD, 1975.

50Estes dois casos aproximam-se do de Timor na medida em que se trata de arquipélagos onde não houve conflito armado. O mais relevante, porém, é a decisão de Portugal de reconhecer o PAIGC e o MLSTP como «únicos legítimos representantes» dos respetivos povos, mesmo perante a emergência (fruste, é certo) de outros movimentos políticos depois do 25 de Abril. Seriam esses exemplos que a FRETILIN desejava ver reproduzidos em Timor. LOPES, José Vicente - Cabo Verde: Os Bastidores da Independência. Cidade da Praia: Spleen, 2013; NASCIMENTO, Augusto - «A inelutável independência ou os (in)esperados ventos de mudança em São Tomé e Príncipe». In ROSAS, Fernando, et al. - O Adeus ao Império. Lisboa: Nova Vega, 2015, pp. 175-190.

51SANTOS, António Almeida - Quase Memórias, vol. II, p. 378.

52Telegramas, CND para APODETI, MAC e FRETILIN. APSJ - Dossier telegramas.

53Mensagem de Lopes da Cruz à delegação portuguesa, em PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor..., pp. 341--342. A questão dos prisioneiros de guerra será recorrente nestes meses, e é detalhadamente tratada em FEIJÓ, Rui Graça - «Prisioneiros do fim do Império. Os prisioneiros de guerra no “Timor Português” (1975-1976)». In OLIVEIRA, Pedro Aires, org. - Prisioneiros de Guerra. Experiências de Cativeiro no Século XX. Lisboa: Tinta da China, 2019, pp. 281-304; e NUTTALL, Ruth - «Hostages to History. The use of Portuguese prisoners of war in the annexation of East Timor». In Australian Journal of Politics and History. Vol. 66, N.º 3, 2020, pp. 483-502.

54SANTOS, António Almeida - Quase Memórias, vol. II, p. 382.

55Telegrama 111, Almeida Santos para PR. AHPR/GB0102/3569; telegrama, Xavier do Amaral para PR. APSJ - Dossier telegramas; e mensagem de Francisco Xavier do Amaral (FRETILIN) para Almeida Santos, em PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor..., p. 327.

56Telegrama 27, Almeida Santos para PR. APSJ - Dossier telegramas.

57Telegrama 146, Girão (Embaixada de Jakarta) para MNE. AHD/MNE-GPE Timor, Pasta 868.

58Telegrama 158, Girão para MNE. AHD/MNE-GPE Timor, Pasta 868.

59Telegrama 160, Girão para MNE. APSJ - Dossier telegramas.

60Carta de Almeida Santos a Mochtar Kusumaatmadja. AHD/MNE-GPE Timor, Pasta 868.

61SANTOS, António Almeida - Quase Memórias, vol. II, p. 384.

62Almeida Santos será ministro da Comunicação Social do VI Governo Provisório, e continuará a acompanhar os trabalhos da CND, sem contudo ter uma posição proeminente.

63Ata da Assembleia Geral da ONU. Disponível em https://undocs.org/em/A/PV.2382.

64Apontamento de Sacadura Cabral (MNE). ANTT/FEMA/Cx.20, pasta 2; apontamento de Silvério Jónatas, reunião da CND. APSJ - Dossier Documentos 1975.

65Apontamento de Sacadura Cabral (MNE). ANTT/FEMA/Cx.20, pasta 2.

66Apontamento de Silvério Jónatas, reunião da CND. APSJ - Dossier Documentos 1975; telegrama 300/GC, Gabinete de Timor para governador. APSJ - Dossier de telegramas.

67Sobre este encontro ver PEREIRA, Zélia; FEIJÓ, Rui Graça - «Talking at cross-purposes…».

68Memorandum of Understanding, Melo Antunes e Adam Malik. AHPR/GB0205/0699. Ver também Comunicado de Imprensa, anexo à ata de reunião da CND de 5 de novembro (AHPR/GB0205/0699), transcrito em PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor..., pp. 354-355.

69Atas CND, AHPR/GB0205/0699.

70Telegrama 368, MNE para Missão de Portugal na ONU. AHD/MNE-GPE Timor, Pasta 868; Apontamento da reunião da CND, 24 de setembro. APSJ - Dossier Documentos 1975.

71Veja-se telegrama de Nicolau Lobato para Otelo Saraiva de Carvalho. CD25A/FFFR/ Dossier III/19; telegrama de Francisco Xavier do Amaral ao PR. APSJ - Dossier telegramas; nota de telefonema de Nicolau Lobato para Gabinete de Timor. APSJ - Dossier Documentos 1975; e, ainda, mensagem de Francisco Xavier do Amaral para Almeida Santos, carta de Nicolau Lobato para a delegação portuguesa e carta da FRETILIN ao PR em PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor..., pp. 327-328, 352.

72Apontamento sobre telefonema de Francisco Xavier do Amaral para o Gabinete de Timor. APSJ - Dossier Documentos 1975.

73Memorando de Lemos Pires. APSJ - Dossier Documentos 1975.

74Informação de Silvério Jónatas referente a telefonema recebido no Gabinete de Timor. APSJ - Dossier Documentos 1975.

75Apontamento, reunião CND de 9 de outubro. APSJ - Dossier Documentos 1975.

76Telegrama 300/GC, Gabinete de Timor para governador. APSJ - Dossier telegramas.

77Telegrama, CND para FRETILIN. APSJ - Dossier telegramas.

78Telegrama, Francisco Xavier do Amaral para PR. AHPR/GB0102/3569.

79Telegrama, CND via MNE para FRETILIN, em PIRES, Mário Lemos - Relatório do Governo de Timor…, pp. 360-361; Atas CND. AHPR/GB0205/0699; telegrama, Embaixada em Canberra para MNE e Gabinete de Timor. AHPR/CC0207/3724.

80Telegrama, Nicolau Lobato para CND. AHPR/GB0102/3569.

81CARRASCALÃO, Mário - Timor-Leste antes do Futuro, pp. 115-122; ver também FEIJÓ, Rui Graça - «Memória e narrativa. Mário Viegas Carrascalão e os trágicos acontecimentos de 1975». In FARRAM, S., et al. (org.) - Hatane Kona-ba / Compreender / Understanding Timor-Leste. Melbourne: Timor-Leste Studies Association, 2020, pp. 177-186.

82Telegrama, delegação portuguesa para PR. AHPR/GB0102/3569 e CC0207/; telegrama 117, Embaixada em Canberra para PR. AHPR/GB0102/3569 e APSJ - Dossier telegramas.

83Telegrama 169, Embaixada em Jakarta para MNE. APSJ - Dossier telegramas.

84Telegrama 106, MNE para delegação. APSJ - Dossier telegramas.

85Telegrama 123, MNE para embaixada em Jakarta. AHD/MNE-GPE Timor/Pasta 868.

86Carta da APODETI para a delegação portuguesa em Ataúro. APSJ - Dossier Documentos 1975.

87Apontamento de Silvério Jónatas, reunião da CND. APSJ - Dossier Documentos 1975.

88Telegrama 218, Embaixada em Jakarta para MNE. APSJ - Dossier telegramas.

89Atas CND. AHPR/GB0205/0699.

90Telegrama 241, Embaixada em Jakarta para MNE. AHPR/GB0205/1791.

91Atas CND. AHPR/GB0205/0699.

92Telegrama 241, Embaixada em Jakarta para MNE. AHPR/GB0205/1791.

93Comunicado. AHPR/GB0205/1791.

94CARRASCALÃO, Maria Ângela - Timor. Os Anos da Resistência. Queluz: Mensagem, 2002; SAMPAIO, António - «A polémica declaração de Balibó, assinada em Bali, de apoio à integração». Lusa. 22 de novembro de 2015. Consultado em: 2 de dezembro de 2021. Disponível em: https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/a-polemica-declaracao-de-balibo-assinada-em_5651450e5c2b514f621818a0.

95JOB, Peter - A Narrative of Denial. Australia and the Indonesian Violation of East Timor. Melbourne: Melbourne University Press, 2021.

Recebido: 08 de Dezembro de 2021; Aceito: 03 de Fevereiro de 2022

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