Em Portugal, as legislativas de 2019 registaram um valor histórico de forças políticas a escrutínio: 21 partidos e/ou coligações apresentaram candidatos à Assembleia da República (AR)2. Desde 1976, aliás, a tendência tem-se revelado crescente.
Ao mesmo tempo, porém, existe um evidente e progressivo distanciamento partidário face aos cidadãos e assiste-se, consequentemente, ao declínio do ativismo e da filiação partidários e à quebra da legitimidade, do interesse e da confiança política3.
No caso português, concretamente, a literatura alimenta esta ideia4. A eficácia que reconhecem aos partidos políticos é igualmente diminuta: o ato de colaborar com um partido político é tido como muito eficaz ou eficaz para somente 37,5% dos cidadãos5. Estes resultados traduzem a perceção de descrédito a que as instituições partidárias são votadas em Portugal - a que acrescerá, recordando a tipologia de participação política de Milbrath6, que a adesão a um partido político é conotada com fraca frequência. Tudo somado, a participação política por via partidária não parece - em Portugal, nos últimos anos - corresponder ao acentuado crescimento do número de partidos políticos (ver figura 1).
Este estudo parte, portanto, desta aparente contradição e propõe-se a identificar os principais fatores determinantes da emergência de novos partidos em Portugal, ao longo da última década. Através do enquadramento analítico largamente oferecido pela teoria da entrada estratégica, orientamos a nossa investigação a partir de dois eixos: sistémico e particularístico. Analisamos a existência de condições sistémicas e as características e valências próprias de cada partido e respetivos quadros.
O estado da arte
O sistema partidário7 constitui o locus de emergência dos novos partidos. Em Portugal, a institucionalização do sistema é conducente a uma estrutura de competição fechada que restringe a competição8. Apesar de a crise ter causado um ligeiro aumento na fragmentação do sistema partidário, a tendência inovadora no Parlamento português é relativamente fraca - entre 1999 e 2015, não se registou a entrada de qualquer novo partido na AR.
A crise apresenta-se, portanto, enquanto potencial conjuntura crítica, capaz de influenciar transformações no seio do sistema partidário nacional, pelo desgaste causado nos partidos tradicionais9. O estudo adaptado da teoria do voto económico sugere que uma performance económica negativa exerce influência positiva sobre o voto em novos e pequenos partidos10. De facto, ao constatar-se que a alteração do sentido de voto privilegia partidos externos ao sistema11, abre-se espaço para a emergência de novas forças.
(Novos) partidos políticos
Em Portugal, a Lei dos Partidos Políticos12 estabelece-os, de um ponto de vista funcionalista, enquanto concorrentes para «a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político» (artigo 1.º). O seu reconhecimento, cumprida a legislação, depende da sua oficialização pelo Tribunal Constitucional (TC). Em termos teóricos, a conceção jurídica ecoa a definição mínima apresentada por Giovanni Sartori:
«Um partido é qualquer grupo político identificado por uma marca oficial, que se apresenta a eleições e é capaz de, através de eleições (livres ou não livres), colocar candidatos nos cargos públicos»13.
O conceito de novo partido, por sua vez, ilustra exemplarmente um caso-tipo de conceito contestado. Harmel classifica-os, a partir de uma perspetiva cronológica ou histórica, como partidos que surgem num contexto diferente dos partidos anteriormente existentes14. Com Robertson, acaba por operacionalizar este conceito a partir de quatro circunstâncias de origem: fusão, rutura, formação natural e reorganização15. Pelo seu potencial de operacionalização, será a definição que aqui empregamos.
De outro ângulo - ideológico-programático -, Lucardie apresenta uma nova forma de olhar para os novos partidos. Os partidos que apresentam uma focalização programática baseada em determinadas questões delimitadas (e. g., representação de grupos ou questões sociais), acompanhadas de uma construção ideológica fraca, são classificados enquanto prolocutores16. Os purificadores - por norma, partidos de rutura - são estabelecidos com o propósito de rever e apurar a forma original de uma qualquer ideologia que julguem desvirtuada no seu sistema partidário17; os proféticos, em contrapartida, introduzem novas visões ideológicas no sistema (a diferença face aos prolocutores está, precisamente, na sua solidez ideológica)18. Por fim, apontam-se os idiossincráticos - ou veículos pessoais -, cuja proposta «parece demasiado opaca e confusa para fazer sentido a alguém externo aos fundadores do partido»19. Em simultâneo, a emergência destes organismos ocorre a partir de três fatores: relevância do projeto político; existência de suficientes recursos de mobilização; e estrutura de oportunidade política. É aqui que se enquadra a teoria da entrada estratégica20.
A teoria da entrada estratégica
Num hipotético cenário de neutralidade, a decisão de entrada estratégica apresenta-se a partir de uma ponderação entre os custos de entrada, a perceção da probabilidade de sucesso eleitoral e os benefícios do cargo a que se concorre21.
Entre os custos de entrada, contam-se os obstáculos administrativos - custos financeiros e recolha de assinaturas -, que variam de forma expectável: quanto maiores forem os custos, menor será a propensão para a emergência de novos partidos. Estes custos poderão ser minorados consoante os atributos dos agentes e o seu leque de recursos (capacidade de mobilização e projeção mediática, por exemplo), que poderão abreviar estes custos22.
A probabilidade de sucesso eleitoral trata-se de uma perceção que poderá ser influenciada pela idade e consolidação da democracia (o grau de cristalização das bases partidárias, que tende a variar inversamente à emergência e sucesso de novos partidos23) e pela antevisão da recompensa ou punição dos incumbentes, por via do efeito da teoria do voto económico.
Por fim, entre os benefícios que movem a ação de lançar um novo partido, encontram-se aqueles que estabelecem a elite política sob o signo da racionalidade: a obtenção de rendimento, o prestígio e a capacidade de influenciar a elaboração de políticas24. Krouwel e Lucardie, aliás, resumem-nos sob a forma de motivações intrínsecas e extrínsecas: propósitos ideológicos; ambições pessoais; considerações estratégicas e táticas; e propósitos altruístas-societais25.
Dados e metodologia
A abordagem metodológica adota uma linha qualitativa comparativa e segue o método da semelhança. Procuramos estabelecer, assim, as similaridades, entre os novos partidos emergentes em Portugal durante a década de 2010, para além de compreender as suas divergências e especificidades. Enquanto a variável dependente se prende com a própria emergência enquanto partido político, as variáveis independentes reportam-se à leitura dos fatores que caracterizam o contexto político, económico e social nos anos que antecedem a oficialização de cada partido pelo TC. Organizamo-las sob dois eixos: sistémico e particularístico. Os indicadores para a primeira dimensão prendem-se com análise das tendências de volatilidade eleitoral, dos valores de desemprego, de variação do produto interno bruto per capita (PIB p. c.) a preços constantes (base: 2016), da desigualdade de rendimento e, por fim, dos temas mais prementes na sociedade portuguesa, como forma de apurar a existência de novas dimensões de conflito26. O eixo particularístico, por outro lado, dedica-se à leitura da sua família ideológica e propósito ideacional do seu surgimento (segundo a tipologia de Lucardie), à sua circunstância de emergência e à análise das qualidades mediáticas das suas lideranças fundacionais e/ ou inaugurais.
O objeto de análise é o partido político e o universo de casos é autolimitado de forma temporal e conceptual. Deste modo, os casos em análise remetem para todos os partidos formalmente inscritos no TC entre 2010 e 2019, conforme descrito no quadro 1. Para o estudo das variáveis, recorremos a diversas fontes. Os dados relativos à volatilidade eleitoral seguem a base de dados de Vincenzo Emanuele; os dados económicos são retirados do portal Pordata e, para os indicadores de opinião pública, utilizamos o Eurobarómetro. A caracterização ideacional dos partidos apoia-se na base de dados ParlGov27 e nas declarações de princípios ou manifestos de cada partido, quando os dados são inexistentes. Finalmente, para a reconstrução factual da época, recorremos ao jornal Público.
Análise
A emergência de novos partidos em Portugal pode ser organizada, diacronicamente, de acordo com as legislaturas vigentes. Desta forma, constata-se que um partido - Partido-Animais-Natureza (PAN) - surge durante o último ano da XI Legislatura (2009-2011), a tempo de se estrear nas legislativas de 2011; seis partidos emergem durante a XII Legislatura (2011-2015) e, finalmente, quatro partidos são fundados durante a XIII Legislatura.
O quadro 1 permite-nos evidenciar, graficamente, algumas tendências. Em primeiro lugar, os anos eleitorais correspondem aos anos em que surge um maior número de partidos - 2011 será a exceção, embora se trate de um ato eleitoral antecipado; 2015 registou quatro novos partidos e 2019 somou duas forças partidárias estreantes. Ao mesmo tempo, não parecem surgir nos anos imediatamente pós-eleitorais (2012 ou 201629). Por fim, o pico da crise económica, com a execução do Memorando de Entendimento (2011-2014), não se afirmou enquanto catalisador extraordinário para novos partidos. O Movimento Alternativa Socialista (MAS) e o Livre foram os únicos (ambos com uma agenda antiausteridade) que emergiram neste intervalo.
Eixo sistémico
A análise da volatilidade eleitoral permite-nos apurar, para cada ato eleitoral, a cristalização do sentido de voto do eleitorado nacional. Focamo-nos em dois valores: o valor de RegV (calculado a partir da alteração de voto entre partidos que entram/saem do sistema partidário) e o valor de AltV (calculado a partir da alteração de voto entre partidos que estão no sistema). Apesar de o argumento correr o risco de se constituir teleológico30, a leitura destes números ilustra a cristalização do sentido de voto e poderá antever a predisposição do eleitorado para o voto nos partidos usualmente tidos por pequenos - que pode constituir um potencial incentivo e oportunidade para novas formações31. Apesar da sua estagnação - ou nulidade - em 2002 e 2005, o valor de RegV tem apontado para uma tendência de crescimento a partir de 2009 (tabela 1). O valor de AltV - que influencia largamente o valor total de volatilidade - tem registado, na década de 2010, uma tendência de queda que se acentuou em 2019, com o valor mais reduzido desde 1999.
Seria expectável, atendendo à revisitação da teoria do voto económico, que o período do resgate financeiro - como anteriormente apontado - constituísse o intervalo de tempo mais propício à emergência de novos partidos. Contudo, a partir de 2014, os principais indicadores económicos começam a revelar a tendência de recuperação da economia portuguesa (tabela 1). O PIB p. c., a preços constantes (base: 2016), recupera progressivamente a partir de 2014 e assiste-se, igualmente, a um decréscimo do valor do desemprego e à redução da desigualdade de rendimentos entre indivíduos. A tendência de recuperação económica é espelhada, também, pela perceção da própria opinião pública32.
Quando o foco se centra nos temas prioritários para a população, a preocupação central, ao longo de toda a década, é o desemprego. Trata-se de um tema típico de valência, embora remeta para a estratégia de crescimento económico de cada partido e, por isso, para matérias mais posicionais. A situação económica, aliás, constitui o segundo tema prioritário entre 2010 e 2019 e, a partir de 2017, damos conta da importância crescente da saúde e segurança social.
Há muito pouco espaço, por exemplo, para questões ambientais - que não descolam de valores próximos de 0% - e para a imigração, ao contrário do que acontecera com outros países europeus. Não parece surgir, por isso, nenhuma dimensão de conflito para além daquela que se pauta por referência à aplicação de medidas austeritárias: a direita, com um pendor liberal e propício a estas políticas, e a esquerda, que se lhes opõe. Esta dimensão de conflito - direita vs. esquerda - é, aliás, reforçada pela criação da Geringonça e pela estratégia de blocos ideológicos.
Eixo particularístico
O PAN é o primeiro partido a surgir, em 2011, de forma natural - sem derivar o seu aparecimento de quaisquer forças partidárias existentes. Encaixa-se na categoria «profético», porquanto visa, com a sua a agenda política, a «mudança do comportamento humano relativamente ao próprio ser humano, à natureza e aos animais»36, pelo que se trata de um partido ecológico. Entre os fundadores, destaca-se Paulo Borges, o seu primeiro líder, embora incapaz de captar per se o foco mediático.
Seguiram-se o MAS e o Livre, em 2013 e 2014, respetivamente. O MAS, em 2013, nasceu de uma rutura interna no seio do Bloco de Esquerda (BE). Gil Garcia, líder da corrente Ruptura/FER (Frente de Esquerda Revolucionária), criticava a crescente institucionalização e parlamentarização do BE37, num claro exemplo de purificação partidária - em termos institucionais, mais do que ideológicos, pelo que se mantém na área ideológica comunista. Apesar da mobilização de um grupo constituído, Gil Garcia também não recolhe, em termos mediáticos, grande proeminência.
O Livre não constituiu uma rutura total: Rui Tavares era eurodeputado independente pelo BE e afastou-se, com outros dirigentes, em divergência com Francisco Louçã, com o propósito de potenciar consensos à esquerda: «Entendemos como nosso dever a procura e a realização de convergências abertas, claras e transparentes, para criar uma maioria progressista capaz de criar uma alternativa política em Portugal e na Europa»38. Incluímo-lo na categoria «profético», pela revisitação do espaço socialista e introdução de novos temas-chave: o europeísmo e a ecologia. Por fim, Rui Tavares é uma personalidade que recolhe projeção mediática, fruto do seu lugar enquanto eurodeputado. O ano de 2015 trouxe o maior número de partidos emergentes. De âmbito regional, o Juntos Pelo Povo (JPP) oficializou-se a partir de um movimento existente desde 2009, para concorrer à Assembleia Legislativa madeirense39 - representa, neste contexto, uma exceção e caracteriza-se enquanto prolocutor e liberal40. O seu fundador, Élvio Sousa, não ocupava nenhum cargo com forte poder de mobilização - antes do surgimento do JPP, presidia à Junta de Freguesia de Gaula.
O Nós, Cidadãos (NC) emerge a partir de um órgão cívico - o Instituto da Democracia Portuguesa -, cuja direção era presidida por Mendo Castro Henriques, fundador partidário. Pauta-se por um forte cunho cívico e de anticorrupção41 e esta focalização discursiva caracteriza-o, também, como prolocutor e liberal.
Marinho e Pinto fundou o seu partido após se desvincular do MPT - Movimento Partido da Terra, pelo qual era eurodeputado (ainda que não militasse no partido). Entre a mensagem de transparência e anticorrupção - típica de um partido prolocutor -, o Partido Democrático Republicano (PDR) também se posiciona enquanto paladino face à crise de representação política: «Não há democracia sem partidos. Mas não há par- tidos inocentes quando ela degenera»42. O partido enquadra-se na área conservadora e tem um cunho personalístico, a partir da figura controversa do seu fundador, que fora bastonário da Ordem dos Advogados (2008-2013).
O Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP) é, igualmente, um partido prolocutor e surge para defender os interesses e necessidades de um grupo social específico - os reformados -, embora se afirme como «representante de todos aqueles que, reformados ou não, estejam contra a austeridade»43, pelo que as suas propostas assumem uma marca socialista. Entre os seus fundadores, António Mateus Dias, primeiro presidente do partido é reformado e não se trata de um líder com qualquer projeção mediática.
Em 2017, a Iniciativa Liberal (IL) também surge de forma natural, embora precedida por um movimento: a Associação Iniciativa Liberal. Emerge na conjuntura de desalinhamento do espaço político de direita após 2015, a partir da ausência de um programa marcadamente liberal, batendo-se pela redução do papel estatal nos campos económico, político e social: «menos Estado, mais liberdade»44. Por este motivo, colocamo-lo sob a categoria «profético». Entre o seu grupo de fundadores não se contam elementos com substancial foco mediático.
A Aliança, em 2018, surge da rutura do seu fundador, Santana Lopes, com o Partido Social Democrata (PSD). A rutura, ainda assim, não é acompanhada pela grande permeabilidade dos quadros sociais-democratas em migrar para o novo partido. Emerge com considerável expectativa, fundado por um ex-primeiro-ministro (com forte projeção mediática, portanto) e assume as características de um partido purificador: a fundação por um dissidente e a revisão ideológica, apostado numa vertente mais liberal, «que promove a liberdade económica e a iniciativa privada como motores principais de crescimento»45.
O Chega surge de forma idêntica - André Ventura marcou uma rutura com o mesmo partido de referência, embora a purificação seja diferente, ancorada a uma direita mais conservadora e radical. O antigo quadro do PSD, e vereador na Câmara Municipal de Loures, reunia considerável mediatismo, fruto da sua ocupação enquanto comentador desportivo, conseguindo um poder mobilizador de grande alcance - em grande parte, devido à sua campanha autárquica de 201746. Apesar da origem purificadora, assumiu contornos próprios de um partido profético no sistema partidário português, com um discurso xenófobo, populista e com políticas de lei e ordem47, que o colocam ideologicamente «à direita». Simultaneamente, assume a sua oposição às políticas socialistas, afirmando pugnar por um Estado menor e por «devolver os rendimentos àqueles portugueses que, há anos sem fim, se veem deles legal, mas ilegitimamente esbulhados»48. O Reagir-Incluir-Reciclar (RIR), para terminar, nasce de formação natural, com Vitorino Silva - Tino de Rans, candidato presidencial em 2016 e ex-presidente da Junta de Freguesia de Rans. É um partido tipicamente idiossincrático: sem grande conteúdo ideológico, recusando o posicionamento no espectro ideológico tradicional (o partido afirma querer «falar com todas as cores e ser 360º»49) e centrado no seu fundador. A sua marca é sobretudo metodológica: quer «estar com o Povo, ouvir o Povo e essencialmente dar voz ao Povo, não só de 4 em 4 anos mas 365 dias por ano»50. Escapando à tipologia, classificamo-lo, assim, como igualmente «idiossincrático» em termos ideológicos.
Discussão
A leitura das variáveis em análise, para os dois eixos em jogo, permite-nos estabelecer o quadro analítico exposto no quadro 2.
Face ao que seria expectável, a teoria adaptada do voto económico não parece explicar a emergência de novos partidos na última década. Efetivamente, no período em que a economia apresentava sinais de quebra, apenas PAN (2011), MAS (2013) e Livre (2014) surgiram no sistema partidário português. Atendendo, aliás, à comparação com o sucedido na Europa do Sul, os anos de crise económica não se revelaram catalisadores excecionais de novos partidos políticos de alternativa ideológica à austeridade. Pelo contrário, o maior número de novos partidos ocorre em 2015, em período de recuperação económica. Esta constatação - a construção de novas alternativas partidárias no primeiro ato eleitoral após o resgate financeiro - sugere que o aproveitamento da primeira oportunidade eleitoral pós-austeridade alimenta o ímpeto reivindicativo.
Ainda assim, o posicionamento ideológico não marca uma plena rutura com a marca do Governo PSD/CDS-PP. De facto, o ano de 2015 regista o surgimento do NC e do PDR, conotados como liberal e conservador, respetivamente. São posições que, numa primeira leitura, se situam num âmbito ideacional próximo do governo cessante. No entanto, as eleições de 2019 testemunham uma situação diferente, em que a clivagem esquerda-direita (que se confunde posicionalmente com os temas prioritários para a sociedade portuguesa, de índole materialista) se acentuou. Com efeito, à exceção do RIR, os partidos que emergem durante a XIII Legislatura estabelecem-se num contraponto ideológico com a solução governativa de esquerda. Chega e Aliança, aliás, derivam de ruturas com o mesmo partido de referência, o PSD, por questionarem a sua incapacidade de oposição ao governo socialista.
Esta análise permite constatar, ainda, que a introdução de novos temas não é preponderante para o surgimento de novos partidos e que parece existir uma relação entre o surgimento de partidos de rutura e a projeção mediática dos seus fundadores e/ou líderes inaugurais. Excetuando o MAS, cuja orgânica deriva diretamente de uma corrente interna existente no seio do BE, Livre, Aliança e Chega possuem líderes com projeção para a criação de novos projetos políticos e este pode tratar-se de um elemento fulcral na sua decisão. Ainda assim, para a emergência de partidos de forma natural, este elemento não parece ter importância para a redução dos custos de entrada.
Por fim, salienta-se o fraco poder inovador em termos ideológicos: somente existem três partidos - PAN, Livre e IL - que se enquadram na categoria «profético».
Conclusão
Este estudo pretendeu questionar os fatores sistémicos e particularísticos que potenciaram a emergência de novos partidos em Portugal, durante a década de 2010, com duas conjunturas críticas de tremenda influência para o sistema político português: a crise económica e a formação parlamentar da Geringonça. Porém, a leitura realizada não nos permite encontrar um fator comum, mínimo, que seja transversal a todos os novos partidos. Ainda que a volatilidade tenha crescido nas eleições que antecederam o surgimento de cada um dos novos partidos, o argumento que encerra em si é frágil e potencialmente teleológico.
Podem-se estabelecer, no entanto, dois tipos de contributo. Por um lado, um contributo essencialmente descritivo, que visa caracterizar o surgimento de novos partidos em Portugal durante esta década: em termos diacrónicos, ideológicos e de origem institucional. Ao mesmo tempo, oferece-se um contributo analítico, que cruza as variáveis sistémicas e que coloca em perspetiva comparada as variáveis em estudo. Diríamos, aqui, que este estudo oferece três grandes conclusões. Em primeiro lugar, a teoria adaptada do voto económico e a teoria da entrada estratégica têm um fraco poder explicativo para a década de 2010, em Portugal. A crise económica não se revelou como grande móbil para a emergência substancial de partidos - sobretudo de forma natural -, ao contrário do que seria expectável.
Em segundo lugar, a Geringonça acentuou a clivagem predominante na política portuguesa - materialista, cifrada em esquerda vs. direita - e os reflexos são visíveis com o aparecimento do IL, do Aliança e do Chega, partidos liberais e de direita. A exceção, aqui, será o idiossincrático RIR. O pós-crise, traduzido nas legislativas de 2015, encerrara em si alternativas ideológicas e programáticas mais amplas - algumas situavam-se, aliás, em campos relativamente próximos do governo cessante.
Depois, a associação entre partidos purificadores e de rutura é natural e o cálculo de custos de entrada parece ter importância para os dissidentes, de modo especial, pela necessidade de garantia de mobilização partidária. A tendência, nesta década, também aponta para que o propósito purificador surja no âmbito da oposição.
Por fim, cremos que esta investigação - necessariamente preliminar - abre futuros caminhos de análise, com destaque para três possibilidades: por um lado, a extensão temporal a todo o período constitucional; por outro, a extensão geográfica, com particular incidência na Europa do Sul; por fim, a focalização na agência, individualizando a figura do/a fundador/a partidário/a.