Jean Monnet, um dos pais fundadores da União Europeia (UE), anteciparia que «[a] Europa ser[ia] forjada nas crises e ser[ia] a soma das soluções adotadas para essas crises»1. Neste momento vive, porventura, um dos maiores desafios que já enfrentou depois do término da Segunda Guerra Mundial, a qual estaria na génese da sua criação. Na verdade, a UE, antes de ser um projeto de integração económica seria um projeto político, de paz e reconciliação dos povos europeus, concretizando o ideal de um «projeto para tornar perpétua a paz na Europa» de Abbe de Saint Pierre, publicado entre 1713 e 17172. Por isso, não seria surpreendente que a primeira comunicação da UE relativa à guerra na Ucrânia surgisse, algumas horas após a invasão russa, numa declaração conjunta da presidente da Comissão Europeia (Comissão) e do alto representante da UE para a Política Externa, condenando a agressão russa. Das palavras de Ursula von der Leyen (que ambicionava um papel geopolítico, em 2019, para a sua Comissão, pressagiando o que estaria por vir) destacava-se que
«[n]o início da manhã, tropas russas invadiram a Ucrânia, um país livre e soberano. Mais uma vez, no centro da Europa, mulheres, homens e crianças inocentes estão morrendo ou temendo pelas suas vidas. Condenamos este ataque bárbaro e os argumentos cínicos para justificá-lo. É o Presidente Putin, que está a trazer a guerra de volta à Europa. Nestas horas sombrias, a União Europeia e o seu povo apoiam a Ucrânia e o seu povo. Estamos enfrentando um ato de agressão sem precedentes da liderança russa contra um país soberano e independente. O alvo da Rússia não é apenas o Donbas, o alvo não é apenas a Ucrânia, o alvo é a estabilidade na Europa e toda a ordem de paz internacional».
Para Josep Borrell,
«[e]stas estão entre as horas mais sombrias para a Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Uma grande potência nuclear atacou um país vizinho e está a ameaçar com represálias contra qualquer outro Estado que venha em seu socorro. Esta não é apenas a maior violação do direito internacional, é uma violação dos princípios básicos da coexistência humana [...] A União Europeia responderá da forma mais forte possível».
Os discursos de ambos os líderes europeus deixavam antever que a Ucrânia poderia contar com o apoio inequívoco da UE, ainda que não pudesse ser antecipado se todos os Estados-Membros partilhavam o mesmo sentimento.
Seria, pois, a 1 de março de 2022, quando o Presidente ucraniano se dirigiu pela primeira vez ao Parlamento Europeu, e pediu à UE que «provasse que estava com os ucranianos»3, um dia após a Ucrânia ter apresentado a sua candidatura oficial à adesão, que se começava a entender, também pelo acolhimento do seu apelo entre os eurodeputados, que a Ucrânia poderia contar com o apoio inequívoco das instituições europeias e dos seus cidadãos.
Durante esta sessão histórica, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que «[c]on-den[ou] com a maior veemência possível a agressão militar ilegal, não provocada e injustificada da Federação Russa contra a Ucrânia e invasão do país, bem como o envolvimento da Bielorrússia nesta agressão», mas também apelou «às instituições da UE para que desenvolv[essem] esforços no sentido de conceder à Ucrânia o estatuto de país candidato à adesão à UE, em conformidade com o artigo 49.º do Tratado da União Europeia e com base no mérito, e para que, entretanto, continuem a trabalhar no sentido da sua integração no mercado único da UE, em consonância com o Acordo de Associação».
Depois desta coesão institucional, verdadeiramente surpreendente, a UE viria a desenvolver vários instrumentos de resposta aos desafios colocados pelo regresso da guerra às suas fronteiras, nomeadamente humanitários, económicos e militares. São, pois, as respostas nestes três domínios que este breve artigo procura mapear, cingindo-se aos instrumentos europeus e excluindo o apoio bilateral que, individualmente, cada Estado-Membro, tem também fornecido.
Resposta da UE aos desafios humanitários
Um dos principais desafios que a Guerra da Ucrânia colocou à UE tem sido a emergência humanitária desencadeada pelo número de refugiados, que alguns dados oficiais já apontam como a maior vaga de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial4. Com efeito, os permanentes ataques a alvos civis como habitações, escolas, hospitais, bem como a infraestruturas críticas, sobretudo energéticas, têm causado um crescente número de vítimas entre a população civil e o seu deslocamento dentro e fora das fronteiras da Ucrânia. Os dados mais recentes do sítio Operational Data Portal relativos à situação dos refugiados na Ucrânia indicam que 7 996 573 ucranianos saíram do país e encontram-se na Europa5.
Para fazer face ao drama de milhões de ucranianos que procuraram os Estados-Membros, a 4 de março de 2022 o Conselho da União Europeia, sob proposta da Comissão6, ativou por unanimidade7 a diretiva de proteção temporária, a qual tinha sido adotada em 2001, depois do conflito nos Balcãs. Segundo dados do Parlamento Europeu, mais de 3,6 milhões de ucranianos já se registaram no âmbito deste mecanismo ou em esquemas nacionais de proteção semelhantes na Europa8. A unidade entre os Estados-Membros foi, também, acompanhada de uma coesão institucional. Com efeito, a Comissão tem emitido orientações para ajudar os países da UE a gerir a chegada de refugiados de forma eficiente e a simplificar os controlos fronteiriços para pessoas vulneráveis e a criação de pontos de passagem temporários9. Na mesma linha, o Parlamento aprovaria a 18 de março um acordo entre a UE e a República da Moldávia relativo às atividades operacionais realizadas pela Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) para ajudar o país, que não é membro da UE, a gerir a vaga de refugiados10 e, a 9 de março, os eurodeputados exortaram a UE a introduzir um sistema de migração adequado que compartilhe a responsabilidade pelos refugiados entre os Estados-Membros.
A Comissão também tem estado a coordenar a maior operação, até ao momento, no âmbito do Mecanismo de Proteção Civil da UE, tendo sido fornecidas cerca de 82 mil toneladas de ajuda, desde medicamentos, viaturas, equipamentos de energia e geradores, entre outras necessidades11. A Comissão alocou 630 milhões de euros para programas de ajuda humanitária, sendo 485 milhões de euros em 2022 e 145 milhões de euros até ao início de 2023.
Resposta da UE aos desafios económicos
A guerra provocou, inevitavelmente, um enorme stress à economia ucraniana, mas também às economias europeias. Para Alfred Kammer, diretor do Departamento da Europa do Fundo Monetário Internacional, «[a] guerra na Ucrânia representa um retrocesso grave para a recuperação económica da Europa»12, por isso os desafios económicos que se colocaram à UE foram de apoio financeiro à Ucrânia, mas também de natureza interna. Apesar disso, a UE tem assegurado um apoio económico verdadeiramente assinalável. Segundo o relatório do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, o produto interno bruto da Ucrânia caiu 15,1% no primeiro trimestre de 2022 e 37,2% no segundo trimestre de 2022, sendo que a inflação em agosto já tinha atingido os 23,8% devido às interrupções de produção e de logística; a continuidade da guerra levou o Banco Mundial a estimar perdas económicas e sociais substanciais devido à destruição de ativos produtivos e infraestruturas críticas essenciais à economia, o acesso limitado ao mercado e deslocamentos da força de trabalho.
A necessidade de apoio económico à Ucrânia tem sido reconhecida pela UE e, por isso, no documento da Comissão que estabeleceu o Instrumento de Assistência Macroeconómica à Ucrânia, destaca-se que «a UE, os seus Estados-Membros e as instituições financeiras europeias mobilizaram, desde o início da guerra, 19,7 mil milhões de euros para a resiliência económica, social e financeira da Ucrânia». Este valor engloba já o apoio do orçamento da União (12,4 mil milhões de euros), incluindo assistência macrofinanceira, o apoio do Banco Europeu de Investimento e do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, bem como o apoio financeiro adicional pelos Estados-Membros (7,3 mil milhões de euros)13. O lançamento deste instrumento deveu-se, em grande medida, ao reconhecimento que «a assistência tem sido prestada de forma ad hoc, cobrindo alguns meses de cada vez, [exigindo] provisões significativas do orçamento da UE e garantias nacionais [e que deverá ser] considerada uma abordagem mais estrutural e eficiente do apoio da União à Ucrânia».
O instrumento de apoio económico desenvolvido estabelece como objetivos, no artigo 2.º do Regulamento,
«proporcionar alívio financeiro a curto prazo sob a forma de empréstimos altamente concessionais de maneira previsível, contínua, ordenada e atempada, financiamento das necessidades imediatas, reabilitação de infraestruturas críticas e apoio inicial à reconstrução sustentável do pós-guerra, com vista a apoiar a Ucrânia no seu caminho para a integração europeia»14.
Ora, não será, pois, surpreendente que o apoio dos Estados-Membros e da UE venha a ser reforçado nos próximos tempos. Desde logo, pela continuidade da guerra e pelas necessidades económicas crescentes da Ucrânia e, depois, pela necessidade de reconstrução no pós-guerra. Na verdade, a Comunicação da Comissão de 18 de maio de 2022, intitulada «Socorro e Reconstrução da Ucrânia», já antecipou o papel que a UE deverá assumir na reconstrução da Ucrânia no pós-guerra, lançando as bases de um plano estratégico de reconstrução - Rebuild Ukraine -, que apesar de estar sob a direção das autoridades ucranianas15, contará com o apoio da UE e de outros parceiros internacionais.
Cumpre, ademais, sublinhar, que aquando da 24.ª Cimeira UE-Ucrânia, realizada no passado dia 3 de fevereiro, na comunicação conjunta de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, e Volodymyr Zelenskyy, Presidente da Ucrânia, foi anunciada a intenção de explorar o potencial do Acordo de Associação, incluindo a Zona de Comércio Livre Abrangente e Aprofundada (ZCLAA), de modo a criar condições para o reforço das relações económicas e comerciais conducentes à integração da Ucrânia no mercado interno da UE16.
Resposta da UE à necessidade de apoio militar
A resistência e a resposta ucraniana à agressão russa necessitaram, ao longo do último ano, de apoio militar. Este apoio tem vindo de vários Estados, sobretudo de Estados-Membros da Aliança Atlântica e da UE, individualmente, mas talvez, e mais surpreendentemente, da UE, assistindo-se a uma tentativa de partilha de encargos entre os Estados-Membro e a eu, o que poderá trazer mudanças significativas ao pilar da defesa europeia, marcadamente intergovernamental.
Com efeito, a 17 de outubro de 2022, o Conselho de Relações Externas estabeleceu a Missão de Assistência Militar da UE (EUMAM Ucrânia)17 em resposta ao pedido urgente de apoio da Ucrânia, a qual seria lançada formalmente, num tempo recorde, a 15 de novembro de 202218. O objetivo da missão é aumentar a capacidade militar das Forças Armadas ucranianas para permitir que defendam a integridade territorial e a soberania da Ucrânia dentro das suas fronteiras reconhecidas internacionalmente, bem como proteger a população civil. A EUMAM Ucrânia tem um mandato que visa fornecer treino individual, coletivo e especializado para até 15 mil membros das Forças Armadas ucranianas em vários locais no território dos Estados-Membros da UE19. Esta missão, também, pretende aumentar a coordenação e a escala geral do treino, com base naquele que os Estados-Membros já estão a fornecer, a nível bilateral, às Forças Armadas ucranianas. A missão também permite que os Estados-Membros da UE que (ainda) não estão empenhados a nível bilateral possam contribuir para o esforço coletivo da UE. Na visita de Josep Borrell à Polónia, a 2 de dezembro, o alto representante da UE para a Política Externa, referia que
«esta missão de Assistência Militar da UE à Ucrânia é uma prova muito tangível e uma ilustração da vontade europeia geral de apoiar a Ucrânia: militarmente, financeiramente, economicamente e politicamente [...] Esta Missão é uma Missão sem precedentes sob muitos pontos de vista. Está a empurrar os limites da cooperação militar da União Europeia para novos níveis»20,
indiciando que poderá ser revisto o processo de tomada de decisão em matéria de Política Comum de Segurança e Defesa, bem como a geração de forças e capacidades conjuntas.
No domínio do apoio militar da UE destaca-se, ainda, o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, que tinha sido lançado em 202121. O Conselho foi, sucessivamente, adotando medidas de assistência ao abrigo deste mecanismo que tem permitido aos Estados-Membros da UE continuar a apoiar as capacidades e a resiliência das Forças Armadas da Ucrânia22. No dia 2 de fevereiro de 2023, antes da 24.ª Cimeira UE-Ucrânia, o Conselho adotou o sétimo pacote de medidas de assistência no âmbito deste mecanismo. Trata-se de um sétimo pacote no valor de 500 milhões de euros e de uma nova medida de assistência no valor de 45 milhões de euros de apoio aos esforços de formação da EUMAM Ucrânia23. Juntamente com o apoio militar prestado pelos Estados-Membros da UE, o apoio militar global da UE à Ucrânia é estimado em cerca de 12 mil milhões de euros.
Conclusão
O apoio da UE à Ucrânia foi assumido desde o primeiro dia, não apenas nas palavras de apoio dos seus representantes institucionais, mas sobretudo através da mobilização de vários instrumentos europeus. Esta ajuda da UE tem sido fundamental para assegurar a sobrevivência de muitos ucranianos e a resistência da Ucrânia à invasão russa, revelando uma coesão e solidariedade entre os Estados-Membros e entre estes e a Ucrânia que nem os mais otimistas poderiam antever, validando a balança de ameaça de Stephen Walt 25, segundo a qual os estados aliam-se para combater uma ameaça e, não apenas, para aumentar o seu poder relativo.
A resposta da UE aos vários desafios suscitou, inevitavelmente, um conjunto de alterações no relacionamento entre as instituições da UE e os Estados-Membros. Do ponto de vista institucional observou-se uma coordenação política sem precedentes entre o Parlamento Europeu, a Comissão e o Conselho da UE (que já conheceu três presidências desde a invasão: França, Chéquia e, agora, a Suécia) e colocado novas questões ao nível do aprofundamento político institucional. A este respeito, cumpre sublinhar a proposta apresentada com vista à consagração do direito de iniciativa legislativa ao Parlamento Europeu ou a discussão para o afastamento da regra da unanimidade para matérias de política externa no quadro do Conselho.
Contudo, entre os Estados-Membros, a aprovação dos sucessivos pacotes de sanções destapou algumas fraturas, sobretudo encabeçadas pela Hungria, que apenas após demoradas negociações ia anuindo com a vontade da maioria. Mas também se assistiu à deslocação do poder dos Estados-Membros, com a Europa de Leste e os Estados Bálticos a assumirem uma influência desproporcional à dimensão dos seus países. Num discurso que proferiu em setembro, o chanceler alemão, Olaf Scholz, reconheceria que «o Centro da Europa move-se, atualmente para Leste»26.