Depois de ter sido um dos principais aliados do Estado Novo durante o 25 de Abril a República Federal da Alemanha (RFA) envolveu-se como nenhum outro país no apoio aos setores militares e políticos favoráveis à implantação de uma democracia liberal em Portugal1. O interesse da República de Bona pela transição portuguesa não se limitou à esfera da alta política, estendendo-se também ao debate público. Portugal nunca ocupara tanto espaço nos meios de comunicação da RFA como nos dezoito meses daNelkenrevolution(Revolução dos Cravos), e nunca mais voltou a ocupar. Apesar disso, e em claro contraste com os numerosos estudos sobre a política alemã em relação a Portugal durante o período 1974-1975, são muito escassas as análises da cobertura mediática na RFA sobre a Revolução dos Cravos. Além disso, o alcance destas publicações é modesto. Nalguns casos, trata-se apenas de uma abordagem impressionista à temática, noutros a base empírica utilizada é escassa, e noutros ainda o período estudado restringe-se aos primeiros meses da revolução2.
As páginas que se seguem propõem-se oferecer uma visão geral sobre o tratamento que a revolução portuguesa recebeu na imprensa da RFA. São analisados os principais jornais e revistas da Alemanha Ocidental, cuja linha ideológica vai desde o conservadorismo anticomunista ao progressismo filo-social-democrata. No entanto, não serão consideradas as publicações ligadas aos partidos políticos ou aos grupos de solidariedade com Portugal que proliferaram na Alemanha durante o 25 de Abril, com uma única e pontualíssima exceção. O texto articula-se em torno dos principais temas da dinâmica sociopolítica da revolução que interessaram às publicações alemãs. O foco situa-se em Portugal, deixando de lado o império e a própria descolonização, à qual as publicações alemãs prestaram aliás pouca atenção.
A descoberta do «asilo de pobres da Europa»… que queria deixar de sê-lo
A intensa cooperação política, militar e económica com o Estado Novo, impulsionada pela RFA a partir de 1960, não trouxe consigo o fim do distanciamento secular dos alemães em relação a Portugal. Para o cidadão médio da República de Bona, Portugal continuou a ser um país distante e desconhecido, do qual se sabia pouco mais do que os lugares-comuns dos guias de viagem. O forte anticomunismo que impregnava a cultura política da RFA contribuiu além disso para uma imagem amigável e superficial da ditadura de Salazar, que sobreviveria ao seu fundador. Enquanto noutros países europeus o novoZeitgeistimpulsionado pela revolução de [Maio de] 68 despertou na opinião pública uma rejeição generalizada pelos regimes do sul do continente e da guerra colonial portuguesa, na RFA essa mudança foi bastante menos pronunciada. Apenas a extrema-esquerda censurou o chanceler Willy Brandt por manter o apoio militar a Portugal na sua cruzada africana, e foi apenas devido ao escândalo de Wiriyamu que os meios de comunicação e um sector do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, na sigla alemã) despertaram para essa incómoda realidade, clamando pelo fim da irmandade de armas com Lisboa. Muito mais fracas foram as críticas à política de boas relações com o Estado Novo, considerado mesmo pelo SPD como uma «ditabranda» em processo de liberalização. A oposição da União Democrata-Cristã/União Social-Cristã (na sigla alemã, CDU/CSU) e os seus dois grandes diários de referência, oFrankfurter Allgemeine Zeitung(FAZ) e oDie Welt(DW), que juntamente com o liberalSüddeutsche Zeitung(SZ) eram os únicos jornais alemães com correspondentes na Península Ibérica, baseados em Madrid e que só de vez em quando visitavam Portugal, mostravam-se quase admiradores de Marcelo Caetano, o «ditador sem entusiasmo»3.
A imensa maioria dos jornalistas alemães que chegaram a Lisboa a partir do 25 de Abril de 1974 iria, portanto, mergulhar não apenas num processo complexo de transição em curso, mas também na realidade de um país quase desconhecido a todos eles. Chamou-lhes fortemente a atenção, de forma poderosa, o ambiente festivo e otimista que encontraram, e, nas crónicas das primeiras semanas, sucederam-se os comentários sobre o contraste entre aquela nação que despertava para a liberdade e a ideia pré-concebida que dela se tinha na Alemanha. «Um entusiasmo democrático inimaginável irrompeu por todo o país», afirmava oSZnum artigo sobre os saneamentos4. «Os portugueses: um povo triste, melancólico, calado e introvertido - será que esta impressão […] deixará de repente de ser correta?», perguntava oFAZ5. ONeue Zürcher Zeitung(NZZ), prestigiado diário suíço, de linha liberal-conservadora, lido também na Alemanha, ia mais longe: e se o Portugal melancólico não fosse senão «o resultado de uma ditadura de 48 anos» e o país real fosse aquele que agora ressurgia impetuosamente, em apaixonadas discussões políticas nas ruas e nos atos reivindicativos pacíficos que começavam a surgir por todo o país?6
Esta agitação não respondia apenas ao desejo de disfrutar ao máximo da liberdade recuperada. Por detrás havia uma dura realidade socioeconómica, à qual todos os jornais alemães prestaram atenção. «Em nenhum país da Europa […] há um rendimento per capita mais baixo, nem uma mortalidade infantil mais alta, nem um menor consumo de gordura animal, nem tantos analfabetos», dizia o liberalSpiegel7.Bastava sair de Lisboa para descobrir o «asilo de pobres da Europa» (Armenhaus Europas), uma expressão muito comum na altura nos meios de comunicação alemães quando se referiam a Portugal. Os avanços da modernização eram inegáveis, mas a maioria da população pouco tinha beneficiado, escrevia da Nazaré o enviado especial doNZZ. Em Portugal, constatava com assombro que continuava a existir um «povo», essa classe baixa de poucos recursos e pouca formação que quase tinha deixado de existir nos países ocidentais. «O povo distingue-se claramente das classes médias. […] Pescadores, trabalhadores, camponeses, podem ser distinguidos já pela sua forma de vestir»8. O seu dia-a-dia era por vezes chocante. Um repórter doDWdescrevia da seguinte forma uma cena na Ribeira, no Porto:
«raparigas e mulheres jovens, de oito, doze, dezasseis ou trinta anos, lavando incansáveis a roupa e os lençóis na água suja e oleosa do Douro. Porque não há água corrente nos tugúrios de quatro andares aos quais logo sobem com os seus pesados tabuleiros cheios de roupa “limpa” sobre a cabeça […] Quando foi a última vez que vi isto? Em Bagdade?»9.
A ditadura era, desde logo, a principal responsável pela situação de penúria em que se encontrava uma parte importante da população portuguesa; mas valia a pena questionar essa pobreza dilacerante que o jornalista doDWtambém testemunhou no Alentejo, se não teria raízes mais profundas, e o Estado Novo apenas tivesse perpetuado uma forma secular de governar o país que simplesmente se esquecia das classes populares: «Quantas gerações deste outro Portugal a velha elite deixou apodrecer assim?»10.
Não era, portanto, surpreendente que o colapso do Estado Novo tivesse despertado no povo português a esperança de uma vida mais digna, e que isso se traduzisse em protestos por melhores salários, habitação ou educação. «O coro de pedidos por melhorias sociais é compreensível», assinalava oNZZ, resumindo o teor dos comentários na imprensa alemã sobre a onda de greves e manifestações11. Uma compreensão que, em todo o caso, não significava simpatia, nem sequer um interesse concreto. À exceção de algumas publicações marginais de extrema-esquerda, os meios de comunicação alemães não acompanharam os movimentos sociais durante a revolução. Muito poucas reportagens se debruçaram sobre as ações coletivas, para além das greves na Lisnave ou da ocupação de terras. Com exceções pontuais em jornais progressistas como oFrankfurter Rundschau(FR), os protagonistas não tiveram voz, talvez pelo facto de os jornalistas alemães entenderem que as suas opiniões eram demasiado ingénuas12. «Quando os trabalhadores reclamam por um aumento da segurança social, para eles isso é um objetivo comunista», dizia oDie Zeit(DZ) com um toque de presunção13. «O povo sabe muito pouco de política», sentenciava oDW14.A conclusão que retirava o leitor dos jornais da RFA era que o sofrido povo português estava carregado de razão nas suas reclamações, mas isso não o convertia num ator autónomo no processo de transição, dominado pelos militares e pelos partidos. E, no entanto, os protestos tinham uma enorme relevância, ao colocarem a «questão social» no centro da agenda política. Nas palavras doFAZ, publicadas em julho de 1974, «se a jovem democracia portuguesa fracassar não vai ser por causas políticas nem pela descolonização, mas por causas económicas»15.
A economia política da transição: socialização por impotência
Construir uma sociedade menos desigual não era uma utopia longínqua no Portugal de 1974. Assim o dava a entender oHandelsblatt, o principal jornal de negócios da RFA, poucos dias depois do golpe militar, num artigo em que analisava a saúde da economia portuguesa. De acordo com este jornal, o esforço de industrialização do último período do Estado Novo tinha sido robusto, e apesar da crise do petróleo e da falta de mão-de-obra qualificada, as condições eram propícias para que a tendência se mantivesse16. Essa parecia ser também a hipótese avançada pelas novas autoridades, que, de acordo com oSZ, apostavam num «desenvolvimento sem riscos», que mantivesse Portugal como um país atrativo para o investimento externo, imprescindível para continuar o ritmo de crescimento17. A nomeação do «liberal-tecnocrata» Vieira de Almeida como ministro da Economia do Governo de Palma Carlos reforçou esta impressão. Para oFAZ, Vieira de Almeida, antigo presidente da Câmara de Comércio Luso-Alemã e diretor de vários bancos, apoiaria sem dúvida um forte aumento dos salários e trataria de reduzir o peso dos «oito semideuses da economia portuguesa»18, mas com ele estava garantido que o país não enveredaria num caminho socializante, reclamado por alguns sectores do poder político-militar19.
Estando as rédeas da política económica em boas mãos, a imprensa alemã seguiu à distância a onda de greves que foi crescendo depois do golpe de Estado, e reconheceu a contribuição do Partido Comunista Português (PCP) para a sua contenção durante o mês de junho20. Apesar disso, os diários conservadores começaram a mostrar as suas primeiras dúvidas sobre a viabilidade da estratégia social-democrata do Governo. Em primeiro lugar, por causa da ausência de apoio dos atores sociais. Os sindicatos eram fracos, sem líderes com «suficiente consciência da realidade económica para fazer reivindicações realistas», e também não tinha surgido uma organização democrática dos empresários21. Assim, as autoridades tinham de lidar com uma extrema-esquerda ruidosa que procurava «destruir os monopólios» e que arrastava consigo parte dos trabalhadores, cujo desconhecimento da realidade económica os impedia de compreender as consequências para as empresas de uma subida exagerada dos salários22; e com poderosos «círculos de direita que continuam a deter o sistema económico do país nas suas mãos» e que podiam paralisá-lo23. Em segundo lugar, por causa de um contexto externo cada vez menos favorável, não só devido à crise do petróleo, mais profunda do que o esperado, mas também pela descolonização rápida que então se encaminhava, e que teria um impacto enorme na economia portuguesa24.
Em setembro de 1974, oHandelsblattdedicou um dossiê especial a Portugal que, além de dados económicos e de artigos escritos por políticos e altos funcionários, apresentava os resultados de um inquérito feito a diretores de empresas alemãs em Portugal, que se expressavam sem as cautelas daqueles sobre o impacto do 25 de Abril no investimento externo. Hoechts, Grundig, Bayer e outras empresas reconheciam que se tinham instalado em Portugal porque a mão-de-obra era muito barata e os impostos baixos. As elevadas mais-valias mais do que compensavam os problemas, como a pouca formação dos trabalhadores, as más infraestruturas (viárias e telefónicas) e a «inimaginável burocracia aduaneira». Era certo que as vantagens tinham diminuído nos últimos meses por causa da enorme subida dos salários (de 50% a 100%), mas «mesmo agora que as greves são permitidas» valia a pena continuar em Portugal, e apenas a Leitz considerava levar parte da sua produção para outro país. Em suma, o fim do Estado Novo tinha tornado Portugal menos atrativo no imediato, mas a orientação europeia que o novo governo procurava implementar também abria oportunidades interessantes para que a RFA continuasse a consolidar-se como o principal investidor externo em Portugal, entre elas o polo industrial de Sines25.
No entanto, este tom moderadamente positivo foi-se apagando com a viragem socializante na política económica depois da demissão de Spínola. O mais pessimista foi oDW, que já em dezembro de 1974 via o capitalismo em perigo, e com ele a democracia, em Portugal:
«Ninguém pode defender aquelas poucas famílias que […] deixaram conscientemente o povo na pobreza. Também ninguém pode absolver a ditadura de Salazar da culpa de ter impedido a industrialização durante tanto tempo. […] Mas não é por causa disso que se deve atirar tudo borda fora».26
OFAZera mais subtil: os investimentos, sobretudo os externos, tinham diminuído em parte como reação à retórica radical de alguns políticos; mas o certo era que «não se tomaram medidas duras contra as empresas privadas» e o programa de nacionalizações proposto pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) «é muito mais contido que o de Mitterrand»27. A situação era muito fluida e era preciso ter paciência:
«não se pode esperar […] que onde durante cinquenta anos reinou uma dura ditadura [e com] vinte famílias não exatamente democratas a concentrar o poder económico se instale imediatamente uma democracia funcional. O ponto de partida de Portugal é muito pior que o da Grécia […]. As diferenças sociais também são muito maiores. […] Se o programa social do MFA for realizado, os militares [que apoiam um modelo socialista] irão ultrapassar as suas reticências à instauração rápida de uma democracia pluralista»28.
A aprovação da unidade sindical em finais de janeiro de 1975 acabou com a paciência aconselhada peloFAZ, sobretudo na imprensa conservadora. Para oHandelsblatt, desde a demissão de Spínola a política económica de Lisboa tinha sido errática, e agora estava definitivamente a perder o norte. Com um crescimento em 1974 muito menor do que o esperado, com a desaceleração dos investimentos externos, a diminuição do turismo e o aumento da inflação, o Governo não encontrava melhor resposta do que impor um salário mínimo elevado e dar força à Intersindical. Despedimentos e encerramento de empresas eram as consequências previsíveis. O anunciado Plano Melo Antunes reconhecia explicitamente o papel da iniciativa privada na economia portuguesa, mas as palavras bonitas de nada serviam se os investidores sentiam que os seus negócios eram ameaçados pela falta de segurança jurídica29. Por sua vez, oFAZviu na unicidade um passo de gigante do «golpe a prestações» que os comunistas estariam a levar a cabo, aproveitando-se da crise económica e da inexperiência política do MFA30. A imprensa progressista dava razão ao Partido Socialista (PS) quando este afirmava que o PCP tinha imposto a unicidade de forma irregular, mas negava que com ela o movimento sindical cairia inevitavelmente nas mãos dos comunistas31.
Com as nacionalizações e a detenção de empresários e banqueiros depois do 11 de Março, os jornais conservadores viram confirmados os seus maus presságios. Três dias depois do golpe, oFAZescrevia: «A situação em Portugal está sob controlo, disse […] Otelo. E tem razão. Um ano depois da derrocada da ditadura de Caetano o país está debaixo do controlo total de novos ditadores»32. No mesmo tom, oHandelsblattafirmava: «a tática dos comunistas, de deixar que os militares façam o seu trabalho, tem-se revelado prometedora»33. Só alguns meios de comunicação progressistas se mostraram compreensivos com a nacionalização em massa, que era vista não como parte de um plano comunista para a tomada do poder, mas como uma medida coerente com o desejo das autoridades de impulsionar a criação de um Estado social34. Porém, a opinião dominante foi que Portugal se dirigia para o abismo económico e político pelo facto de os seus dirigentes não terem sabido dar respostas pragmáticas à «questão social». Aquele enviado especial doDW, que se escandalizara com o atraso de Portugal e o egoísmo sem limites das suas elites, lamentava-se em abril de 1975: «Aqui pode estar a tragédia de Portugal: que pelos pecados da sua velha classe alta, tenha agora de pagar com uma nova ditadura. Pode esta ser evitada? E como?»35.
A matriz da revolução: o MFA, o PCP e os partidos moderados
O «descarrilamento» da revolução a partir de março de 1975 foi menos inesperado para o leitor dos jornais da RFA quanto mais à direita se situasse o seu jornal de confiança. Desde o fim do Estado Novo, quando ainda não havia elementos para que se formasse uma opinião cabal sobre o que se estava a passar em Portugal, as visões sobre o processo de transição tinham ficado já definidas de forma aproximada segundo a linha ideológica de cada jornal. Face à simpatia sem efusividade dos diários progressistas para com uma revolução pacífica que marcava, na sua opinião, o caminho difícil, mas certo, de Portugal na direção de uma democracia europeia36, levantou-se entre os conservadores um coro de vozes céticas em relação àquela experiência política de essência esquerdista. A 29 de abril, lia-se noFAZ: «Portugal não seria deste mundo» se depois da festa de fraternidade que se vivia nas ruas não surgissem fortes tensões políticas que arrastaram o país «para o caos de uma nova ditadura»37. No mesmo dia, oDWdefendia: «A situação parece tranquila, mas engana. Muitos elementos sugerem que um drama político está a desenrolar-se lentamente em Portugal»38. Que os comunistas seriam os seus principais agitadores e beneficiários era tão evidente como as perigosas repercussões para além de Portugal. Se o país caísse nas mãos de uma frente popular liderada pelo PCP, então poderia ser o início de uma onda vermelha no Europa do Sul, que colocaria em perigo os equilíbrios continentais, profetizava o católicoRheinischer Merkur(RM)39.
Este alarmismo, sem outra fundamentação que não fosse o preconceito ideológico, acalmou-se, porém, desde o início de maio, face à emergência de Spínola como novo homem-forte do país e à formação de um governo de centro-esquerda40. O general «de jeito aristocrático» foi apresentado pelo conjunto da imprensa alemã como a garantia de uma transição democrática ordenada e uma descolonização sem sobressaltos, o que para oSpiegelnão deixava de ser irónico dado o seu largo historial de serviço à ditadura e ao império41. As primeiras advertências de Spínola, na televisão e em comícios por todo o país, sobre o risco de anarquia, assim como os seus apelos à ordem, foram alvo de comentários positivos42. Depois de meio século de obscuridade, Portugal estava deslumbrado pela luz da liberdade e necessitava de um líder paternal como o general, alguém que acalmasse os ânimos exaltados e mostrasse a um povo politicamente virgem o caminho para a democracia. «O português, inclinado para o monólogo político, tem primeiro que aprender a dialogar», defendia oDZ43.Para a ciclotímica imprensa conservadora alemã, Spínola era agoraconditio sine qua nonpara o equilíbrio em Portugal. «Um atentado ou a sua repentina demissão podem precipitar o país para um caos imprevisível», afirmava oDW44.
Alheia à profundidade da clivagem entre o MFA e Spínola, a imprensa alemã surpreendeu-se com a crise de governo de julho de 1974. A ascensão do MFA à primeira linha da política não foi sequer interpretada como um questionamento frontal do presidente, e as desavenças sobre a descolonização quase não foram mencionadas45. Tal como Spínola, os oficiais que agora saíam do anonimado estavam muito preocupados com os conflitos laborais e com a agitação da extrema-esquerda, como era demonstrado pela criação do Copcon (Comando Operacional do Continente). O novo Governo de Vasco Gonçalves não ia, portanto, trazer grandes mudanças, apenas um ritmo da transição mais rápido:
«Os homens do MFA querem acelerar a normalização de Portugal e a criação de instituições democráticas. […] Entendem que militares na direção de ministérios com mais conflitualidade (Trabalho, Informação, Administração Interna) podem levar adiante políticas impopulares, mas necessárias com menos problemas do que políticos de partido, que sempre têm que pensar nos seus futuros eleitores» (analisava oFAZ)46.
«A linha política vai ser mais ou menos a mesma, centro-esquerda», dizia oDZ47. A nota discordante era introduzida peloDW: o general Spínola tinha sofrido um duro golpe às mãos de jovens oficiais admiradores do Egito de Nasser que desejavam para Portugal um sistema de organização sociopolítica incompatível com a democracia liberal48.
Na realidade, a possibilidade de que os militares não cumprissem o seu compromisso de ceder o poder aos civis não foi sequer considerada pelos diários alemães durante o ano de 1974. Isto não significava, no entanto, que o caminho para uma democracia de tipo europeu estivesse aberto. Depois de quase meio século de uma ditadura desmobilizadora, Portugal tinha chegado à liberdade «politicamente exausto», escrevia oNZZdias depois do golpe; era um «país sem partidos», onde a única organização política articulada era o PCP, enquanto o campo moderado-conservador mostrava um «vazio perigoso»49. Não seria fácil preencher esse vazio, defendia oFAZem finais de junho numa peça intitulada «Portugal sem centro». Ao derrubarem o Estado Novo com a intenção de estabelecer uma democracia ocidental, os militares tinham dado um «golpe de centro»; e, no entanto, acrescentava a peça, «está a faltar o centro». A classe média era fraca, a Igreja estava desacreditada e toda a direita manchada de salazarismo50.
Entretanto, os comunistas não deixavam de ganhar prestígio e influência, acalmando as manifestações, exigindo unidade perante o risco de retrocesso e colaborando lealmente com Spínola: eram eles, «e não o idealista social-democrata Soares», que podiam ajudar mais na descolonização graças aos seus contatos com Moscovo, apontava oDW51.A moderação marcante do partido de Álvaro Cunhal depois do 25 de Abril foi objeto de análises com elevado nível de especulação. São exemplo disso três notícias de junho de 1974. Para oDeutsche Zeitung(DZ), o PCP apenas seguia a linha definida por Moscovo, que, tendo como prioridade a manutenção de boas relações com Washington, «não tem o menor interesse em […] experiências social-revolucionárias no limite ocidental da Europa»52. Para oDW, o partido não renunciava verdadeiramente aos seus objetivos últimos, e, entretanto, estava a aproveitar a situação criada pelo colapso do Estado Novo para se infiltrar no Estado e nos meios de comunicação53. Para oFAZ, os comunistas demonstravam muita improvisação. Dotados de uma organização sólida e disciplinada, tinham conseguido apresentar-se como um fator de ordem; no entanto, por não terem abandonado a ortodoxia leninista, ao contrário dos seus camaradas espanhóis, faltava-lhes uma estratégia enraizada na realidade portuguesa. Acreditavam ser poderosos nos seus cargos na administração, mas quando chegassem as eleições a sua força real revelar-se-ia escassa54. Porque, apesar das manifestaçõesflower power55, da explosão de protestos e da proliferação de bandeiras vermelhas, Portugal, concordavam os jornais da RFA passadas algumas semanas desde a queda do Estado Novo, continuava a ser um país conservador.
Dada a dificuldade dos partidos moderados em superar a sua debilidade, o envolvimento das respetivas famílias europeias foi celebrado pelos jornais da RFA. Em junho, deram ampla cobertura à visita a Lisboa de delegações do SPD e da CDU, com um dos participantes a declarar que era «importante apoiar a partir da Europa e da Alemanha para que a jovem planta da democracia possa crescer»56. Embora os detalhes dessa solidariedade não fossem públicos, os jornalistas identificaram corretamente as suas linhas-mestras. Na peça «Ajuda discreta aos camaradas», oSZassinalava que além de financiamento para suprir as enormes carências do PS em termos de infraestrutura, os sociais-democratas alemães ajudavam através da Fundação Friedrich Ebert na formação de quadros e, sobretudo, faziam valer o seu peso a partir do governo, uma via com a qual não contavam os socialistas franceses, cuja vontade de exportar para Portugal o seu conceito de unidade de esquerda preocupava o SPD57. No que diz respeito aos democratas-cristãos europeus e alemães, as notícias sobre as suas atividades foram muito escassas em 1974. Não tendo, antes do 25 de Abril, relação com sectores exteriores ao regime, a família conservadora europeia passou meses a procurar um aliado em Portugal. Quando no final do verão conseguiu finalmente aproximar-se do Partido Popular Democrata (PPD), o partido tornou-se social-democrata e cortou relações. Os democratas-cristãos europeus tiveram de se conformar com o apoio, a partir de novembro, ao modesto Centro Democrático Social (CDS), quase desconhecido até então para a imprensa alemã58.
A queda de Spínola causou um forte impacto na política e nos meios de comunicação da RFA. Pela primeira vez desde os dias que se seguiram ao 25 de Abril, os jornais colocaram Portugal nas suas primeiras páginas, e dedicaram numerosas crónicas, artigos de opinião e caricaturas à crise política portuguesa. Os dois principais diários conservadores reproduziram na íntegra o apocalíptico discurso de demissão do Presidente e alinharam-se com os seus argumentos. Para oDW, Spínola estava a pagar por ter sido o cavalo de Troia que introduziu os comunistas no governo59. Durante meses, o PCP e parte do MFA haviam conspirado contra ele e finalmente tinham-no derrotado, inventando uma conspiração reacionária. Para o diário, o desprezo do PCP pelo general vinha de longe: «Os comunistas não perdoavam a Spínola por ter estado ao lado de Franco na guerra civil. Os comunistas nunca esquecem estes “tropeções”». Apoiado nos ombros do MFA, o PCP tentaria avançar até chegar ao poder, embora fosse agora confrontado com forças nacionais e internacionais que, após o «golpe comunista de 28 de setembro», tinham tomado consciência do risco para a democracia em Portugal60. OFAZmostrava-se menos exaltado. A saída de Spínola abria espaço ao PCP e aos sectores radicais do MFA, mas Portugal não estava em «situação pré-revolucionária». Se o Presidente Costa Gomes conseguisse apaziguar as tensões, o país chegaria sem problemas a eleições que por sua vez acalmariam a revolução: «Falta certamente uma massa social de centro, mas isto não significa que falte o centro político. As hipóteses dos partidos moderados não são más»61.
Nos diários de centro-esquerda, a demissão de Spínola também foi vista com preocupação, mas não o suficiente para questionar a sua visão otimista da transição, sendo que os seus artigos sublinhavam o carácter moderado e conciliador do novo presidente e assinalavam que, na sua imensa maioria, os oficiais do MFA eram pragmáticos que não desejavam outra coisa que não fosse a rápida implantação de uma democracia europeia62. Na mesma linha, oSpiegelescrevia algumas semanas depois: «Visto de perto, não sobra nada da tão propalada visão de um Portugal vermelho»63.
As forças políticas moderadas, nas quais tantas esperanças se depositavam nas eleições, receberam uma atenção cada vez maior depois da queda de Spínola. Sobretudo o PS, que depois de meses de discrição foi catapultado para o centro do interesse mediático em meados de outubro, por ocasião da visita de Willy Brandt a Portugal. Acompanhado a todo o momento por Mário Soares, o presidente do SPD foi recebido por Costa Gomes e Vasco Gonçalves, o que deu à visita um carácter quase oficial. Brandt apresentou-se como o porta-voz de uma Europa progressista que simpatizava com a revolução e que desejava contribuir para os seus objetivos de liberdade e justiça social. Nas suas declarações e encontros em Lisboa e no Porto, mostrou-se otimista em relação ao futuro de Portugal, assegurou que a solidariedade europeia não faltaria, atribuiu ao PS um papel fundamental na construção da democracia e, ao mesmo tempo que desaconselhava aos seus companheiros uma aliança com o PCP, afirmou que não via nenhum perigo comunista no país64. Esta visita de cortesia, por parte do ex-chanceler que desta forma regressava à primeira linha política depois de uma demissão traumática em maio, foi muito aplaudida pela imprensa alemã, que há algum tempo sentia a falta de um maior compromisso por parte da Europa democrática para com Portugal. Para oDW, Brandt tinha «alcançado algo realmente exemplar», que deveria inspirar os democratas-cristãos e os liberais europeus65.
A recusa por parte do PPD de se identificar com outra família política europeia que não fosse a socialista, ao mesmo tempo que esta o ignorava seguindo os desejos do PS, deixou o partido de Sá Carneiro órfão de apoios externos e tirou-lhe visibilidade. Também entre os meios de comunicação alemães, que apenas se interessaram pelo seu congresso de finais de novembro66. Passou-se exatamente o contrário com o PS que, com o seu congresso, realizado alguns dias mais tarde, se consolidou aos olhos da imprensa alemã como a grande esperança branca da democracia portuguesa. O PS continuava a ser o «partido com pior organização», definia-se operário, mas não tinha trabalhadores nas suas fileiras, proclamava-se marxista e hostil aos princípios da social-democracia europeia, da qual, no entanto, esperava todo o tipo de apoio. Deixando de lado as fraquezas e contradições, o verdadeiramente importante era que no seu congresso o PS tinha reconduzido Mário Soares e a sua equipa de moderados e tinha feito uma demonstração pública de força, ao mesmo tempo que marcara uma distância clara em relação ao PCP. Esta reafirmação dos socialistas a poucos meses das eleições foi notada também pela imprensa conservadora, que desde o 25 de Abril se tinha mostrado pouco entusiasmada com Soares, um político um tanto melancólico, e com os seus veteranos camaradas. Agora não restavam dúvidas de que o PS iria obter um grande resultado nas eleições, ainda para mais num momento em que «os partidos do centro e da direita estão em agonia, tal como em França depois da queda de Vichy», dizia oTagespiegel67.
No final de janeiro de 1975, num ambiente de enorme tensão devido à polémica em torno da unidade sindical, o CDS realizou o seu congresso no Porto, acompanhado por dezenas de delegados de partidos conservadores europeus, satisfeitos por finalmente poderem mostrar a sua bandeira em Portugal depois de muitos meses de desorientação68. A delegação mais numerosa foi a alemã, encabeçada pelo ex-ministro e líder dos democratas-cristãos europeus Kai Uwe von Hassel, o que aumentou o interesse pelo congresso entre os meios de comunicação da RFA, que se tornaram testemunhas e caixas de ressonância de dias dramáticos. Os distúrbios violentos no Porto protagonizados por ativistas de esquerda, o cerco ao Palácio de Cristal e o sequestro dos delegados durante toda a noite, que só foi terminado com a intervenção de uma unidade de elite do exército, tiveram um enorme impacto nos meios de comunicação alemães, entre os quais se difundiu a ideia de que o caminho português para a democracia se estava a tornar muito estreito e perigoso69.
O caminho conflituoso para as eleições
No último dia de janeiro de 1975, oBerliner Extra-Dienst(BE-D), um jornal de extrema-esquerda publicado em Berlim Ocidental, publicou o artigo «Como vai ser o golpe em Portugal, quando, porquê e por quem». Este artigo acusava o governo da RFA de planear, junto com a CIA (Central Intelligence Agency) e com sectores reacionários portugueses, incluindo o PS, uma operação que teria lugar em março e cujo objetivo era devolver o poder a Spínola e pôr fim à revolução democrática70. Habituado a ataques por parte da esquerda alternativa nos meses anteriores, devido ao seu apoio aocontrarrevolucionárioSoares, o SPD não teria prestado a mínima atenção a esta história delirante de espiões, inventada por uma publicação marginal, não fosse o facto de, alguns dias mais tarde, a «notícia» do possível golpe ter sido reproduzida por alguns jornais de Lisboa na órbita do PCP, o que prejudicou a imagem da RFA em Portugal. Conhecedores de que oBE-Dera financiado pela RDA e que a sua linha editorial era influenciada pelo Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED), este e outros artigos publicados em fevereiro aumentaram a suspeita do SPD, alimentada por sua vez pelos seus companheiros do PS, de que o PCP tinha embarcado numa estratégia de tomada de poder e que contava para isso com algum apoio vindo do outro lado da Cortina de Ferro71. Que tal reviravolta dramática da revolução fosse agora plausível devia-se ao peso que haviam ganhado no MFA os defensores de um socialismo à portuguesa, o qual pregavam no interior do país em campanhas de dinamização que os jornais conservadores alemães criticaram e ridicularizaram, enquanto os progressistas trataram com compreensão e simpatia72.
A imprensa alemã reagiu ao 11 de Março com estupefação e incompreensão. «Uma operação imaginável numa república das bananas mas não num país com larga experiência bélica», escrevia oFAZ73. «Como pode um homem experiente como Spínola ver-se envolvido nestaDesperado-Aktion», questionava oNZZ74. «Um gesto [do general] tão heroico quanto diletante», assinalava oDW75.Tudo se tinha precipitado por medo de um iminente golpe comunista, segundo confessaram os quatro oficiais golpistas que procuraram refúgio na embaixada da RFA em Lisboa, à frente da qual ocorreu uma concentração de protesto76. A tentativa de golpe teve um efeito bumerangue, ao servir de desculpa perfeita para que os radicais dessem um enorme impulso ao seu plano de implantar um regime socialista, semanas antes de umas eleições em que o PCP quase não tinha hipóteses77. «O povo [português] […] iniciou um caminho intermédio entre o chamado “âmbito ocidental” e o Bloco de Leste», escreveu oDZ78. Porém, não havia consenso sobre a inevitabilidade de que Portugal fosse na direção destes horizontes desconhecidos, nem sequer no mesmo diário. Assim, enquanto um editorial doFAZsentenciava que «assistimos ao surgimento de uma democracia popular. Lembra muito a Checoslováquia em 1948»79, o correspondente em Portugal era menos conclusivo. No dia 11 de março estava em Trás-os-Montes, tomando o pulso ao ambiente de pré-campanha. As notícias da rádio sobre o golpe tinham sido ali recebidas com pouco interesse, afirmava, tal como todas as informações que chegavam da longínqua e hipernervosa Lisboa. Nesse Portugal profundo, a democracia tinha a sua tábua de salvação. Quando tomasse a palavra nas eleições, muitas coisas iriam mudar80.
A criação do Conselho da Revolução, as nacionalizações, a guerra de nervos em volta da formação do novo governo, a proclamação do socialismo como meta da transição, o Pacto MFA-Partidos, o atraso das eleições, a proibição de alguns partidos, foram narrados nos jornais alemães, com diferente grau de intensidade e dramatismo, como batalhas da guerra aberta entre radicais e moderados, na qual estes perdiam posições uma após outra, mas preservavam o fundamental, as eleições. Umas eleições em que o PS de Mário Soares, «o homem que fala contra os punhos», o líder natural dos moderados, «de longe o político mais popular em Portugal», alguém que arrastava multidões nos seus comícios, podia obter um resultado fantástico aproveitando a onda anticomunista que se levantava em Portugal81.
O resultado eleitoral foi justamente interpretado como um plebiscito contra o PCP e a favor da democracia ocidental. «Para aqueles que não querem que Portugal se converta numa democracia popular, as eleições não poderiam ter corrido melhor», dizia oFAZ82. «Trata-se de uma rejeição clara do PCP, que durante um ano tentou, não só com tenacidade, lisonja e intriga, chegar ao poder nos ombros dos oficiais», escrevia oNZZ83. ODW, que nas semanas anteriores parecia narrar a implantação de uma colónia da União Soviética na Península Ibérica, proclamou com entusiasmo: «Com admirável disciplina cidadã, milhões de europeus decidiram-se pela via europeia e pela democracia partidária em Portugal»84. Por sua vez, oFRironizava com os catastrofistas:
«Aos que viam em Lisboa um posto avançado do Pacto de Varsóvia, um Estaline reencarnado como regente da política interna nas margens do Tejo, há que dizer-lhes que provavelmente o seu problema são os óculos [anticomunistas com que interpretam a transição portuguesa]»85.
Todos os jornais concordavam finalmente que o resultado eleitoral constituía um marco na revolução a favor dos moderados. Todavia, a determinação dos radicais e a vantagem que tinham adquirido nos últimos tempos eram tão grandes que a vitória dos moderados não estava de todo assegurada. Que esta fosse ao menos provável dependia em boa medida do apoio que recebessem das democracias europeias, apoio esse que até então tinha sido escasso e duvidoso86.
A luta pela alma de Portugal e a «intervenção pacífica» europeia
A ideia de que a Europa Ocidental podia influir positivamente na transição política em Portugal não era nova. Desde o 25 de Abril que os governos dos países membros da Comunidade Económica Europeia (CEE) sabiam que as novas autoridades em Lisboa enfrentavam desafios gigantescos com forças reduzidas, e já nos dias seguintes expressaram a Mário Soares, o ministro dos Negócios Estrangeirosin pectore, durante atournéeeuropeia que realizou a pedido de Spínola, a sua vontade de ajudar Portugal87. O que chamou a atenção da imprensa alemã nos meses seguintes foi precisamente a não concretização da solidariedade anunciada. Em setembro, oDZdedicou ao assunto o artigo «Nem um marco da Europa». Enquanto em Portugal a transição se complicava a cada dia que passava, os países da CEE olhavam para o lado. «Os nossos amigos europeus deixaram-nos pendurados», dizia um dirigente do PS. Em Lisboa, a deceção era geral: «Esperava-se uma ajuda imediata do estrangeiro. Mas nem os EUA nem a Europa reconheceram os esforços para acabar com a guerra e implantar a democracia». Os Estados Unidos tinham ao menos como desculpa a demissão do Presidente Nixon
«e as posturas antiamericanas de alguns membros do governo [português]. Mas a omissão europeia não é entendida em Lisboa. Porque é que Bruxelas não se sentou à mesa com os portugueses para tratar de um plano de assistência e de negociações para a entrada na CEE?»88.
A preocupação pela inação europeia subiu de intensidade depois da demissão de Spínola. Isto explica o aplauso dos jornais alemães à visita de Willy Brandt a Portugal, num momento em que, aliás, os Estados Unidos pareciam resignar-se ao avanço comunista. Mas pouco mudaria desde então. Demasiado ocupados com os seus próprios problemas internos desencadeados pela crise do petróleo, os países da CEE continuaram a não se mobilizar por Portugal. Ao mesmo tempo, neste país a crise económica e a radicalização política alimentavam-se uma à outra, numa espiral que ameaçava transbordar, como afirmava oHandelsblattem janeiro. Os governos europeus e a própria CEE, defendia este diário, deviam acordar definitivamente para o facto de a sua ajuda ser imprescindível para estabilizar Portugal. Se o país fosse abandonado à sua sorte, a Europa perderia «muito mais do que um mercado»89.
À medida que aumentava a influência do PCP, cresciam também as especulações sobre as intenções de Moscovo no contexto da crise portuguesa. Quanto mais à direita se situava o jornal, maior era a inquietação. Para oDW, o «golpe comunista» do 28 de setembro tinha dissipado quaisquer dúvidas de que o PCP trabalhava desde o fim da ditadura pela implantação de uma outra de sinal contrário, com o apoio do Bloco de Leste90. OTagesspiegelconsiderava preocupante a presença de espiões soviéticos em Lisboa e a transmissão de programas da União Soviética na Radiotelevisão Portuguesa91. Com mais fundamentação, oNZZentendia que Moscovo descartava que Portugal saísse do bloco ocidental, mas conseguia vislumbrar uma «experiência radical-socialista» como a de Allende no Chile92. Na mesma linha, o correspondente ibérico doFAZescreveu desde Havana, onde tomou o pulso do regime de Castro em relação à revolução portuguesa, que Moscovo via com muito bons olhos o avanço do PCP e quaisquer problemas que isso criasse à Europa Ocidental93.
Entre os países da CEE, a RFA era um dos mais preocupados com a deriva da transição portuguesa, que confirmava o seu prognóstico mais pessimista. Desde o início da revolução, a coligação social-liberal em Bona alinhara-se com a visão cética dos jornais conservadores e sobretudo doFAZ, mas só no outono de 1974 o seu discurso oficial otimista começou a mostrar ligeiras fissuras que a imprensa registou. Em Lisboa lamentavam-se da falta de solidariedade europeia, mas a RFA também estava incomodada porque desde maio Portugal não respondia às suas ofertas de ajuda94. Enquanto a embaixada portuguesa em Bona se encontrava por ocupar há meses e se temia que os emigrantes portugueses na RFA não pudessem votar nas eleições, Portugal abria uma embaixada na RDA e uma delegação do SED visitava Lisboa95. Depois do conflito em torno da unicidade, o Governo alemão já via como provável que o PCP estivesse a preparar uma operação para impedir as eleições e tomar controlo do país. A estratégia de tensão, que se alimentava também de notícias falsas como a suposta conspiração reacionária apoiada por países «imperialistas», era para Bona demasiado reminiscente das táticas utilizadas pelos comunistas depois da Segunda Guerra Mundial para asfixiar a democracia nos países da Europa Oriental.
A certeza de que em Lisboa os comunistas estavam prestes a tomar de assalto o Palácio de Inverno perante a passividade da Europa e a absoluta resignação dos Estados Unidos explica a reação nervosa da RFA ao 11 de Março. Em resposta a um SOS enviado por Mário Soares nos dias seguintes, o Governo de Helmut Schmidt tornou pública a sua preocupação pela situação em Portugal, o que significou uma viragem no posicionamento oficial que chamou a atenção dos meios de comunicação alemães. Na peça «Memórias de Praga», oSpiegelescrevia: «E de repente um destacado representante dos sociais-democratas, que até agora tinham aceitado em silêncio o avanço do PC, falou na televisão alemã sobre o perigo de uma ditadura comunista em Portugal»96. A RFA tratou então de impulsionar uma resposta conjunta europeia que combinasse uma certa pressão sobre as autoridades portuguesas e uma generosa ajuda económica, mas a iniciativa fracassou porque aos outros governos «a situação não lhes parecia tão grave»97.
OFAZlamentou a desunião europeia e culpou a esquerda, da qual excluía o SPD, que romantizava de forma irresponsável a revolução98. As críticas eram dirigidas sobretudo à esquerda francesa, que fizera com que o seu país padecesse de «portugalite», como ironizava oTagesspiegel: «qualquer polémica em Lisboa provoca disputas histéricas em Paris»99.
Perante a inação dos parceiros europeus, e convencido de que Lisboa podia tornar-se o cemitério da distensão entre o Ocidente e o Bloco de Leste, vital para os interesses da RFA, o chanceler Schmidt decidiu então organizar um programa de ajuda alemão esperando que tivesse um certo impacto, dada a crise económica profunda em Portugal e a preocupação que as suas autoridades mostravam em relação a um boicote externo na sequência da onda de nacionalizações100. Em questão de dias, concebeu-se assim um plano detalhado de investimentos em todos os setores do sistema produtivo português, no valor de 70 milhões de marcos, além de uma série de propostas para fortalecer os laços de Portugal com a CEE. O plano foi apresentado com grande alarde nas vésperas do início da campanha eleitoral101. Antes de ser posta em marcha, a iniciativa já tinha atingido um objetivo: mostrar aos eleitores portugueses que, ao contrário dos Estados Unidos, a Europa era solidária e não ia abandoná-los à sua sorte.
O Governo de Bona interpretou o resultado das eleições da mesma forma que a imprensa da RFA: Portugal votara por uma democracia europeia e a Europa democrática deveria agora mostrar-se à altura. «É politicamente imperdoável que a Europa tenha deixado o novo Portugal sozinho com os seus problemas no primeiro ano após a revolução. Este erro não deve ser repetido», escrevia um deputado do SPD noVorwärts, o jornal oficial do partido102. Seguindo o caminho aberto por Bona, a CEE aprovou em junho o seu próprio programa de ajuda a Portugal, cuja aplicação estaria sujeita, como no caso do alemão, ao respeito pelos padrões democráticos por parte de Lisboa, o que na prática significava que não usasse as verbas para financiar empresas nacionalizadas e entregasse parcelas de poder aos partidos vencedores das eleições. À ajuda económica condicionada, somava-se a pressão direta sobre os dirigentes portugueses, principalmente sobre o presidente e o primeiro-ministro, assim como a intervenção junto de Moscovo e Washington para que não interferissem na estratégia europeia, num dos casos abandonando o suposto apoio ao PCP e no outro a maquiavélica «teoria da vacina» de Kissinger. A RFA seria protagonista do já bem estudado envolvimento dos países da CEE em Portugal durante o Verão Quente, tendo mobilizado para isso o seu enorme peso económico e político103.
Um aspecto fundamental da «intervenção pacífica» da Europa em Portugal foi o seu carácter público e transparente. Com a exceção de algumas ações mais sensíveis, como um plano de intervenção militar em Portugal no caso de uma tomada de poder por parte do PCP, todas as iniciativas se desenrolaram em plena luz do dia e deu-se-lhes além disso ampla difusão. Um exemplo paradigmático foram os encontros do Comité de Apoio e Solidariedade com a Democracia e o Socialismo em Portugal, criado em agosto de 1975 por iniciativa de Willy Brandt, no qual participavam todos os líderes socialistas europeus104. Desta forma, pretendia-se, por um lado, aumentar a pressão externa sobre as autoridades portuguesas e, por outro, fortalecer os moderados, principalmente Mário Soares e Melo Antunes.
A imprensa alemã viu na atuação europeia a materialização do apoio aos democratas portugueses que reclamava há muito tempo, e concordou sem reservas que a ajuda económica fosse usada como forma de pressionar Lisboa. A propósito do debate em Bruxelas sobre a ajuda condicionada, oFAZafirmava: «A CE não é uma associação de nações ricas que vai oferecer ajuda humanitária a Portugal, mas uma união que faz sentir o seu peso político através da sua força económica»105.
No contexto de extrema polarização política durante o Verão Quente, a linha editorial dos jornais alemães sobre a revolução perdeu a pluralidade que mantivera até então e homogeneizou-se, alinhando-se por completo com os sectores antagónicos ao PREC (Processo Revolucionário em Curso). Para os jornais progressistas, que durante meses tinham mantido uma atitude de abertura para com a experiência socialista em Portugal, a atitude do MFA e do PCP depois das eleições era indefensável para qualquer democrata. A propósito do casoRepública, oFRdefendia:
«[O MFA está] prestes a cruzar uma linha em que perderá a solidariedade precisamente daqueles socialistas europeus […] que não se esqueceram que as democracias do Ocidente trataram durante décadas o regime de Salazar como um amigo. [A] compreensão pelas experiências amargas dos antifascistas portugueses não pode chegar ao extremo de que a Europa democrática aplauda ou inclusivamente ajude quando os políticos portugueses agora não sabem fazer mais nada do que ditar aos seus compatriotas o que estes devem escrever, ler e, portanto, também pensar»106.
Semanas mais tarde, oSZescrevia: «Parece que por enquanto [Otelo] não tem ainda o poder para encerrar os opositores em praças de touros ou estádios desportivos, seguindo o modelo chileno. Mas poderia converter-se em breve num autocrata?»107. Quer fosse o 1.º de Maio, a entrevista de Oriana Fallaci a Álvaro Cunhal, a violência anticomunista no Norte, os grandes comícios organizados pelo PS ou a queda de Vasco Gonçalves, a interpretação da imprensa alemã como um todo não diferiu na sua essência da propaganda que os socialistas, acima de tudo, produziam em plena batalha pela hegemonia108.
A mobilização maciça do socialismo europeu, com o SPD à cabeça, em prol das forças moderadas em Lisboa receberia duras críticas do outro lado da Cortina de Ferro e sobretudo da RDA, o país mais comprometido com o PCP e com maior interesse em que a política de distensão sofresse um revés em Portugal109. Para o regime de Berlim de Leste, o Governo de Bona interferia nos assuntos internos da nação ibérica, tentando distorcer a vontade popular, e com isso violava o espírito da Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, assinada por todos os chefes de Estado ou de governo em finais de julho [de 1975] em Helsínquia. Para denunciar o «imperialismo» alemão em Portugal, os meios de comunicação ao serviço do SED já não precisaram de inventar notícias como meses antes. Bastava-lhes reproduzir as próprias declarações do SPD, as resoluções do Comité de Apoio e Solidariedade com a Democracia e o Socialismo em Portugal, ou os artigos dos jornais da RFA, onde se aplaudia a pressão internacional sobre Lisboa em defesa da causa daverdadeira democracia110.
Mas na RFA também não houve um apoio total à ofensiva externa contra o PREC. Críticas ruidosas vieram da extrema-esquerda, a mesma que durante anos tinha apontado o dedo ao chanceler Brandt pelo seu escasso compromisso com os democratas portugueses. O 25 de Abril foi recebido com entusiasmo por esta «oposição extraparlamentar» e em muitas cidades surgiram comités de solidariedade com a revolução. Centenas de jovens alemães viajaram a Portugal para ajudar na «construção do socialismo» nos bairros de Lisboa ou nos latifúndios do Alentejo111. Um deles era o jornalista Günter Wallraff, que durante o Verão Quente viajou de uma cooperativa em Alcácer do Sal até Braga, onde, fazendo-se passar por neonazi, se infiltrou nos círculos de extrema-direita e chegou até Spínola, a quem montou uma armadilha que arruinou a sua carreira política112. A campanha da extrema-esquerda contra a política do SPD em Portugal atingiu o seu zénite em setembro de 1975, quando centenas de ativistas, entre os quais Cohn-Bendit, boicotaram um evento em Frankfurt em que participavam Willy Brandt e Mário Soares, e cujo objetivo era celebrar o triunfo da solidariedade entre os socialistas europeus113. Talvez fosse também simpatizante dessa extrema-esquerda o jornalista da televisão alemã que depois do 25 de Novembro perguntou a Brandt «se um partido tem realmente o direito de interferir noutro país como fez o SPD em Portugal nos últimos meses»114.
Conclusões
O 25 de Abril despertou pela primeira vez o interesse público por Portugal na Alemanha Ocidental. Em comparação com outros países, pode dizer-se que este interesse foi até discreto. Nenhuma publicação da RFA enviou um correspondente a Lisboa para narrar o dia-a-dia da revolução, ao contrário de alguns jornais europeus e até doNeues Deutschland, o órgão oficial do partido que guiava os destinos da RDA. A cobertura da transição portuguesa pela imprensa da RFA não se destacou pelo volume ou pela variedade de informação apresentada, nem pela análise refinada e profunda das dinâmicas económicas, sociais e políticas em jogo, nem pela distância crítica e política em relação aos acontecimentos narrados. Através da leitura das publicações, os cidadãos da RFA receberam uma visão parcial, superficial e enviesada do 25 de Abril. A causa de tudo isso deve ser procurada, como não pode ser de outro modo, no olhar do observador e não na suposta complexidade do observado. A cobertura daNelkenrevolutionna imprensa da RFA diz tanto sobre Portugal como sobre a cultura política peculiar da República de Bona, profundamente conservadora e marcada pela Guerra Fria.
A imagem do Estado Novo na RFA explica em boa medida a reação ao seu colapso inesperado. No início da década de 1970, os meios de comunicação alemães apresentavam os regimes ibéricos como «ditabrandas» em vias de liberalização. Devido ao seu atraso económico e à sua vocação africana, Portugal parecia ser o país menos preparado para aceder à democracia. Pelo contrário, Espanha, que atravessava um período de desenvolvimento espetacular, tinha uma classe média sólida e uma forte vocação europeísta. Algumas publicações alemãs enviaram correspondentes a Madrid para cobrir as transformações tectónicas em Espanha, que levariam à emergência de uma democracia europeia depois da morte de Franco. As escassas notícias sobre o muito menos atrativo Portugal chegavam à RFA sobretudo através destes correspondentes. Nas suas crónicas, Caetano era apresentado como uma esperança para a pequena nação ibérica. Depois de quatro décadas de estagnação, este professor culto e liberal estaria determinado a desenvolver, descolonizar e democratizar Portugal, seguindo o exemplo de Espanha.
O 25 de Abril pôs fim a esta evolução, que era vista não apenas como desejável, mas também sem qualquer alternativa realista. Consequentes com esta posição, os correspondentes ibéricos chegados de Madrid e os enviados especiais dos jornais conservadores que viajaram de urgência a Lisboa não se deixaram de todo contagiar pela euforia que se vivia em Portugal. Para eles, o golpe de Estado significava acima de tudo a destruição de um sistema que garantia a estabilidade do país. Sem mais objetivos que não fossem pôr fim à guerra, e sem mais conhecimentos do que os do mundo militar, os jovens oficiais que assumiram o poder em Lisboa tinham aberto não tanto as portas à democracia, mas sim uma caixa de Pandora gigantesca e perigosa. Por sua vez, os diários progressistas saudaram sem reservas o fim da ditadura e simpatizaram com a nova classe dirigente em Lisboa, tão politicamente inocente como bem-intencionada. Depois de quase meio século submetido a uma ditadura, o sofrido povo português tinha todo o direito a construir o seu próprio futuro democrático, e o Ocidente tinha por sua vez a obrigação moral e política de ajudar nesse processo, também como compensação por ter apoiado o Estado Novo até ao último dia.
Uma cética, a outra simpatizante, a imprensa alemã concordava que o ponto de chegada da transição deveria ser a implantação de uma democracia liberal em Portugal. O que os jornais procuraram foi narrar o caminho difícil até essa meta ou, eventualmente, o seu fracasso. Mas nenhum procurou simplesmente compreender e transmitir a lógica interna dessa transição. Apesar de reconhecerem desde muito cedo que a «questão social» teria um peso fundamental no processo político, os jornais não acompanharam os movimentos sociais. O seu foco estava na alta política, nas lutas de poder nas quais participavam militares e partidos, e cuja relação com a dinâmica social foi quase ignorada. Quando a transição «descarrilou» e se converteu num perigo potencial para o Ocidente, a imprensa da RFA posicionou-se em bloco contra o poder político-militar em Lisboa e aplaudiu os atores internos e externos que procuraram derrotá-lo. Uma vez fracassada a revolução socialista e atingida a «normalização» de Portugal, o interesse pelo país nos meios políticos e mediáticos da Alemanha Ocidental desapareceu quase por completo. O que ficou na memória dos leitores de jornais alemães foi não tanto a revolução, mas sim uma transição caótica que felizmente foi canalizada para o bem de Portugal e da Europa livre.
Tradução: João Reis Nunes
Fontes primárias
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