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Motricidade
versão impressa ISSN 1646-107X
Motri. v.6 n.2 Vila Real 2010
Um papel para a revista científica no desenvolvimento da excelência académica
A role for the scientific journal in the development of academic excellence
J. Vasconcelos-Raposo 1
1 Director da Revista Motricidade – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
A excelência, tal como a concebemos implica aprendizagem, transmissão e reprodução do saber. Um professor universitário só é verdadeiramente excelente quando os seus alunos reconhecidamente se demonstram melhores do que eles foram. Em contrapartida, é típico de um aluno medíocre e intelectualmente pobre o acto de não reconhecer o contributo que os outros deram para a sua formação.
A revista científica é, por excelência, um veículo para a transmissão e reprodução do saber, na medida que sem a sua intervenção dificilmente se desenvolvem Escolas de pensamento e, consequentemente, de conhecimento. A importância da revista e os seus propósitos mais nobres é algo que todos os professores devem valorizar nas suas práticas. Para tal ensinam os discentes a escreverem trabalhos científicos e, consequentemente, divulgá-los na forma de publicação. Neste processo, os docentes devem assumir um papel de referência, destacando a importância das nuances e detalhes que devem prevalecer na comunidade científica.
Não há lugar ao desenvolvimento da excelência sem o encorajamento para os mais novos e aprendizes serem criativos e sem a promoção daquele que é, provavelmente, o ingrediente fundamental: a liberdade de pensar. O actual sistema de ensino, tal como o observamos, não está vocacionado para promover a criatividade nem o direito à diferença, e que se expressa no pensamento dos discentes e docentes.
A experiência e a convivência que temos no Ensino Superior Universitário sugere-nos que, actualmente, é prática comum, na relação professor / aluno partir do princípio que os estudantes nada sabem sobre os temas abordados nas aulas. Mas esse é, talvez, um dos erros que se possa estar a cometer. Há outros equívocos que são impostos, aos professores e investigadores, a nível estrutural, pelo poder político, nomeadamente via o Ministério da Educação.
As escolas, independentemente do grau de ensino, reproduzem a crença que os docentes são possuidores de um conjunto de saberes, previamente definidos pelo Poder instituído, e cuja transmissão é apresentada como imperiosa para salvaguardar as necessidades do Sistema sócio-económico em que os professores e alunos se inserem. O Sistema Educativo opera fundamentado na proposição que todos os indivíduos devem possuir os mesmos conhecimentos básicos, de modo a partilharem as mesmas crenças, factos, valores e até atitudes relativamente aos fenómenos sócio-culturais. E, recentemente com todo o desplante se declara que a educação deve estar ao serviço do progresso científico e tecnológico, que mais não é do que ao serviço do sector industrial. Cada vez mais se esquece que o importante é fazer com que os cidadãos sejam felizes.
Somos da opinião que para, efectivamente, educarmos pessoas para a excelência, é necessário que a atitude dos docentes seja alterada. Isto é, que se reconheça que os discentes chegam até nós possuidores de um conhecimento social e cultural que deverá ser validado e reproduzido na escola, em função dos motivos dominantes na suas vidas pessoais.
No passado, assistimos a propostas pedagógicas que defendiam a individualização do ensino. Porém, não se fizeram quaisquer referências explícitas às alterações estruturais necessárias para a viabilização dessa alternativa educativa. Julgamos que este modelo sempre esteve votado a um sucesso relativo, na medida a que as alterações que deveriam acompanhar a implementação desta proposta nunca aconteceram.
Educar para a excelência implica mais do que a transmissão cuidada de saberes e técnicas. A excelência per se exige atitudes perante a novidade, o desconhecido e nós próprios. Por outras palavras, como docentes não poderemos pretender educar para a excelência sem, em primeiro lugar, assumirmos em pleno os elementos que caracterizam a orientação cognitiva que está na base da excelência e que, grosso modo, se alicerça na motivação intrínseca e numa orientação para a mestria.
Educar para excelência requer, forçosamente, que entendamos o ensino como uma forma de aprendizagem. A aprendizagem a que nos referimos não se limita ao enriquecimento dos nossos conhecimentos sobre determinadas áreas, através da leitura de materiais recentemente publicados e que pretendemos transmitir aos nossos alunos. Talvez o mais importante seja aceitarmos que os discentes têm algo a nos ensinar, fundamentalmente no domínio das estratégias de ensino. Para tal, devemos escutar as sugestões que estes nos possam fazer sobre a forma como abordar os tópicos que desejamos desenvolver nos nossos programas curriculares.
Frequentemente ouvimos críticas dos alunos, que nos dizem que aquilo que aprendem na escola é pouco relevante para a realidade com que se deparam no seu dia-a-dia. De facto, cada vez mais, procuramos transmitir-lhes conhecimentos especializados, mas na gestão das suas vidas como cidadãos e profissionais o que mais lhes interessa é dominarem habilidades específicas, algo que o actual sistema de ensino pouco valoriza. Este é um aspecto que requer uma grande reflexão por parte dos agentes de ensino, especialmente no que se refere à actividade de docência e os saberes a serem exigidos a estes. Acabar um curso superior e enfrentar o desemprego é, cada vez mais, a norma. Para os jovens é, cada vez mais difícil fazer planos para as suas vidas como adultos e por isso prolongam a sua adolescência. Perante isto, mais do que nunca, como professores, a promoção das condições para a realização da felicidade pessoal deverá ser uma prioridade.
Ultrapassar esta situação implica que os docentes, independentemente do grau de ensino em que intervêm, assumam uma atitude diferente perante a investigação (leia-se aprendizagem). Esta mudança requer que os docentes aceitem que os alunos, através das suas histórias pessoais, lhes dêem pistas sobre a forma como se percepcionam como aprendizes. Apenas um professor cuja orientação cognitiva seja para a mestria se sentirá confortável na situação de ser desafiado, no contexto da aula, sobre o seu saber por aqueles que a priori estão ali para aprender e não para ensinar. No entanto, é nossa convicção que sem se aceitar ser simultaneamente mestre e aluno é impossível desenvolver, quer em nós próprios quer nos alunos, o gosto pela aprendizagem, que por sua vez é o único veículo para se atingir níveis de excelência.
Desenvolver o gosto pela aprendizagem é algo que transcende o papel do educador na escola. Os elementos vivos relevantes a este processo são múltiplos, e dependem do tipo de excelência em causa. Mas para os propósitos desde manuscrito destacamos a excelência académica e científica, onde a revista é um elemento essencial para o processo que conduz ao desenvolvimento da excelência.
Na realidade é através da revista científica que os mais jovens encontram o caminho a ser trilhado para integrarem a comunidade científica. Na vasta maioria dos casos, esses primeiros passos são feitos através do apoio que os seus professores lhes dão, orientando-os sobre como proceder. Mas em verdade, há professores que prestam um mau serviço à ciência, na medida em encorajam os alunos a escreverem e a submeterem trabalhos para publicação sem, no entanto, lhes dar a devida atenção na forma de supervisão relativamente aos detalhes inerentes à qualidade académica.
Enquanto editores, recebemos muitos trabalhos de alunos onde consta o nome dos professores orientadores. Porém, face à qualidade dos manuscritos submetidos, por vezes, questionamo-nos se efectivamente esses prestigiados professores e investigadores têm conhecimento da integração dos seus nomes como co-autores. Em alguns casos já tivemos a oportunidade de confirmar que sabiam, e em outros não. Em ambos os casos importa ter alguns cuidados.
O actual sistema de Ensino Superior exerce uma pressão muito grande sobre os seus professores e investigadores para publicarem, mas infelizmente é-nos dado a registar que a lógica do capitalismo selvagem (leia-se a busca pelo lucro a todo o custo) se faz repercutir nas práticas dos académicos. Assim, constatamos uma "luta desenfreada" para que os seus nomes apareçam no maior número de trabalhos publicados, e alguns conseguem. Infelizmente deixando a imagem da ambição e da falta de preocupação com a qualidade da investigação que fazem, assim como dos eventuais contributos que dão para a ciência. Mas mais, prestam um mau serviço à prática científica porque nas revistas, rejeitamos os trabalhos porque os mesmos estão mal formatados, os desenhos de pesquisa mal concebidos e as escolhas dos procedimentos estatísticos mal fundamentadas ou por vezes negligenciadas em absoluto. Os alunos recebem os comentários dos revisores e, por vezes, indignam-se porque o nome do seu professor constava como co-autor. Na revista Motricidade a política é contactar o mais graduado academicamente para resolver as questões em falta.
É neste actual estado de coisas que defendemos que as revistas científicas também se devem constituir como um reduto de resistência às más práticas académicas, tanto de professores, como de alunos.