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Motricidade
versão impressa ISSN 1646-107X
Motri. vol.11 no.4 Ribeira de Pena dez. 2015
https://doi.org/10.6063/motricidade.6328
ARTIGO DE REVISÃO
Respostas hormonais da testosterona e do cortisol em contexto competitivo: uma revisão sistemática
Testosterone and Cortisol responses in competition: a systematic review
Natalina Casanova1,2; Ana Palmeira-de-Oliveira3,4; Vítor Machado Reis5,6; Nuno Cameira Serra1,2; Aldo M. Costa3,4,6,*
1 Instituto Politécnico da Guarda, Guarda, Portugal
2 Unidade de Investigação para o Desenvolvimento do Interior
3 Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal
4 Centro de Investigação em Ciências da Saúde (CICS), Covilhã, Portugal
5 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
6 Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD), Vila Real, Portugal
RESUMO
Nesta revisão foram analisados os estudos que apresentam resultados da resposta das hormonas consideradas de stresse, o cortisol e a testosterona, claramente associadas a um comportamento psicobiológico relacionado com a competição desportiva. Após uma pesquisa efetuada nas bases de dados ScienceDirect e Medline/Pubmed, foram selecionados sobre esta temática os estudos mais recentes realizados (>2002). A maioria dos estudos recorre a amostras reduzidas e maioritariamente sobre o sexo masculino. O efeito antecipatório à competição, caracterizado por um aumento da ansiedade, geralmente determina um aumento da concentração de ambas as hormonas, em especial um aumento da concentração de cortisol. Estas alterações na resposta hormonal surgem igualmente associadas ao resultado da competição, com concentrações de testosterona mais elevada nos vitoriosos do que nos perdedores, juntamente com estados psicológicos positivos associados à vitória e negativos associados à derrota. O sexo e o nível desportivo do atleta são igualmente considerados fatores diferenciadores do comportamento hormonal em contexto competitivo. Estudos futuros deverão esclarecer os efeitos a longo prazo nessa resposta hormonal em atletas de elite, considerando o treino intenso prévio e a participação regular em competições de elevado nível. Fica também por aprofundar o efeito que determinada resposta hormonal terá no desempenho desportivo sobretudo quando considerada ao longo de um determinado evento competitivo ou torneio.
Palavras-chaves: Cortisol, Testosterona, Stresse, Desporto, Competição.
ABSTRACT
In this review we analyzed the results of studies that have considered the response of stress hormones, cortisol and testosterone, clearly associated with a psycho-biological behavior related to sports competition. After a search in databases ScienceDirect and Medline/PubMed, only post-2002 studies were selected. In general, study samples are usually small and composed of mostly males. The anticipatory effect of competition is characterized by an increase in anxiety witch generally causes an increase in the concentration of cortisol. Such hormonal response also appears linked to the outcome of the competition, with testosterone being higher in winners than in losers, along with positive psychological states associated with victory and negative psychological states associated with defeat. Gender and experience of the athlete are considered differentiating factors of hormonal behavior in competitive situations that generate stress. Is unclear the long term effects of intensive training and high level competition on the hormonal levels in elite athletes. Furthermore, it remains to be elucidated what effect certain hormonal response will have on sports performance especially when considered over the course of one important tournament.
Keywords: Cortisol, Testosterone, Stress, Sports, Competition.
INTRODUÇÃO
Numa competição desportiva são naturalmente criadas situações stressantes que podem alterar o estado fisiológico e psicológico do atleta, de acordo com a valorização que este atribui ao resultado ou ao objetivo do confronto (Salvador, 2005). A avaliação da situação stressante realizada pelo atleta desencadeia processos cognitivos que parecem determinar respostas hormonais características (Salvador & Costa, 2009; Santos et al., 2014). De uma forma geral, o stresse competitivo desencadeia respostas do sistema nervoso endócrino que preparam o organismo para a ação, sendo os corticosteroides considerados bons indicadores do nível de stresse no contexto desportivo (Gleeson, 2002; Hellhammer, Wüst, & Kudielka, 2009).
A resposta endócrina ao stresse envolve o aumento da libertação de Corticotrofina (CRH) pelo hipotálamo e o aumento da estimulação simpática da medula supra-renal. A CRH estimula a secreção da hormona adrenocorticotrópica (ACTH) pela adeno-hipófise a qual, por sua vez, estimula no córtex supra-renal a produção da principal hormona glicocorticóide, o cortisol. Esta hormona, cuja concentração está claramente aumentada em situações de stresse, é conhecida pela sua função catabólica, anti-inflamatória, homeostática e estimulante do metabolismo lipídico, glicolítico e proteico (Hellhammer et al., 2009; Salvador & Costa, 2009). O cortisol é, deste modo, considerado o mais importante avaliador das situações indutoras de stresse, como é o caso de uma competição desportiva (Santos et al., 2014), sendo utilizado como biomarcador tanto em modalidades coletivas (Bateup, Booth, Shirtcliff, & Granger, 2002; Carré, Muir, Belanger, & Putnam, 2006; McLellan, Lovell, & Gass, 2010), como em modalidades individuais (Kivlighan, Granger, & Booth, 2005; Le Panse et al., 2010, 2012; Salvador, Suay, González-Bono, & Serrano, 2003).
Por outro lado, também a resposta da expressão da testosterona ao exercício físico parece ter uma relação direta com o momento competitivo (Wood & Stanton, 2012). A testosterona é uma hormona esteroide sexual, formada nos homens nas células intersticiais de Leyding (testículos), e nas mulheres nos ovários e numa pequena quantidade nas glândulas supra-renais. Esta hormona exerce efeitos androgénicos pelo seu papel no desenvolvimento e manutenção das estruturas reprodutoras e das características sexuais secundárias e ainda efeitos anabólicos dada a sua capacidade para estimular a fixação do nitrogênio e aumentar a síntese proteica numa extensa variedade de tecidos-alvo (Chichinadze & Chichinadze, 2008). A monitorização dos níveis de testosterona no contexto desportivo tem sido também objeto de estudo em várias modalidades, sendo um forte indicador do estado psicofisiológico do atleta e do seu próprio desempenho (Mehta & Josephs, 2006; Oliveira, Gouveia, & Oliveira, 2009; van der Meij, Buunk, Almela, & Salvador, 2010).
Adicionalmente, o rácio das concentrações de testosterona e de cortisol tem sido empregue na monitorização do nível de stresse imposto pelo treino e/ou pela competição (Salvador & Costa, 2009). De acordo com os efeitos anabólicos e catabólicos anteriormente descritos para cada uma das hormonas no organismo, é globalmente reconhecido que um rácio testosterona/cortisol aumentado é geralmente indicador de uma reação positiva do atleta ao treino sendo o oposto um indicador de um efeito stressante intenso no organismo (Gleeson, 2002).
Embora a maioria dos estudos apontem para um aumento nos niveis endócrinos de ambas as hormonas perante situações stressantes, parecem existir diversas variáveis de natureza exógena e endógena que podem alterar essa cinética hormonal (Cook & Crewther, 2012). Por essa razão tem vindo a ser estudada a relação entre as concentrações de ambas as hormonas com os estados psicológicos do atleta ou da equipa perante diferentes situações competitivas, nomeadamente o seu local de realização (em ou fora de casa) (Arruda et al., 2014; Carré et al., 2006) e o resultado final da competição (Aguilar, Jiménez, & Alvero-Cruz, 2013; Edwards, Wetzel, & Wyner, 2006; Jiménez, Aguilar, & Alvero-Cruz, 2012). Outros trabalhos procuram esclarecer a cinética de ambas as hormonas em diferentes momentos da competição (antes, durante e após competição) (Aizawa et al., 2006; Arruda et al., 2014; Balthazar, Garcia, & Spadari-Bratfisch, 2012; Bateup et al., 2002; Choi et al., 2013; Crewther et al., 2013; McLellan et al., 2010; Salvador et al., 2003) e de acordo com o género (Kivlighan et al., 2005; Le Panse et al., 2010, 2012; Li, Hsu, Suzuki, Ko, & Fang, 2015). Não obstante o crescente interesse sobre a temática, a divergência de resultados obtidos tem sido considerável e parece depender da especificidade dos contextos competitivos de cada desporto, do género e das características de cada atleta ou equipa.
Neste dominio é importante clarificar o comportamento hormonal no contexto do desporto e verificar a sua relação com a situação competitiva. Que alterações verificadas nos atletas no dia da competição? De que forma se relacionam com o resultado da competição? No presente estudo de revisão sistemática pretendemos efetuar uma análise dos principais resultados de pesquisas que usam os valores de cortisol e testosterona como biomarcadores de avaliação do stresse gerado pela situação competitiva, em atletas de diferentes modalidades desportivas e diferentes niveis competitivos, em função de duas situações específicas da competição: o momento da competição (pré e pós competição) e o resultado da competição (vitória/derrota).
MÉTODO
Foi efectuada uma pesquisa nas bases de dados ScienceDirect e Medline/PubMed, recorrrendo a palavras chave pré-definidas e em inglês (stress AND competition AND cortisol AND testosterone), tendo sido identificados numa primeira fase 1152 artigos. Considerando o avanço da produção científica, optámos por incluir os estudos publicados desde 2002 até à atualidade, tendo sido excluidos os restantes. Assim, e de acordo com o objetivo definido para este estudo de revisão, foram tidos em conta os seguintes critérios de inclusão: (a) data de publicação (de 2002 à atualidade) (b) amostras exclusivamente com atletas, com idade superior a 16 anos e (c) estudos originais com recolhas em simultâneo de C (cortisol) e T (testosterona), realizadas em situação de competição.
Este processo de seleção foi realizado em três etapas (ver figura1) de forma a respeitar os critérios de inclusão já referidos e os critérios de exclusão decorrentes de cada uma das fases, designadamente: (a) titulos sem interesse e artigos repetidos; (b) estudos não realizados com humanos, estudos de revisão e estudos realizados com populações de não atletas; (c) análise da variação homonal resultante da aplicação de um programa de treino ao longo de uma época desportiva, de utilização de estratégias de recuperação ou preparação, de utilização de suplementos ou em presença de distúrbios médicos e os estudo de caso. Relativamente à tipologia da competiçao abordada, foram ainda excluidos os estudos efetuados em competições com duração de esforço físico continuo superior a 3h (maratonas) ou com esforço físico praticamente inexistente (competições de videogames e tabuleiro) e estudos retrospetivos.
Após seleção dos artigos para estudo nesta revisão sitemática, procedeu-se à análise da qualidade metodológica de cada um deles. Para o efeito foi feita uma adaptação aos critérios utilizados por Santos et al. (2014) por se considerarem adequados ao estudo em causa. Assim, foram considerados os seguintes critérios (ver tabela 1): (1) estudo aprovado num comité de ética; (2) coleta de saliva em situação de repouso; (3) coleta de saliva ao acordar, no dia da competição; (4) coleta de saliva antes (pré) da competiçao e (5) coleta da saliva após (pós) competição.
RESULTADOS
Após aplicação dos critérios indicados foram incluidos nesta revisão 18 artigos, dos quais 10 correspondem a estudos realizados em atletas de modalidades coletivas [futebol (4 artigos), rugby (3 artigos), basquetebol (1 artigo) e hoquei (2 artigos)] e 8 em atletas de modalidades individuais [luta (2 artigos ), remo (1 artigo), badminton (1 artigo), halterofilismo (2 artigos), triatlo (1 artigo) e atletismo-5000M (1 artigo)] . De entre a totalidade dos artigos (tabela 1), 8 são relativos a estudos realizados com atletas do sexo masculino, 4 correspondem a atletas do sexo feminino e os restantes 6 incluem ambos os sexos, num total de 228 atletas do sexo masculino e 177 atletas do sexo feminino. O intervalo das idades dos atletas avaliados encontra-se entre os 17 e os 44 anos.
Considerando o objetivo do estudo e o tipo de resultados apresentado por cada um dos artigos selecionados, os mesmos irão ser analisados em dois grupos distintos, por um lado as investigações que apresentam os resultados da cinética hormonal em função do comportamento antecipatório dos atletas ao jogo (pré competição) e/ou das alterações decorrentes da competição (pós competição) (13 estudos analisados) e por outro lado, as investigações que analisam esta cinética hormonal em função do resultado da competição (vitória/derrota) (5 estudos analisados).
Como procedimento de recolha de dados a maioria dos artigos recorreu à recolha de saliva para análise da concentracçao de ambas as hormonas; apenas dois artigos realizam essa mensuração no sangue (Aizawa et al., 2006; Choi et al., 2013). O efeito do stresse competitivo no estado psicológico dos atletas foi avaliado na maioria dos estudos, através de questionário, no que diz respeito aos estados de humor (Aizawa et al., 2006; Casanova et al., 2015), aos niveis de ansiedade (Aguilar et al., 2013; Arruda et al., 2014; Carré et al., 2006; Choi et al., 2013), em conjunto estados de humor e niveis de ansiedade (Oliveira et al., 2009; Salvador et al., 2003) à resposta agressiva (Bateup et al., 2002) e à coesão de grupo (Edwards et al., 2006; Kivlighan et al., 2005). Foram ainda monitorizados variações de performance (Jiménez et al., 2012; Kivlighan et al., 2005; Le Panse et al., 2012; McLellan et al., 2010) e do esforço percebido (Arruda et al., 2014).
DISCUSSÃO
Esta revisão teve por objetivo a caracterização do estado da arte mais recente relativo à resposta hormonal dos desportistas em contexto competitivo. Do nosso ponto de vista, os estudos apresentados poderão ser agrupados em função de duas situações distintas: (i) na relação com o momento da competição, quer na resposta hormonal antecipativa, quer na resposta hormonal pós-competitiva; (ii) na dependência do desfecho da mesma (vitória versus derrota). Em ambas as situações veremos que as respostas hormonais perante o stresse competitivo nem sempre são similares entre sexos. Aliás essa variabilidade sexual da resposta hormonal foi reportada particularmente em 6 dos 18 estudos analisados, maioritariamente em modalidades individuais, apesar de nem sempre ser clarificado pelos autores o uso de contracetivos orais por parte das atletas, o que afeta marcadamente a estabilidade hormonal em treino e em competição (Constantini, Dubnov, & Lebrun, 2005).
No que diz respeito à metodologia usada nos diversos estudos, a avaliação destas duas hormonas (cortisol e testosterona) é realizada em saliva na quase totalidade dos estudos consultados, sendo considerado um processo de avaliação fiável, rápido, não invasivo e independente da quantidade de saliva produzida (Papacosta & Nassis, 2011). A variação da concentração hormonal ao longo do dia poderá ser considerada uma limitação da sua utilização como biomarcador (Shirakawa, Mitome, & Oguchi, 2004). De modo a ultrapassar este constrangimento, nos estudos analisados, os autores recorreram a desenhos experimentais que permitem controlar o ciclo circadiano. Neste sentido, em alguns estudos as recolhas de saliva foram realizadas em dias de repouso, enquanto referência para comparação, e nos dias de competição (e.g. Bateup et al., 2002; Carré et al., 2006; Edwards et al., 2006); noutros estudos optaram por efetuar recolhas sistemáticas ao longo dos dias de repouso e de competição, num mínimo de três recolhas diárias (e.g. Balthazar et al., 2012; Oliveira et al., 2009).
Mesmo assim, não se verifica uma uniformidade no que respeita ao momento das coletas, tanto no que respeita ao dia de recolha em situação de não competição, como no que respeita aos momentos antes da competição (pré), ou depois da competição (pós). Numa análise às diversas metodologias utilizadas para a recolha em repouso há estudos que a realizam 24h antes (Bateup et al., 2002; Crewther et al., 2013; Le Panse et al., 2012; McLellan et al., 2010), 3 dias antes (Aizawa et al., 2006) outros indicam realizá-la em situação de não competição (Carré et al., 2006; Kivlighan et al., 2005; Le Panse et al., 2010; Salvador et al., 2003) e outros ainda não referem se realizaram este procedimento (Aguilar et al., 2013; Arruda et al., 2014; Choi et al., 2013; Jiménez et al., 2012; Li et al., 2015). Já no que respeita às recolhas efetuadas no dia da competição, todos os estudos referem realizar coletas antes e após competição, no entanto, existe uma grande dissemelhança no que respeita ao tempo que decorre entre a hora da recolha e a hora da competição (e.g. 20 min, nos estudos de Bateup et al., 2002 e Kivlighan et al., 2005; 30 min, nos estudos de Oliveira et al., 2009 e Mclleland et al., 2010; e 45 min. nos estudos de Carré et al., 2006 e Aguilar et al., 2013).
Relação com o momento da competição:
A maioria dos artigos revistos parece reportar uma resposta endócrina associada a uma avaliação cognitiva da situação stressante imposta pela competição desportiva (ver tabela 2).
Este estado de stresse pré-competitivo tende a ser caracterizado por valores elevados de cortisol e por elevados níveis de ansiedade, comparativamente com o estado de repouso (Salvador & Costa, 2009). Esse aumento do nível de cortisol pré-competitivo parece ser mais notório quando a competição ocorre em casa (Arruda et al., 2014; Carré et al., 2006), contexto esse que parece induzir um factor de stresse adicional (Salvador, 2005).
O aumento da concentracção de cortisol em antecipação à competição parece ocorrer em ambos os géneros e em diferentes modalidades desportivas, tendo sido reportado especificamente no rugby (Bateup et al., 2002; McLellan et al., 2010), no judo (Salvador et al., 2003), no remo (Kivlighan et al., 2005) no hoquei (Carré et al., 2006) e no triatlo (Balthazar et al., 2012).
Em alguns estudos verifica-se uma nivelação das concentrações de cortisol, não se apresentando aumentado de forma significativa em antecipação à competição o que parece sugerir que os atletas de nível desportivo superior serão mais hábeis na gestão do stresse competitivo (Arruda et al., 2014; Le Panse et al., 2012). Assim, nestes atletas do sexo masculino de maior nível desportivo parece ocorrer um efeito de regulação hormonal. De qualquer forma, de acordo com Georgopoulos et al. (2011), dever-se-á considerar que o ritmo circadiano diurno do cortisol salivar em atletas de elevado nível desportivo pode estar alterado devido ao treino extenuante prévio em acumulação com as condições stressantes impostas pela competição.
Relativamente à testosterona os estudos parecem indicar um aumento de concentração antes da competição nos atletas praticantes de desportos coletivos, designadamente no rugby (Bateup et al., 2002), no hóquei (Carré et al., 2006) e no Basquetebol (Arruda et al., 2014). Em atletas praticantes de modalidades individuais os resultados entre estudos são bastante inconsistentes e distintos relativamente ao género. De facto, os valores pré-competitivos não se mostram significativamente diferentes dos valores de repouso para praticantes masculinos de lutas (Salvador et al., 2003) e de halterofilismo de ambos os sexos (Le Panse et al., 2010, 2012). O estudo de Kivlighan et al. (2005) reporta ainda diferenças entre géneros, apresentando valores mais baixos para as mulheres remadoras pouco experientes.
Os estudos consultados debruçam-se também sobre a variação da concentração de ambas as hormonas entre o início e fim da competição. A este respeito os resultados parecem ser consensuais para a cinética hormonal do cortisol em homens e mulheres, verificando-se níveis de concentração significativamente aumentados após a competição em atletas praticantes de modalidades coletivas (Aizawa et al., 2006; Arruda et al., 2014; Bateup et al., 2002; McLellan et al., 2010) e individuais (Choi et al., 2013; Kivlighan et al., 2005; Le Panse et al., 2010, 2012; Li et al., 2015). Mesmo assim, dois dos estudos analisados, realizados com atletas de elite do sexo masculino, não reportaram alterações nas concentrações de cortisol pós competição (Balthazar et al., 2012; Crewther et al., 2013).
Relativamente à concentração pós-competitiva de testosterona os resultados são menos concordantes: reportaram-se níveis de concentração mais elevados em atletas de basquetebol e rugby (Arruda et al., 2014; Bateup et al., 2002; McLellan et al., 2010), em remadores (Kivlighan et al., 2005) e em praticantes masculinos de halterofilismo (Le Panse et al., 2012), enquanto em praticantes de lutas (Choi et al., 2013), de atletismo- 5000M (Li et al., 2015) e halterofilismo (Le Panse et al., 2010) o aumento não se revelou significativo.
Nas mulheres os estudos sendo mais escassos, revelam concentrações de testosterona significativamente mais reduzidas do que nos homens (Kivlighan et al., 2005; Le Panse et al., 2010, 2012; Li et al., 2015). De qualquer modo é preciso considerar que as mulheres produzem cerca de cinco a sete vezes menos testosterona do que os homens (Wood & Stanton, 2012). No homem a produção de testosterona resulta da ativação do eixo hipotalâmico-pituitário-gonadal enquanto que nas mulheres a maioria da testosterona deriva da dehidroepiandrosterona (DHEA) (Bateup et al., 2002). Essa varibilidade fisiológica condiciona naturalmente a comparação directa da resposta hormonal entre os géneros.
Importa ainda referir que a comparabilidade entre os estudos nesta matéria estará claramente dependente da similitude das circunstâncias da competição. Com efeito, a concordância entre estudos na hora do dia da competição é fundamental, dado que diferenças a esse respeito podem conduzir a distintos padrões de produção hormonal (Kivlighan et al., 2005). Para além disso, Cook e Crewther (2012) salientam que antes de uma competição é provável que determinadas estratégias motivacionais produzam efeitos nas concentrações de cortisol e testosterona e consequentemente no desempenho demonstrado pelos atletas. A maioria dos estudos não refere a existência de estratégicas motivacionais que poderiam afetar a cinética hormonal. Contudo, durante uma competição oficial esperam-se feedbacks motivacionais por parte do treinador, da equipa ou da assistência. Encontramos um exemplo claro desse contexto encorajador na modalidade de remo, onde um dos elementos (timoneiro) estimula a equipa antes, durante e após a prova (Kivlighan et al., 2005). Esse contexto ecológico do ambiente competitivo não é suficientemente detalhado nos estudos, provavelmente porque é de difícil controlo e replicação. Mesmo assim, o seu efeito deve ser considerado.
Relação com o resultado:
A possível relação entre a resposta hormonal em função do resultado da competição, estudando separadamente os atletas vitoriosos e os derrotados, é reportada em 5 dos 18 artigos revistos (ver tabela 3).
No que se refere ao cortisol, os estudos reportam que as concentrações desta hormona tendem a aumentar significativamente em caso de derrota e a manterem-se estáveis nas competições que resultaram em vitória, nomeadamante no hoquei masculino (Aguilar et al., 2013) e, em ambos os géneros, no badminton (Jiménez et al., 2012) . Contudo alguns estudos mostram um padrão hormonal distinto em mulheres, nomeadamente nas praticantes de modalidades coletivas, não demonstrando uma variação significativa de concentração de cortisol na dependência do resultado competitivo (Casanova et al., 2015; Edwards et al., 2006; Oliveira et al., 2009).
Relativamente à testosterona, o padrão parece ser mais regular entre géneros, verificando-se um aumento na sua concentração em atletas vitoriosos e uma descida nos derrotados. Estes resultados foram evidentes no futebol feminino (Oliveira et al., 2009), no futebol masculino (Edwards et al., 2006), no hóquei masculino (Aguilar et al., 2013) e no badminton em ambos os géneros (Jiménez et al., 2012). Estes resultados parecem congruentes com a perspectiva de Salvador (2005) sobre os diferentes comportamentos hormonais entre perdedores e ganhadores: enquanto que a vitória parece determinar um aumento da testosterona (resultando num comportamento dominante por parte dos ganhadores e a consequente vontade de voltar a competir), a derrota tende a induzir a sua diminuição, provocando um comportamento de submissão e diminuição da vontade de competir novamente. Assim, verificamos que num confronto desportivo são produzidas alterações hormonais influenciadas pelo resultado da competição, consoante se obtenha uma vitória ou uma derrota. Contudo parecem existir excepções a este modelo; num dos estudos analisados registou-se um aumento da concentração de testosterona pós-jogo em ambas as vencedoras e as derrotadas (Edwards et al., 2006). A razão para estes resultados parece estar relacionada com a natureza do confronto, apontada nestes estudos como de elevado desafio físico e mental, o que poderá conduzir a um aumento drástico da testosterona e do cortisol independentemente do resultado do jogo (Sedghroohi, Ravasi, Gaeini, & Fayazmilani, 2011). Para além disso, van der Meij, Buunk, Almela, e Salvador (2010) referem que a eficácia dos adversários pode contribuir mais para a alteração do padrão hormonal da testosterona do que o próprio estado psicológico do atleta. Referem os autores que a concentração de testosterona nos perdedores aumenta mais quando os adversários consideram a competição em si como pouco relevante.
Embora existam escassos estudos sobre esta matéria, em geral a resposta hormonal reportada tende a assumir um padrão complacente com o modelo biosocial de dominância (etológico) desenvolvido por Mazur (1985). Esse modelo considera que o ser humano quando compete por um determinado status social, mostra sinais que evidenciam a manutenção ou aumento de um status elevado, revelando um comportamento dominante que pode tornar-se agressivo, sendo o resultado final do confronto dependente da capacidade de resistir ao stresse. As alterações de testosterona após uma perda de status (derrota) produzem consequências no comportamento social a curto prazo; atletas perdedores mas com elevados niveis de testosterona estão mais predispostos para voltar a competir com o mesmo adversário do que atletas com niveis mais baixos de testosterona. Por outro lado, nos ganhadores, as concentrações de testosterona não se encontraram relacionadas com a vontade de voltar a competir (Mehta & Josephs, 2006).
Futuros estudos nesta matéria devem não só estudar a mesma amostra de atletas em contextos de vitória e derrota perante diferentes adversários mas também perante competições de diferente importância. Importa ainda reflectir sobre a necessidade de maior uniformização dos procedimentos metodológicos, em particular no que se refere ao momento da recolha das amostras biológicas após a competição. O tempo entre o final da competição e a recolha de saliva deve permitir, por um lado, que as alterações sanguíneas de esteróides estejam reflectidas na saliva e, por outro lado, evitar o declínio de concentração esperado (Kivlighan et al., 2005). Sugerimos por isso, que sempre que possível os estudos prevejam pelo menos duas recolhas: entre os 20 e os 40 minutos após a competição.
CONCLUSÕES
Esta pesquisa teve por objetivo efetuar uma revisão sistemática atualizada acerca da resposta das hormonas esteroides cortisol e testosterona em atletas sujeitos a stresse competitivo. Verificamos que, de uma forma geral, as modalidades coletivas futebol, basquetebol, hóquei e rugby, reúnem um maior número de publicações recentes. Também o género masculino é mais estudado, quando comparado com o número de estudos recentes que incluem ou estudam isoladamente o género feminino. Destaca-se a homogeneidade da metodologia utilizada no que se refere ao controlo do ciclo circadiano das hormonas nos momentos pré e pós competitivos. Todavia, nem sempre são considerados ou pelos menos descritos, os critérios de controlo de variáveis que possam afetar o registo dos indicadores hormonais, nomeadamente a existência de feedbacks motivacionais.
Relativamente aos resultados encontrados é consensual o efeito de diversos fatores associados ao contexto competitivo na concentração de cortisol e de testosterona, em ambos os géneros. De facto, a resposta hormonal e psicológica para além de dependente do sexo parece estar associada à experiência e ao nível competitivo do atleta, sendo este último um aspeto essencial a explorar em estudos futuros. Para além disso, o resultado da competição parece afetar positivamente ou negativamente (ganhar e perder, respetivamente) o estado psicológico, com evidente efeito na resposta endócrina de ambas as hormonas estudadas. Contudo, num próximo estudo deverá ser aprofundado o efeito concreto na qualidade do desempenho individual do atleta (sobretudo no contexto dos desportos coletivos) e conhecer a cinética da resposta endócrina num contexto que agregue vários momentos competitivos ao longo de um determinando período, como sejam os campeonatos ou torneios com fases de grupos.
Neste sentido, mais estudos de carácter psicofisiológico serão necessários para esclarecer o impacto real da carga de treino assim como a aplicabilidade de biomarcadores hormonais na prevenção da fadiga extrema e da saúde dos atletas. De facto, não é conhecido o efeito crónico do treino e da competição em atletas de elevado nível desportivo na sua resposta da hormonal perante o stresse competitivo.
REFERÊNCIAS
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Agradecimentos:
Nada a declarar
Conflito de Interesses:
Nada a declarar
Fontes de financiamento:
Nada a declarar
Artigo recebido a 22.12.2014; Aceite a 30.10.2015
*Autor correspondente: Universidade da Beira Interior, Rua Marquês D´Ávila e Bolama, 6200-001 Covilhã; E-mail: amcosta@ubi.pt