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Motricidade
versão impressa ISSN 1646-107X
Motri. vol.12 no.2 Ribeira de Pena jun. 2016
https://doi.org/10.6063/motricidade.7696
ARTIGO ORIGINAL
Utilização de Flutuadores em Aulas de Natação para Crianças: Estudo Interventivo
Flotation Devices in Swimming Lessons for Children: an Interventionist Study
Rossane Trindade Wizer1,*; Cassio de Miranda Meira Junior2; Flávio Antônio de Souza Castro1
1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Porto Alegre, Brasil
2Universidade de São Paulo Escola de Artes, Ciências e Humanidades, São Paulo, Brasil
RESUMO
Objetivou-se analisar a influência da utilização de flutuadores colocados nos braços sobre a aquisição de habilidades aquáticas em crianças (mediana da idade, em meses, de 40 ± 4.1). Elas foram divididas em dois grupos: aulas de natação com flutuadores (CFlut, n = 8) e sem flutuadores (SFlut, n = 9) e avaliadas com a Escala de Erbaugh de desempenho motor aquático, pré e pós-intervenção de oito semanas. Relatórios descritivos foram redigidos com informações sobre comportamento das crianças ao longo da intervenção e dificuldades encontradas pelo professor. Em relação à análise geral das tarefas, os grupos não apresentaram diferenças, no entanto, o grupo SFlut apresentou melhores resultados nas tarefas de deslocamento e saltos. A ausência de flutuadores pode ter gerado melhor percepção das forças que atuam na água.
Palavras-chave: adaptação, habilidades aquáticas, ensino, aprendizagem
ABSTRACT
It was aimed to analyze the influence of arms floats devices use in the acquisition of aquatic skills in children (median of age, in months, 40 ± 4.1). They were divided in two groups: swimming classes with floats (CFlut, n = 8) and without floats (SFlut, n = 9). They were evaluated by Erbaugh Scale of aquatic motor performance, pre and post-intervention of eight weeks. Descriptive reports were made with information about children behavior during the intervention period and difficulties encountered by the teacher. No differences were found between groups when compared for the overall analysis of the tasks; however the SFlut group had better results in the shifts and jumps into the water tasks. The floats absence may have generated better understanding of the forces in the water.
Keywords: adaptation, aquatic abilities, teaching, learning.
INTRODUÇÃO
Quando uma criança inicia atividades no meio aquático, um dos desafios colocados, tanto pela criança, quanto pelo professor, é o da flutuação (Parker, Blanksby, & Quek, 1999). Esta questão, quando as aulas são realizadas em lugares onde a criança não alcança o fundo, está intimamente relacionada à segurança durante as aulas. Uma possibilidade de recurso pedagógico, relativo à segurança, é a utilização de flutuadores de braços (Figura 1) que, ao serem inflados, permitem a flutuação da criança.
Figura 1. Crianças participantes deste estudo com os flutuadores de braços/braçadeiras.
Barbosa (2004)e Gama e Carracedo (2010) defendem o uso de materiais auxiliares à flutuação no início da aprendizagem, por oferecerem segurança ao aprendiz, além de tornar o meio mais atrativo para o aluno iniciante, que apresenta, nessa fase, poucas possibilidades de relação com o meio líquido. Já Xavier-Filho e Manoel (2002) salientam que flutuadores podem, até mesmo, atrasar a aquisição da estabilidade postural no meio líquido, isso porque esses materiais dificultariam a consciencialização da flutuação, ao adiar a necessidade e a motivação dos aprendizes em conquistar o equilíbrio relacionado à flutuação no meio aquático. Assim, o problema referente à flutuação que deveria ser sanado, na verdade é apenas protelado.
De modo específico, durante o processo de aprendizagem das habilidades aquáticas básicas, a criança depara-se com um meio cujas características físicas são distintas daquele em que vive. Deste modo, o estudo da aquisição e do desenvolvimento de habilidades aquáticas deve considerar as características do meio, já que estas influenciam, sobremaneira, o modo como nos relacionamos com a água, especialmente a criança em desenvolvimento. O meio líquido é mais denso e viscoso que o ar, o que acarreta maior arrasto, em relação ao ar, e considerável valor de impulso (Castro & Loss, 2010). Além disso, a posição básica do corpo para os deslocamentos é próxima à horizontal. As características do meio líquido acabam por gerar habilidades que são exclusivas desse ambiente, por exemplo, a flutuação (Castro & Loss, 2010).
No contexto das aulas de natação, percebe-se que a utilização de flutuadores durante o processo de ensino das habilidades aquáticas ainda é considerada um problema, ou seja, um tema gerador de controvérsias (Fernandes & Costa, 2006; Parker et al., 1999). Professores de natação, com frequência, se apoiam apenas em experiências do quotidiano para sustentar a sua intervenção pedagógica, de modo que a qualidade do ensino da natação torna-se comprometida. Isso ocorre porque há pouca base teórica que sustente a prática profissional em relação à utilização de flutuadores. Ao constatar essa demanda relativa ao ensino da natação, a seguinte questão foi elaborada: como os flutuadores influenciam o processo de aquisição das habilidades aquáticas?
A importância dessa questão ganha sustentação quando se percebe que esse tema é pouco discutido com base em resultados de pesquisas pedagógicas e interventivas (Lobo da Costa, 2010). Um exemplo dos poucos estudos de caráter interventivo relacionado ao uso dos flutuadores é o de Parker, Blanksby, e Quek (1999), entretanto a maioria da literatura disponível sobre o tema corresponde a livros-textos como o de Catteau e Garoff (1990), ou ainda artigos de revisão como os de Xavier-Filho e Manoel (2002)e de Barbosa (2004).
Observando essas limitações, optou-se por realizar um estudo com caráter eminentemente prático, no próprio ambiente de aula, com o propósito de tornar mais próxima possível a situação de pesquisa do mundo real da prática pedagógica. Segundo Tani, Dantas, e Manoel (2008), pesquisas com essa característica enquadram-se no âmbito da pedagogia da natação e apresentam, como principal função, oferecer soluções aos problemas advindos da prática. Assim, a presente pesquisa objetiva verificar a influência do uso sistemático e regular de flutuadores colocados nos braços (braçadeiras) sobre o processo de aquisição das habilidades aquáticas em crianças de três anos de idade, a fim de melhor instrumentalizar professores na escolha de suas estratégias pedagógicas durante as atividades de ensino/aprendizagem no meio aquático para crianças. Acredita-se que o uso dos flutuadores/braçadeiras favorece o processo de aquisição das habilidades aquáticas, já que aumenta as possibilidades de movimento da criança que não possui experiência na água e, ainda, possibilita, desde o princípio, a relação autônoma da criança com o meio.
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo 17 crianças, com mediana de idade de 40 ± 4.1 meses, que se inscreveram em aulas de natação específicas para esta pesquisa. Após selecionados, os participantes foram divididos em dois grupos, com base na idade, em meses. O procedimento consistia em equiparar as crianças pela idade e dividi-las entre os dois grupos, de modo que duas crianças com igual idade eram colocadas em grupos diferentes. Buscou-se, com esse procedimento, compor os grupos de maneira homogênea. Do grupo com flutuadores (CFlut) participaram oito crianças (mediana da idade, em meses, de 37.5 ± 3.6), cujas aulas foram ministradas com o auxílio de flutuadores. O grupo sem flutuadores (SFlut) foi composto de nove crianças (mediana da idade, em meses, de 44 ± 3.9), cujas aulas foram ministradas sem o auxílio de flutuadores. Ressalta-se que houve perda amostral após o início da intervenção, o que gerou o diferente número de participantes nos grupos.
As crianças selecionadas para o estudo não possuíam experiência prévia em aulas de natação, pois nunca haviam realizado nenhuma aula até então. Segundo os pais, os seus filhos gostavam de brincar na água. A maioria delas, 11 entre as 17, entrava em contato com o meio aquático algumas vezes e, entre os ambientes aquáticos mais frequentados, estavam a banheira, a piscina e o mar.
O tamanho amostral foi definido de acordo com a viabilidade do estudo, levando-se em conta: (1) segurança nas aulas, (2) dados de estudos prévios (Donaldson, Blanksby, & Heard, 2010) e (3) número mínimo de participantes que possibilitasse tratamento estatístico. Para que, ao final da intervenção, continuassem a fazer parte do estudo, as crianças deveriam ter 70% de frequência, ou seja, estar presente em 11 das 16 aulas que foram oferecidas (no grupo CFlut, duas crianças estiveram presentes em 11 aulas, duas em 12, duas em 13, uma em 14 e uma em 15 aulas; no grupo SFlut, três crianças estiveram presentes em 11 aulas, uma em 13, uma em 14, uma em 15 e três em 16 aulas). Informações sobre experiências prévias dos participantes foram obtidas por meio de questionário respondido pelos pais em reunião prévia ao início dos testes. A reunião foi realizada com o objetivo de esclarecer dúvidas relacionadas à pesquisa, após, o termo de consentimento livre e esclarecido foi entregue aos pais que demonstraram interesse em participar da pesquisa. O estudo foi conduzido de acordo com os preceitos éticos definidos pela declaração de Helsínquia para pesquisas com seres humanos. Além disso, esta pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade onde o estudo foi realizado (número 03909512.0.0000.5347).
Instrumentos
Para coletar os dados e as informações foram utilizados métodos quantitativos e qualitativos. Dados quantitativos foram obtidos por meio da Escala de Erbaugh (Erbaugh, 1981), de natureza ordinal, criada com o objetivo de avaliar o desempenho aquático de crianças pré-escolares e composta por 68 itens divididos em seis categorias/tarefas (1 - apanhar objetos no fundo da piscina, 2 - deslocamento ventral, 3 - pernadas, 4 - deslocamento dorsal, 5 - entrada na piscina e 6 - mergulhos partindo da borda). As tarefas representam habilidades aquáticas e os itens de cada tarefa são organizados pela ordem de dificuldade, início com tarefas simples e evolução para tarefas mais complexas (Erbaugh, 1978). Antes da avaliação pré-intervenção, a escala foi analisada individualmente e em conjunto pelos avaliadores. Este instrumento foi previamente estudado em relação à reprodutibilidade e validade (Bradley, Parker, & Blanksby, 1996; Erbaugh, 1978).
Para complementar os dados, relatórios descritivos foram redigidos com base na observação de cada aula. Segundo Gaya (2008), o modelo observacional permite que a coleta seja realizada em ambientes de ensino sem interferir na dinâmica dos participantes, além de possibilitar a observação de acontecimentos inesperados. Dos relatórios constaram dados relativos: (1) aos aspectos emocionais apresentados pelas crianças durante as aulas, (2) aos avanços no comportamento aquático da turma e (3) às dificuldades encontradas pelo professor-pesquisador. Esses dados foram utilizados para complementar os resultados da Escala de Erbaugh (1981) e dar suporte à discussão.
Procedimentos
A primeira avaliação aconteceu antes do início da intervenção (pré-intervenção) e a segunda avaliação ocorreu após o término da intervenção (pós-intervenção). Três avaliadores (professora-pesquisadora e um professor, ambos formados em Educação Física e uma estagiária, estudante do mesmo curso) aplicaram o teste nos dois momentos. A piscina utilizada possui 6 m × 16 m × 1.40 m, com água aquecida à, aproximadamente 31ºC (entre 30 e 32ºC).
Durante as avaliações, um avaliador ficou dentro da piscina para explicar e solicitar às crianças o cumprimento das tarefas. Outro avaliador ficou responsável por operar uma câmera de vídeo digital para gravação das tarefas, para posterior análise. As imagens obtidas foram analisadas por três observadores que atuaram de maneira independente com o objetivo de pontuar de acordo com a Escala de Erbaugh (1981). Quando dois ou três avaliadores pontuavam igualmente, o valor era considerado o correto. Não houve discordância entre os três avaliadores.
O programa de intervenção foi constituído por 16 aulas distribuídas em oito semanas, cada semana com duas aulas de 30 minutos. As aulas dos dois grupos apresentavam os mesmos objetivos e conteúdos e foram semelhantes nos métodos, para impedir que estes aspectos se tornassem fator interveniente nos resultados. Três redutores de profundidade, de aproximadamente 1 m × 1 m, foram utilizados durante as aulas em ambos os grupos para garantir segurança às crianças. Estes redutores permitiram que as crianças ficassem em pé enquanto aguardavam os colegas que estavam sendo auxiliados pelos professores durante os deslocamentos e atividades fora dos redutores.
Foram utilizados para fins recreativos materiais como: arcos, espaguetes, materiais de E.V.A. e brinquedos que afundavam. A diferença entre os grupos foi a utilização de braçadeiras flutuadoras durante a intervenção. Enquanto um grupo participava das aulas sem nenhum auxílio à flutuação, o outro grupo fez uso desse material. No entanto, para que tivessem em igualdade de condições, as crianças do grupo CFlut não utilizaram flutuadores nos braços (braçadeiras) durante o teste pré-intervenção e pós-intervenção. Quando solicitado pelo teste, foram utilizados espaguetes para o deslocamento das crianças de ambos os grupos. Ou seja, os testes da Escala de Erbaugh (Erbaugh, 1981) foram realizados, para ambos os grupos, sem braçadeiras.
Análise estatística
A estatística descritiva deste estudo, devido ao (1) tamanho amostral, às (2) características do instrumento de avaliação e às (3) distribuições não paramétricas das respostas (testadas com teste de Shapiro-Wilk), foi para dados não-paramétricos: mediana, desvio-padrão e valores mínimos e máximos. A estatística inferencial adotada, devido às características já citadas, foi composta pelo teste de Wilcoxon para comparação intra-grupos e teste U de Mann-Whitney para comparação inter-grupos nos dados obtidos de idade e da Escala de Erbaugh. Os procedimentos estatísticos foram realizados no programa SPSS v. 17.0 e o nível de significância adotado foi de 0.05.
RESULTADOS
Em relação à idade, os grupos apresentaram resultados estatisticamente similares. A Tabela 1 mostra os dados relacionados à idade dos participantes.
A tarefa 1 corresponde à habilidade de pegar objetos no fundo da piscina. Para essa tarefa, os grupos CFlut e SFlut apresentaram melhorias do pré para o pós-intervenção (Z= − 2.23; p= 0.02 para o grupo CFlut e Z= − 2.71; p= 0.007 para o grupo SFlut). Quando comparados, os grupos apresentaram resultados similares nos períodos pré (U= 32.5; p= 0.61) e pós-intervenção (U= 27.5; p= 0.38). A Tabela 2 apresenta os resultados da Tarefa 1 (pegar objetos no fundo da piscina).
Três tarefas compõem a habilidade de deslocamento. São elas: deslocamento em decúbito ventral (tarefa 2), movimento de pernas (tarefa 3) e deslocamento em decúbito dorsal (tarefa 4).
Em relação às habilidades de deslocamento, o grupo CFlut apresentou melhorias nas habilidades de deslocar-se em decúbito ventral (Z= − 2.53; p= 0.01) e movimento de pernas (Z= − 2.37; p= 0.01). No entanto, não apresentou melhorias nas habilidades de deslocar-se em decúbito dorsal (Z= − 1.26; p= 0.08). O grupo SFlut apresentou melhorias nas três habilidades relacionadas ao deslocamento (deslocar-se na posição de decúbito ventral, Z= − 2.67; p< 0.001; realizar movimento de pernas, Z= − 2.55; p= 0.01; deslocar-se em decúbito dorsal, Z= − 2.68; p= 0.007).
Quando comparados na pré-intervenção, os grupos apresentaram resultados similares na tarefa de deslocar-se em decúbito dorsal (U= 25.0; p= 0.25), no entanto, apresentaram diferenças nas tarefas de deslocar-se em decúbito ventral (U= 14.0; p= 0.02) e movimento de pernas (U= 15.0; p= 0.03), com o grupo CFlut obtendo melhores resultados. Já em relação aos resultados da pós-intervenção, os grupos apresentaram resultados similares nas três tarefas (U= 25.5; p= 0.27 para a habilidade de deslocar-se em decúbito ventral; U= 25.5; p= 0.13 para o movimento de pernas e U= 31.0; p= 0.62 na habilidade de deslocar-se em decúbito dorsal). A Tabela 3 demonstra os resultados das tarefas referentes aos deslocamentos.
As tarefas 5 e 6 correspondem à entrada na piscina e mergulhos com partida da borda, respectivamente.
As crianças do grupo CFlut não apresentaram melhorias do pré para o pós-intervenção na tarefa de entrar na piscina (Z= − 1.26; p= 0.2), já o grupo SFlut apresentou melhorias (Z= − 2.103; p.= 0.03). Na tarefa de mergulhar partindo da borda, os dois grupos não apresentaram melhorias do pré para o pós-intervenção (Z= − 1.73; p= 0.08 para o grupo CFlut e Z= − 1.00; p= 0.31 para o grupo SFlut). Em ambas as tarefas os grupos demonstraram resultados similares nos dois momentos avaliativos (U= 34.0; p= 0.84 no pré-intervenção e U= 35.5; p.= 0.96 no pós-intervenção na Tarefa 5 e U= 36.0; p= 1 no pré-intervenção e U= 26.5; p= 0.21 no pós-intervenção na Tarefa 6 - Tabela 4).
Em relação à soma da pontuação das tarefas, ambos os grupos apresentaram melhorias significativas (Z= − 2.20; p= 0.02 para o grupo CFlut e Z= − 2.66; p= 0.008 para o grupo SFlut) e, ainda, ambos os grupos foram similares nos dois momentos de avaliação (U= 16.5; p= 0.06 no pré-intervenção e U= 27.0; p= 0.38 no pós-intervenção - Tabela 5).
DISCUSSÃO
A utilização de flutuadores como recurso em aulas de natação é controversa, por isso este estudo teve como objetivo verificar a influência do uso sistemático e regular de flutuadores/braçadeiras sobre o processo de aquisição das habilidades aquáticas em crianças de três anos de idade. Os resultados encontrados no presente estudo não demonstraram diferenças entre as duas estratégias de ensino quando os grupos foram comparados em relação à soma das seis tarefas, resultado que é suportado pelos achados de Parker et al. (1999), sobre a evolução do processo de aprendizagem do nadar, com e sem materiais auxiliares à flutuação e ao deslocamento entre crianças de 7 anos de idade. Entretanto, diferenças no presente estudo foram encontradas quando as tarefas representativas das habilidades aquáticas foram analisadas separadamente, com melhores resultados para as crianças que não utilizaram as braçadeiras.
Primeiramente, com relação às atividades que envolviam mergulho até o fundo da piscina (tarefa 1), tais como buscar materiais na base do redutor ou em locais mais profundos como o chão da piscina, professores tiveram que auxiliar as crianças do grupo CFlut na execução dessas atividades, durante as aulas, não durante os testes, empurrando-as até a base do redutor, já que o uso do material dificultou a submersão até o fundo da piscina. No entanto, mergulhos na superfície foram realizados independentemente do auxílio dos professores. Em ambos os grupos, o medo foi a dificuldade a ser superada pelas crianças, quanto a isso é importante citar os relatórios descritivos redigidos no início do período interventivo:
...algumas crianças ainda parecem tensas e embora permaneçam na aula sem problemas, estão rígidos ao deslocarem-se com os professores de um redutor ao outro e também ao se comunicarem com os colegas (registro 2 grupo com flutuadores).
Os alunos ainda preferem ficar próximos a borda, talvez porque este local deixe-os mais seguros, pois os que preferem estar próximos a borda, geralmente são aqueles que ainda estão mais inseguros em relação ao meio liquido (registro 6 - grupo sem flutuadores).
Apesar disso, o medo foi superado pelas crianças, afirmação justificada pelos resultados positivos encontrados em ambos os grupos quando da comparação entre o pré e o pós-intervenção. O uso dos flutuadores é defendido por Langerdorfer (1987) e Gama e Carracedo (2010) por diminuir os níveis de insegurança da criança. Assim, esperava-se que as crianças que faziam uso desse material apresentassem resultados superiores em relação ao processo de aprendizagem dos mergulhos, entretanto a ação dos flutuadores não parece ter gerado influência nessa situação, já que em ambos os grupos os resultados se mostraram similares.
Os resultados apresentados pelos grupos nas habilidades de deslocar-se em decúbito ventral (tarefa 2) e realizar movimento de pernas (tarefa 3) foram similares provavelmente devido à semelhança entre as habilidades testadas. Ambas envolviam deslocamentos na posição de decúbito ventral, a diferença é que na primeira foi observado também o movimento de braços. No entanto, segundo a concepção analítica para o ensino da natação (Catteau & Garoff, 1990), os braços são pouco utilizados para gerar propulsão no período inicial de aprendizagem, em função da exigência que o movimento simultâneo, de braços e pernas, impõe aos indivíduos iniciantes. Dessa forma, o teste prevê a utilização de braços na habilidade de deslocar-se em decúbito ventral a partir do quarto estágio de aprendizagem, o qual consiste em
deslocar-se com auxílio de material (espaguete) por uma distância de 60 à 90 cm. Remadas subaquáticas, sem efeito propulsivo caracterizam o movimento dos braços. As pernas realizam movimentos similares ao pedalar da bicicleta, fornecendo pouco efeito propulsivo. A cabeça é mantida acima da linha da água e o corpo em posição vertical (estágio 4 deslocar-se em decúbito ventral Escala de Erbaugh, 1981).
Nos estágios um e dois da habilidade de deslocar-se em decúbito ventral (tarefa 2), o movimento de braços não aparece como recurso propulsivo apresentado pela criança. Nesses estágios, elas se utilizam apenas do movimento das pernas. No terceiro estágio dessa habilidade o movimento de braços pode ou não aparecer. Portanto, as duas habilidades possuem estágios semelhantes no período inicial.
Em relação à diferença encontrada entre os grupos no período pré-intervenção (grupo CFlut melhor que grupo SFlut) nas habilidades de deslocar-se em decúbito ventral (tarefa 2) e movimento de pernas (tarefa 3), tomou-se o cuidado, na seleção dos participantes, para que as crianças não tivessem experiência prévia no meio líquido com o objetivo de reduzir as possibilidades de diferença inicial entre os grupos. Porém, sabe-se que o desenvolvimento do indivíduo é dependente de diversos fatores, como experiências adquiridas, motivação e maturação do sistema nervoso central (Parker et al., 1999). Esses fatores podem explicar as diferenças entre os indivíduos antes da intervenção.
A análise dos resultados do pós-intervenção, aliada aos resultados do pré-intervenção, sugere melhor aproveitamento das aulas por parte do grupo SFlut na habilidade de deslocar-se em decúbito ventral (tarefa 2), além disso, os resultados em relação ao deslocar-se em decúbito dorsal (tarefa 4) indicam que o grupo CFlut iniciou a intervenção em um nível de habilidade acima do grupo SFlut e, no período pós intervenção, o Grupo CFlut atingiu nível de habilidade abaixo do nível atingido pelo Grupo SFlut. Dessa forma, constata-se que a evolução alcançada pelo grupo SFlut foi, mais uma vez, maior do que a evolução alcançada pelo grupo CFlut.
Uma explicação para esse resultado pode estar relacionada à dificuldade de assumir a posição horizontal com o uso dos flutuadores (Catteau & Garoff, 1990; Xavier-Filho & Manoel, 2002). Isso ocorre porque o uso de braçadeiras diminui ainda mais a densidade da parte superior do corpo em relação aos membros inferiores, o que gera um desalinhamento entre centro de massa e centro de impulso. Essa situação, em relação ao corpo na água, gera (1) momento de força para baixo (peso dos membros inferiores) e (2) momento de força para cima (impulso sobre os flutuadores), que, em conjunto, acarretam em maior dificuldade para assumir a posição horizontal (Castro & Loss, 2010).
As crianças do grupo CFlut passavam longos períodos da aula em deslocamento e, apesar de haver intervenções constantes dos professores para que mantivessem cabeça e orelhas dentro da água nas posições de decúbito dorsal e ventral, as crianças distraíam-se e retornavam a cabeça para uma posição mais alta em relação à superfície da água. A utilização dos flutuadores permitiu às crianças desse grupo manter o corpo na superfície da água, embora em uma posição mais verticalizada, ou seja, proporcionou uma falsa flutuação. A posição verticalizada do corpo pode ter dificultado o desenvolvimento das habilidades de deslocamento, em que a flutuação é aspecto fundamental. Os resultados da presente pesquisa são corroborados pelos achados de Parker et al. (1999), os quais encontraram que o uso dos flutuadores desencadeou o aprendizado precoce dos nados, antes mesmo de as crianças conquistarem a independência no meio líquido. Catteau e Garoff (1990) também salientam que materiais facilitadores da flutuação podem atrasar o processo de conscencialização da flutuação.
Parker et al. (1999) ressaltam ainda o excesso de confiança gerado pelos flutuadores, que foi igualmente observado no presente estudo, sendo exemplificado através do trecho a seguir de um dos registros de aula:
Foi relatado por uma professora que duas crianças do grupo CFlut, ao estarem sentadas na borda para entrar na piscina, não se deram conta que estavam sem os flutuadores nos braços e se atiraram em direção a água. Rapidamente a professora viu e tratou logo de segurá-las. No entanto, foi discutido entre os professores que a utilização dos flutuadores durante as aulas causa uma falsa sensação de segurança na água, segurança que só existe em função de estarem com as boias e que isso pode ser perigoso quando estas crianças tiverem acesso a outros ambientes com piscina (registro 6).
Assim, este material potencializa os efeitos do meio sobre o corpo, restringindo o número de dificuldades que o indivíduo terá que vencer no período inicial da adaptação, entretanto é necessário esclarecer que a flutuação, nesse primeiro momento da aprendizagem, está condicionada ao uso dos flutuadores, por isso Parker et al. (1999) advertem sobre a necessidade de futuras pesquisas discutirem por quanto tempo os flutuadores devem ser utilizados sem que haja prejuízos para o processo de aprendizagem.
Durante a intervenção notou-se o comportamento diferenciado assumido pelos grupos em relação à flutuação e aos deslocamentos. Possivelmente, houve diferenças em relação à percepção das forças existentes no meio líquido, e, no caso do grupo CFlut, esta situação parece ter dificultado a aprendizagem de algumas habilidades. Diversos autores (Costa et al., 2012; Freudenheim, Gama, & Carracedo, 2009; Xavier-Filho & Manoel, 2002) ressaltam a importância do período de adaptação na aquisição de habilidades mais complexas. Vale destacar que às crianças do grupo CFlut foram oferecidas experiências de adaptação ao meio líquido da mesma forma que foram oferecidas ao grupo SFlut. Ocorreu que a condição imposta ao grupo SFlut possibilitou maior entendimento da necessidade desse tipo de atividade, enquanto a condição oferecida ao grupo CFlut possibilitou deslocamentos pela piscina sem a intervenção direta do professor e sem a adequada percepção das forças atuantes no meio líquido.
Castro e Loss (2010) salientam que a posição corporal verticalizada aumenta as forças de arrasto atuantes sobre o corpo em movimento na água. Para melhorar o deslocamento no meio aquático é importante minimizar as forças resistivas. Umas das maneiras de se fazer isso é diminuir a área corporal do indivíduo projetada no meio, em deslocamento, mantendo o corpo mais próximo da posição horizontal. Quando isso não é possível, como no caso do uso dos flutuadores, o indivíduo enfrentará dificuldades para deslocar-se no meio líquido.
É possível que a condição imposta ao grupo CFlut tenha provocado dificuldades também nos processos de aprendizagem das habilidades de mergulho e respiração, que são necessárias à tarefa de entrada na água (tarefa 5). Essas habilidades requerem que a criança se sinta confortável ao contato do rosto com o meio líquido, pois no momento em que se impulsiona e entra na água, inevitavelmente, a água entrará em contato com a face. Se a criança não tiver vivenciado com motivação e engajamento o período de adaptação, terá dificuldade em enfrentar tais situações.
Costa et al. (2012) compararam o processo de aprendizagem das habilidades aquáticas em duas situações distintas, piscina rasa e piscina funda. Professores de piscina funda evidenciaram maior preocupação em garantir a autonomia propulsiva na água, já os professores de piscina rasa tinham como prioridade o controle respiratório e os deslizes. Os autores concluíram que o grupo que praticou aulas em piscina rasa demonstrou melhor competência aquática que o grupo de crianças que praticou aulas em piscina funda. Os resultados de Costa et al. (2012) corroboram os resultados do presente estudo, já que em ambos, os grupos que apresentaram maiores níveis de competência aquática foram aqueles que apresentaram maior engajamento em habilidades próprias do período de adaptação.
Para Freudenheim, Gama, e Carracedo (2003), o período de adaptação ao meio líquido é importante para a conquista de estabilidade postural, autonomia motora e afetivo-social e adaptação dos órgãos sensoriais. Em outras palavras, esse período corresponde à preparação para o aprendizado de habilidades mais complexas. Em relação à habilidade de mergulhar de cabeça na água (tarefa 6), Freudenheim et al. (2003) defendem que deva ser enfatizada em um segundo momento, período de aprendizagem que as autoras denominam de fase de combinação de movimentos fundamentais. No período anterior, chamado de período de movimentos fundamentais, deve-se priorizar a variedade de experiências em relação aos saltos da borda. As experiências adquiridas no primeiro momento darão suporte para a aquisição dessa habilidade em níveis mais complexos. Como os participantes do estudo não tinham experiência no meio líquido, eles vivenciaram uma gama de experiências em relação aos saltos, para que, posteriormente, os saltos de cabeça passassem a fazer parte dos planos de aula, e isso só ocorreu a partir da décima aula.
Embora o grupo SFlut tenha demonstrado melhor aproveitamento em algumas habilidades ao final do período interventivo, é importante considerar a utilidade dos flutuadores no processo de aquisição das habilidades aquáticas em crianças que sentem medo da água. A água possui propriedades físicas que exigem completa reorganização dos sistemas para garantir o controle do meio e o uso de flutuadores é capaz de minimizar as dificuldades encontradas pelo indivíduo que desconhece as características do meio. Além disso, Langendorfer (1987), Gama e Carracedo (2010) e Pečaver et al. (2014) defendem que o uso de materiais torna o meio líquido mais atrativo, motivando a participação de crianças em aulas de natação. Parker et al. (1999) salientam que o uso dos flutuadores garante segurança e possibilita maior independência da criança em relação ao professor, quando este precisa dar atenção às outras crianças.
A motivação gerada pelo uso dos flutuadores fica evidente nesse trecho de um dos registros de aula:
Talvez para algumas crianças possa ser frustrante sentir-se incapaz de movimentar-se livremente no meio liquido e em relação a esse aspecto a possibilidade de movimentar-se independentemente de auxilio humano, mas apenas com a utilização de equipamentos auxiliares na flutuação seja um aspecto motivador da aprendizagem. (registro 1).
Embora o uso dos flutuadores, no presente estudo, tenha proporcionado benefícios aos aspectos psicoafetivos do desenvolvimento, também atrasou a conscientização da flutuação por parte dos aprendizes, dificultando o pleno desenvolvimento motor e cognitivo das habilidades aquáticas. Deste modo, a hipótese formulada para este estudo (uso dos flutuadores favorece o processo de aquisição das habilidades aquáticas) foi parcialmente confirmada, ao passo que ambos os grupos apresentaram evolução na aprendizagem, independente do uso de flutuadores. Porém, o grupo que não usou flutuadores apresentou melhores resultados nas tarefas de deslocamento e saltos, possivelmente pela aquisição de maior independência aquática.
CONCLUSÕES
O grupo sem flutuadores apresentou melhores resultados nas habilidades de deslocamento ventral, pernadas, deslocamento dorsal e saltos, embora essas diferenças não se tenham refletido na pontuação geral. Supõe-se que a ausência de flutuadores tenha possibilitado melhor percepção das forças atuantes no meio líquido. Mesmo assim, o uso de flutuadores não deve ser condenado no ensino da natação, mas considerado um material pedagógico auxiliar para momentos específicos do plano de ensino, já que contribui para minimizar dificuldades emocionais encontradas na relação de alunos iniciantes com o meio líquido. Talvez uma alternativa coerente para potencializar o processo de aquisição de habilidades aquáticas seria avaliar a utilização ao longo do tempo das duas estratégias de ensino, ou seja, utilizar materiais auxiliares à flutuação em apenas alguns momentos específicos da aula, alternando com momentos sem a utilização de materiais. Estes momentos de uso de flutuadores poderiam ser aqueles em que há maior número de crianças envolvidas nas atividades e durante os quais se deseja maior exploração do meio pelos alunos.
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Agradecimentos:
Nada a declarar
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Nada a declarar
Artigo recebido a 28.11.2015; Aceite a 09.04.2016
* Autor correspondente: UFRGS, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança. Rua Felizardo, 750, Jardim Botânico, 90690-200. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: rossanew@hotmail.com