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Motricidade
versão impressa ISSN 1646-107X
Motri. vol.15 no.1 Ribeira de Pena mar. 2019
https://doi.org/10.6063/motricidade.18220
NOTA DE INVESTIGAÇÃO
Competência Aquática: um valor acrescentado à Educação Básica
Jorge Campaniço1, Aldo M. Costa2,3,5, Nuno D. Garrido2,3,5, António J. Silva14,5[*]
1Departamento de Ciências do Desporto, Exercício e Saúde, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
2Departamento de Ciências do Desporto, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal
3Associação Portuguesa de Técnicos de Natação, Rio Maior, Portugal
4Federação Portuguesa de Natação, Cruz Quebrada, Portugal
5Centro de Investigação em Desporto, Saúde e desenvolvimento humano, Vila Real, Portugal
INTRODUÇÃO
Saber nadar não é uma aptidão natural (Langerdorfer, 2014). Trata-se inequivocamente de uma competência adquirida que permite ao sujeito realizar atos motores intencionais para se propulsionar através da água. Por essa razão a aplicação do termo “competência aquática” não é inócua, dado que conceptualmente reflete um estado de prontidão, que se revela pela autonomia, confiança e satisfação do sujeito no meio aquático. É, portanto, um pressuposto biocomportamental que serve de base para a posterior aprendizagem de outras habilidades aquáticas mais complexas e especializadas, entre as quais o nado clássico das quatro técnicas se resume apenas a uma parcela. Deste modo, a competência aquática deve ser considerada enquanto sistema dinâmico, complexo e dependente das relações que o sujeito estabelece com o contexto aquático envolvente. Isto terá importantes implicações no domínio da capacidade de percecionar riscos e perigos, na prevenção do afogamento - nadar no mar, no rio, numa piscina ou com roupa atribuem condicionalismos diferentes, e por inerência requerem níveis de proficiência motora aquática distintos.
Esta nota deflecte essa necessidade - reconhecer a importância da competência aquática em particular na população infantil Portuguesa. A justificativa inicia-se pelo reconhecimento da importância da experimentação de vivências, ação dos estímulos psico-motores durante a infância, salientando-se a importância da prática da natação, evocando: o seu “valor educativo”, enquanto exercício físico harmonioso, que conduz a benefícios significativos no desenvolvimento social, mental, emocional e motor da criança; o seu “valor no bem-estar e na saúde” pela importância em formar crianças fisicamente ativas, o que atribui uma menor probabilidade de ser tornarem cidadãos sedentários na vida adulta; o seu “valor social”, dado que a massificação da competência aquática constitui-se como uma medida direta para a diminuição do risco de afogamento, em particular junto das crianças, enquanto grupo etário de maior risco.
Importância do estímulo psicomotor e em particular no meio aquático para o desenvolvimento integral da criança
Atualmente existe suporte científico suficiente para admitir que um estilo de vida ativo em combinação com outros elementos relacionados com uma vida saudável pode beneficiar o bem-estar e a saúde. O determinante mais importante resume-se à qualidade, diversidade e níveis de grandeza, na regularidade de exercício físico moderado a intenso - parece consensual a noção de que quanto mais ativas são as crianças mais capazes e fisicamente aptas estarão. A longo prazo isso poderá ainda determinar uma menor probabilidade de a criança assumir um comportamento sedentário na vida adulta (Huotari, Nupponen, Mik-kelsson, Laakso & Kujala, 2011). Contudo parece existir uma dependência entre o desenvolvimento motor e a participação em atividades desportivas (Kambas et al., 2012), admitindo mesmo que um desenvolvimento motor insuficiente será inibitório da prática de exercício físico por parte da criança (e.g. Stodden et al., 2008; Williams et al., 2008).
Neste contexto, torna-se imperativo garantir experiências motoras relevantes, diversificadas, adequadas à idade e promovidas em contextos de práticas estimulantes. Urge cuidar da literacia motora das crianças e em particular a competência em habilidades motoras fundamentais. Estas são considerados blocos construtivos quer de um nível de aptidão física adequado na perspetiva da saúde, quer da aprendizagem de habilidades motoras específicas necessárias para as modalidades desportivas (Harrow, 1983; Tani, 1988). Assim, a prática desportiva orientada poderá assumir um papel catalisador pela oferta de experiências motoras que envolvam estímulos para o desenvolvimento das habilidades motoras fundamentais (Martins et al., 2015) e a sua posterior otimização ao contexto específico de cada modalidade desportiva. Durante a infância está igualmente facilitada a aquisição e a melhoria das habilidades motoras e, por inerência, o contacto com novas modalidades desportivas e diferentes contextos de prática, entre os quais destacamos a Natação e as destrezas aquáticas (Martins et al., 2015). De facto, variados autores (Blanksby, Parker, Bradley, & Ong, 1995; Pelayo, Wille, Sidney, Berthoin, & Lavoie, 1997) sugerem que o período ideal para iniciar a prática aquática é entre os 5 e os 6 anos de idade.
A educação aquática durante a infância permite a aquisição de novos padrões e comportamentos motores num contexto de prático distinto - o meio aquático. Para além da riqueza em estímulos psico-motores esta prática parece surtir efeitos claramente positivos no desenvolvimento motor global (Jorgensen, 2012; Martins et al., 2015; Paula & Belo, 2009; Rocha et al., 2017).
Outros trabalhos observaram efeitos da prática aquática ao nível do desenvolvimento neuromuscular e da capacidade funcional do sistema respiratório e cardiovascular (Zhao et al., 2005). Diversos autores (e.g. McManus & Kotelchuk, 2007; Welsh, Kemp & Roberts, 2005; Wicher et al., 2010) referem ainda efeitos coadjuvantes em diferentes níveis: atenuação de distúrbios do comportamento e do sono; anorexia; défices do desenvolvimento neuro psicomotor; hipotonias; distúrbios ortopédicos; neurológicos e respiratórios.
Mais recentemente (Jorgensen, 2012) demonstrou o efeito positivo e significativo da prática da natação (em comparação com a população em geral) no desenvolvimento intelectual, em particular da linguagem. Embora a qualidade do ensino seja determinante, é muito comum recorrer-se a experiências matemáticas na contextualização das tarefas (p.e. corresponder a contagem com ações motoras ou relacionar formas, cores e texturas com diversos desafios psicomotoras) seja qual a conceção pedagógica empregue. Com isto podemos afirmar que a criação de oportunidades formais de ensino da competência aquática oferece à criança uma cultura motora, desenvolvimento cognitivo e social que nos parece determinante na perspetiva do desenvolvimento integral da criança na sociedade.
Educação aquática enquanto medida preventiva direta no afogamento
De acordo com os relatórios mais recentes da WHO (2014), a terceira causa de morte em jovens e crianças (<15 anos) é o afogamento. Foram registados em 2013 cerca de 372.000 pessoas vítimas de afogamento no mundo, das quais mais 142.219 foram crianças e jovens com idade inferior a 15 anos. Na Europa os dados são igualmente inquietantes, com mais de 5,000 crianças que anualmente são vítimas de afogamento (WHO, 2014).
De facto, em Portugal, por exemplo, o número de casos fatais é preocupante. Segundo o Observatório do Afogamento (FEPONS, 2018), em 2017, observaram-se mais de 112 afogamentos, alguns identificados em diferentes planos de água, mar (36), rios (20), piscinas domésticas (5), tanques (3), poço (10), piscinas de hotel (2), praia marítima (9), barragens (9), entre outros, ocorrendo tanto com crianças como com adultos. Em 2018, foram contabilizados números igualmente preocupantes. Porém estes dados não abrangem os casos não declarados, nem os registos que resultam em hospitalização, apresentando normalmente prognósticos reservados.
O género masculino e particularmente as crianças constituem-se como os grupos de risco maior, nomeadamente por acidente em piscinas nas residências privadas (Laosee, Gilchrist, & Rudd, 2012).
Alguns relatórios (Branche, Dellinger, Sleet, Gilchrist, & Olson, 2004) evidenciam ainda um risco associado às minorias étnicas, sobretudo por fatores relacionados com o acesso a escolas de natação e o desejo (ou falta dele) em aprender a nadar ou participar em atividades desportivas e recreativas no meio aquático. Por isso são tão importantes as medidas preventivas que, por exemplo, sugerem o uso de barreiras físicas e o reforço da vigilância junto dos espaços aquáticos. Todavia estas medidas serão sempre indiretas, insuficientes e pouco sustentáveis - promover a competência aquática junto da população é, inequivocamente, a medida mais direta para evitar o afogamento. De facto, vão nesse sentido as evidências científicas mais recentes sobre a importância da competência aquática na redução do risco de afogamento em crianças (Brenner et al., 2009; Yang et al., 2007). Atualmente vários países europeus adotaram esse pressuposto na sua política educativa, implementando o ensino obrigatório de programas de educação aquática no âmbito dos planos curriculares para o primeiro ciclo do ensino básico (e.g. Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e mais recente o Reino Unido). Urge uma maior consciencialização política para reconhecer esse valor social da competência aquática em particular na população mais jovem.
Enquadramento curricular: uma visão integrada da competência aquática no quadro das atividades físicas e desportivas do 1º ciclo do ensino básico
A implementação de um programa de competência aquática só será eficaz se: (1) deixar de ter carácter facultativo e passar a ter um caráter obrigatório, inserido nos conteúdos das expressões físicas e motoras do 1º ciclo com maior pendor formativo; (2) a supervisão pedagógica ser operacionalizado pelo grupo de Educação Física de cada agrupamento de escolas;
(3) a implementação dos projetos pressupuser a organização local com agrupamentos de escolas, autarquias, clubes, associações e técnicos disponíveis os técnicos e creditados com título profissional estejam sob a supervisão do referido grupo disciplinar; (4) que haja um processo de avaliação concreto ao programa; (5) haja um processo de formação técnica contínua; (6) haja avaliação externa ao modelo.
Adaptando o modelo de análise das relações causa-efeito descrito por Ishikawa podemos destacar os principais fatores que interferem no desenvolvimento da competência aquática dentro da realidade escolar. São eles:
1. Recursos;
2. Políticas;
3. Legislação e;
4. Programas.
Iremos aprofundar, de acordo com a brevidade desta nota, apenas os programas de ensino da competência aquática.
Programa de ensino da competência aquática
Para além da importância de saber nadar no contexto global do desenvolvimento motor durante a infância, a competência aquática constitui-se como um aspeto vital para a sobrevivência, nomeadamente em contextos aquáticos desconhecidos e instáveis. Portanto, é importante que haja prevenção de afogamento inserido no ensino da natação, assegurando uma abordagem pedagógica cientificamente sustentada e coerente com as recomendações mais recentes para a diminuição do risco de acidente aquático (o estado atual não é admissível - um baixo índice de competência aquática em qualquer sistema de aprendizagem no âmbito escolar, ou dito de outra forma, “serão poucas as crianças que atualmente terminam o 1º ciclo do ensino básico com autonomia no meio aquático”).
Numa breve reflexão, particularmente sobre a realidade Portuguesa, podemos apontar várias razões para este facto: (1) não existe um programa orientador para o ensino da competência aquática; (2) não estão devidamente estabelecidos os critérios de aprendizagem por conteúdo de ensino; (3) as crianças têm idades e níveis de resposta heterogéneas e são em número demasiado elevado para um só professor; (4) o número de aulas geralmente proporcionado é insuficiente; (5) os conteúdos de ensino são repetidos ao longo do tempo sobretudo devido à ineficácia do modelo de organização do ensino;
(6) desenvolvem atividade pedagógica livre em vez de adquirir competências fundamentais; (7) outros.
O pendor formativo, mas “lúdico” dos programas deve ser analisado com parcimónia, pois o saber nadar é algo vital para a criança e existem várias alternativas formativas como veremos mais adiante. Neste campo é preciso que os programas aquáticos curriculares foquem objetivamente as competências terminais sem se perderem por estilos de ensino não diretivos e difusos. Tal como atrás referimos é igualmente fundamental dar espaço às competências de sobrevivência para responder à variedade dos contextos aquáticos (mar, rios, albufeiras, etc.) e melhorar a perceção de competência e do risco. Além disso, é necessário que os critérios de avaliação e a supervisão dos programas sejam implícitos e vinculativos ao currículo obrigatório, pois só assim se garante progressão na aprendizagem.
No sistema desportivo todo este processo técnico parece estar bem melhor orientado - existem documentos referenciadores, existem técnicos qualificados e creditados, e recentemente foram publicados programas com conteúdos bem delineados com a chancela da FINA (Barbosa et al., 2018). Quanto às restantes Federações desportivas que desenvolvem a sua atividade no meio aquático, sugere-se uma maior articulação e cooperação, promovendo uma formação mais abrangente e completa, privilegiando o diálogo e a troca de experiências, abrindo espaço para novas realidades pedagógicas para o desenvolvimento da competência aquática. Neste contexto e para dar resposta a esta realidade, entendemos por competência aquática no âmbito do ensino básico, “a prontidão da criança em resolver um qualquer problema que depare no meio aquático em perfeita autonomia, numa situação sem pé”.
Este conceito evoca o sentido de sobrevivência, da segurança na água, dos comportamentos ajustados ao meio por uma rápida prontidão e adaptabilidade da resposta que sejam reveladores de um domínio motor complexo, tudo em perfeita harmonia com a água, nos planos superficial, médio ou profundo. Podemos facilmente avaliar o conjunto de comportamentos que definem esta conduta aquática, no final, com uma simples apreciação visual, quando se observa uma criança numa zona da piscina sem pé, realizando um percurso simplificado de tarefas, interligadas entre si, devendo evidenciar um conjunto de soluções, deslocando-se autonomamente e de forma proficiente com a devida perícia e em perfeita harmonia com a água.
Por outro lado, se considerarmos a multiplicidade de problemas específicos que se colocam no meio aquático, por consequência da prática das diferentes modalidades de lazer e desportivas tanto aquáticas como de ondas e náuticas, a complexidade do desempenho pode e deve projetar-se num programa educativo nos seus elementos pedagógicos essenciais, oferecendo ao currículo experiências motoras ricas e diversificas, metodologicamente coerentes, com uma perspetiva desenvolvimentista da aprendizagem.
Para respondermos a este desafio, como um todo, temos que entender a “conduta aquática” como uma competência de base, composta por quatro níveis comportamentais. Como forma de ilustração, consideremos uma esfera composta por camadas interligados entre si. As aprendizagens essenciais evidenciam-se a partir do seu núcleo, num acrescendo de sucessivas de experiências motoras, adquirindo um desempenho progressivo e sustentado que promove uma competência aquática multifacetada, em responda às mais diversas situações e contextos de prática (figura 1).
Tendo este modelo de referência, apresentamos nas subsecções seguintes o perfil do programa com a respetiva justificação para a hierarquia comportamental proposta, deixando a devida liberdade de ajustar os conteúdos, tarefas e estratégias pedagógicas, incluindo as componentes críticas a valorar em cada nível de aquisição, perante as realidades particulares de cada contexto, quer em termos de ambiente escolar, quer em termos das características e dos constrangimentos do meio envolvente.
Projeto pedagógico
Objetivos gerais
Os objetivos gerais do programa constam na tabela seguinte.
Perfil de competências e sequência de comportamentos - 1º ano de escolaridade
No 1º ano, a maioria das crianças tem grande dificuldade em adaptar-se às condições da piscina, em particular vestir-se de forma autónoma, sentir-se confiante com a equipa técnica e sentir-se à vontade no espaço aquático, entre outros constrangimentos. Portanto, no 1º ano é onde se vivenciam as primeiras aprendizagens e se incutem movimentos base, os futuros alicerces da competência aquática.
Esta fase - o núcleo da esfera - é decisiva, pois responde à aprendizagem estruturada, partindo da aquisição da confiança e sentido de segurança, mediante a qual a criança passará a sentir a relação que estabelece entre o corpo e a água e como controla o seu corpo neste novo meio. Nesta fase, com o sentido básico do movimento no meio aquático, a criança liberta-se dos apoios plantares e explora as primeiras imersões. A estratégia pedagógica passa por dissociar as partes essenciais do corpo (cabeça, tronco, pernas e braços) de modo que o corpo não funcione como um bloco, para além de levar a criança a colocar a cabeça na água controlando a apneia. Este será um meio para ajudar a perceber a “magia da força de impulsão” e, com isso, contribuir para a conquista do sentido de segurança e conforto quando se relaxa na água, mesmo que não controle ainda o equilibro de forma perfeita em todos os seus movimentos. Depois disso, com movimentos mais ativos a partir do batimento de pernas, o ensino é orientado para a conquista do alinhamento horizontal e estabilidade postural, uma peça chave para aprender a propulsionar-se autonomamente neste novo meio. Somente aqui devem iniciar a respiração aquática e, assim, aprender a inverter o mecanismo respiratório, através da expiração nariz-boca e uma inspiração pela boca, no mais curto espaço de tempo, sem perturbar o alinhamento corporal. Nesta fase da aprendizagem, recorre-se ao batimento de pernas em extensão completa. Estimula-se ainda os primeiros saltos, a partir de uma posição de apoio sentado e entrada com os pés.
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A apneia e imersão de olhos abertos são os dois comportamentos iniciais a adquirir que vão facilitar futuras aquisições. O passo seguinte é vivenciar os equilíbrios instáveis-estáveis através da progressiva construção da posição horizontal, com e sem apoios de equipamento flutuante, ou mesmo pistas fixas tensas, ou instáveis, com recurso à apneia curta e aos impulsos das mãos em apoio, aos deslizes e batimentos de pernas em extensão. Esta sucessiva combinação de tarefas conduz-nos até ao terceiro comportamento chave - o alinhamento horizontal em extensão. Outras tarefas a levar a cabo devem promover o domínio do equilíbrio de forma dinâmica, de modo a consolidar a estabilidade postural, uma questão importante para a evolução dos alunos. Sugerem- se, neste âmbito, as rotações sobre o eixo longitudinal que criam oscilações que o aluno terá de contrariar de forma dinâmica e as situações de equilíbrio (“flutuação”), com e sem material. Podem também ser incluídos exercícios expiratórios assocados a formas lúdicas alternativas, usando equipamentos, jogos, explorando as dificuldades individuais, levando à libertação dos apoios plantares dos alunos com mais dificuldades, favorecendo o alcance da autonomia propulsiva rudimentar.
O critério de êxito global aponta para uma aquisição objetiva de 60% dos comportamentos chave, demostrada em percursos que constituirão o exercício-critério para a avaliação geral. Os restantes 40% deverão consegui-lo com apoio de material ou com o apoio do monitor dentro de água. Um problema poderá colocar-se: estarmos a lidar com crianças de 6 anos em regime escolar, sendo previsível que, por vezes, só se conseguirá um docente por grupo, para desenvolver a atividade.
Perfil de competências e sequência de comportamentos - 2º ano de escolaridade
No 2º ano - a segunda camada da esfera - é o período onde se consolidam as aprendizagens dos movimentos fundamentais do 1º ano, onde se disciplina o grupo de trabalho para as aprendizagens chave e se integram os alicerces da competência aquática.
Esta fase, tendo em conta o reforço da base inicial, passa por integrar diversos elementos fundamentais dos programas de natação, tais como: os ritmos respiratórios, as diversas formas de equilíbrio, a conquista do movimento por ações dos braços e pernas, o deslize longo, a imersão perlongada, ações combinadas de pernas e braços e estes com a inspiração-expiração, o salto (que começa a ser desenvolvido com pequenos impulsos e rotações), a conquista de novos planos de água (médio e profundo), a execução de todo tipo de rotações sobre eixos corporais e, por fim, o desenvolvimento das combinações dos elementos aprendidos em percursos complexos. Com efeito, procura-se colocar as diferentes “peças de um puzzle”, para, nas fases seguintes, se colocar na ordem certa todos os elementos para, atendendo aos regulamentos técnicos, se promover o domínio básico das técnicas desportivas alternadas. É nesta fase que a criança aprende, também, a manter-se e deslocar-se na posição vertical, pois, ao explorar diferentes formas de impulsos de pernas, fica a saber sustentar-se nessa posição com os ombros na linha de água, algo importante para os jogos na água e para muitas das atividades náuticas, inclusive salvamentos.
No segundo ano de escolaridade exige-se um trabalho de otimização do alinhamento horizontal associado ao comportamento chave desta fase - as ações de pernas em formas variadas, sejam elas alternadas em extensão ou a exploração de movimentos simétricos. Procurar-se-á também explorar a posição horizontal, dorsal e ventral, em alinhamento perfeito, e a posição vertical, perpendicular à linha de água, sem apoio. Na figura 3, a zona verde representa o trabalho complementar ao equilíbrio e propulsão. O ensino começa com um trabalho expiratório ativo boca-nariz, para garantir movimentos perfeitos da cabeça sem perda de alinhamento corporal.
Na sequência das aprendizagens da 1ª fase, introduzem-se os deslizes longos associados a rotações sobre o eixo longitudinal e transversal, comportamentos chave para o corpo transitar entre posições horizontais, ou verticais, com facilidade e segurança. Outro comportamento chave é o nado alternado de pernas e braços aproximado aos estilos crol e costas, com as ações de braços em perfeita extensão na recuperação, um comportamento decisivo para a qualidade da propulsiva na água por diminuição do arrasto. De novo são exploradas as rotações sobre todos os eixos, de forma que o corpo mantenha estabilidade tanto horizontal como vertical. As séries respiratórias são associadas a outras tarefas, para se otimizar a sincronização e movimentos expiratórios-inspiratórios com os nados alternados, levando o aluno até outro comportamento chave - o controlo respiratório dentro do ciclo gestual - aqui visto de uma forma rudimentar. O trabalho termina com ações propulsivas de pernas típicas dos estilos alternados, com particular qualidade nas trajetórias e impulsos gerados pelas mãos, além de destrezas aquáticas associadas às imersões, com ações complexas combinadas. Abre-se também espaço para novas formas lúdicas e jogos, nos finais das aulas.
É importante respeitar o caráter hierárquico da proposta pedagógica, identificando quando o grupo/turma pode passar para o comportamento seguinte. Os critérios de êxito gerais são o domínio dos comportamentos por cerca de 80% da turma, salvaguardando formas de compensação para os alunos que apresentam maiores dificuldades em resolver o que fica para trás.
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Nesta fase, orientamos o ensino para as técnicas de nado simultâneas e para alguns exercícios de sobrevivência, reforçando as competências básicas de salvamento, são elas: o equilíbrio aquático, vulgarmente conhecido por “flutuabilidade/flutuação”, a imersão, a orientação debaixo de água, o nadar de costas, o mergulhar de cabeça, competências já resolvidas nas duas primeiras fases. São acrescentados dois comportamentos decisivos para a competência aquática que servem o conceito “economia do nado”, adquirida através de um domínio elementar de técnicas alternadas, vistas como “destrezas motoras que vão ajudar a relaxar mais o corpo na água, dando fluidez aos movimentos em geral” e o domínio da posição vertical associada a tarefas complexas, algo importante para a sobrevivência nos desportos de mar.
Em termos de programa, a criança, nas primeiras aulas, relembrará as aquisições anteriores - os movimentos alternados - para, em seguida, começar a otimizar posturas horizontais e verticais, a respiração e a propulsão. É decisiva, para a progressão, a organização e disciplina do grupo-turma.
Olhando para a terceira camada da esfera (figura 6), o programa orienta-se para as perícias, para novos comportamentos técnicos, conforme o regulamento desportivo e para o aperfeiçoamento do que foi anteriormente adquirido, agora com a execução de gestos mais económicos, o que é essencial em termos de sobrevivência e também para a proficiência das técnicas alternadas. Consoante os recursos disponíveis, podem e devem existir aulas explorando percursos ou circuitos, onde se exploram destrezas em diferentes planos de água (superficial, médio e profundo), com e sem materiais, focadas para a diminuição do risco de afogamento, como por exemplo: tirar calçado ou roupa, sem apoio. Esta abordagem é motivadora para as crianças e pedagogicamente eficaz e contribui para o desenvolvimento da resistência específica. O espírito de entreajuda e de grupo deve ser igualmente explorado, pelo que se sugere a inclusão de jogos aquáticos como o polo aquático, o hóquei subaquático, ou outras soluções consoante os recursos disponíveis.
Tal como observamos na figura 4, o primeiro comportamento chave é o movimento ondulatório com o corpo, “tipo golfinho”, para dar posterior sequência à progressiva construção de movimentos simultâneos das técnicas de nado, envolvendo ações de pernas e braços e respiração, configurando as técnicas de mariposa e bruços. Exploram-se rotações verticais em torno do eixo longitudinal para esquerda e direita, associadas a deslocações para a frente e para trás, movimentos usados em polo aquático, além das rotações horizontais do tipo enrolamento à frente (cambalhota), ou combinações entre elas, junto à parede, associadas a impulso com deslize. Também são exploradas as rotações sobre o eixo longitudinal associadas às técnicas de nado crol e costas. Neste conjunto de destrezas englobamos ainda a transição da posição vertical para horizontal e vice-versa, sem pôr os pés no fundo. Com o domínio destas ações, o aluno está apto para combinar ações de vários estilos para ganhar destreza na água. Tudo isto é reforçado por tarefas complementares com tempos inspiratórios e outras envolvendo as técnicas com a respiração. Também é dada particular atenção às formas de recuperação dos braços. O critério de êxito global aponta para uma aquisição efetiva de 50% dos comportamentos chave no 3º ano e o restante no 4º ano, com um aperfeiçoamento dos programas iniciais, demostrados já em percursos para avaliação geral. No final destes dois programas curriculares, podem e devem experienciar provas desportivas concelhias e distritais, pois é uma das soluções para as turmas interagirem ou os alunos mais hábeis se evidenciarem.
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Os programas aquáticos, na quarta e última camada da nossa esfera, assentam numa aprendizagem consolidada dos conteúdos anteriores, orientando-se para o ensino complexo das técnicas simultâneas, uma forma de aumentar a destreza aquática e sensibilidade de nado. A experiência pedagógica do professor é determinante, nesta fase, onde se constroem ações propulsivas e recuperação das técnicas de mariposa e bruços em torno de um movimento ondulatório (tipo golfinho) de forma sincronizada. Trata-se de um jogo de coordenação, um apelo ao sentido sinestésico e sensibilidade da criança, auxiliado por um treino complexo para obter os tempos corretos dos movimentos. Também é nesta fase que se evolui para as destrezas complexas e se combinam com atividades dentro e fora da piscina (rios, mar, etc.). Aprende-se um conjunto de tarefas básicas de salvamento. Tudo isso dependerá da interação com a comunidade civil e desportiva (Associações de Nadadores Salvadores e Socorros a Náufragos, Bombeiros, Federações desportivas, etc.), pelo que se abrir cooperação entre ações de sensibilização nos programas escolares curriculares e atividades extracurriculares de verão.
Avaliação da qualidade do programa
É imprescindível conhecer em que medida se cumprem os objetivos previstos, no tempo previsto e com os recursos previstos, pois um programa de Educação Física deve ser organizado e avaliado. No essencial, entendemos que é imprescindível prever duas dimensões de avaliação: a avaliação do produto, expresso em termos de sucesso dos alunos no que se refere à competência aquática adquirida; a avaliação do processo, que corresponde ao acompanhamento da atividade letiva propriamente dita, com impacto direto no redireccionamento do processo ensino-aprendizagem. Uma avaliação objetiva pode ajudar a decisões estratégicas decisivas para ajustar os programas em cada região para que aumente o sucesso educativo.
Avaliação do produto
Na tabela 6 constam as competências, as componentes críticas e os critérios de êxito a valorizar ao longo das 4 etapas do programa (1º ao 4º ano de escolaridade).
Avaliação do processo
A avaliação do processo é desenvolvida ao longo do ciclo de aprendizagem recorrendo às aulas intermédias, com recurso à supervisão pedagógica. Nesta fase, estão previstos 25 comportamentos base, divididos pelos ciclos de avaliação do processo. A avaliação é do tipo nominal (0 - não realiza/ 1 - realiza), salvaguardando cálculos de rácios diversos que permitem efetuar a avaliação contínua, quer das competências do aluno, quer para se ajustar o programa.
Lembramos que os processos de aprendizagem envolvem imensas questões de ordem pedagógica e didática que não são mencionados aqui. Procuramos sublinhar a abrangência do conceito de competência aquática, recorrendo a um processo hierarquizado de competências; devemos ainda estar cientes das diferenciações de conteúdos que podem existir por agrupamento (para se chegar um mesmo comportamento), assim como das características individuais de cada criança que determinam ritmos distintos de aprendizagem. Esta abordagem desenvolvimentista do ensino é algo que os agrupamentos podem salvaguardar a partir de um programa nacional orientador, que deverá ser flexível no modo de organização, mas suficientemente prescritivo para detalhar a intervenção, clarificando:
· Para quem se destina a atividade;
· A planificação objetiva dos resultados de aprendizagem a alcançar em cada fase de ensino;
· O tutorial pedagógico por nível de escolaridade;
· O levantamento dos recursos implicados;
· A perspetiva temporal do programa;
· As fases de aplicação e de avaliação do programa;
· O modelo de formação dos quadros técnicos para a necessária uniformização pedagógica;
· A supervisão pedagógica;
· A aferição global do programa por comissão técnica nacional externa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Qualquer afogamento é sempre uma situação grave, sendo especialmente chocante quando se trata de crianças em idade escolar, pois a sua morte não é natural. Assim, deixamos uma frase chave para reflexão, “uma só morte por falta de competência aquática não é justificável em nenhum país desenvolvido”. Naturalmente, isto requer a interação de muitas instituições, especialistas e, em especial, o consenso político sobre a relevância da competência aquática - um comportamento social de inequívoco valor para a proteção da vida, da integridade física e do enriquecimento físicomotor. A capacidade de juridicidade natural que nos assiste enquanto cidadãos, leva-nos a defender, por isso, a educação aquática como um Direito Natural do homem.
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Agradecimentos: Associação Portuguesa de Técnicos de Natação e Federação Portuguesa de Natação
Conflito de interesses: Nada a declarar
Financiamento: Nada a declarar
Artigo recebido a 22.11.2018;
Aceite a 27.01.2019
[*]Corresponding Author: Complexo Desportivo da UTAD, Quinta de Prados, 5000 Vila Real, Portugal.
E-mail: ajsilva@utad.pt