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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.15 no.1 Ribeira de Pena mar. 2019

https://doi.org/10.6063/motricidade.18132 

ARTIGO DE REVISÃO

Efeitos do exercício físico nas autoperceções no domínio físico de jovens adolescentes: uma revisão sistemática com meta-análise

Effect of Exercise in young adolescents Physical Self-Perceptions: a systematic review with meta-analysis

Larissa R. Silva1,4[*], Joice F. Stefanello2, Wendell A. Lopes3, José Pedro L. Ferreira4, Neiva Leite1

1Pós-graduação em Educação física. Núcleo de qualidade de Vida. Universidade Federal do Paraná.

2Pós-graduação em Educação física. Laboratório de Pesquisa em Psicofisiologia do Exercício e Esporte- LAPPES. Universidade Federal do Paraná

3Pós-graduação em Educação Física. Núcleo de Estudos Multiprofissional da Obesidade - NEMO. Universidade Estadual de Maringá

4Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física-FCDEF/UC. Laboratório de Psicologia. Universidade de Coimbra


 

RESUMO

O objetivo foi realizar revisão sistemática sobre os efeitos de programas de exercício físico ao nível das autoperceções no domínio físico de jovens adolescentes e comparar a magnitude do efeito utilizando meta- análise. Foi realizada busca nas bases Pubmed e PsychInfo, considerando o período de janeiro de 2005 a maio de 2015, com os seguintes descritores em inglês: “exercise”, “adolescents”, “physical self perception”, “self concept”. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 10 artigos. Após a avaliação da qualidade metodológica dos estudos, somente 7 foram incluídos na meta-análise. As análises foram realizadas utilizando o software informático Comprehensive meta-analysis versão 2.2. A maioria dos estudos compreendeu programas multidisciplinares e variou quanto ao tipo de exercício. A prática de programas de intervenção com exercício físico teve um efeito positivo ao nível das autoperceções no domínio físico de jovens adolescentes, quando comparados aos sujeitos do grupo controlo (nenhum exercício), sendo a magnitude do efeito de Z=3.44 (p≤0.001). No entanto, mais estudos são necessários para confirmar os efeitos isolados do exercício face ao modo como os adolescentes se veem a si mesmos no dominio físico, bem como o tipo de exercício físico que apresenta um maior potencial gerador desses efeitos.

Palavras-chave: exercício físico, autoconceito físico, adolescentes, meta-análise.


 

ABSTRACT

The aim of this study was to perform a systematic review on the effects of exercise programs on adolescent´s Physical Self-perceptions and compare the magnitude of the effect using a meta-analysis. A search in Pubmed and PsychInfo databases was conducted ranging from January 2005 to May 2015 and using the following keywords in English language: “exercise”, “adolescents”, “physical self-perception”, “self-concept”. After the application of inclusion and exclusion criteria, 10 articles were included in the review, however only seven were included in the meta-analysis after assessing the methodological quality of the studies. The meta-analysis was conducted using the Comprehensive meta-analysis version 2.2. software. The majority of studies included multidisciplinary programs, however, they used different types of exercise. Physical exercise intervention programs had a positive effect on young adolescents self- perceptions in the physical domain when compared to the subjects in the control group (no exercise) and the magnitude of the effect was Z = 3.44 (p≤0.001). However, more studies are needed to confirm the isolated effects of exercise on the way that teenagers perceive themselves in the physical domain, and about the type of exercise that has the greatest potential to generate these effects.

Keywords: exercise, physical self-concept, adolescents, meta-analysis.


 

INTRODUÇÃO

O autoconceito é, em conjunto com a sua componente avaliativa autoestima, um dos principais elementos para a construção da percepção do “Eu” (Harter, 1999). O autoconceito desdobra-se em diferentes domínios, tais como físico (Fox, 1997), social (Shavelson, Hubner, & Stanton, 1976), pessoal e relacional/emocional (Leary, 2003). Enquanto, o autoconceito é definido como a perceção que o individuo tem de si mesmo (Marsh, Byrne, & Shavelson, 1992), a autoestima é compreendida como a componente avaliativa do autoconceito, ou seja, o grau de perceção mais ou menos favorável que o indivíduo tem de seu “Eu” (Ferreira, 2006a), que é interpretada como o somatório das avaliações de diferentes domínios do “Eu”.

Pesquisas no âmbito das ciências sociais e do comportamento humano têm-se focado na avaliação do autoconceito (Hagger, 2005; Maôano, Ninot, & Bilard, 2004) devido à sua relação com o bem-estar psicológico (Cross, Gore, & Morris, 2003; Terjestam, Jouper, & Johansson, 2010) e ao facto de constituir um importante mediador comportamental (Harter, 1999). Algumas teorias foram desenvolvidas com o objetivo de identificar e compreender os diferentes componentes do “Eu” (Fox, 1997). O modelo hierárquico e multidimensional do autoconceito de Shavelson, Hubner e Stanton (1976) é o consensualmente mais utilizado, defendendo que a autoestima global do individuo é construída a partir da organização hierárquica de domínios específicos e é o resultado dos efeitos combinados das diferentes dimensões e sub-dimensões existentes na base do modelo (Fox & Corbin, 1989; Fox, 1988).

O domínio físico, caracterizado por autoperceções sobre elementos relacionados com o corpo e com as habilidades físicas, tem sido amplamente investigado tanto pelas ciências sociais (Hayes, Crocker & Kowalski, 1999; Knowles, Niven, Fawkner & Henretty, 2009; Maôano et al., 2004) quanto pela psicologia relacionada à atividade física/exercício (Hagger, 2005; Mak & Day, 2010) suscitando o desenvolvimento de teorias comportamentais ou motivacionais relacionados ao exercício físico (Fox, 1989).

Pesquisas demonstram que a fase da adolescência, caracterizada por importantes mudanças nas expectativas no âmbito das relações sociais, compreende um processo dramático de transição no desenvolvimento do autoconceito e da autoestima. Adolescentes com baixa autoestima são mais propensos à autolesões (Claes, Houben, Vandereycken, Bijttebier, & Muehlenkamp, 2010) e a sintomas depressivos (Adewuya & Ologun, 2006). Alguns estudos demonstram que adolescentes que estão envolvidos em práticas de atividade física extracurricular têm maior autoconceito físico comparativamente aos que não participam (Bauman et al., 2012; Daley, 2002; Rodriguez & Audrain-McGovern, 2005).

De um modo geral, o exercício físico tem sido relacionado com melhorias nos níveis de autoperceção física de adolescentes (Lloyd- Richardson et al., 2012; Velez, Golem, & Arent, 2010), no entanto, nem todos os estudos confirmam esses efeitos (Lindwall & Lindgren, 2005; Tsang, Kohn, Chow, & Singh, 2013). Deste modo, ainda não é totalmente claro e consensual aceitar os efeitos da participação em programas de intervenção com exercício físico na melhoria das autoperceções físicas, em jovens adolescentes. O objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão sistemática sobre os efeitos de programas de intervenção com exercício físico ao nível das autopercepções físicas em jovens adolescentes e comparar a magnitude do efeito utilizando a meta-análise.

MÉTODO

O desenho metodológico utilizado no presente estudo teve por base uma revisão sistemática realizada de acordo com as recomendações teóricas sugeridas por Moher et al. (2009). A busca bibliográfica realizou-se nas bases de dados Pubmed, LILACS, Scielo e PsychInfo. A seleção dos descritores baseou-se no Mesh (Medical Subject Headings) e contemplou os seguintes descritores em inglês: “exercise”, “adolescents”, “physical self perception”, “self concept”, combinados das seguintes formas: 1) physical self perception + adolescents + exercise, 2 “self concept” + adolescents + exercise. A busca foi feita sem restrição de campo (all fields). Consideraram-se as publicações no período de janeiro de 2005 a Maio de 2015. Dois investigadores, em duplicado, realizaram a busca em ambas as bases de dados confrontando, no final da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, os artigos encontrados. Em caso de desacordo, os artigos foram revistos, conjuntamente, pelos investigadores.

Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: 1) somente artigos originais em língua inglesa; 2) estudos que apresentaram resumo 3) estudos realizados com crianças e/ou adolescentes; 4) estudos que realizaram avaliação das autoperceções no domínio físico; 5) estudos que realizaram intervenção com exercício físico, 6) estudos que possuíam grupo de controlo. A exclusão de estudos que não contemplaram a utilização de grupo de controlo e que não realizaram intervenção com exercício físico deveu-se objetivamente à necessidade de verificar o efeito do exercício físico nas autopercepções no domínio físico.

Em cada etapa da busca, os estudos que não contemplaram os critérios acima foram excluídos (Figura 1). No final identificámos 10 artigos que foram inicialmente incluídos na pesquisa. Os estudos selecionados foram, em seguida, analisados quanto à sua qualidade metodológica através da aplicação da escala de PEDro (Moseley, Maher, Herbert, & Sherrington, 1999), originalmente constituída por 11 critérios de avaliação da qualidade metodológica dos estudos. Apenas dez dos onze critérios avaliados receberam pontuação (Maher et al., 2003), ficando a primeira questão sem pontuação atribuída. Todos os estudos que não cumpriram um mínimo de 4 critérios foram excluídos da meta-análise for falta de qualidade metodológica, porém serão descritos na revisão inicial global dos estudos. A cotação atribuída à qualidade dos artigos foi realizada, de forma independente, por dois investigadores. As dúvidas surgidas foram analisadas em conjunto pelos investigadores, e em caso de discordância utilizada a opinião de um terceiro investigador.

 

 

Análise estatística

A meta-análise foi realizada utilizando o software estatístico Comprehensive Meta-analysis Versão 2.2. Para a seleção dos estudos, observaram-se cuidadosamente possíveis vieses que pudessem prejudicar os resultados apresentados para cada um dos estudos. A homogeneidade e Bias foram verificadas por meio de visualização da assimetria do grafico de dispersão em formato de funil (Egger et al., 1997), foi considerado sem viés de publicação quando o grafico apresentava um funil invertido (Higgins & Green, 2008). A diferença de medias foi calculada para cada estudo com base nas informações das médias pré e pós intervenção, número de participantes e desvio padrão, usando o modelo de efeitos randomizados para medir o tamanho do efeito (effect size) foi utilizado um intervalo de confiança (CI) de 95%. Os resultados foram inseridos e apresentados de forma a avaliar também a heterogeneidade (Chi2 e p<0,05) e a inconsistência (I2) para cada conjunto de dados (Higgins, Thompson, Deeks, & Altman, 2003).

RESULTADOS

Na busca eletrónica realizada, foram identificados 1482 artigos. Após as primeiras etapas de seleção, relativas à leitura dos títulos e dos resumos e à identificação dos artigos repetidos em ambas as bases, foram excluídos 1356 artigos, permanecendo um total de 136 artigos rastreados. Destes, e após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados um total de 10 artigos sendo que seis foram publicados nos últimos cinco anos (Gates et al., 2012; Lloyd-Richardson et al., 2012; Morgan, Saunders, & Lubans, 2012; Tsang et al., 2013; Velez et al., 2010), com o mais recente publicado no ano de 2013 (Tsang et al., 2013) e oito foram publicados em revistas com fator de impacto superior a 1,50 (Daley et al., 2006; George et al., 2011; Jelalian et al., 2006; Lindwall & Lindgren, 2005; Lloyd-Richardson et al., 2012; Morgan et al., 2012; Tsang et al., 2013; Velez et al., 2010). A amostra variou quanto à faixa etária e à nacionalidade dos participantes. Um estudo incluiu adultos jovens (Lindwall & Lindgren, 2005), dois foram realizados apenas em crianças (Benson, Torode & Fiatarone Singh, 2007; Gates et al., 2012), seis apenas em adolescentes (Daley et al., 2006; Jelalian et al., 2006; Velez et al., 2010; Lloyd-Richardson et al., 2012; Morgan et al., 2012; Tsang et al., 2013) e um estudo contemplou ambas as populações (George et al., 2011).

Quanto à nacionalidade dos estudos, cinco estudos foram realizados com amostras norte americanas (Jelalian et al., 2006; Velez et al., 2010; George et al., 2011; Gates et al., 2012; Lloyd-Richardson et al., 2012), dois com amostras europeias (Daley et al., 2006; Lindwall & Lindgren, 2005) e três com amostras de crianças e adolescentes australianas (Benson et al., 2007; Morgan et al., 2012; Tsang et al., 2013) (Tabela 1). A maioria dos estudos integrava amostras de ambos os sexos, com exceção de um que avaliou apenas meninos (Morgan et al., 2012) e outro apenas meninas (Lindwall & Lindgren, 2005). Dois estudos foram realizados em crianças e adolescentes com autismo, síndrome de Down e paralisia cerebral (George et al., 2011; Gates et al., 2012).

 


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Os instrumentos utilizados na avaliação das autopercepções no domínio físico variaram nos estudos analisados. Os questionários mais utilizados foram: Children's and Youth Physical Self-Perception Profile (CY-PSPP) em quatro estudos (Daley et al., 2006; Jelalian et al., 2006; Velez et al., 2010; Morgan et al., 2012), o Harter Self Perception Profile for Adolescents-SPPA em dois estudos (Jelalian et al., 2006; Tsang et al., 2013), a Piers-Harris Children’s Self-Concept Scale em dois estudos (Gates et al., 2012; George et al., 2011), o Physical Self-Perception Profile (PSPP) num estudo (Lindwall & Lindgren, 2005) e um último estudo que não identificou a metodologia e o instrumento utilizados.

A prescrição e o tipo de exercícios utilizados foram igualmente diferentes entre os estudos. A maioria dos estudos compreendeu programas multidisciplinares, os quais envolviam atividades de orientação nutricional e psicológicas, além da intervenção com exercício físico (Jelalian et al., 2006; Lindwall & Lindgren, 2005; Lloyd- Richardson et al., 2012; Morgan et al., 2012). As atividades aeróbias estiveram presentes em cinco estudos (Daley et al., 2006; George et al., 2011; Jelalian et al., 2006; Lindwall & Lindgren, 2005; Lloyd-Richardson et al., 2012), o exercício de resistência em quatro estudos (Benson et al., 2007; Gates et al., 2012; Morgan et al., 2012; Velez et al., 2010) e um estudo envolveu artes marciais como exercício de intervenção (Tsang et al., 2013).

Os estudos apresentaram programas de intervenção que variaram entre 8 e 24 semanas, com uma frequência semanal de 2 a 3 vezes e com uma duração de 30 a 60 min por sessão de treino. Apenas dois estudos especificaram o controlo de intensidade do exercício durante o treino, um utilizou o controlo do percentual de frequência cardíaca durante o treino (Daley et al., 2006) e o outro utilizou uma escala subjetiva de esforço (Benson et al., 2007).

Tendo por base os resultados da avaliação da qualidade metodológica dos estudos em análise, decorrentes da aplicação da escala de PEDro (Moseley et al., 1999), três estudos foram excluídos da meta-análise, dois por apresentarem pontuação inferior a quatro na escala de PEDro (Benson et al., 2007; George et al., 2011) e um por incluir na amostra crianças e adolescentes com paralisia cerebral (Gates et al., 2012). Neste último caso, tal decisão deveu-se ao fato de o estudo englobar crianças e adolescentes com deficiência física, potencialmente geradora de autoperceções especificas desta população (Ferreira, 2006b), e susceptíveis de provocar um viés quanto aos efeitos do exercício físico.

A homogeneidade dos estudos foi verificada através da visualização do gráfico de funil (Figura 2). Dos sete estudos analisados, apenas um se apresentou fora da área de plotagem, o que assegura uma boa homogeneidade dos estudos analisados, não se verificando indícios relevantes em termos de viés de publicação.

 

 

A figura 3 mostra os resultados do estudo comparativo entre os indivíduos pertencentes aos grupos de treino (A) e de controlo (B) dos sete estudos incluídos na meta-análise. Após a inserção dos valores de média e desvio padrão relativos a cada um dos grupos em análise, foram gerados os valores de significância através da comparação entre grupos, além da diferença das médias, do intervalo de confiança e do valor de z- score. O estudo que apresentou maior magnitude do efeito foi o realizado por Lindwall et al. (2005) com um peso relativo de 17.52, seguido pelo estudo de Lloyd-Richardson et al. (2012) com 16.81 e Morgan et al. (2012) com 16.63. Os valores obtidos demonstram ainda a existência de diferenças significativas em quatro dos estudos analisados, Jelalian et al. (2006), Lloyd- Richardson et al. (2012) e Morgan et al. (2012) com valores de p<0.01 e Velez et al., (2010) com valores de p≤ 0.05. Os restantes estudos, Lindwall et al. (2005), Daley et al. (2006) e Tsang et al. (2013) não apresentaram diferenças significativas.

 


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No que se refere aos resultados obtidos por ambos os grupos [treino e controlo] foi identificada uma diferença de médias de 0.605, o que significa que em média, os indivíduos do grupo de treino apresentaram valores médios mais elevados que os indivíduos do grupo controlo, em quatro dos sete estudos analisados. Estes estudos foram selecionados a partir de um universo de possíveis estudos definidos pelo conjunto de critérios de inclusão e de exclusão anteriormente descritos. O intervalo de confiança para a diferença das médias é de 0.261 a 0.950, o que significa que a diferença de médias no universo dos estudos poderá cair num valor qualquer dentro desta amplitude de variação. Por outro lado, esta amplitude de variação não inclui a diferença de zero, o que significa que a verdadeira diferença de médias é provavelmente diferente de zero. O valor de Z para testar a hipótese nula [que a diferença de médias é 0.0] é 3.444 com o correspondente valor de p≤0,001, pelo que podemos rejeitar a hipótese nula, segundo a qual o exercício físico (exercício versus controlo) não tem qualquer impacto nos resultados relativos ao modo como os jovens se veem a si mesmos no domínio físico e aceitar a hipótese alternativa que evidencia os efeitos positivos ao nível das autoperceções no domínio físico, decorrentes da participação dos jovens em programas regulares de exercício físico.

 

 

A estatística de Q foi utilizada com o objetivo de testar a hipótese nula segundo a qual todos os estudos em análise partilham uma magnitude de efeitos comum. Se todos os estudos partilharem o mesmo effect-size, os valores esperados de Q seriam iguais ao número de graus de liberdade (N-1). O valor de Q é 19,009 com 6 graus de liberdade e com um valor de p=0,004. Assim sendo, não é possível rejeitar a hipótese nula segundo a qual o verdadeiro effect-size é idêntico em todos os estudos. A variação observada cai dentro do intervalo que poderia ser atribuível ao erro da amostra, sendo que a estimativa da variância nos verdadeiros efeitos não é zero, como surge refletidos nos resultados estatísticos seguintes. A estatística de I2 indica qual a proporção da variância observada reflete as diferenças nos verdadeiros effect-sizes, em vez de no erro da amostra. Na presente meta-análise o valor de I2 é de 65,436 (65,44%). O T2corresponde à variância dos verdadeiros effect-sizes, sendo na presente meta-análise igual a 0,140. Por último, o valor de T corresponde ao desvio padrão dos efeitos verdadeiros, sendo na presente meta- análise igual a 0,374.

Com base no número de estudos (N=7), no ponto estimado dos efeitos randomizados (random-effects point estimate) (0,605), na variância dos efeitos randomizados (random-effects variance) (0,031) e no T2 (0,014), procedeu-se ao cálculo do intervalo de predição (prediction interval). Foram obtidos valores de 0,261 a 0,950, o que significa que a amplitude expectada no que se refere à diferença da média entre os adolescentes que integraram programas de exercício físico regular e os adolescentes que não realizaram exercício (controlo) varie entre 0,26 e 0,95 pontos.

DISCUSSÃO

A presente revisão sistemática teve por objetivo verificar o efeito dos programas de exercício físico sobre as autopercepções no domínio físico de adolescentes por meio de meta- análise. Os resultados demonstraram que existe um efeito positivo da intervenção com exercício físico sobre o modo como as crianças e os adolescentes veem a si mesmos no domínio físico. A maioria das pesquisas foi publicada nos últimos cinco anos, em revistas com fator de impacto, o que demonstra o interesse dos investigadores na relação entre a prática do exercício físico regular e o autoconceito físico de adolescentes. No entanto, os efeitos do exercício podem variar de acordo com a prescrição e o tipo de exercício utilizado (Daley et al., 2006; Morgan et al., 2012; Tsang et al., 2013).

Nos estudos analisados a metodologia de intervenção mais frequente utilizava programas multidisciplinares que envolviam, além do exercício, orientações nutricionais e psicológicas (Jelalian et al., 2006; Lindwall & Lindgren, 2005; Lloyd-Richardson et al., 2012; Morgan et al., 2012). Para além disso, um dos estudos incluia a realização de uma dieta hipocalórica (Lloyd- Richardson et al., 2012). Este fato representa um fator limitante quanto às conclusões sobre o efeito isolado do exercício físico, visto que as mudanças nutricionais e psicológicas podem influenciar a melhoria das autoperceções físicas (Stevens et al., 2003; Franko et al., 2008; Melnyk et al., 2009) em crianças e jovens adolescentes.

Outro componente importante da prescrição dos programas de exercício físico é a sua duração. Os estudos que apresentaram maior magnitude de efeito apresentaram durações do programa de exercício físico superiores a 12 semanas (Lindwall & Lindgren, 2005; Lloyd-Richardson et al., 2012; Morgan et al., 2012). Isto sugere que intervenções com maior duração parecem ser mais efetivas para a ocorrência de alterações nas autoperceções no domínio físico, em jovens adolescentes. Estes resultados podem estar associados às mudanças físicas decorrentes da participação em programas de exercício físico, como seja a redução do peso e da gordura corporal (Davis et al., 2012; Lee et al., 2012) assim como da melhoria das capacidades físicas (Davis et al., 2012; Farris, Taylor, Williamson, & Robinson, 2011), a qual é mais evidente em programas com maior duração temporal (Atlantis, Barnes, & Singh, 2006).

Em estudos de caráter transversal, diferentes estudos apontam para o facto de as autoperceções no domínio físico variarem em função do sexo, tanto em adultos (Fox & Corbin, 1989) como em crianças e adolescentes (Bernardo & Matos, 2003; Whitehead, 1995), porém na adolescência essas diferenças são mais aparentes (Harter, 1999; Hayes, Crocker, & Kowalski, 1999; Maôano et al., 2004). No entanto, não se identificou, até o momento, um estudo de caráter longitudinal que tenha analisado o efeito do exercício físico nas autopercepções no domínio físico de acordo com o sexo. Nos estudos analisados, somente dois estudos levaram esta questão em consideração, pois incluíram na sua amostra apenas um dos sexos (Lindwall & Lindgren, 2005; Morgan et al., 2012). Este fator pode mascarar os efeitos do exercício, visto que as pesquisas têm demonstrado que as meninas são mais críticas quanto as suas percepções de atração corporal e de competência do que os meninos (Bernardo & Matos, 2003; Hayes et al., 1999; Whitehead, 1995; Fox & Corbin, 1989).

As limitações do presente estudo incluem o número reduzido de estudos incluídos na meta- análise e a heterogeneidade dos desenhos de intervenção, o que inviabilizou a subdivisão da meta-análise por tipo de exercício utilizado durante a intervenção. Além disso, e dada a natureza dos estudos selecionados, não foi possível identificar o efeito isolado do exercício físico visto que a maioria dos estudos incluíram outras terapias associadas. Mais pesquisas são necessárias para confirmar os efeitos isolados do exercício físico nas autoperceções no domínio físico de jovens adolescentes, assim como, qual o efeito dos diferentes tipos de exercício neste grupo por sexo.

Na adolescência, fase que é marcada por grandes mudanças físicas e de relações sociais, os benefícios promovidos pelos programas multidisciplinares com exercício físico na autoestima e autoconceito podem proporcionar aos adolescentes melhor bem estar psicológico, o que poderia reduzir a presença de sintomas depressivos nesta população Sugere-se que as intervenções com exercício físico apresentem durações maiores, visando melhores efeitos sobre a saúde física e mental dos adolescentes.

CONCLUSÕES

Com base nos resultados da meta-análise podemos afirmar que os programas de intervenção com exercício físico melhoraram as autoperceções no domínio físico de jovens adolescentes. No entanto, não é possível especificar o efeito isolado do exercício físico, uma vez que os diferentes estudos analizados utilizaram programas multidisciplinares, nos quais o exercício físico era uma das estratégias de intervenção utilizadas. Da mesma forma, não se pôde identificar se o sexo influencia no efeito do exercício físico sobre as autoperceções físicas de adolescentes.

 

REFERÊNCIAS

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Agradecimentos: Leite é bolsista de produtividade do CNPq. Ferreira é especialista em metanálise. A CAPES por financiar Silva com bolsa de estágio de doutorado no exterior, viabilizando este trabalho com a parceria UFPR e FCDEF-UC.

Conflito de Interesses: Nada a declarar.

Financiamento: Nada a declarar

 

Artigo recebido a 09.01.2018; Aceite a 27.12.2018.

 

[*]Autor correspondente: Departamento de Educação Física- Universidade Federal do Paraná. Endereço: Rua Coração de Maria, 92, Jardim botânico, CEP 80215-370 - Curitiba, Paraná, Brazil Email: larisilva99@yahoo.com.br

 

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