INTRODUÇÃO
O gengibre (Zingiber officinale) é uma erva amplamente utilizada na medicina, principalmente na Chinesa. (Jiang et al., 2006). Dentre os possíveis benefícios para a saúde, a suplementação tem sido associada ao melhor controle glicêmico e proteção contra comorbidades relacionadas ao diabetes tipo 2 (Li, Tran, Duke, & Roufogalis, 2012). Devido a sua capacidade termogênica, o gengibre tem sido usado como suplemento para induzir a perda de peso em homens com sobrepeso (Mansour et al., 2012). Wang, Ke, Bao, Hu, and Chen (2017) revisaram 10 ensaios clínicos e mostraram que a ingestão de ~2g/dia resulta em diminuição da massa corporal e IMC em indivíduos obesos e com sobrepeso. Em uma metanálise recente, Macit, Sözlü, Kocaadam, and Acar-Tek (2019) também observaram que a suplementação resulta em diminuição do IMC em obesos. De acordo com Iwasaki et al. (2006), ratos que ingeriram gengibre (5mmol/L) apresentaram maior ativação enzimática dos receptores de potencial transitório vanilóide tipo 1 (TRPV1), que é responsável pelo aumento da secreção de adrenalina. Além disso, especula-se que a suplementação também controle o apetite por meio da regulação da serotonina. De fato, a suplementação aguda (~2g/dia) em 10 homens com sobrepeso resultou em menor ingestão alimentar, fome e maior termogênese induzida por dieta (Mansour et al., 2012).
A suplementação de gengibre também foi testada durante o exercício físico, porém os protocolos foram direcionados ao potencial efeito analgésico (Wilson, 2015). Matsumura, Zavorsky, and Smoliga (2015) observaram que a suplementação de 4g/dia por 5 dias pode auxiliar na recuperação pós exercício de força. A revisão sistemática de Wilson (2015) mostrou que a ingestão de ~2g/dia resulta em uma dor ligeiramente menor após o exercício excêntrico. No entanto, não há um efeito claro da suplementação sobre a absorção de oxigênio, metabolismo, frequência cardíaca e avaliação do esforço percebido. Embora estudos tenham observado efeito no controle do IMC, acredita-se que o efeito pode ser potencializado se houver interação entre suplementação e exercício (Bergstrom et al., 2014). No entanto, no melhor de nosso conhecimento, nenhum estudo realizou medições metabólicas em indivíduos suplementados com gengibre antes, durante e após o exercício aeróbio. Os resultados do presente estudo podem abrir uma nova linha de pesquisa que pode apoiar o uso do gengibre como um auxiliar termogênico associado ao exercício. Diante do exposto, este estudo investigou o efeito agudo da suplementação de gengibre (3g) sobre o metabolismo antes, durante e após uma sessão de exercício aeróbio de 30 minutos. Nós hipotetizamos que a suplementação terá um efeito maior nas medidas espirométricas quando comparada ao placebo.
MÉTODOS
Desenho Experimental
Este é um protocolo de estudo transversal randomizado duplo-cego cruzado. Onde estudantes universitários do sexo masculino foram submetidos a um protocolo de exercício sob duas condições, na primeira coleta de dados, metade dos participantes foi aleatoriamente designada para o Gengibre e os demais para a condição Placebo. As condições foram revertidas na segunda coleta (48 horas após a primeira). Ambos os ensaios compreenderam o seguinte protocolo: a) ingestão de dieta padrão e cápsulas (gengibre ou placebo); b) após 3 h; realizou-se as medidas de linha de base com duração de 30 minutos; c) 30 minutos de exercício aeróbio entre 75-85% da FC Reserva; d) imediatamente pós-exercício foram realizadas por 60 min a medida do gasto energético em recuperação. Para a análise estatística; as medidas pós-exercício foram separadas em dois blocos: imediatamente (0-30 min) e pós-exercício tardio (30-60 min). Durante a linha de base, exercício e pós-exercício realizou-se a espirometria. Os participantes foram instruídos a se hidratar ad libitum durante as coletas de dados. Este protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade em que foi realizado (Parecer nº 4.366.750). Os procedimentos experimentais são apresentados na Figura 1.
Participantes
Inicialmente, contatamos os alunos do bacharelado em educação física da mesma universidade onde os dados foram coletados. Para o cálculo do tamanho da amostra utilizaram-se estudos anteriores que investigaram a suplementação de gengibre (Black, Herring, Hurley, & O'Connor, 2010; Matsumura et al., 2015) estimou-se o tamanho mínimo de amostra com base na resposta do VO2rel e TMR. Para atingir o poder estatístico de 80%, calculamos uma amostra mínima de 11 sujeitos para chegar a uma diferença de 3,0 ml/kg e 400,0 Kcal (TMR) ao se comparar as condições (software Granmo 5.2, IMIM, Barcelona, Espanha). Para participar do presente estudo, os seguintes critérios de inclusão foram seguidos: a) ser classificado como muito ou moderadamente ativo pelo Questionário internacional de atividade física (Guedes, Lopes, & Guedes, 2005); b) não apresentar nenhum tipo de lesão osteomioarticular que afete a capacidade de corrida e; c) não fazer uso de nutrientes termogênicos como cafeína e efedrina. Foram excluídos aqueles que: a) não completaram todas as fases do estudo; b) aqueles que houve falha do equipamento durante a aquisição de dados e; c) não seguiram a dieta prescrita. De um total de 65 alunos, 16 manifestaram interesse em participar do estudo, destes 14 compareceram à avaliação inicial e realizaram a primeira coleta, entretanto, 2 não participaram da segunda coleta, assim, a amostra final foi composta por 12 universitários do sexo masculino (idade: 22,8±3,3 anos; massa corporal: 79,4±12,5 kg; estatura: 1,8±0,1 m; IMC: 25,4±3,0 kg/m2 e 16,9±3,1% de GC).
Antropometria, prescrição dietética e protocolo de suplementação
Todos os participantes foram submetidos à avaliação antropométrica realizada por um avaliador experiente, utilizando o padrão ISAK da International Society for the Advancement of Kinanthropometry (Marfell-Jones, Stewart, & De Ridder, 2012), a massa corporal foi medida com precisão de 100g. (balança Filizola®, São Paulo, Brasil), a estatura foi medida com precisão de 0,1 cm (estadiômetro Sanny®, São Paulo, Brasil), a massa corporal e a estatura foram utilizadas para calcular o IMC. A composição corporal foi estimada indiretamente por dobras cutâneas (adipômetro Cescorf®, São Paulo, Brasil) através da equação para homens de Jackson and Pollock (1978).
Para a realização dos ensaios, os participantes foram orientados a manter sua dieta habitual e jejum por 3 horas, evitando beber álcool, café ou ingestão de termogênicos por 72 horas. No dia do teste, oferecemos uma dieta padronizada para eliminar a interferência dietética nos resultados (Mansour et al., 2012). Foram consumidos um sanduíche de pão integral com presunto, uma bebida achocolatada (Ibituruna®, Brasil) e uma maçã média. Essa refeição foi baseada nas preferências alimentares e foi calculada para atingir entre 400-500 Kcal (software Diet-Win 4.0, Porto Alegre, Brasil), apresentando características normoglicêmicas, normoprotéicas e normolipídicas. A carga glicêmica também foi calculada. A ingestão dietética prescrita foi realizada em ambas as coletas. Durante todo o período, os participantes responderam um recordatório alimentar, aqueles que ingeriram 10% acima ou abaixo do prescrito foram excluídos da amostra final.
Para o presente protocolo, foi suplementada uma única dose de gengibre (Ginger Root®, Now Nutrition, Bloomingdale, EUA) em cápsulas. Cada participante ingeriu 6 cápsulas contendo (500mg). O placebo foi preparado na Faculdade de Farmácia da mesma Universidade da coleta de dados e tinha a mesma cor, cheiro e sabor das cápsulas de gengibre. A randomização foi realizada por um pesquisador que não fez parte da coleta de dados, garantindo assim o aspecto duplo-cego do experimento.
Espirometria
Para a espirometria, seguimos o protocolo padronizado recomendado por (Miller et al., 2005). Para essas medidas, usamos um analisador de gases respiração-a-respiração online (Metalyzer 3BR2, Cortex, Leipzig, Alemanha). Na linha de base e pós-exercício 1 e 2, os participantes permaneceram deitados e as seguintes variáveis foram medidas: taxa metabólica de repouso (TMR), consumo de oxigênio (VO2), produção de dióxido de carbono (VCO2), quociente respiratório (QR), proteína (PRO), carboidrato (CHO) e oxidação de gordura. No momento do exercício foram VO2, equivalentes ventilatórios para oxigênio (relação VE/VO2) e dióxido de carbono (relação VE/VCO2), relação de troca respiratória (RER) e ventilação minuto (VE).
Análise estatísitica
A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e homocedasticidade. Quando foi detectada a presença de outliers, os valores extremos foram substituídos pela média. ANOVA de duas vias (condição X momento de medida) com post-hoc de Bonferroni foi aplicada para detectar possíveis diferenças. Utilizou-se o teste de esfericidade de Mauchly para validação das medidas repetidas e a correção de Greenhouse-Geisser foi aplicada quando necessário. ANOVA de uma via foi usada para verificar a diferença entre as medidas do exercício. Eta-quadrado (η2) foi usado para estimar a magnitude dos efeitos. Para análise do η2 consideraram-se os pontos de cortes ≤0,12 como pequeno, ≥0,13 como médio e ≥0,26 grande de acordo com as sugestões de Bakeman (2005). Em todas as análises, p<0,05 foi usado como nível de significância (SPSS, 20,0).
RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta os resultados da espirometria nos momentos basal e pós-exercício. Para o VO2 houve um efeito isolado de momento de medida (F1,24=75,56; p≤0,001; η2=0,88), onde as médias observadas no pós-exercício 1 foram significativamente maiores do que a Linha de Base (p≤0,001; IC95%=-0,1, -0,07), e Pós-exercício 2 (p≤0,001; IC95%= 0,03, 0,06), e pós-exercício 2 apresentou média mais alta quando comparada à Linha de Base (p≤0,001; IC95%=0,02, 0,06).
Variável | Condição | Linha de base | Pós-exercício 1 | Pós-exercício 2 | Eta-quadrado (η2) |
---|---|---|---|---|---|
VO2 (mL/Kg/min) | Gengibre | 33,7±5,8 | 35,1±10,1a | 34,9±6,0b | 0,88 |
Placebo | 33,4±3,7 | 34,6±5,3a | 34,9±4,8b | ||
VCO2 (mL/Kg/min) | Gengibre | 33,4±5,0 | 35,0±8,4a | 34,9±5,1b | 0,76 |
Placebo | 33,5±3,8 | 34,6±5,1a | 34,7±6,0b | ||
QR | Gengibre | 1,0±0,1 | 1,1±0,1a | 1,0±0,1 | 0,748 |
Placebo | 1,0±0,1 | 1,0±0,1a | 1,0±0,1 | ||
PRO (g) | Gengibre | 26,8±2,9 | 32,8±5,2a | 29,2±5,3b | 0,872 |
Placebo | 26,3±3,0 | 33,5±4,2a | 30,6±4,2b | ||
CHO (g) | Gengibre | 454,6±149,0 | 621,9±106,9a | 480,6±120,5 | 0,719 |
Placebo | 436,0±133,3 | 604,9±158,2a | 472,6±143,6 | ||
FAT (g) | Gengibre | 48,1±52,1 | 31,4±36,1c | 41,3±44,2 | 0,361 |
Placebo | 51,4±40,7 | 45,0±43,2c | 73,7±58,7 | ||
TMR (Kcal) | Gengibre | 2426,9±274,2 | 2982,1±466,9a | 2632,3±448,1b | 0,862 |
Placebo | 2377,6±304,7 | 3041,6±396,5a | 2753,4±377,1b |
Nota: a p≤0,001 para este momento de medida vs. linha de base e pós-exercício 2; b p≤0,024 para este momento de medida vs. linha de base. c p=0,009 para este momento de medida vs. pós-exercício 2.
A Figura 2 mostra as medidas espirométricas durante o exercício.
Observou-se um efeito isolado de momento de medida para o VCO2 (F1,24=71,99; p≤0,001; η2=0,76), onde as médias observadas no pós-exercício 1 foram significativamente maiores que a linha de Base (p≤0,001; IC95%=0,08, 0,13) e pós-exercício 2 (p≤0,001; IC 95%=0,05, 0,09). O momento pós-exercício 1 apresentou maior média quando comparada à linha de base (p=0,002; IC95%=0,01, 0,05).
Para o QR observou-se efeito isolado do momento de medida (F1,24=31,123; p≤0,001; η2=0,748), onde as médias observadas no pós-exercício 1 foram maiores quando comparadas à linha de base (p=0,024; IC95%=0,01, 0,09) e pós-exercício 2 (p≤0,001; IC95%= 0,04, 0,09).
Para o catabolismo dos macronutrientes, foi observado um efeito isolado do momento de medida para PRO (F1,24= 71,313; p≤0,001; η2=0,872), onde as médias observadas no pós-exercício 1 foram maiores quando comparadas à linha de base (p≤0,001; IC95%= 5,07, 8,11) e pós-exercício 2 (p≤0,001; IC95%= 2,21, 4,36). Efeito isolado semelhante do momento de medida foi observado para a variável CHO (F1,24= 26,911; p≤0,001; η2=0,719), onde as médias observadas no pós-exercício 1 foram maiores quando comparadas à linha de base (p≤0,001; IC95 %= 101,4, 234,9) e pós-exercício 2 (p≤0,001; IC95%= 80,6, 192,9). Para a gordura, observou-se efeito isolado para o momento de medida (F1,24=5,93; p=0,009; η2=0,361), onde as médias observadas no pós-exercício 1 foram menores quando comparadas ao pós-exercício 2 (p=0,009; IC95% =-48,95, -6,24).
Para a TMR foi observado um efeito isolado para momento de medida (F1,24=65,683; p≤0,001; η2=0,862), onde as médias observadas no pós-exercício 1 foram maiores quando comparadas à linha de base (p≤0,001; IC95%= 466,2, 752,9) e pós-exercício 2 (p≤0,001; IC95%= 219,4, 418,7), e as médias observadas no pós-exercício 2 foram maiores quando comparadas à linha de base (p≤0,001; IC95%= 154,8; 426,3). Não foram observadas diferenças entre as condições para VO2 (F1,24=0,036; p=0,85; η2=0,02), VE/VO2 (F1,24=0,099; p=0,75; η2=0,03), VE/VCO2 (F1, 24=1,17; p=0,29; η2=0,1), VE (F1,24=0,138; p=0,71; η2=0,021) e RER (F1,24=1,73; p=0,2; η2=0,03).
DISCUSSÃO
Em uma metanálise recente, Macit et al. (2019) observaram que a suplementação de gengibre aumenta o gasto energético e pode ajudar no controle do peso. No entanto, mais estudos são necessários para entender melhor a dosagem e a duração do efeito. No melhor de nosso conhecimento, este estudo foi o primeiro a testar o efeito da suplementação aguda de gengibre no metabolismo antes, durante e após um exercício aeróbio de 30 minutos. Os principais resultados indicaram que houveram diferenças entre os momentos de medida para TMR, VO2, VCO2, PRO, CHO, QR e gordura, onde as médias observadas no pós-exercício 1 foram diferentes daquelas obtidas na linha de base e pós-exercício 2. Ademais, durante exercício nenhuma diferença foi observada entre as condições de gengibre ou placebo. Os presentes resultados não corroboram estudos anteriores (Atashak, Peeri, Azarbayjani, & Stannard, 2014; Attari, Ostadrahimi, Jafarabadi, Mehralizadeh, & Mahluji, 2016; Ebrahimzadeh Attari, Asghari Jafarabadi, Zemestani, & Ostadrahimi, 2015; Mansour et al., 2012). De acordo com Macit et al. (2019), a maioria dos estudos investigando o efeito da suplementação de gengibre no metabolismo foram realizados em modelos animais, além disso, há uma heterogeneidade de princípios ativos, período de administração e dosagens que levam à heterogeneidade dos resultados.
Estudos indicaram que o gengibre induz termogênese para ativação via TRPV1, aumentando a secreção de adrenalina (Iwasaki et al., 2006), possivelmente causado pela ação do 6-gingerol, que demonstrou aumentar o catabolismo lipídico e a bioatividade do GLUT-4 (Li et al., 2012). Pouco se sabe sobre o efeito concomitante do gengibre e exercício físico no metabolismo. Os poucos estudos publicados, os protocolos enfocaram o exercício mais a suplementação contra a inflamação (Afzalpour, Nayebifar, Kazemi, Abtahi-Eivary, & Mogharnasi, 2016; Atashak et al., 2014; Karimi, Roshan, & Bayatiyani, 2015; Nayebifar, Afzalpour, Kazemi, Eivary, & Mogharnasi, 2016) e dor (Matsumura et al., 2015). Semelhante aos nossos resultados, dois estudos encontraram apenas efeito isolado do protocolo de treinamento no VO2, porém, o catabolismo lipídico elevado foi observado após suplementação crônica associada ao treinamento intervalado de alta intensidade (Afzalpour et al., 2016; Nayebifar et al., 2016). Na verdade, as principais variáveis medidas neste estudo mostraram apenas um efeito isolado do exercício, o que é comumente observado em sessões agudas de exercício aeróbio moderado (Gillette, Bullough, & Melby, 1994; Melanson et al., 2002; Sheffield-Moore et al., 2004).
Possivelmente, o tempo de intervenção contribuiu para a ausência de efeito do gengibre, pois, em nossa revisão os estudos que observaram alterações metabólicas foram crônicos (Attari et al., 2016; Ebrahimzadeh Attari et al., 2015; Maharlouei et al., 2019). Porém, diferentemente dos nossos resultados, Mansour et al. (2012) em um protocolo agudo, observaram que a suplementação de gengibre (2g) resultou em menor QR e maior catabolismo de gordura. Outro fator pode ser a diferença entre participantes, onde nosso estudo incluiu sujeitos eutróficos e os demais foram com sobrepesados. (Maharlouei et al., 2019; Mansour et al., 2012) e obesos (Attari et al., 2016; Ebrahimzadeh Attari et al., 2015; Maharlouei et al., 2019). Estudos futuros devem investigar o efeito crônico do exercício aeróbio associado à suplementação.