INTRODUÇÃO
No cenário mundial, países desenvolvidos e em desenvolvimento têm passado por um processo de transição demográfica (Melo et al., 2017). A população que, em sua maioria, era constituída por jovens vem sendo substituída por um contingente cada vez mais significativo de idosos (Simões, 2016). Grande parte deste processo deve-se à redução das taxas de fecundidade e mortalidade (World Health Organization, 2015). Tal padrão também pode ser observado na população brasileira. No ano de 2013 o país era o sétimo colocado mundial em número de idosos. Já para o ano de 2050 estima-se que o Brasil ocupe a quinta posição (Miranda et al., 2016).
O processo de envelhecimento gera alterações que podem ser fisiológicas ou patológicas (Chagas & Rocha, 2012). Sabe-se que o avanço da idade acarreta a redução do metabolismo e, consequentemente, a diminuição da capacidade de adaptação do organismo a fatores estressores, devido às disfunções neuromusculares, desregulação neuroendócrina e imunossupressão (Khan et al., 2017). Fatores de riscos como tabagismo, alcoolismo, obesidade, dislipidemia, hábitos alimentares inadequados, sedentarismo, causas psicossociais e genéticas, intensificam os efeitos das perdas fisiológicas decorrentes da idade (Fhon et al., 2018). Além disso, o envelhecimento tem grande impacto sobre a musculatura esquelética, podendo ocorrer progressiva e generalizada perda de massa e força muscular, condição conhecida como sarcopenia (Cruz-Jentoft et al., 2010). O envelhecimento também está associado ao aumento de doenças crônicas, as quais possuem grande impacto negativo na saúde e capacidade física dos indivíduos, sendo importante destacar doenças como o diabetes tipo 2, que associado ao envelhecimento aumenta em 17 vezes a chance de quedas (Pijpers et al., 2012)
Os eventos de queda normalmente são definidos como uma situação em que o indivíduo inesperadamente fica no solo ou em outro nível inferior, excluindo situações em que muda de posição intencionalmente (World Health Organization [WHO], 2007). As quedas são um dos maiores problemas de saúde pública mundial da atualidade relacionada à pessoa idosa (Chang & Do, 2015), pois o incidente de queda, quando não leva ao óbito, reduz a capacidade funcional e a independência, prejudicando a qualidade de vida, além de elevar os custos de hospitalização (Costa et al., 2011).
Aproximadamente 1 a cada 3 idosos acima de 65 anos de idade sofrem pelo menos uma queda a cada ano, sendo que a prevalência de eventos aumenta gradativamente, podendo chegar a 50% após os 80 anos (Araújo et al., 2014). Na população idosa, as mulheres possuem maior prevalência de quedas do que os homens (Cruz et al., 2017; Leitão et al., 2018). Entretanto, devido sua etiologia ser multifatorial, torna-se difícil estabelecer um único fator de risco para a ocorrência de quedas (WHO, 2010).
Considerando que as quedas ocorrem como resultado de uma interação complexa entre fatores de risco intrínsecos e extrínsecos (WHO, 2010) e que é de fundamental importância o planejamento de intervenções visando a prevenção de quedas na população idosa (Portela & Lima, 2018), se torna necessário investigar a frequência de quedas e os seus fatores associados no ambiente da atenção básica do sistema público de saúde. É na atenção básica, especificamente por meio da Estratégia de Saúde da Família, que é possível promover ações de promoção da saúde pautadas nas necessidades e demandas singulares do território de atuação, uma vez que é nesse ambiente que é possível estratificar riscos para a saúde da população (Ministério da Saúde, 2017). Desta forma, o objetivo da presente pesquisa foi avaliar o histórico de quedas e investigar as condições de saúde e fatores de risco para ocorrência de quedas em idosos nas unidades da Estratégia de Saúde da Família (ESF) em Governador Valadares, MG.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de cunho transversal e exploratório acerca da ocorrência de quedas e seus fatores associados entre idosos cadastrados nas unidades da ESF no município de Governador Valadares. O presente estudo faz parte de um projeto de pesquisa maior, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos na Universidade na qual ele foi realizado (parecer n.º 3.339.659). Para a realização da pesquisa foi celebrada uma cooperação entre a Instituição de Ensino e a Secretaria de Saúde municipal.
Amostra
Considerando que o território urbano da cidade de Governador Valadares possui 25.905 idosos de 60 a 80 anos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010) e que as 57 unidades de ESF existentes apresentam uma cobertura de 70,26% da população (Ministério da Saúde, 2020), o tamanho amostral calculado para esse estudo foi de 172 indivíduos, considerando um erro alfa de 5% e poder de 90%. Entretanto, faltaram 9 indivíduos para atingir o tamanho mínimo amostra, de modo que a amostra desse estudo foi composta por 163 indivíduos, correspondendo a 95% do cálculo amostral.
A zona urbana do município de Governador Valadares-MG é dividida geograficamente pela Secretaria de Saúde em nove regiões/distritos de saúde, cada qual contendo entre duas e dez unidades de ESF em seu território. Para essa pesquisa, foram sorteadas dez unidades da ESF, sendo pelo menos uma unidade por região de saúde, de forma a abranger todo o território urbano. Cada ESF selecionada forneceu o número total de idosos cadastrados e realizado um sorteio para a escolha aleatória dos indivíduos. O sorteio foi feito por meio do aplicativo gratuito denominado “SORTEIO”, e os indivíduos sorteados foram convidados para participar da pesquisa.
Os critérios de inclusão consistiam em: cadastro na unidade da ESF selecionada; idade de 60 a 80 anos; aceitar receber a visita domiciliar; assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram considerados critérios de exclusão: não ter respondido algum questionamento; indivíduos acamados.
Procedimentos
A coleta de dados ocorreu no domicílio do participante, em dias e horários previamente agendados, realizada por avaliadores devidamente treinados. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os indivíduos selecionados responderam à um questionário aplicado com formato de entrevista. Além disso, os idosos se submeteram a uma avaliação antropométrica, com as medidas de peso e estatura, e posterior cálculo do IMC.
Instrumentos
A entrevista foi realizada por meio da utilização de um questionário confeccionado pelos pesquisadores que continha perguntas sobre: idade, sexo, cor, escolaridade, presença de doenças autoreferidas, quedas nos últimos 12 meses, características da moradia e recebimento de visitas de profissionais de saúde.
O peso foi aferido por meio de balança eletrônica digital portátil (Líder P150M®), com capacidade para 200 Kg e precisão de 50g. A estatura foi aferida utilizando-se estadiômetro portátil (Alturaexata®), com capacidade de 2 metros, dividido em centímetros e subdividido em milímetros e o índice de massa corporal (IMC) foi calculado a partir das medidas de peso e estatura, representando a relação kg/m2. Todas as medidas seguiram técnicas descritas na literatura (World Health Organization, 1995).
Análise estatística
Os dados obtidos foram tabulados em software Microsoft office®. A análise estatística dos dados obtidos foi realizada no pacote estatístico SPSS® (SPSS, para Windows, versão 20.0, Ilinois, EUA). A normalidade dos dados foi testada pelo teste de Shapiro Wilk. Foram realizadas análises descritivas e inferenciais. Foi utilizado o teste Qui-quadrado para verificar a relação entre a ocorrência de quedas e as condições de saúde e fatores de risco para quedas. Foi utilizado teste T independente para comparação das condições de saúde entre o grupo quedas e não quedas. Para calcular o tamanho de efeito (d de Cohen) foi utilizada a fórmula proposta por Cohen (1992) e os valores de 0,20, 0,50 e 0,80 foram considerados pequeno, médio e grande, respectivamente (Cohen, 1992). Os dados estão apresentados em média ± desvio padrão, contagem numérica ou percentual. Foi considerado como significante p<0,05.
RESULTADOS
Foram avaliados 163 idosos cadastrados nas unidades da ESF de Governador Valadares (MG). As características gerais desses voluntários estão apresentadas na Tabela 1.
Variáveis | |
---|---|
N | 163 |
Idade (anos) | 68.4±5.5 |
Sexo | |
Feminino | 111 (68.1%) |
Faixa etária | |
60 - 69 anos | 92 (56.4%) |
70 - 80 anos | 71 (43.6%) |
IMC (Kg/m²) | 28.92±5.92 |
Cor | |
Branco | 43 (26.4%) |
Pardo | 83 (50.9%) |
Negro | 26 (16.0%) |
Outros | 11 (6.7%) |
Escolaridade | |
Analfabeto | 37 (22.7%) |
Fundamental (completo/incompleto) | 94 (57.7%) |
Médio e superior (completo/incompleto) | 32 (19.6%) |
Incontinências | 50 (30.7%) |
Diabetes | 53 (32.5%) |
Artrose | 64 (39.3%) |
Reumatismo | 34 (20.9%) |
Delirium | 8 (4.9%) |
Sincope | 37 (22.7%) |
Insônia | 64 (39.3%) |
Outras doenças | 59 (36.2%) |
Nota: Dados apresentados em n (%) ou média ± desvio padrão. IMC= índice de massa corporal.
A maioria dos idosos avaliados encontraram-se na faixa etária entre 60-69 anos, se autodeclaram pardos e possuíam o ensino fundamental (completo/incompleto). Em relação à presença de doenças autodeclaradas, a maior parte da amostra não possui incontinências, diabetes, reumatismo, artrose, delirium, sincope e insônia.
Na Tabela 2 estão expressas as classes de doenças avaliadas e o número de pessoas acometidas.
Doenças (*) | |
Neuropsicológicas | 60 (36.8%) |
Osteoarticulares | 79 (48.5%) |
Cardiometabólicas e/ou respiratórias | 131 (80.4%) |
Gastrointestinal e/ou renal | 89 (54.6%) |
Nota: Dados apresentado em N (%). (*) Poderia ser relatada mais de uma alternativa. Neuropsicológicas= Doença de Parkinson, problemas de memória grave, depressão, convulsões crônicas ou epilepsia. Osteoarticulares= Artrose, reumatismo, osteoporose. Cardiometabólicas e/ou respiratórias= Problemas do coração, diabetes mellitus, hipertensão arterial, asma, bronquite, insuficiência respiratória. Gastrointestinal e/ou renal= Incontinência urinária e fecal, úlcera gástrica ou duodenal, sintomas do trato urinário baixo, hiperplasia protástica benigna, doença renal crônica estágio IV ou menor.
A maioria dos entrevistados apresentam doenças classificadas como cardiometabólicas e/ou respiratórias, além de doenças gastrointestinais e/ou renais, seguidas de doenças osteomusculares.
Em relação ao número de quedas nos últimos 12 meses, 51 idosos cadastrados na ESF sofreram pelo menos uma queda no último ano, o que corresponde à 31,3% da amostra.
A relação entre a ocorrência de quedas e todas as variáveis avaliadas foram testadas, na Tabela 3 estão descritas as variáveis que se mostraram como possíveis fatores de risco para a ocorrência de quedas. Foram encontradas relações estatisticamente significantes para gênero, possuir muitos móveis na residência e presença de doenças cardiometabólicas e/ou respiratórias, com tamanho de efeito considerado como pequeno.
Possíveis Fatores de Risco | Quedas | Não Quedas | p | d Cohen |
---|---|---|---|---|
Gênero | ||||
Masculino | 11 (6.7%) | 41 (25.2%) | 0.032 | 0.028 |
Feminino | 40 (24.5%) | 71 (43.6%) | ||
Muitos móveis na residência | ||||
Sim | 12 (7.4%) | 10 (6.1%) | 0.013 | 0.018 |
Não | 39 (23.9%) | 102 (62.6%) | ||
Presença de doenças cardiometabólicas/respiratórias | ||||
Sim | 46 (28.2%) | 85 (52.1%) | 0.024 | 0.024 |
Não | 5 (3.1%) | 27 (16.6%) |
Nota: Dados apresentados em N (%).
Na Tabela 4 estão descritos os resultados sobre a comparação da presença de possíveis fatores de risco para a ocorrência de quedas entre os grupos experimentais. Foram encontradas diferenças significantes entre os grupos para as variáveis IMC, número de doenças neuropsicológicas e número de doenças cardiometabólicas e/ou respiratórias, com tamanho de efeito considerado como pequeno.
Possíveis Fatores de Risco | Quedas | Não Quedas | p | d Cohen (IC 90%) |
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 68.70±5.24 | 68.28±5.62 | 0.667 | 0.076 (-0.202-0.354) |
Peso (Kg) | 72.17±16.05 | 68.37±12.17 | 0.097 | 0.282 (0.003-0.561) |
IMC (Kg/m²) | 30.61±6.23 | 28.16±5.64 | 0.014 | 0.420 (0.140-0.701) |
Tempo de diagnóstico de incontinência (meses) | 3.04±7.30 | 1.91±5.73 | 0.287 | 0.181 (-0.098-0.459) |
Tempo de diagnóstico de diabetes (meses) | 3.96±8.38 | 3.37±7.20 | 0.643 | 0.078 (-0.200-0.356) |
Tempo de diagnóstico de artrose (meses) | 4.71±6.94 | 3.80±6.80 | 0.436 | 0.133 (-0.145-0.411) |
Tempo de diagnóstico de reumatismo (meses) | 2.75±5.75 | 2.58±8.43 | 0.899 | 0.022 (-0.256-0.300) |
Tempo de diagnóstico de insônia (meses) | 3.64±6.48 | 3.75±8.39 | 0.938 | 0.014 (-0.264-0.292) |
Tempo de diagnóstico de delirium (meses) | 0.57±2.91 | 0.77±5.49 | 0.808 | 0.041 (-0.237-0.319) |
Tempo de diagnóstico de sincope (meses) | 0.91±3.14 | 1.32±4.13 | 0.530 | 0.106 (-0.172-0.385) |
Tempo de diagnóstico de outras doenças (meses) | 2.98±8.46 | 2.93±7.47 | 0.969 | 0.006 (-0.271-0.284) |
Nº de doenças neuropsicológicas | 0.62±0.77 | 0.40±0.62 | 0.049 | 0.328 (0.049-0.608) |
Nº de doenças osteomusculares | 0.88±0.89 | 0.65±0.79 | 0.099 | 0.280 (0.001-0.559) |
Nº de doenças cardiometabólicas/respiratórias | 1.61±0.94 | 1.22±0.91 | 0.015 | 0.424 (0.144-0.705) |
Nº de doenças gastrointestinais/renais | 0.84±0.75 | 0.65±0.73 | 0.128 | 0.258 (-0.021-0.537) |
Nota: Dados apresentados em média ± desvio padrão. IMC= índice de massa corporal. Nº= número. IC= Intervalo de confiança.
DISCUSSÃO
Os principais achados deste estudo foram: a) O índice de quedas de idosos encontrado correspondeu à 31,3% da amostra; b) o gênero, o autorrelato de muitos móveis na residência e a presença de doenças cardiorrespiratórias são os fatores que se relacionaram com a ocorrência de quedas no último ano; c) os idosos caidores apresentaram maior índice de massa corporal e maior número de doenças cardiometabólicas e/ou respiratórias e neuropsicológicas.
A amostra do presente estudo apresentou um predomínio de sujeitos do sexo feminino (68,3%), característica semelhante a outros estudos com enfoque em idosos residentes em comunidades assistidos na ESF (Dantas et al., 2012; Pinho et al., 2012). Quanto à raça e a escolaridade, a maioria dos entrevistados estudaram até o ensino fundamental, completo ou incompleto, o que compreende de 1 a 7 anos de estudo formal. Além disso, aproximadamente metade desta população se autodeclarou parda, novamente trazendo resultados semelhantes aos descritos na literatura (Leite & Cruz, 2018).
Em relação ao número de quedas nos últimos 12 meses, 51 idosos cadastrados nas unidades da ESF sofreram pelo menos uma queda no último ano, o que corresponde a 31,3% da amostra e essa proporção está de acordo com os achados regionais, nacionais e internacionais (Aguiar & Huf, 2010; Siqueira et al., 2011; Vieira et al., 2018). Segundo a Organização Mundial de Saúde (2010), cerca de 28% a 35% das pessoas acima de 65 anos caem a cada ano. Em um estudo de coorte realizado por Cruz et al. (2017), na cidade de Juiz de Fora, MG, foi avaliada a ocorrência de quedas em idosos no período de um ano anterior à data da avaliação, com entrevistas realizadas no ano de 2010 e quatro anos mais tarde, chegando a prevalência de 33,5% e 38,5%, respectivamente, para o desfecho de quedas. Algumas prevalências discrepantes da encontrada neste estudo se apresentam na literatura (Paiva, 2019; Pinho et al., 2012; Santos et al., 2015). As características da amostra, delineamento dos estudos e/ou as metodologias adotadas podem ser as causas dessas divergências de resultados. No estudo realizado por Paiva (2019) foram avaliados 986 idosos residentes na cidade de Campinas, São Paulo, apresentando a prevalência de quedas no último ano de 17,1%, porcentagem menor do que as encontradas no presente estudo. Em contraponto, Santos et al. (2015) e Pinho et al. (2012) em estudos realizados na região nordeste do Brasil, nas cidades de Natal e João Pessoa, respectivamente, trazem resultados para o desfecho de quedas nos últimos 12 meses acima dos demonstrados em outros estudos, apontando índices de 53,6% e 41,2%, respectivamente.
Dentre os idosos do grupo Quedas, 78,4% eram do sexo feminino, o que corrobora com a literatura (Cruz et al., 2017; Leitão et al., 2018). Essa possível influência do gêneros na ocorrência de quedas, embora não esteja devidamente elucidada, pode ser devida a algumas causas, tais como a menopausa, que causa uma redução significante na densidade mineral óssea, diferenças no estilo de vida, como maior exposição a atividades domésticas, e o maior número de mulheres na faixa etária de idosos (Alves et al., 2017; Perracini & Ramos, 2002).
Foi encontrada relação significante do desfecho de quedas com o autorrelato de muitos móveis na residência. Há diversos estudos que relacionam a ocorrência de quedas com os fatores ambientais e estrutura da moradia do indivíduo através de relatos subjetivos tanto do entrevistador quanto do entrevistado (Cruz et al., 2017; Perracini & Ramos, 2002). A auto percepção do indivíduo sobre a quantidade de móveis na residência pode variar de acordo com cada pessoa, sendo assim, a subjetividade desta variável precisa ser considerada, sendo necessárias mais análises e da criação de um instrumento de mensuração mais preciso.
Ao se relacionar a ocorrência de quedas com a classe de doenças cardiometabólicas e/ou respiratórias pode-se notar uma relação significante. Apesar do conhecimento das complicações do diabetes, como neuropatia periférica, visão reduzida, úlceras do pé diabético e prejuízo da função renal (Sociedade Brasileira de Diabetes, 2019), e que de acordo com alguns estudos no Brasil a presença de diabetes está associada a ocorrência de quedas (Santos et al., 2015; Vieira et al., 2018), em nosso estudo essa relação não foi evidenciada. Uma hipótese para a ausência de relação entre a presença de diabetes e a ocorrência de quedas seria que a maior parte da amostra se concentra na faixa etária entre 60 e 69 anos, pois nesta faixa etária idosos com diabetes possuem menos chance de cair comparados a aqueles maiores de 80 anos (Araújo et al., 2014; Rashedi et al., 2019).
Embora a presença de incontinência urinária tenha sido de 30,7%, semelhante à relatada em outro estudo (Marques et al., 2015), não foi encontrada relação significante entre a presença de incontinência urinária e a ocorrência quedas, que pode estar seguindo em direção oposta à literatura, em que a incontinência urinária contribui para o aumento do risco de quedas em idosos, devido a esses idosos necessitarem de se levantar mais vezes, inclusive durante a noite, para utilizar o banheiro (Abreu et al., 2015; Lima et al., 2015).
Foi encontrada diferença significante (p<0,05) entre os grupos nos valores de IMC, sendo que os idosos que sofreram quedas apresentaram maior IMC. Este resultado vai de encontro a outro estudo que apontou que não há influência entre o IMC sobre o desfecho de quedas (Traldi & Santos, 2014). Contudo, o presente resultado corrobora com o estudo de Costa et al. (2013) que aponta para a influência de um elevado IMC para o aumento da prevalência de quedas. Destacamos que em função do desacordo das evidências, este fator de risco ainda precisa ser melhor investigado.
O número de doenças neuropsicológicas foi diferente entre os grupos, sendo que o grupo de quedas apresentou maior número de doenças do que o grupo não quedas. Nesse sentido, sabe-se que o processo de envelhecimento pode ser acompanhado de alterações moleculares e fisiológicas que podem predispor a redução de diversas funções, dentre elas a cognitiva (Khan et al., 2017). Estudo recente demonstram que idosos com depressão apresentam maiores índices retrospectivos de quedas, além de maior chance prospectiva de vir a ocorrer tal evento, quando comparados a idosos que não apresentam tal doença (Briggs et al., 2018). Tal fato pode ser explicado, pois doenças de caráter neuropsicológicas podem causar um aumento no comprometimento funcional e marcha mais lenta.
Quando se comparou o número de doenças cardiometabólicas e/ou respiratórias entre os grupos experimentais percebeu-se que houve maior número de doenças no grupo Quedas, o que corrobora com nosso achado anterior, de relação entre doenças cardiometabólicas e/ou respiratórias e quedas. Esse resultado sugere ainda que o somatório de doenças pode aumentar o risco de quedas quando comparada a doenças isoladas (Dantas et al., 2012).
As quedas são eventos frequentes entre os idosos e é um dos responsáveis pelo aumento de gastos hospitalares, seja do serviço público como privado, por exemplo, no ano de 2014 foram gastos aproximadamente 6 milhões de reais com hospitalizações de idosos devido a quedas no estado da Bahia (Andrade et al., 2017). Neste sentido, é evidente a importância clínica do presente estudo, visto que a identificação dos fatores associados permite o reconhecimento dos grupos mais suscetíveis à ocorrência desse desfecho. Ainda em relação às implicações clínicas, o conhecimento dos fatores relacionados à ocorrência de quedas é essencial para a elaboração e planejamento de políticas públicas, ações e estratégias de enfrentamento desse grave problema de saúde pública. Diante do envelhecimento populacional e das novas demandas que emergem com esse fenômeno é necessário ter um olhar mais equânime e atento à saúde dessa população.
Em grande parte, os resultados do presente estudo são respaldados pela literatura, mas precisamos apresentar uma possível limitação que é o valor amostral, que por mais que tenha se aproximado do cálculo inicial (95%), não conseguiu atingi-lo assim podendo causar vieses quanto aos resultados encontrados. Além disso, é importante ressaltar que a entrevista foi realizada com base em um questionário confeccionado pelos pesquisadores, não sendo um questionário validado na literatura científica. Entretanto, considerando a ausência de um levantamento de tais desfechos na cidade de Governador Valadares (MG), o presente estudo pode ser um precursor para novas pesquisas e embasar a atuação de profissionais de saúde dentro deste contexto.
CONCLUSÃO
Os resultados do presente estudo mostram que o índice de quedas entre os idosos cadastrados nas unidades da ESF em Governador Valadares é simular ao apresentado em outras regiões do Brasil. Fatores como gênero feminino, autorrelato de muitos móveis na residência e a presença de doenças cardiorrespiratórias se relacionaram com a presença de quedas no último ano. E, houve maior presença de quedas nos idosos que caíram nos últimos 12 meses apresentaram maior IMC e maior número de doenças cardiometabólicas e/ou respiratórias e neuropsicológicas.