INTRODUÇÃO
A depressão e a ansiedade são consideradas transtornos psiquiátricos comuns (Paniccia et al., 2017). Estima-se que no Brasil, cerca de 11,5 milhões de pessoas sofrem de depressão e 18, 6 milhões de ansiedade. Esses números correspondem a 5,8% e 9,3% da população, respectivamente (World Health Organization [WHO], 2017). De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5, o episódio de depressão é caracterizado por sintomas como humor deprimido, sentimento de desesperança, fadiga e redução de interesse por atividades que antes traziam prazer. Já na ansiedade o indivíduo tem episódios de preocupação excessiva, inquietação, irritabilidade, tensão muscular e dificuldade para dormir e se concentrar (American Psychiatric Association [APA], 2014).
É comum que esses transtornos se iniciem entre o período da infância e adolescência, uma vez que esse é um momento de grande turbulência emocional e é quando o jovem está em processo de formação da identidade (Paniccia et al., 2017). Dessa forma, esse tipo de quadro também tem se mostrado frequente em jovens ingressantes do ensino superior (Boumosleh & Jaalouk, 2017; Fernandes et al., 2018; Leão et al., 2018; Lun et al., 2018). O ingresso na faculdade pode deixar o indivíduo mais atarefado uma vez que as exigências são maiores. Além disso, esse momento pode marcar o início da vida adulta e levar o indivíduo a enfrentar novas situações, exigindo uma maior capacidade de adaptação. Desse modo, aumenta-se as chances de desenvolvimento de depressão e ansiedade (Cardozo et al., 2016; Carvalho et al., 2015). Por esses motivos, diversos estudos investigam a prevalência desses transtornos em universitários (Bresolin et al., 2020; Leão, et al., 2018; Paula et al., 2020). No entanto, estudos que abordam a prevalência de ansiedade e depressão em cursos específicos ainda são escassos.
O tratamento para esse tipo de problema consiste em psicoterapia e, em alguns casos, administração de medicamentos. No entanto, intervenções de estilo de vida que incluem a prática de exercícios físicos têm se mostrado eficazes, inclusive, em indivíduos resistentes aos efeitos dos medicamentos (Bélair et al., 2018; Saeed et al., 2019). Sabe-se que a prática de atividade física regular pode auxiliar na melhora da qualidade de vida e do bem estar do indivíduo deprimido e ansioso devido à liberação de endorfina, hormônio responsável por essas sensações (Bélair et al., 2018; Saeed et al., 2019). Além disso, a pratica de atividade física também pode oferecer efeito protetor para aqueles indivíduos com propensão genética de desenvolvimento de transtornos mentais (Choi et al., 2019; Hiles et al., 2017).
Sabe-se que alunos do curso de educação física tendem a ser mais fisicamente ativos (Melo et al., 2016). Estudos têm demonstrado que indivíduos fisicamente ativos possuem melhores indicadores de saúde mental e tendem a apresentar menos sintomas ansiosos e depressivos (Hiles et al., 2017; Rajoo et al., 2019; Vancini et al., 2017). A relação entre a prática de atividade física e menores índices de ansiedade e depressão têm sido demonstrada, inclusive, em estudantes universitários (Feng et al., 2014; Lun et al., 2018; Wu et al., 2015). No entanto, a presença de sintomas ansiosos e depressivos em estudantes de educação física, ainda é pouco explorada pela literatura. Por esse motivo, o presente estudo buscou avaliar sintomas de depressão e ansiedade e relacioná-los com o nível de atividade física em alunos de graduação em educação física de uma universidade privada da cidade de Muriaé, Minas Gerais.
MÉTODO
O projeto de pesquisa obteve aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário UNIFAMINAS, por meio do parecer número 2.752.591 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE: 90031118.2.0000.5105), no dia 03 de Julho de 2018. Todos os participantes foram informados sobre os objetivos, procedimento e riscos da pesquisa e concordaram em participar voluntariamente, confirmado por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Participantes
Trata-se de um estudo do tipo transversal, desenvolvido com 150 alunos do curso de Educação Física de uma instituição de ensino particular de Muriaé/Minas Gerais. Foram incluídos na pesquisa todos os alunos matriculados no curso de Educação Física no segundo semestre de 2018 que se prontificaram de livre e espontânea vontade a participar da pesquisa. Foram estabelecidos como critérios de não inclusão: alunos que não estavam em sala de aula no dia da coleta de dados, bem como aqueles que não se dispuseram a participar da pesquisa.
Instrumentos
Foi desenvolvido um questionário sociodemográfico, especialmente para a presente pesquisa, a fim de coletar dados, tais como: idade, período da graduação, estado civil, número de filhos, se trabalha, escolaridade dos pais, se participa de algum programa do governo, se foi necessário mudar de residência para estudar e com quem reside.
O Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) (versão curta) foi proposto pelo Grupo Internacional para Consenso em Medidas da Atividade Física, constituído sob a chancela da Organização Mundial da Saúde, com representantes de 25 países, inclusive o Brasil. É um questionário que se destina estimar o nível de atividade física de populações de diferentes países e contextos socioculturais (Craig et al., 2003) e foi validado no Brasil por Pardini et al. (2008). A versão curta deste instrumento é composta por oito questões discursivas, relacionadas às atividades realizadas na última semana anterior à aplicação do questionário, cujas informações permitem estimar o tempo despendido por semana em diferentes dimensões de atividade física (caminhadas e esforços físicos de intensidades moderada e vigorosa) e de inatividade física (posição sentada). A classificação do IPAQ divide e conceitua nas seguintes categorias: baixo, moderado ou alto nível de atividade física (Pardini et al., 2008).
O Inventário Beck de Depressão (BDI), desenvolvido por Beck et al. (1962) e validado no Brasil por Gorenstein e Andrade (1998), foi utilizado a fim de verificar a presença de sintomas depressivos. Trata-se de uma escala de autorrelato, na qual o respondente deve apontar como se sentiu na última semana através de 21 itens, cada um com quatro alternativas (0, 1, 2, ou 3). Com relação à pontuação, obtém-se o escore total realizando a contagem de cada item, correspondentes às alternativas assinaladas. Existe a possiblidade do respondente marcar mais de uma opção e, neste caso, utiliza-se a afirmação com a avaliação mais alta para calcular o escore total. A pontuação, então, varia entre zero a 63, sendo que escores mais altos indicam maiores sintomas depressivos. Em termos de categorias, quanto ao nível dos sintomas depressivos do indivíduo: Mínimo (de 0-13 ponto), Leve (de 14-19 pontos), Moderado (de 20-28 pontos) ou Grave (de 29-63 pontos) (Beck et al., 1962).
O Inventário Beck de Ansiedade (BAI) foi construído para medir a intensidade dos sintomas de ansiedade por Beck et al. (1988) e, no Brasil, foi validado por Cunha (2001). O questionário é constituído por 21 itens que avaliam como o sujeito tem se sentido na última semana. São afirmações descritivas da ansiedade (como sudorese e sentimentos de angústia) e são quatro as possíveis respostas, a saber: Não; Levemente: não me incomodou muito; Moderadamente: foi desagradável, mas pude suportar; e Severamente: Quase não suportei. Assim, as respostas refletem os níveis de gravidade crescente de cada sintoma. O escore final da escala é dado pela soma de cada item que pode variar de 0 a 63 pontos, sendo que quanto maior a pontuação, maior o nível de ansiedade do avaliado. Com soma dos escores de cada item é possível categorizar o respondente com os seguintes graus de ansiedade: Mínimo (0-10 pontos), Leve (11-19 pontos), Moderada (20-30 pontos), Grave (31-63 pontos) (Cunha, 2001).
Procedimentos
Inicialmente, agendou-se uma reunião com o coordenador do curso de Educação Física a fim de explicar o interesse, bem como os objetivos e procedimentos da pesquisa. Após o consentimento para a realização da pesquisa, o pesquisador responsável entrou em contato com os professores do curso para solicitar e combinar o melhor dia e horário para a aplicação dos questionários durante a aula.
No dia e horário pré-agendado, dentro da sala de aula da instituição, objetivos e procedimentos da pesquisa foram esclarecidos aos alunos, bem como o TCLE distribuído. Após a coleta do termo devidamente assinado, os instrumentos foram entregues, os quais foram respondidos em um único momento e sem qualquer limite de tempo definido para preenchimento. Nenhuma informação adicional foi fornecida.
Análise estatística
Para as análises estatísticas, foi utilizado o software SPSS 19.0 e em todos os casos, o nível de significância adotado foi de p < 0,05. Foram realizadas análises de média e desvio padrão para as variáveis idade, BDI e BAI. Frequências absoluta e relativa foram realizadas para período de graduação, estado civil, número de filhos, se trabalha, participação em programas do Governo, escolaridade dos pais, mudança de residência para cursar o Ensino Superior, pessoas com quem reside e classificação do nível de atividade física. Além disso, foram calculadas as consistências internas para a amostra em questão do BDI e do BAI por meio do coeficiente alfa de Cronbach, o qual encontrou valor adequado (α = 0,864 e α = 0,931, respectivamente) (Streiner, 2003). Em seguida, observou-se a distribuição dos dados através do teste de Kolmogorov-Smirnov e a hipótese nula foi confirmada para todas as variáveis, seguindo-se com testes paramétricos. A fim de responder ao objetivo principal desta pesquisa, foi realizado o teste de variância ANOVA one-way para comparar as médias do BDI e do BAI entre os grupos por nível de atividade física (baixo, moderado e alto). O tamanho do efeito foi calculado e valores abaixo de 0,2 são considerados pequenos (Streiner, 2003).
RESULTADOS
Ao todo, participaram do estudo 150 graduandos do curso de Educação Física, sendo 52 (34,7%) mulheres e 98 (65,3%) homens. A idade dos participantes variou de 18 a 45 anos (média = 22,85; desvio padrão = 4,80). Com relação às variáveis sociodemográficas (período da graduação, estado civil, número de filhos, se trabalha, participação em programas do Governo, escolaridade dos pais, mudança de residência para cursar o Ensino Superior, pessoas com quem reside), as frequências absoluta e relativa estão apresentadas na Tabela 1.
Variável | Frequência absoluta (n) | Frequência relativa (%) | |
---|---|---|---|
Período de graduação | |||
2( | 34 | 22,7% | |
4( | 56 | 37,3% | |
6( | 30 | 20% | |
8( | 30 | 20% | |
Estado civil | |||
Solteiro | 142 | 94,7% | |
Casado | 6 | 4% | |
Divorciado | 2 | 13% | |
Número de filho | |||
0 | 142 | 94,7% | |
1 | 8 | 5,3% | |
Trabalho | |||
Sim | 106 | 70,4% | |
Não | 44 | 29,3% | |
Participação em programas do Governo | |||
Nenhum | 56 | 37,3% | |
FIES | 48 | 32% | |
PROUNI | 43 | 28,7% | |
Bolsista | 2 | 1,3% | |
Programa social | 1 | 0,7% | |
Escolaridade dos pais | |||
Sem estudos | 3 | 2% | |
Ensino Fundamental Incompleto | 44 | 29,3% | |
Ensino Fundamental Completo | 33 | 22% | |
Até 11 anos de estudos | 39 | 26% | |
Ensino Superior | 31 | 20,7% | |
Mudança de residência para cursar o Ensino Superior | |||
Sim | 23 | 84,7% | |
Não | 127 | 15,3% | |
Pessoas com quem reside | |||
Pais | 109 | 72,7% | |
Parentes | 16 | 10,7% | |
Amigo | 5 | 3,3% | |
Sozinho | 9 | 6% | |
Outros | 11 | 7,3% |
Nota: n = amostra; FIES = Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior; PROUNI = Programa Universidade para Todos.
A avaliação com o IPAQ apontou que 27 (18%) universitários possuem baixo nível de atividade física; 30 (20%) foram classificados com nível de atividade física moderada; e 93 (62%) se enquadraram com alto nível de atividade física. Concernente aos resultados dos sintomas depressivos e ansiedade, verificou-se média igual a 9,04 (±7,34) e 29,77 (±9,86) no BDI e BAI, respectivamente. Tendo em vista o percentual verificado pelo BDI, 115 (76,7%), 24 (16%), 6 (4%) e 5 (3,3%) sujeitos foram classificados com mínimo, leve, moderado e grave sintomas depressivos, respectivamente. Com relação ao percentual de indivíduos categorizados quanto ao nível de ansiedade, 98 (65,3%) foram identificados com moderada ansiedade e 52 (34,7%) com alta ansiedade. Válido ressaltar que não foi constado alunos com níveis de ansiedade mínimo e leve. Por fim, o teste de variância não identificou diferenças estatísticas entre o BDI (p = 0,163) e níveis de atividade física nem entre o BAI (p = 0,545) e níveis de atividade física (Tabela 2).
DISCUSSÃO
O presente estudo se propôs a avaliar os sintomas de ansiedade e depressão dos estudantes de Educação Física de uma universidade particular, relacionando-os com o nível de atividade física. Os resultados demonstraram que não houve correlação significante entre as variáveis pesquisadas.
Ao verificar a correlação dos sintomas depressivos e de ansiedade entre os diferentes níveis de atividade física, não foi identificado significância estatística. Os resultados do presente estudo vão de encontro aos achados de Toti et al. (2018) em estudo realizado em estudantes de Educação Física, que constataram que baixos níveis de atividade física estão associados a sintomas de ansiedade e depressão. E também aos resultados apresentados por Leão et al. (2018) os quais demonstraram que a prática de atividade física esteve fortemente associada a essas psicopatologias em universitários da área da saúde. A prática de atividade física regular está relacionada à manutenção da saúde mental e também é um dos fatores que contribuem na prevenção e no tratamento de diversos transtornos psiquiátricos, como a depressão e ansiedade por exemplo (Costa et al., 2018; Silva & Costa, 2017; Snedden et al. 2019).
Quanto ao nível de atividade física, os achados do presente estudo apontaram que mais da metade dos graduandos do curso de Educação Física apresentaram ter alto nível de atividade física. Corroborando com Leão et al. (2018) que identificaram que, 87,8% de 476 estudantes de cursos da saúde praticavam atividade física. Santos et al. (2016) também identificaram que 50% dos estudantes estavam fisicamente ativos sendo que os estudantes do curso de Educação Física estavam entre os que apresentaram maiores prevalências, demonstrando que as características do próprio curso podem levá-los a adotarem uma prática regular de atividade física.
Quanto aos níveis de ansiedade, os estudantes do presente estudo apresentaram 65,3% de prevalência para moderada ansiedade, sendo considerado um percentual alto comparado a outras pesquisas sobre o tema. Como por exemplo na pesquisa feita por Maltoni et al. (2019) a qual relataram uma prevalência de 10,8% dos universitários com níveis de moderada à alta ansiedade. No estudo de Souza (2017) em estudantes universitários do triângulo mineiro, foi constatado que 46,9% dos estudantes apresentaram ansiedade grave ou moderada. Os autores Paula et al. (2020) a partir de uma revisão sistemática, identificaram uma prevalência de 24,5% para sintomas de ansiedade em jovens universitários em diferentes países. Devido à alta prevalência de ansiedade nos universitários do presente estudo, pode-se inferir que, embora a maior parte dos estudantes sejam fisicamente ativos, parece que a prática de atividade física regular não tem influenciado na redução dos sintomas de ansiedade.
No presente estudo, 70,7% dos alunos trabalham, além das demandas acadêmicas. A sobrecarga de atividades pode ser um fator estressor, desencadeando a ansiedade por exemplo. Além dessas obrigações diárias, uma parte dos alunos são de cidades vizinhas acarretando um desgaste físico e mental devido à locomoção diária. Estudos qualitativos são recomendados a fim de entender melhor sobre os altos níveis de ansiedade nessa população.
De acordo com a média do BDI, os alunos foram classificados com sintomas depressivos mínimos, que não são representativos para classificá-los como um grupo depressivo. Ademais, grande parte da amostra deste estudo (115 indivíduos) foi classificada com os valores mais baixos de sintomas depressivos. No estudo de Souza (2017), 43,8% dos estudantes apresentaram sintomas depressivos leves e moderados. Dell’Osbel et al. (2018) em seu estudo com 892 estudantes de diversos curso de gradução constataram que 30,8% apresentavam sintomas depressivos. Em estudo realizado com 12.711 universitários, 79,9% apresentaram ao menos sintomas depressivos leves (Sá Junior et al., 2018). Demostrando que parece ser comum que estudantes universitários apresentem sintomas leves e moderados de depressão. Destaca-se que universitários da área da saúde tem apresentado maiores prevalências, tanto de ansiedade quanto de depressão (Paula et al., 2020).
Apesar da grande relevância dos achados do presente estudo, algumas limitações merecem ser levantadas. Inicialmente, é válido ressaltar que o estudo foi realizado em apenas uma instituição de ensino privado de uma única cidade. Além disso, os dados foram coletados somente no curso de Educação Física. Por fim, trata-se de um estudo transversal, em que não é possível identificar as relações de causa-efeito das variáveis. Ou seja, o questionário foi aplicado apenas uma vez, não havendo assim a possibilidade de comparar como os hábitos dos alunos podem influenciar nos índices de ansiedade e depressão.
Aconselha-se aos futuros pesquisadores, interessados em ampliar este estudo, que possam realizá-lo em outras instituições, privadas e públicas por exemplo, abrangendo outros cursos e utilizando métodos qualitativos, além de incluir a avaliação de outras variáveis que julgarem pertinentes.
CONCLUSÕES
Os estudantes universitários da presente pesquisa apresentaram altos níveis de prática regular de atividade física e de ansiedade e baixo nível de sintomas depressivos. Embora não tenha sido verificada relação significante entre as variáveis investigadas. Pode ser verificado a prática frequente de atividade física não foi capaz de influenciar na ansiedade dos estudantes. Talvez o fato de que a maioria dos alunos do presente estudo precisem conciliar os estudos à rotina de trabalho seja um fator estressor que leva à sintomas de ansiedade e depressão.
Sugere-se que sejam feitos estudos longitudinais e qualitativos para que possa entender melhor sobre a relação desses fatores em estudantes universitários.