ENQUADRAMENTO TEMÁTICO
O treino personalizado (TP) é uma manifestação do treino individualizado que visa uma intervenção mais próxima e ajustada às necessidades de cada praticante, permitindo potenciar e elevar a qualidade da ação do profissional de exercício na interação com o seu cliente. É um serviço comumente prestado nos ginásios e health clubs, mas que também tem manifestações mais espontâneas e versáteis noutros contextos, como clínicas, outdoor, no domicílio, on-line, e por vezes em pequenos grupos (e.g., TP duo). Este tipo de serviço deverá ser prestado exclusivamente por profissionais do exercício que possuam o Título Profissional de Técnico de Exercício Físico (TPTEF), e manifesta-se como uma atividade de particular relevo para os profissionais nesta área.
Avaliar a qualidade do serviço prestado é uma das funções do técnico de exercício físico (Lei 39/2012, artigo 7º - Portugal, 2012b), devendo por isso assumir uma importância idêntica às suas outras funções: planear e prescrever o treino, e orientar e conduzir tecnicamente o mesmo. Importa ainda reforçar que o cliente procura sempre maximizar o valor do serviço adquirido, dentro dos limites impostos pelos custos envolvidos na procura e pelas suas limitações de conhecimento, mobilidade e poder de compra (Kotler & Keller, 2006). Estando a repetição da compra relacionada com o nível de satisfação com o serviço adquirido em experiências passadas, prestar um serviço com qualidade deverá ser sempre um foco no trabalho de qualquer profissional.
Neste âmbito, entende-se por qualidade de serviço prestado, do ponto de vista do cliente, aquilo que vai ao encontro, ou excede, as suas expectativas (Gronroos, 2007). As expectativas dos clientes são formadas com base em experiências anteriores, nas recomendações de amigos e familiares, e nas informações e promessas dos profissionais (Kotler & Keller, 2006), importando assim que estes últimos tenham uma postura ética e que o serviço prestado se alinhe e corresponda às necessidades específicas de cada cliente, de modo a contribuir para o seu nível de satisfação. Clientes satisfeitos continuam fiéis ao profissional que presta o serviço, resultando a qualidade do serviço prestado numa menor rotatividade, ou seja, num menor esforço para angariação, o que resultará, entre outros aspetos, em mais tempo para acompanhar e dar continuidade ao trabalho desenvolvido com os clientes já existentes.
Neste sentido, o desenvolvimento de um TP deverá representar um investimento considerável por parte do profissional, onde para além da dedicação ao tempo de treino per se, deverá/poderá existir uma ação alargada que envolve avaliação física, planeamento, prescrição, supervisão próxima (no treino) e distante (treinos de continuidade/paralelos sem supervisão próxima), emissão de relatórios periódicos, ação multi e interdisciplinar, ação educativa, entre outros. No entanto, a atual expressão deste serviço, que será explorada com maior detalhe ao longo deste artigo, parece ainda estar distante do potencial que poderá ser esperado para este tipo de intervenção. Internacionalmente, vários estudos apontam as mesmas fragilidades noutros contextos paralelos e relevam a importância da compreensão da dinamização de forma estruturada deste tipo de serviço personalizado (Lyon, Neville, & Armour, 2016; Melton, Dail, Katula, & Mustian, 2010; Melton, Katula, & Mustian, 2008). Do ponto de vista nacional, remetemos para a leitura do artigo de opinião de Teixeira et al. (2020, p. 8) sobre o downgrade do serviço de TP e o perigo da aproximação a um serviço base standard, que parece criar uma visão social do serviço de TP muito aquém do que realmente deveria ser - a ferramenta de excelência para a intervenção especializada do profissional em ações individuais.
No entanto, ressalva-se que a diversidade de contextos e imposições a que os profissionais estão muitas vezes sujeitos poderão explicar em parte as diferenças observadas na forma como o TP é desenvolvido (verificável, por exemplo, pelo valor remuneratório atribuído ao profissional face à dimensão do serviço esperado). Não obstante, a criação de um novo normal onde o serviço de TP se esvazia de propósito (social e individual) e conteúdo (menor valor percebido; inferior serviço prestado), é um “tiro nos pés” na área profissional e na necessidade de evidenciar utilidade e valor perante uma sociedade cada vez mais fisicamente inativa e sedentária.
Sobre esta matéria, acresce ainda que recomendações específicas sobre as questões comportamentais e do tipo de serviço a apresentar parecem escassear na literatura nacional e internacional. Genericamente, as orientações para a prática profissional do TP expressas na literatura (e.g., NSCA, IDEA) derivam em maior ou menor profundidade do comportamento padrão em sala de exercício ou atividades com pequenos grupos que, mesmo quando na presença de um efetivo transfere, não se ajustam na totalidade às características únicas do TP, e que na sua exclusividade não permitem uma real diferenciação do serviço prestado.
De particular relevo deverá ser o serviço prestado que (e como) é apresentado ao cliente, pois será na interpretação entre o valor percebido e o serviço prestado que poderá existir a manutenção do comportamento, assim como a criação de uma imagem social positiva da necessidade e utilidade desta prática profissional. Assim, e assumindo que poderão existir diferentes conceções sobre o que é o serviço de TP por parte da população portuguesa, não excluímos a possibilidade de também existirem distintas visões sobre qual o serviço a prestar por parte dos profissionais. É neste ponto em particular que a emissão de recomendações sobre o que deverá ser o serviço prestado poderá ser importante para balizar o comportamento profissional, algo já identificado como necessidade em alguns estudos internacionais (Melton, Dail, Katula, & Mustian, 2010; Melton, Katula, & Mustian, 2008).
Adicionalmente, no trabalho de Teixeira et al. (2020) são levantadas preocupações substanciais sobre a qualidade dos serviços prestados nos ginásios e health clubs, incentivando à produção de mais estudos, reflexões sustentadas em dados concretos, e emissão de recomendações face às lacunas evidenciadas, permitindo objetivar as diferentes perceções existentes na área e serviços prestados, e suscitando o debate sobre problemas e necessidades concretas. Assim, um foco na regulação e melhoria do serviço de TP apresenta-se como um dos aspetos de relevo para a elevação da qualidade da prática profissional na área, assim como uma pedra basilar para a promoção da saúde e bem-estar dos indivíduos neste contexto de treino.
Como expresso anteriormente, a conceção dos autores deste trabalho enquadra o TP como uma manifestação do treino individualizado. Este último conceito remete para todas as abordagens desenvolvidas que reflitam quase exclusivamente a interação de um para um, do profissional com um praticante, e que podem ter distintas magnitudes de intervenção (e.g., treino acompanhado, treino assistido). Assim, e independentemente das possíveis e distintas manifestações do TP, o serviço prestado deverá corresponder à essência do pretendido, ou seja, o desenvolvimento de um processo de treino que seja efetivamente personalizado. Deste modo, o TP representa apenas uma forma de treino individualizado, e que para ser adequadamente implementado, deverá procurar apresentar em toda a sua dimensão, desde o planeamento à ação, a verdadeira aceção do conceito de personalizar - ajustar às preferências, necessidades e expectativas do cliente.
Considerando o potencial que a intervenção verdadeiramente individualizada poderá ter na saúde, bem-estar e/ou performance do praticante, mas também contemplando a promoção da credibilidade da área e do serviço prestado, este trabalho tem como objetivo apresentar recomendações para a prática e desenvolvimento do TP focadas no comportamento visível do profissional, particularmente na estrutura da intervenção e no serviço prestado. Com o presente objetivo, pretende-se providenciar aos profissionais orientações operacionais que permitam uma aferição e regulação do trabalho implementado, visando uma reflexão crítica do serviço prestado face a um referencial que os autores consideram como devendo ser o padrão para este tipo de prática. Para esse feito, estruturam-se as recomendações apresentadas ao longo deste trabalho em dois pontos macro de reflexão - a estrutura do serviço e a postura (visível) na condução da atividade profissional. Em complementaridade, serão ainda tecidas algumas considerações sobre ações legais dependentes do treinador pessoal, considerando a sua importância temática e proximidade às questões comportamentais do profissional.
Este trabalho não pretende incidir sobre os aspetos de natureza técnica associado às metodologias de treino, considerando que existe literatura em abundância e de qualidade que permitirá aos interessados aprofundar essas temáticas (e.g., ACSM, 2017, NSCA, 2016).
A ESTRUTURA DO SERVIÇO: INDO PARA LÁ DO ÓBVIO
Uma sessão de TP pode estar estruturada em vários formatos temporais. Genericamente, toda a sessão compreende uma hora de treino, mas existem outras possibilidades que podem ser acordadas entre o profissional e cliente. Enquanto elemento central da sessão estará naturalmente o treino, na sua dinâmica entre os exercícios prescritos e respetiva aplicação e supervisão. No entanto, e visando a redução de possíveis interpretações, deturpações, e facilitismos na prestação de um serviço desta natureza, assim como a elevação da qualidade do trabalho desenvolvido, apresentam-se algumas recomendações para reflexão aquando da conceptualização de um TP:
apresentação do plano de treino no início da sessão;
realização de registos intra-sessão e de continuidade;
realização de avaliações físicas periódicas;
realização regular da análise do processo e emissão de relatório.
No que diz respeito ao ponto i, considera-se que a prestação de um serviço desta natureza deverá estruturar-se através de alguma forma de planeamento. Considerando que existem inúmeras possibilidades para esse efeito, que derivam em parte dos objetivos e necessidades do cliente, número de sessões semanais de treino (acompanhado ou em autonomia), duração do serviço (e.g., acompanhamento previsto para seis meses), entre outros fatores, a profundidade e extensão deste planeamento (e.g., mais detalhado vs. genérico) poderá ser diferente em cada caso. No entanto, na realização de um TP, assume-se que o planeamento é uma questão basilar na intervenção do profissional, pelo que a sua não existência poderá não só comprometer os resultados pretendidos, assim como desvirtuar a magnitude do serviço que os profissionais deveriam prestar. Assim, sugere-se que numa ótica de transparência e qualidade da ação a desenvolver, seja apresentado em algum momento no início da sessão o que o profissional planeou para esse treino (mesmo que sendo um plano genérico), situando-o num momento temporal do planeamento geral previamente desenvolvido (e.g., 3º microciclo, do 2º mesociclo).
Naturalmente que este processo pode ter várias expressões face à diversidade de situações possíveis no TP. No entanto, esta ação em concreto permite ao cliente uma identificação clara do que está proposto para a sessão, em que fase do planeamento geral se encontra e, de particular relevo face à perceção dos autores sobre a atual manifestação mainstream do TP desenvolvido em Portugal, apoia uma concepção mais clara por parte do cliente da magnitude do serviço que está a ser prestado e da preparação e expertise necessária para o fazer.
No seguimento desta ideia, o ponto ii (registos intra-sessão e de continuidade) emerge na tentativa de melhorar o processo de controlo e supervisão do treino, visando não só a regulação da prescrição de exercício, mas também dos processos de avaliação física que serão explorados no próximo ponto. Um processo de treino verdadeiramente personalizado deverá implicar a aferição regular da forma como o cliente se está a adaptar aos treinos (quer intra sessão quer ao longo dos treinos). Assim, e para além de registos mais espontâneos associados ao decorrer do treino, diferentes instrumentos poderão ser utilizados para esse efeito, permitindo um controlo intra-sessão da intensidade (e.g., cardiofrequencímetro, escalas subjetivas de esforço), da resposta emocional (e.g., níveis de ativação e sensação), e de subjetividade ao treino (atividades/exercícios/dinâmicas preferidas) (Evmenenko & Teixeira, 2020; Teixeira, 2017; Teixeira, 2020). Entre sessões e espaçadamente ao longo do tempo, a aferição do estado de adaptação (DOMS entre sessões; impacto no quotidiano), assim como questões mais estáveis temporalmente mas que refletem individualidade ao treino, também serão importantes de aferir visando a personalização do treino (e.g., preferência e tolerância à intensidade; perfil motivacional) (Rodrigues, Teixeira, Cid, & Monteiro, 2018; Teixeira et al., 2021).
Adicionalmente, um processo desta natureza que pode ser realizado várias vezes por dia/semana com diferentes clientes, não se presta à utilização exclusiva da memória para reter todas as informações de relevo para a dinamização da intervenção. É expectável que existam ajustes/adaptações de cargas e/ou exercícios, realização de progressões/regressões, entre muitos outros, que deverão ser contemplados em todo o processo de prescrição e supervisão do treino. Assim, é inconcebível que um processo de TP não possua um registo regular das questões essenciais a cada sessão, e que permitam uma visão estereoscópica do indivíduo na sua relação com o treino e quotidiano. Ainda neste ponto, e que posteriormente será detalhado na secção dos aparelhos a utilizar no controlo do treino, sugere-se que seja dada primazia a registos em formato de papel em detrimento das novas tecnologias.
O ponto iii reflete um dos pressupostos mais importantes para a prescrição personalizada: a avaliação física. Na essência, não há forma de compreender como personalizar um treino sem saber de onde partimos e para onde vamos. Os procedimentos de avaliação física no TP, para além de serem cruciais numa fase inicial, deverão ser repetidos periodicamente visando a identificação de alterações às condições iniciais que permitiram a prescrição de exercício. Ademais, é expectável que num serviço de TP, a avaliação física possa também ser adaptada e realmente orientada para a pessoa e os seus objetivos de treino, procurando encontrar soluções mais ajustadas a cada caso (e.g., anamnese mais extensa, sem limitações temporais muitas vezes impostas para estes procedimentos), e com maior fiabilidade na obtenção de resultados (e.g., pregas adiposas em detrimento de algumas técnicas/procedimentos de bioimpedância; goniometria). Acresce ainda que um processo de avaliação física não se deve esgotar em momentos formais para o efeito, e, no seguimento do exposto no ponto ii, deverá existir sempre que necessário, e que resultará muitas vezes da observação direta e registo feito nas sessões de treino. Assim, pode-se considerar que o próprio processo de condução e supervisão do treino é em si um momento de avaliação personalizada, onde o profissional deverá refletir e incidir na sua intervenção concreta, e muitas vezes imediata.
Importa ainda sugerir neste ponto que quando o serviço de TP é desenvolvido de forma independente a um ginásio ou empresa, um consentimento informado e esclarecido sobre os dados que irão ser colhidos e para que fins serão utlizados deverá ser apresentado ao cliente antes da avaliação inicial. Considerando o novo regulamento da proteção geral de dados, que parte do pressuposto que o tratamento de dados implica um elevado risco para os direitos e liberdades dos seus titulares (Mestre, 2017), cabe ao profissional a trabalhar de forma independente compreender a importância e legalidade desta ação, evitando problemas futuros relacionados com o serviço a desenvolver, devendo salvaguardar sempre o direito de privacidade dos seus clientes.
De acordo com o expresso no ponto iv (análise regular do processo/emissão de relatório), é expectável que num trabalho de natureza personalizada existam periodicamente momentos de emissão de feedbacks e de análise do desenvolvimento do serviço prestado e do processo, visando o esclarecimento do cliente e regulação de objetivos e expectativas. Nesta matéria, diferentes abordagens podem emergir para a sua efetivação. No entanto, sugere-se como boa prática que um relatório-tipo (e.g., formulário com espaço para pequenas notas num total de uma página) seja criado e desenvolvido para esse efeito, onde se deverá contemplar os resultados das avaliações físicas e todas as demais informações que sejam de relevo para a compreensão do processo desenvolvido (e.g., comparação com referenciais para género e idade, breve descrição textual explicativa da evolução, das dificuldades, das aquisições não mensuráveis, entre outras). A sua periodicidade estará naturalmente dependente dos momentos de avaliação formal para esse feito, do planeamento construído e, principalmente, da frequência de treino, mas que deverá rondar aproximadamente os 2 a 3 meses de intervalo. É neste momento que se destaca também a importância do definido no ponto ii, onde a criação de um registo regular sobre o desenvolvimento dos treinos de um cliente poderá ser particularmente relevante.
Por fim, e no seguimento do postulado em lei (Portugal, 2012b), se considerarmos os contextos onde existe um diretor técnico (DT) como responsável das atividades desenvolvidas e serviço prestado, aconselha-se que, independentemente de estipulado ou não pelo ginásio, seja entregue uma cópia de cada relatório ao DT, visando a transparência do processo, incentivando a ação da função específica da supervisão que esta figura prevista na lei deverá desempenhar, e evidenciando o profissionalismo a que uma atividade como o TP se deverá prestar.
A POSTURA NA CONDUÇÃO DAS ATIVIDADES: SOMOS O QUE APARENTAMOS SER
A criação da imagem profissional associada a um indivíduo ou área é um fator de particular relevo e contribui para a criação de vínculos sociais, normalmente baseados no relacionamento entre o prestador do serviço e o cliente, que tendem a refletir a identificação e satisfação/orgulho de estar associado a esse profissional/ entidade (Rosenbaum, Ostrom, & Kuntze, 2005). Neste tema, várias ações podem ser tomadas que visem a criação de uma imagem de credibilidade, transparência e profissionalismo, que vão para lá do comum (aparência, cordialidade, pontualidade, entre outros). As recomendações de seguida apresentadas estendem os pressupostos previamente apresentados relativos à estrutura e ações profissionais na sessão, e visam reforçar comportamentos e guidelines que se julgam de relevo para o desenvolvimento de um TP. Ademais, acresce que na ausência de uma entidade reguladora que supervisione a profissão (do ponto de vista técnico-científico por detentores de competência específica/académica), e em particular esta função, terão de ser os profissionais a individualmente compreender e aceitar (ou não) o seu valor, e fomentar as boas práticas junto dos demais colegas e intervenientes neste campo de atuação.
Para além da natureza técnico-científica do TP, deverá existir uma clara definição do que deverão ser comportamentos profissionais associados a este serviço. Durante a aplicação e supervisão de um treino, o profissional está sob permanente avaliação, quer seja pelo seu cliente, outros praticantes na envolvência, colegas, entre outras possibilidades dependentes do contexto. Assim, um serviço com tal exposição pública deverá ser conduzido e regulado seguindo um conjunto de critérios que facilitem a todo o momento a interpretação dos observantes de que um serviço está a ser prestado. Neste tópico, o ponto prévio sobre A estrutura do serviço: Indo para lá do óbvio já presta várias orientações nesse sentido. Sendo o trabalho desenvolvido alvo de exposição pública, a apresentação do plano de trabalho no início da sessão, os registos regulares da informação obtida no treino, a realização de avaliações físicas e de continuidade, e a emissão de relatórios periódicos, são já elementos de valor para este objetivo, ou seja, para a demonstração de uma postura de propósito e profissionalismo na ação do TP. No entanto, comportamentos associados ao savoir être, particularmente relacionados com a ética e deontologia profissional, têm sido destacados como lacunas na ação e formação dos profissionais de exercício (Melton, Dail, Katula, & Mustian, 2010; Melton, Dail, Katula, & Mustian, 2011; Teixeira et al., 2020), relevando a importância da apresentação de algumas sugestões.
Um ponto considerado de relevo para a clarificação da ação profissional passa pela utilização de uma placa identificativa com número de cédula profissional. A utilização de uma placa identificativa é já uma prática relativamente comum em vários espaços de treino. No entanto, o TP tem-se expandido para outros contextos e formas de expressão, como o outdoor, domicílio, empresas, on-line, entre outras, o que tende a que exista uma promoção de um serviço que pode ser exclusivamente regulado por um profissional enquanto empresário por conta própria. Apesar de não existir entidade própria à área que possa realizar uma devida e ajustada fiscalização da atuação profissional (entenda-se, agentes com formação para a análise e interpretação técnico-científica do trabalho desenvolvido, incluídos em entidades oficiais com esse propósito), nem local próprio para denúncia de práticas incorretas ou desajustadas (e.g., para além da Autoridade da Segurança Alimentar e Económica (ASAE) ou do ginásio, por exemplo, uma ordem profissional), sugere-se que o profissional se apresente durante um TP com uma placa identificativa com o seu nome e número de cédula profissional, visando informar a sociedade participante da presença de um profissional de uma área específica, que se apresenta clara e inequivocamente no seu serviço, mostrando transparência e qualificação para o processo.
Ainda neste tópico, e particularmente quando o serviço se está a desenvolver num contexto independente de um ginásio, sugere-se a utilização de um equipamento (e.g., pólo, t-shirt) que permita a identificação do serviço que está a ser prestado, não só ao cliente, mas também a todos os que estejam no meio envolvente (que indique, por exemplo, “treinador pessoal”). Na luta pela dignificação e valorização profissional na sociedade, este serviço não pode ser feito de forma camuflada ou despercebida, dando a ilusão de ser uma atividade não estruturada, puramente ocupacional, e sem um serviço claro e delimitado a ser prestado por um profissional qualificado.
Deverá ainda haver um esforço coletivo das diferentes entidades e agentes no terreno para que se esclareça a sociedade em geral sobre a importância de obter orientações de treino exclusivamente providenciadas por profissionais credenciados para o efeito, contribuindo assim para a diminuição da participação de curiosos da área e de profissionais de áreas paralelas. Considerando que será virtualmente impossível controlar e fiscalizar todos os que atuam sem certificação para trabalhar no contexto do exercício físico, particularmente se considerarmos que muitas dessas expressões se realizam on-line ou em regime outdoor, urge desenvolver num futuro próximo uma sensibilização nacional sobre a importância de ser orientado por um profissional certificado. Na ausência de tal ação até à data, não havendo fiscalização efetiva sobre este assunto (do ponto de vista técnico-científico), nem local de denúncia próprio à área para esse feito, terá de ser assumido coletivamente pelos profissionais certificados a importância de tal clarificação junto da sociedade, assim como a responsabilidade de incentivar/ sensibilizar as diferentes entidades reguladoras (e.g., ASAE) para que tal seja realizado.
Um outro ponto de reflexão e sugestão a apresentar relaciona-se como o material associado à prática profissional. Na realização de um TP é comum haver a necessidade de controlar o tempo, definir ritmos de trabalho (e.g., metrónomo), consultar planos, e até de registar informações. Atualmente, uma das formas mais comum para a realização dessas tarefas passa pela utilização do telemóvel. Neste ponto, várias possibilidades emergem e a funcionalidade e preferência individual por parte dos profissionais tende a determinar o seu uso ou não para as tarefas em treino. Correndo o risco de apresentar uma abordagem conservadora neste tópico, mas reforçando que deverá ser o profissional a aferir a magnitude do relevo desta informação, sugere-se como orientação geral que o uso do telemóvel na sessão de treino seja a mais reduzida possível.
Considerando a polivalência deste aparelho (e.g., apps de controlo do treino), não é incomum ver o seu uso por parte dos profissionais em contexto de sala de exercício ou TP. De facto, os próprios clientes tendem muitas vezes a utilizá-los como forma de apoio ao controlo do seu treino, e estão consciencializados do uso de novas tecnologias em diferentes esferas de intervenção profissional. O que se pode tornar difícil de aferir, e como tal propenso à análise subjetiva, é o uso que se lhe está a dar. Se é inegável a sua versatilidade e facilidade de utilização para várias tarefas, também não se pode negar que possa vir a ser usado para fins não profissionais durante a sessão de treino, levar à perda ou disseminação de dados pessoais dos clientes (e.g., apps de controlo postural com imagem, sites de cálculo de parâmetros do controlo de treino, registos online) e, em alguns casos, uma tecno-dependência não promotora do relacionamento interpessoal essencial a este tipo de intervenção profissional.
Assim, sugere-se que cada profissional faça uma avaliação da sua utilização e dependência do telemóvel ou outro aparelho de natureza semelhante para o desenvolvimento da sua prática (com as naturais exceções, por exemplo, do uso de tablets quando providenciados pela entidade de forma exclusiva e limitada para esse efeito), e incentiva-se, por exemplo, que a contabilização da duração dos exercícios e dinâmicas seja feita com um cronómetro ou relógio, os registos sejam feitos em papel ou noutros registos não passíveis tecnologicamente de perda, extravio, ou utilização incorreta por outras entidades, mantendo esta linha de raciocínio para todas as dinâmicas a desenvolver que possam ser independentes do telemóvel.
A sobre-simplificação da nossa prática tem trazido ao longo dos anos vários problemas de credibilidade profissional, e em parte pode derivar da forma como nos apresentamos (e o serviço) ao público. Num exemplo paralelo, que imagem teríamos de um contabilista que resolvesse as nossas finanças com a calculadora do telemóvel? Ou o dentista que usasse a lanterna do smartphone para ver os nossos dentes? Os exemplos refletem um possível contraste profissional deste tema, e devem levar à reflexão da imagem exterior que pode ser desenvolvida relativamente ao material que possuímos e devemos dominar, assim como da atenção que damos ao seu uso e aplicação. É certamente um tema com alguns argumentos a favor e outros contra a sua utilização, que deverá ser ponderado caso a caso pelos profissionais, visando a salvaguarda dos seus clientes e proteção dos seus dados.
Ainda na questão da utilização de telemóveis, uma tendência muito verificada atualmente é a da utilização de fotografias e vídeos como forma de promoção profissional. Não é incomum os profissionais tirarem selfies com os seus clientes ou realizarem vídeos demonstrativos para colocarem-nas nas suas redes sociais. Sobre este tema, importa reforçar a ideia de que, de acordo com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (Lei nº58/2019 - Portugal, 2019) o cliente se encontra protegido no que respeita ao tratamento dos seus dados pessoais e livre circulação dos mesmos, logo o retrato de uma pessoa não pode ser exposto ou reproduzido para fins comerciais sem o consentimento dela, logo a utilização da imagem individual tem limites, sendo assim necessária a autorização expressa do cliente, e esclarecido o para quê, como, e onde será utilizada a sua imagem. Assim, na senda da promoção de um serviço de qualidade e elevado profissionalismo, sugere-se que no consentimento informado e esclarecido, previamente sugerido neste trabalho como devendo ser aplicado antes do momento da avaliação física, se inclua uma opção em que o cliente possa assinalar a sua autorização para o uso de fotografias e/ou vídeos por parte do profissional. Ademais, este consentimento poderá (e deverá) ser atualizado a qualquer momento desde que exista uma intenção de alteração ao atual consentimento e autorização explícita previamente assinado pelo cliente. No entanto, e mesmo nestas condições, sugere-se que qualquer registo fotográfico ou em vídeo de uma sessão seja mostrado nesse momento ao cliente, e que se obtenha uma autorização verbal caso a caso (isto é, por exemplo, fotografia a fotografia) para o seu armazenamento e utilização comercial pública, visando a salvaguarda do direito à proteção de dados e imagem individual, campo que ainda carece de regulamentação e clarificação específica neste contexto e tipo de serviço prestado.
Por fim, num último tópico, importa ainda reforçar que os limites de atuação do treinador pessoal deverão ser bem claros para si e para quem recebe o serviço, já que de acordo com o artigo 8º da Lei n.º 39/2012 (Portugal, 2012b), o técnico de exercício físico deve atuar no sentido de assegurar qualidade, segurança, defesa da saúde, e respeito pelos valores da ética. Parecem existir evidências em que para além da realização de um serviço específico de um técnico de exercício físico, se verificam “serviços” adicionais que estão fora do seu âmbito de atuação, ultrapassando por isso os limites deontológicos da sua profissão, e que invadem áreas que muitas vezes têm alguma sobreposição, como é o caso da nutrição, fisioterapia e a psicologia (Barnes, Ball, & Desbrow, 2017; Barnes, Beach, Ball, & Desbrow, 2019; Malek, Nalbone, Berger, & Coburn, 2002). Particularmente numa área como a do exercício físico onde o relevo social e a delimitação conceptual e de atuação parecem não ser claros para a maioria da população que tem acesso a estes serviços (Lyon et al., 2016; Zhou et al., 2019), a incapacidade de circunscrever o seu campo de atuação tende a desvalorizar o profissional perante a sociedade e clientes. Apesar da existência de “zonas cinzentas” de intervenção, importa focar a ação no contexto específico de atuação profissional, e não desvalorizar outras áreas de atuação e profissionais com formações específicas para essas intervenções. Neste ponto, destaca-se como recomendação a preocupação ativa do treinador pessoal na promoção sempre que necessário de uma ação inter e multidisciplinar, onde especialistas de outras áreas ou especialidades poderão articular as suas prestações de serviço.
CHATICES DO OFICIO: O QUE NOS ESQUECEMOS DE FAZER...
É sabido que desconhecer a lei não pode ser desculpa para não se atuar em conformidade com a mesma. Desta forma, nesta subárea de intervenção específica do técnico de exercício físico, importa dar atenção a alguns aspetos que não são de menor importância, como por exemplo, a existência de seguros (responsabilidade civil e acidentes de trabalho), a emissão de faturas/recibos aos clientes pelos serviços prestados, e a abstenção de recomendar/comercializar substâncias ilícitas.
Começando pelos seguros, num esclarecimento muito genérico, um seguro serve para cobrir as despesas que decorrem de acidentes, transferindo-se a responsabilidade do profissional (em caso de culpa própria) para a seguradora (com quem se contratou esse serviço) que fica responsável por ressarcir financeiramente o lesado dos danos daí decorrentes. Mais objetivamente, salvaguarda o profissional de incorrer em custos superiores no caso de ter, ele próprio, ou provocar ao cliente, um acidente no decorrer do processo de treino. Assim, recomenda-se que, no caso do profissional atuar como trabalhador independente ou que seja prestador de serviços, que contrate um seguro de responsabilidade civil e outro de acidentes pessoais.
Quanto às faturas/recibos, e segundo o Código do IRS (Decreto-Lei n.º 198/2001 - Portugal, 2001), é obrigatório emitir recibo de todas as importâncias recebidas dos seus clientes pela prestação de serviços. Assim, embora possa ser em alguns casos aliciante do ponto de vista financeiro descurar este aspeto, o seu incumprimento é crime. Isto implica, por exemplo, que no caso dos trabalhadores independentes deverá existir a abertura da atividade económica nas finanças, entregando para tal uma declaração de início de atividade e cumprindo os demais procedimentos legais associados. A partir daí deve ser emitida uma fatura/recibo por cada serviço prestado ao cliente, tal como acontece, por exemplo, numa consulta médica.
Por fim, apresenta-se um último alerta para a questão da dopagem. Do ponto de vista legal, e segundo a Lei n.º 38/2012 (Portugal, 2012a), é proibido nas instalações desportivas a detenção, cedência, ou venda de substâncias dopantes, nomeadamente de esteroides anabolizantes. Quem com intenção violar, ou violando as normas antidopagem, e sem que para tal se encontre autorizado a vender, ou proporcionar a alguém, substâncias e métodos constantes da lista de substâncias e métodos proibidos, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos. Neste sentido, recomendamos que seja respeitada outra das funções do técnico de exercício físico prevista na legislação e por vezes negligenciada: colaborar ativamente na luta contra a dopagem. Desta forma fica, mais uma vez, salvaguardada a saúde e integridade física do cliente, fator central no trabalho do técnico de exercício físico, na qualidade do serviço prestado e na consequente satisfação do mesmo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo relativamente difícil avaliar a forma como os profissionais de exercício incorporam novos conhecimentos na sua prática (Stacey, Hopkins, Adamo, Shorr, & Prud’homme, 2010), será fundamental continuar a incentivar que os mesmos aumentem a sua literacia científica, capacidade de pensamento crítico, e promovam a respetiva implementação contextual. A adoção destas competências permite que o profissional de exercício desenvolva uma prática baseada em evidência científica robusta que lhe permita alavancar resultados efetivos e realistas. Aliada a uma intervenção baseada no conhecimento científico, o profissional deverá adotar uma prática segura, respeitando a individualidade e idiossincrasias de ordem estrutural articular, muscular, e fisiológicas de cada cliente (Fisher, Steele, Brzycki, & DeSimone, 2014). Assumindo que o exercício é uma atividade específica que tem como objetivo estimular uma adaptação fisiológica (e psicológica) positiva de modo a melhorar a aptidão física e a saúde, não causando o comprometimento das mesmas (McGuff & Little, 2009), é imperioso que o profissional de exercício adote práticas seguras.
Existem diversas ações técnicas e comportamentais fulcrais a desenvolver intra e extra sessão de treino por parte do profissional que poderão contribuir para a definição de um TP que permita não só a prestação de um serviço personalizado de qualidade, mas também a criação de uma imagem social de relevo e excelência. Tal imagem deverá ser o reflexo de uma participação e desenvolvimento exclusiva a um profissional devidamente credenciado, que contrarie ativamente a perceção de que os treinadores pessoais se tornaram atualmente “um apoiante da execução técnica adequada, um contador de repetições, e um relógio de durações de exercícios e atividades” (Melton et al., 2008; Teixeira et al., 2020).
Urge contrariar a diluição existente nos últimos anos relativa ao i) papel que o profissional de exercício deve exercer face à iniciativa do curioso do treino; ii) do processo específico de apoio em sala de exercício, à ação diferenciada do TP; iii) do conselheiro para uma alimentação mais saudável face à ação especializada do nutricionista; iv) do apoiante à integração ao quotidiano e necessidades específicas do individuo, à ação concreta do reabilitador/fisioterapeuta na lesão ou doença; v) do promotor da modificação comportamental orientada para a saúde e com base na atividade física, da ação do coach/psicólogo e outras orientações e aspirações holísticas. Caberá aos profissionais perante cada contexto o ónus da promoção de boas práticas e a elevação da qualidade do trabalho desenvolvido e da área profissional, sabendo que muitas das recomendações emitidas acarretam trabalho adicional num mercado muitas vezes desprovido do adequado reconhecimento e retorno financeiro. Ainda nesta matéria, importa refletir sobre a forma como a atuação no panorama nacional se poderá manifestar como um contrabalanço no desenvolvimento da área e da saúde das comunidades, podendo vir a comprometer o futuro do fitness em Portugal. Neste ponto, não será demais frisar que a inatividade perante a nossa ação, como a dos colegas, afetará todos futuramente por igual.
Das diversas recomendações sugeridas, importa compreender que são apresentadas e emergem sob o ponto de vista e experiência profissional e académica dos autores deste trabalho, e poderão não ser aplicáveis ou ajustadas a todos os contextos. Apresentaram-se várias linhas de reflexão para o desenvolvimento das práticas nesta ação profissional específica, mas mais estudos serão necessários para detalhar, efetivar, e elevar algumas destas recomendações a um patamar de maior relevo e peso na atuação no TP. Particularmente a nível nacional, a literatura específica sobre este tipo de intervenção ainda se encontra muito focalizada nas questões técnico-científicas da prescrição, do domínio de aparelhos ou materiais, das vendas, e da comunicação, e mais (e melhor) investigação terá de ser desenvolvida para apoiar o desenvolvimento das intervenções no âmbito desta função específica do profissional do exercício.