INTRODUÇÃO
O desempenho do treinador têm um papel critico nas experiências de desenvolvimento dos jovens jogadores, assente numa relação treinador-atleta de qualidade, onde se privilegia a comunicação desportiva e facilitadora de relações sociais (Erickson & Côté, 2016). É de todo relevante que o tipo de prática planeada promova o desenvolvimento dos atletas ao nível das habilidades motoras, do conhecimento do jogo e da tomada de decisão (Ford, Yates & Williams, 2010; Partington & Cushion, 2013), bem como a capacidade do treinador emitir informação específica sobre o que pretende dos seus atletas, feedback adequado e honesto (Rezania & Gurney, 2014). A construção de exercícios de treino deve ser acompanhada de uma intervenção do treinador com conteúdo específico e direcionado para os objetivos do exercício, a fim de contribuir para o desenvolvimento dos jovens jogadores. A instrução emitida de uma forma apropriada no início dos exercícios de treino, esclarecendo concretamente os seus objetivos, em termos técnicos, táticos e físicos, é fundamental para concentrar os jogadores nas soluções técnicas e táticas pretendidas, bem como para atingir nível da carga externa (Batista, et al., 2019). Estudos realizados, no âmbito dos jogos reduzidos condicionados, no futebol, verificaram que o encorajamento durante a prática influencia a resposta fisiológica dos jogadores e concomitante aumento de intensidade (Clemente, Martins & Mendes, 2014).
Independentemente do tipo de atividade (treino físico, técnico ou habilidades, jogos reduzidos condicionados ou fases do jogo) os treinadores emitem altos níveis de instrução, gestão e feedback durante as atividades (Ford et al., 2010; O’Connor, Larkin & Williams, 2018; Partington & Cushion, 2013). Os altos níveis de instrução emitida pelos treinadores objetivam melhorar a equipa do ponto vista tático-estratégico, os jogadores individualmente, tornando-os mais conscientes das missões táticas na estrutura da equipa (Potrac Jones, & Armour, 2002).
A emissão de feedback por parte do treinador é de todo relevante na melhoria da prestação dos jogadores e equipa. Stein, Bloom e Sabiston (2012) referem que os treinadores devem ter especial atenção às necessidades dos jogadores, a fim de planear práticas que permitam o seu desenvolvimento, emitindo feedback ajustado aos atletas, criando, desta forma, ambientes eficazes de aprendizagem.
De acordo com o anteriormente referido, para além do tipo de prática planeada pelos treinadores para as sessões treino é de todo relevante o conteúdo da instrução emitida pelos treinadores, uma vez que contribui decisivamente para contexto promotores de aprendizagem dos jovens jogadores. Desta forma, pretendemos, através da observação sistemática, analisar a instrução emitida por treinadores de jovens de andebol em contexto de treino.
As hipóteses de estudo formuladas foram: 1) Os treinadores emitem mais informação de conteúdo tático; 2) os treinadores emitem informação concomitante à prática; 3) os treinadores emitem fundamentalmente feedback prescritivo; 4) os treinadores emitem mais feedback sob a forma auditiva; 5) os treinadores emitem mais informação direcionada ao jogador.
MÉTODO
O desenvolvimento deste trabalho teve por base a metodologia observacional, o que possibilita a explicação do comportamento no seu contexto quotidiano (Anguera, Blanco-Vilaseñor, Losada & Portell, 2018). Partindo de objetivos bem definidos, foram codificados comportamentos percetíveis através de um instrumento não estandardizado - Sistema de Análise da Intervenção pedagógica sobre o conteúdo do Treinador de Andebol (Chacón-Moscoso, et al., 2019). Os dados foram recolhidos no contexto natural em que ocorre a intervenção dos treinadores, no decorrer do treino, não havendo separação das influências externas, facto que favorece a validade ecológica do estudo (Portell, Anguera, Hernández-Mendo & Jonsson, 2015). O desenho observacional do estudo é ideográfico (um participante - treinador), pontual (observações não têm sequência) e unidimensional (estudo da instrução) (I/P/U) (Anguera et al., 2018).
O estudo teve em consideração os aspetos éticos consagrados na Declaração de Helsínquia (Harriss & Atkinson, 2011), estando o referido aprovado por via de um protocolo de cooperação entre instituições e pelo Comité de Ética.
Participantes
De acordo com a Tabela 1, verificamos que participaram no estudo três treinadores de jovens de Andebol (n= 3), com idade média de 33 anos, com uma média de experiência a trabalhar no contexto da formação de 3,33 anos. Todos os treinadores observados foram praticantes de andebol (M= 14,33) e possuem o Título Profissional de Treinador de Desporto de grau I (n= 2) e de grau II (n= 1) emitido pelo Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ).
Profissão | Idade | Título Profissional de Treinador | Anos de experiência profissional | Anos de experiência como jogador | |
---|---|---|---|---|---|
Treinador 1 | Treinador | 42 | Grau II | 3 | 13 |
Treinador 2 | Professor de Educação Física | 31 | Grau I | 5 | 20 |
Treinador 3 | Professor de Educação Física | 26 | Grau I | 2 | 10 |
Cada treinador foi observado em quatro treinos de andebol, totalizando 12 unidades de treino observadas. O treinador 1 treinava a equipa de iniciados (seis anos de prática), equipa que realizava três sessões de treino por semana, de 1hora e 30 minutos. O treinador 2 era responsável pela equipa de infantis (quatro anos de prática) e o treinador 3 pela equipa de Minis (dois anos de prática), equipas que treinavam três vezes por semana, com duração de uma hora.
Instrumentos
O instrumento observacional utilizado para codificar os comportamentos de instrução dos treinadores foi o Sistema de Análise da Intervenção pedagógica sobre o conteúdo do Treinador de Andebol (SAIPCTA). O referido sistema foi construído a partir do Sistema de Análise da Intervenção Pedagógica sobre o conteúdo do Treinador de Futebol (Mesquita, Farias, Oliveira & Pereira, 2009). Para a análise da intervenção do treinador foram mantidas as categorias relativas ao Quando? e Como?. Foram construídas as categorias e subcategorias relativas ao critério O quê?, tendo por base a modalidade de Andebol.
As categorias e subcategorias relativas ao conteúdo da instrução (o quê?) foram submetidas a um processo de validação de acordo com o desenvolvido pelos autores Pulido, Sánchez-Oliva, Silva, Palmira, & García-Calvo (2019) e Brewer e Jones (2002). Numa primeira fase listou-se um conjunto de categorias e subcategorias tendo por base instrumentos de observação já utilizados em outras investigações e uma revisão da literatura sobre as questões técnicas e táticas do andebol. A segunda fase, pretendeu fazer uma validação de conteúdo, recorrendo a uma avaliação qualitativa da primeira versão do instrumento por três experts (Pulido et al., 2019). Os experts eram treinadores de andebol (com certificação profissional do IPDJ e com mais de 10 anos de experiência) e professores doutorados na área das ciências do desporto com investigação feita na área da metodologia observacional. A avaliação qualitativa dos experts centrou-se nas seguintes questões: melhoria da definição das ações técnico e táticas (ex.: receção e manipulação da bola: é a ação que se realiza para receber e controlar a bola para que fique em condições de se efetuar o passe); alteração de nomenclatura das categorias/subcategorias (ex.: Não há esquemas táticos no andebol. Há sistemas defensivos e ofensivos); remoção de categorias (ex.: Face à dinâmica do andebol este conceito não existe) e criação de novas categorias (ex.: Falta deslizamentos). Partindo das sugestões realizadas pelos experts procedeu-se a pequenas correções no instrumento observacional. Após esta fase, o instrumento foi aplicado num estudo piloto para testar o instrumento observacional e verificar o aparecimento de novas categorias e subcategorias. De acordo com estas etapas foi desenvolvido o instrumento observacional final (Tabela 2).
“O quê” | |||
---|---|---|---|
Técnica | |||
Ofensiva | Defensiva | ||
1. Reposição de bola | TORB | 1. Contacto | TDC |
2. Receção e manipulação da bola | TORMB | 2. Interceção | TDI |
3. Drible, finta mudança de trajetória | TODFMT | 3. Guarda-redes | TDGR |
4. Passe | TOP | 4. Bloco | TDB |
5. Lançamento linha lateral | TOLLL | ||
6. Marcação de faltas | TOMF | ||
7. Guarda-redes | TOGR | ||
8. Passos | TOPS | ||
9. Remate | TOR | ||
Tática individual | |||
Ofensiva | Defensiva | ||
1. Jogo posicional | TIOJP | 1. Jogo posicional | TIDJP |
2. Desmarcação | TIOD | 2. Marcação | TIDM |
3. Penetração | TIOP | 3. Ajudas | TIA |
4. Sistemas de jogo defensivo e ofensivo | TIOSDO | 4. Trocas | TIT |
5. Deslizamento | TID | ||
Situações neutras | |||
1. Bola dividida/confusão | SNBDC | ||
2. Ressalto | SNR | ||
Tática coletiva | |||
Ofensiva | Defensiva | ||
1. Fases de jogo - ataque posicional | TCOFJAP | 1. Sistema Defensivo | TCDSD |
2. Fases de jogo - contra-ataque | TCOFJCA | 2. Sistema Defensivo - Marcação Individual | TCDSDMI |
3. Fases de jogo - reposição bola rápida | TCOFJRBR | 3. Fases de jogo - Recuperação defensiva | TCDFJRD |
Regras | |||
1. Violações | RV | 2. Faltas | RF |
Categoria energético-funcional | CEF | ||
Categoria psicológica | CP | ||
Instrução sem conteúdo | ISC | ||
“Quando” | |||
1. Em ação | A | ||
2. Não está em ação | NA | ||
“Como” | |||
Instrução | |||
1. Geral | IG | ||
2. Específica | IE | ||
Feedback | |||
Objetivo | |||
1. Descritivo correto | FDC | 5. Questionamento específico | FQE |
2. Descritivo errado | FDE | 6. Informação avaliativa positiva | FIAP |
3. Prescritivo | FP | 7. Informação avaliativa negativa | FIAN |
4. Questionamento geral | FQG | 8. Encorajamento | FE |
Forma | |||
1. Auditivo | FFA | 3. Auditivo-quinestésico | FFAQ |
2. Auditivo-visual | FFAV | 4. Auditivo-visual--quinestésico | FFAVQ |
“A quem” | |||
1. Individual | I | ||
2. Subgrupo | SG | ||
3. Equipa | E |
Fiabilidade
Uma das questões fundamentais na codificação de comportamentos, utilizando instrumentos observacionais de categorias, reside na fiabilidade (Losada & Arnau, 2000). Um instrumento é considerado fiável quando tem poucos erros de medida, demonstra estabilidade, consistência e dependência nos resultados das observações efetuadas (Anguera et al., 2018). Desta forma, e tendo em vista a garantia da qualidade dos dados, condição fundamental dentro da metodologia observacional (Blanco-Villaseñor Castellano, Hernández-Mendo & Sánchez-López, 2014), foi realizado o treino dos observadores (Brewer & Jones, 2002), seguindo-se a realização da fiabilidade inter e intra observadores para todos os critérios (Blanco-Villaseñor et al., 2014). Foi analisada a estabilidade de medida intrasessional recorrendo a um desenho de duas facetas (categorias e observadores= C/O) (Blanco-Villaseñor et al., 2014).
Procedimentos
Antes de iniciarmos a recolha de dados, foi realizada uma reunião com o clube e com os treinadores para apresentar o estudo, e desta forma obter o termo de autorização para realizar a investigação. Após termos obtido autorização para realizar o estudo, foi feita uma calendarização dos treinos.
Para recolher os dados relativos ao comportamento de instrução dos treinadores utilizamos uma câmara de filmar (SONY 4K Handycam FDR-AX53, Tóquio, Japão) que estava conectada a um microfone wireless ECM-AW4 preso no casaco de fato de treino. A câmara foi colocada num local estratégico para filmar o treinador e não interferir com o treino.
Após as filmagens, as imagens de vídeo foram passadas para um computador, a fim de serem codificados os comportamentos de instrução através do software informático LINCE ® (Lleida, Espanha) (Gabin, Camerino, Anguera, & Castañer, 2012).
Análise estatística
A análise descritiva dos dados (média, desvio padrão e percentagem) realizou-se com recurso ao software informático IBM SPSS Statistics ® (Nova Iorque, Estados Unidos da América).
Para testar a fiabilidade utilizamos a medida de concordância Kappa de Cohen (Cohen, 1960). Os valores de fiabilidade inter e intra-observadores (k> 0.87) demonstraram uma boa consistência, estabilidade e concordância da observação.
Para a deteção de T-patterns utilizámos o software informático THEME v.6 ® (Reiquiavique, Islândia), tendo sido estabelecidos os seguintes parâmetros: nível de significância 0,005 (p< 0,005) e número de ocorrência do T-pattern superior a 3. O algoritmo para a deteção T-patterns consiste num conjunto de rotinas para a deteção do intervalo crítico, construção de padrões e competição de padrões completos (Soto-Valero, Bourcier, & Baudry, 2018). O conceito de intervalo crítico é um elemento essencial para a deteção de estruturas temporais e sequenciais de uma série de dados. Nas ocorrências repetidas de um T-pattern, os seus componentes acontecem na mesma ordem e a distância temporal que separa os componentes permanece relativamente invariável (Casarrubea, et al., 2018). O algoritmo trabalha de baixo para cima, nível por nível, o que permite a deteção redundante, eliminando os T-patterns parciais e equivalentes (Soto-Valero et al., 2018).
RESULTADOS
Os dados apresentados são relativos à análise da instrução dos treinadores de andebol no treino nas categorias “o quê?” (Tabela 3), “quando?” (Tabela 4), “como?” (Tabela 5 e Tabela 6) e a “quem?” (Tabela 7). De seguida são apresentados os T-patterns de comportamento de instrução relativos a cada treinador (Figura 1, Figura 2 e Figura 3).
O quê? | Treinador 1 | Treinador 2 | Treinador 3 | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n= 1246 | % | DP | n= 382 | % | DP | n= 718 | % | DP | ||
Técnica individual ofensiva | TORMB | 26 | 2,1 | 1,55 | 8 | 2,1 | 1,90 | 31 | 4,3 | 3,04 |
TODFMT | 3 | 0,2 | 0,21 | 17 | 4,5 | 2,73 | 35 | 4,9 | 2,46 | |
TOP | 14 | 1,1 | 1,91 | 26 | 6,8 | 6,50 | 53 | 7,4 | 9,03 | |
TOGR | 0 | 0 | 0 | 2 | 0,5 | 1,80 | 0 | 0 | 0 | |
TOR | 8 | 7,1 | 7,04 | 33 | 8,6 | 4,86 | 295 | 41,1 | 36,39 | |
Técnica individual defensiva | TDC | 82 | 6,6 | 6,25 | 22 | 5,8 | 11,33 | 0 | 0 | 0 |
TDI | 5 | 0,4 | 0,39 | 0 | 0 | 0 | 8 | 1,1 | 1,35 | |
TDGR | 4 | 0,3 | 0,35 | 23 | 6 | 5,16 | 9 | 1,3 | 1,54 | |
TDB | 18 | 1,4 | 2,95 | 11 | 2,9 | 5,66 | 0 | 0 | 0 | |
Tática individual ofensiva | TIOJP | 1 | 0,1 | 0,10 | 10 | 2,6 | 1,3 | 3 | 0,4 | 0,54 |
TIOD | 22 | 1,8 | 2,24 | 22 | 5,8 | 4,27 | 30 | 4,2 | 6,53 | |
TIOP | 27 | 2,2 | 2,14 | 57 | 14,9 | 4,85 | 23 | 3,2 | 4,48 | |
Tática individual defensiva | TIDJP | 4 | 0,3 | 0,35 | 3 | 0,8 | 0,85 | 3 | 0,4 | 0,54 |
TIDM | 3 | 0,2 | 0,22 | 5 | 1,3 | 2,17 | 3 | 0,4 | 0,54 | |
TIA | 1 | 0,1 | 0,10 | 3 | 0,8 | 1,72 | 0 | 0 | 0 | |
Tática coletiva ofensiva | TCOFJAP | 10 | 0,8 | 0,54 | 18 | 4,7 | 3,68 | 21 | 2,9 | 3,82 |
TCOFJCA | 4 | 0,3 | 0,29 | 11 | 2,9 | 3,34 | 1 | 0,1 | 0,25 | |
TCOFJRBR | 11 | 0,9 | 0,60 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Tática coletiva defensiva | TCDSD | 1 | 0,1 | 0,10 | 0 | 0 | 0 | 3 | 0,4 | 0,80 |
TCDSDMI | 0 | 0 | 0 | 1 | 0,3 | 0,30 | 5 | 0,7 | 1,65 | |
TCDFJRD | 0 | 0 | 0 | 3 | 0,8 | 0,85 | 0 | 0 | 0 | |
Regras - faltas | 4 | 0,3 | 0,35 | 3 | 0,8 | 1,16 | 8 | 1,1 | 1,84 | |
Psicológico | 4 | 0,3 | 0,14 | 9 | 2,4 | 2,17 | 10 | 1,4 | 1,16 | |
Energético-Funcional | 16 | 12,9 | 11,57 | 75 | 19,6 | 11,25 | 35 | 4,9 | 7,73 | |
Instrução sem conteúdo | 753 | 60,5 | 13,60 | 20 | 5,1 | 9,57 | 142 | 19,8 | 13,13 |
DP: desvio padrão; TPRMO: técnica ofensiva teceção e manipulação da bola; TODFMT: técnica ofensiva drible, finta mudança de trajetória; TOP: técnica ofensiva passe; TOGR: técnica ofensiva guarda-redes; TOR: técnica ofensiva remate; TDC: técnica defensiva contacto; TDI: técnica defensiva interceção; TDGR: técnica defensiva guarda-rede; TDB: técnica defensiva bloco; TIOJP: tática individual ofensiva jogo posicional; TIOD: tática individual ofensiva desmarcação; TIOP: tática individual ofensiva penetração; TIDJP: tática individual defensiva jogo posicional; IDM: tática individual defensiva marcação; TIDA: tática individual defensiva ajudas; TCOFJAP: tática coletiva ofensiva fases de jogo - ataque posicional; TCOFJCA: tática coletiva ofensiva fases de jogo - contra-ataque; TCOFJRBR: tática coletiva ofensiva fases de jogo - reposição bola rápida; TCDSD: tática coletiva defensiva sistema defensivo; TCDSDMI: tática coletiva defensiva sistema defensivo - marcação individual; TCDFJRD: tática coletiva defensiva fases de jogo - recuperação defensiva.
Quando? | Treinador 1 | Treinador 2 | Treinador 3 | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n= 1246 | % | DP | n= 382 | % | DP | n= 718 | % | DP | |
Em ação | 1093 | 87,7 | 4,65 | 220 | 57,6 | 8,83 | 480 | 66,9 | 8,19 |
Não está em ação | 153 | 12,3 | 4,65 | 162 | 42,4 | 8,82 | 238 | 33,1 | 8,19 |
DP: desvio padrão.
Como? | Treinador 1 | Treinador 2 | Treinador 3 | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n= 1246 | % | DP | n= 382 | % | DP | n= 718 | % | DP | ||
Instrução | IG | 39 | 3,1 | 2,02 | 51 | 13,4 | 4,37 | 57 | 8 | 2,39 |
IE | 69 | 5,5 | 2,92 | 56 | 14,7 | 12,54 | 34 | 4,7 | 0,66 | |
Feedback | FDC | 0 | 0 | 0 | 1 | 0,3 | 0,30 | 6 | 0,8 | 0,85 |
FDE | 6 | 0,5 | 0,54 | 40 | 10,5 | 6,38 | 50 | 7 | 3,90 | |
FP | 79 | 6,3 | 4,48 | 64 | 16,8 | 5,92 | 114 | 15,9 | 3,76 | |
FQG | 1 | 0,1 | 0,10 | 4 | 1 | 0,95 | 46 | 6,4 | 4,96 | |
FQE | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 0,3 | 0,50 | |
FIAP | 226 | 18,1 | 4,94 | 79 | 20,7 | 3,21 | 309 | 43,2 | 19,94 | |
FIAN | 31 | 2,5 | 1,26 | 35 | 9,2 | 5,28 | 26 | 3,6 | 2,60 | |
FE | 795 | 63,9 | 12,12 | 52 | 13,4 | 5,52 | 72 | 10,1 | 8,99 |
DP: desvio padrão; IG: instrução geral; IE: instrução específica; FDC: feedback descritivo correto; FDE: feedback descritivo errado; FP: feedback prescritivo; FQG: feedback questionamento geral; FQE: feedback questionamento específico; FIAP: feedback informação avaliativa positiva; FIAN: feedback informação avaliativa negativa; FE: feedback encorajamento.
n= 1138 | % | DP | n= 277 | % | DP | n= 625 | % | DP | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
FFA | 1129 | 99,2 | 1,07 | 271 | 97,8 | 3,80 | 595 | 95,2 | 4,35 |
FFAV | 9 | 0,8 | 1,07 | 6 | 2,2 | 3,80 | 29 | 4,6 | 4,43 |
FFAQ | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0,20 | 0,30 |
DP: desvio padrão; FFA: feedback forma auditivo; FFAV: feedback forma auditivo-visual; FFAQ: feedback forma auditivo-quinestésico.
A quem? | n= 1246 | % | DP | n= 382 | % | DP | n= 718 | % | DP |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
I | 496 | 39,8 | 16,18 | 263 | 68,8 | 12,14 | 557 | 77,6 | 12,72 |
SG | 220 | 17,7 | 8,28 | 89 | 23,3 | 14,13 | 150 | 20,9 | 12,77 |
E | 530 | 42,5 | 23,88 | 30 | 7,9 | 4,93 | 11 | 1,5 | 0,15 |
DP: desvio padrão; I: individual; SG: subgrupo; E: equipa.
O treinador 1 emite muita informação sem conteúdo (60,5%). O treinador 2 emite mais informação relativa à tática individual coletiva (23,3%) e o treinador 3 relativa ao conteúdo técnica ofensiva (57,7%).
Os treinadores observados, para além dos aspetos técnicos e táticos, emitiram mais informação de conteúdo energético-funcional (12,9; 19,6 e 4,9%).
Relativamente aos aspetos técnicos e táticos, o treinador 1 emite mais informação de conteúdo técnica ofensiva (10,5%), sobre a técnica do remate (7,1%). O treinador 2 emite mais informação sobre a tática individual ofensiva (23,3%), verificando-se que a categoria que tem mais ocorrências é relativa ao princípio de jogo ofensivo penetração (14,9%). O treinador 3 emite mais informação relativa à técnica de remate (41,1%), correspondente à dimensão técnica ofensiva (57,7%).
Como podemos verificar na Tabela 4, os treinadores observados emitem a instrução predominantemente no momento em que os jogadores estão em ação (87,7, 57,6 e 66,9%). No entanto o treinador 2 recorre ao momento de paragem para emitir instrução aos seus jogadores (42,4%).
Quanto à dimensão “Como?” (Tabela 5), os treinadores utilizaram como técnica de intervenção pedagógica fundamental o feedback (91,4; 71,9 e 87,3%). O treinador 1 emite mais feedback de encorajamento (63,9%), enquanto o treinador 2 e 3 emite mais feedback avaliativo positivo (20,7%; 43,2%).
A forma preferencial de emissão de feedback é a auditiva (99,2; 97,8 e 95,2) (Tabela 6). O treinador 3 é o técnico que utiliza mais o feedback auditivo-visual (4,6%).
O treinador 1 emite mais informação direcionada à equipa (42,5%) (Tabela 7), enquanto que o treinador 2 e 3 emitem mais informação direcionada ao jogador (68,8; 77,6%).
Relativamente ao treinador 1 (Figura 1), verificamos um T-pattern de instrução que ocorre na sua totalidade em 3 ocorrências: (1) CEF, NA, IG e E; (2) TORMB, A, FP, FFA e I; (3) ISC, A, FE, FFA e E.
De acordo com a Figura 2 é possível verificar um T-pattern de comportamento de instrução registado no treinador 2, com três ocorrências: (1) ISC, A, FIAP, FFA, I, (2) TIOP, A, FP, FFA, I.
Na Figura 3, é possível verificar o T-pattern do treinador 3, que comparativamente com os treinadores 1 e 2, é o que apresenta uma configuração com mais relações hierárquicas. O referido T-pattern acontece na totalidade em três ocorrências: (1) TOR, NA, FP, FFA, I; (2) ISC, A, FE, FFA, I; (3) TOR, A, FP, FFA, I; (4) ISC, A, FE, FFA, SG; (5) TOR, A, FIAP, FFA, I. Os T-patterns com configurações menos complexas, constituídos pelos comportamentos de instrução (2) e (3) repetem-se em cinco ocorrências e constituídos pelos comportamentos de instrução (4) e (5) repetem-se em 11 ocorrências.
DISCUSSÃO
O nosso estudo pretendeu analisar o conteúdo da intervenção pedagógica de treinadores de jovens de andebol no processo de treino. Podemos verificar que os treinadores observadores centram a instrução no conteúdo técnico, tático e energético-funcional (desempenho físico), emitindo a informação concomitantemente à ação. Registámos também, que os treinadores emitem preferencialmente feedback, com o objetivo de encorajar e avaliar positivamente, sob a forma auditiva e direcionada ao jogador e à equipa.
O altos valores de instrução verificados, corroboram com outros estudos (Cushion & Jones, 2001; Ford et al., 2010; O’Connor et al., 2018; Partington & Cushion, 2013) e pode ser explicado pela crença dos treinadores sobre o comportamento mais eficaz (Potrac, Jones, & Cushion, 2007) para atingir o objetivo de melhorar a equipa tática e estrategicamente e os jogadores individualmente (Potrac, Jones, & Armour, 2002). No entanto, a emissão frequente de intervenções verbais, feedback e uso de demonstrações, pode criar um excesso de informação que os jogadores têm de processar, impedindo-os de se envolverem na resolução de situações-problema provenientes do tipo de prática (Ford et al., 2010). A correta construção dos exercícios de treino, através da manipulação de constrangimentos da tarefa, promovendo a resolução de situações-problema, em que os jogadores são estimulados a tomar decisões, tendo em conta o contexto, os colegas de equipa e os opositores (Araújo, Hristovski, Seifert, Carvalho, & Davids, 2019), bem como a forma como os treinadores instruem é fundamental para o desenvolvimento dos jogadores e equipa do ponto vista físico, técnico e tático (Ford et al., 2010).
Desta forma, é de todo importante perceber quais as estratégias pedagógicas utilizadas pelos treinadores no processo de treino, bem como qual o conteúdo da instrução emitida (Mesquita et al., 2009). Segundo Batista et al. (2019), para que as tarefas de treino propostas atinjam os objetivos pretendidos do ponto de físico, técnico e tático é necessário que os treinadores emitam instruções apropriadas e claras sobre os objetivos dos exercícios. O que verificamos no nosso estudo é que o treinador 1 e 3 emitem uma quantidade considerável de instrução sem conteúdo. De acordo com o referido, a emissão de informação pouco específica deve ser objeto de reflexão por parte dos treinadores e na formação de treinadores, uma vez que a forma como o treinador comunica é um elemento crítico na relação treinador-atleta (Ishak, 2017) e fundamental no desenvolvimento dos atletas (Erickson & Côté, 2015).
Globalmente os treinadores observados centram o conteúdo da instrução nos aspetos técnicos e táticos. No entanto, esse conteúdo de instrução tem mais ocorrências nos treinadores 2 e 3. No entanto é o treinador 2 que emite mais informação de conteúdo tático, mais especificamente tático individual ofensivo. O treinador 1 emite mais instrução de conteúdo técnico ofensivo - remate e técnico defensivo - contacto. O treinador 2 emite mais instrução de conteúdo tático ofensivo - penetração e técnico ofensivo - remate. O treinador 3 centra fundamentalmente a sua instrução no conteúdo técnico ofensivo - remate e tático ofensivo - desmarcação. De salientar que os T-patterns demonstram esta tendência nos dados descritivos.
Os treinadores participantes no nosso estudo preferiram emitir instrução no momento da prática, sendo que este facto é mais evidente no treinador 1 e 3. O treinador 2 também emite mais instrução com os jogadores em ação, no entanto apresenta valores muito próximos para a instrução emitida em momentos de paragem da prática. Os resultados estão de acordo com os diversos estudos efetuados (Cushion & Jones, 2001; Granger & Rhind, 2014; O’Connor et al., 2018; Partington & Cushion, 2013; Potrac et al., 2007; Stonebridge & Cushion, 2018). Esta tendência pode ser explicada pelo facto dos dos treinadores procurarem aumentar ou manter a intensidade da sessão de treino (Stonebridge & Cushion, 2018), focar os jogadores nas regras e condicionantes do exercício para que sejam atingidos os objetivos da sessão (O’Connor et al., 2018) e emitirem informações técnicas e táticas (Becker & Wrisberg, 2008). No entanto, a grande quantidade de instruções verbais, demonstrações e feedbacks, pode criar uma sobrecarga de informação que reduz a oportunidade dos jogadores se envolverem no processo de tomada de decisão, na resolução das diferentes situações de treino (Ford et al., 2010). As crenças tradicionais sobre o comportamento mais eficaz, as socializações anteriores e as experiências de formação dos treinadores, são fatores explicativos dos altos valores de comportamento de instrução verificados (Potrac et al., 2007). De relevar é o facto do treinador 2 emitir uma grande quantidade de instrução no momento em que os jogadores não estão em ação. É considerado, que os treinadores bem-sucedidos, emitem instrução nos momentos em que os jogadores não estão focados nas exigências do exercício (Mesquita et al., 2008).
Podemos verificar, no nosso estudo, que muita da instrução emitida corresponde a vários tipos de feedback. O feedback é uma das mais importantes estratégias de instrução (Januário, Rosado, Mesquita, Gallego, & Aguilar-Parra, 2016), emitida durante ou depois da execução (Bortoli, Bertollo, Messina, Chiariotti, & Robazza, 2010) uma vez que contribui de forma relevante nas aprendizagens e melhoria do rendimento dos atletas (Aleixo & Vieira, 2012). É de todo importante, para que a intervenção pedagógica seja eficaz, que o feedback emitido seja específico (Aleixo & Vieira, 2012; Januário et al., 2016; Stein et al., 2012). Em muitas ocorrências, os treinadores observados emitem feedback prescritivo, facto que pode ser comprovado na configuração dos T-patterns. Segundo Williams e Hodges (2005) o tipo de prática a desenvolver deve estimular os jogadores a resolver problemas, devendo os treinadores diminuir a emissão de feedback e promover uma abordagem menos prescritiva. Este tipo de estratégias procura que os atletas sejam parte integrante e responsável do processo, estimulando a descoberta guiada de soluções às situações-problema propostas no treino. Este tipo de abordagem promove o desenvolvimento de inteligência tática, uma vez que os treinadores através do uso do questionamento, estimulam ao pensamento dos jogadores, a sua capacidade reflexiva, tendo em vista um melhor conhecimento sobre o que fazer, quando fazer e porque fazer ações técnicas e táticas na resolução das tarefas de treino (Stolz & Pill, 2014). Os nossos resultados apontam para o uso de questionamento por parte dos treinadores observados, em quantidade reduzida, sendo que o questionamento emitido é em muitas circunstâncias geral (treinador 3). A preferência dos treinadores centra-se na emissão de feedback prescritivo, feedback avaliativo e de encorajamento, facto que pode ser comprovado na configuração dos T-patterns.
O encorajamento contribui para o aumento da intensidade na prática dos exercícios de treino (Clemente et al., 2014) e é uma estratégia de incentivo à prática (Mesquita et al., 2009). A opção dos treinadores emitirem feedeback avaliativo positivo está de acordo com outros estudos de treinadores de futebol jovem (Cushion & Jones, 2001; Mesquita et al., 2009), de râguebi (Granger & Rhind, 2014) e Voleibol (Zetou, Amprasi, Michalopoulou, & Aggelousis, 2011). Os treinadores reconhecem a importância de emitir informação avaliativa positiva para criar um ambiente de aprendizagem positivo e favorável (Cushion & Jones, 2001), um clima motivacional orientado para a tarefa (Marques, Nonohay, Koller, Gauer, & Cruz, 2015), no entanto, Potrac et al. (2007) alertam para a ineficácia desta estratégia de intervenção, se for habitual, pouco específico e sem sentido para os jogadores.
O feedback sob a forma auditivo é o mais utilizado pelos treinadores observados. Este facto está plasmado nos T-patterns. Os resultados obtidos vão ao encontro do registado em outros estudos (Aleixo & Vieira, 2012; Bortoli et al., 2010; Mesquita et al., 2009). Os treinadores 2 e 3, embora em valores mais baixos do registado nos estudos acima referidos, também procuram emitir feedback auditivo-visual. Parece ser uma tendência dos treinadores emitirem a informação sob a forma verbal, no entanto os técnicos devem equacionar que a comunicação mista (auditiva-visual) reforça o impacto da mensagem e facilita a sua receção (Capitanio, 2003).
Relativamente à direção da informação emitida (a quem?), verificámos que os treinadores emitem mais informação direcionada ao individuo. A maior prevalência de informação direcionada ao individuo no treino de jovens pode ser explicada pela necessidade de focalizar a atenção do jogador numa informação específica (Mesquita et al., 2009). Os treinadores observados emitem muita informação de conteúdo técnico, o que pode explicar o facto de a direção da intervenção ser mais direcionada ao individuo. O treinador 1 emite mais informação ao individuo e à equipa, enquanto os treinadores 2 e 3 emitem mais informação ao individuo e subgrupo. Estas estratégias de intervenção, quanto á direccionalidade, podem ser verificadas na configuração dos T-patterns.
Em suma, podemos verificar um conjunto de questões que foram levantadas pela observação dos treinadores de andebol, no contexto de treino, podendo ser objeto de reflexão para uma intervenção mais eficaz. A prática reflexiva feita pelos treinadores sobre a sua intervenção no processo de treino é de extrema importância para o conhecimento e compreensão dos seus comportamentos, a fim de melhorar as suas estratégias de comunicação (Araya, Bennie, & O’Connor, 2015). Na nossa perspetiva é de todo fundamental que a formação de treinadores possa criar momentos em que os treinadores façam intervenção em contexto de treino, promovendo a prática reflexiva, e desta forma possam aperfeiçoar a sua intervenção.
Nos estudos no âmbito da metodologia observacional, e considerando que os treinadores têm conhecimento de que estão a ser filmados, poderá decorrer um efeito ao nível da reatividade, conduzindo os treinadores a modificar o seu comportamento. Para minimizar este efeito a câmara foi colocado num local que não interferisse com o treino e o microfone utilizado era de pequenas dimensões, leve e foi colocado fora da sua visibilidade. Outra limitação do nosso estudo relaciona-se com o número de participantes, o que conduz a que os resultados sejam interpretados com cautela uma vez que a sua aplicabilidade não deve ser generalizada ao universo de treinadores de andebol, sendo necessários mais estudos no sentido de serem procuradas evidências mais consistentes do comportamento de instrução dos treinadores de jovens praticantes de Andebol. Futuros estudos devem ser realizados nesta modalidade desportiva (onde comparativamente a outras modalidades como o futebol ou basquetebol os estudos são escassos), de forma a comprovar os resultados obtidos, bem como comparar com o contexto de seniores e femininos.
CONCLUSÃO
Verificámos que os treinadores emitem preferencialmente informação de conteúdo técnico. Procuram também emitir instrução de conteúdo tático, relativo aos princípios do jogo. Muita da informação emitida é não específica, o que pode ser explicado pelos valores altos de encorajamento e feedback avaliativo positivo. Há uma grande preocupação dos treinadores em prescrever ações e comportamentos, estando alinhado com uma perspetiva mais tradicional do treino. A forma preferencial de emitir informação é auditiva e direcionada ao individuo. O perfil de instrução emitida pelos treinadores é consubstanciado pelos T-patterns de comportamento de instrução verificados.
Este estudo levantou algumas questões relativas à eficácia da intervenção adotada pelos treinadores observados, podendo ser um pequeno contributo para a formação de treinadores de andebol.