INTRODUÇÃO
Pesquisadores e treinadores de voleibol têm estudado os indicadores de desempenho para perceber a relação entre habilidades desportivas e o sucesso no jogo (Costa, Evangelista, et al., 2017; Costa, Maia, et al., 2017). Tendo em conta que a bola não pode tocar no chão, o sucesso no voleibol depende da velocidade com que são tomadas as decisões, assim como da precisão na execução técnica dos fundamentos (Denardi, Farrow, & Corrêa, 2018; Lopes, Magalhães, Diniz, Moreira, & Albuquerque, 2016), onde a carga de treino técnica é definida pelo nível da competição (Marques Junior, 2014).
No voleibol, o padrão dos rallies varia com o nível da competição, sexo e faixa-etária dos atletas (Bento, Angelis, Silva, Oliveira, & Franco, 2019; Palao, Manzanares, & Ortega, 2009; Porath, Collet, Milistetd, Salles, & Nascimento, 2016). Alguns estudos demonstraram que atletas profissionais diferem de amadores por exibirem melhor tomada de decisão, maior precisão e velocidade nas ações, além de maior tempo de treinos e experiência em competições (Lopes, et al., 2016; Matias & Greco, 2011; Porath, et al., 2016).
Algumas pesquisas têm avaliado os tempos de rally em competições de alto nível (Sánchez-Moreno, Marcelino, Mesquita, & Ureña, 2015), ao longo dos anos (Arruda & Hespanhol, 2008; Haiachi & Filho, 2006) e em competições escolares (Bento, et al., 2019). Outros têm investigado a eficácia do tipo e tempo de ataque (Costa, et al., 2016; Costa, Evangelista, et al., 2017; Rocha, et al., 2019), do bloqueio (García-de-Alcaraz & Palao, 2016) e do levantamento (Matias & Greco, 2011), porém, pouco se sabe acerca das similitudes destes parâmetros entre o voleibol de alto rendimento e escolar. De Angelis, Bento, Silva, Oliveira e Franco (2020) identificaram os tempos de rallies e complexos de equipas escolares sub-17 e de alto nível, porém, não compararam estes parâmetros entre os diferentes tipos de competição.
O sucesso mundial do voleibol brasileiro tem vindo a estimular a sua prática escolar, sendo a este nível o nicho ideal para o desenvolvimento e identificação de novos atletas (Ciesla et al., 2015; Fagundes & Ribas, 2017). Os Jogos dos Institutos Federais (JIF) são uma competição escolar disputada por atletas de até 19 anos (JIF, 2018), onde as equipas de voleibol possuem atletas com elevado desempenho formados em clubes, e que têm por meta fazerem carreira no voleibol profissional. Contudo, necessitam de formações específicas para aprimorarem a técnica, sendo as fontes escassas na literatura científica. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo comparar os padrões dos tempos de rallies, dos complexos e de suas ações entre o voleibol escolar sub-19 e o voleibol profissional, o qual sugere a hipótese de que as diferenças físicas (maturação corporal) e técnicas (maturação dos fundamentos) entre o voleibol sub-19 e o voleibol profissional, bem como a diferença sexual influenciarão os padrões de tempo de rally, complexos e ações nos jogos de voleibol.
MÉTODO
Amostra
O presente estudo teve como amostra o jogo final de cada categoria masculina e feminina da Superliga Brasileira de Voleibol (SL - Temporada 2017-2018, voleibol profissional) e dos JIF 2018 (JIF - Fase Nacional, voleibol escolar sub-19). Analisaram-se as partidas finais de cada competição: SL Feminina (SL-F: Serviço Social da Indústria - SESI - Rio de Janeiro 0x 3 Praia Clube, em 22/04/2018), SL Masculina (SL-M: Serviço Social da Indústria - SESI/São Paulo 2x 3 Sada Cruzeiro Volei, em 06/05/2018), JIF Feminina (JIF-F: Colégio Pedro II/Rio de Janeiro 3x 1 Instituto Federal Santa Catarina) e JIF Masculina (JIF-M: Instituto Federal Espírito Santo 1x 3 Instituto Federal Rio Grande do Norte). Ambas as partidas do JIF foram realizadas no dia 21 de outubro de 2018 no Centro de Formação Olímpica do Nordeste, Fortaleza (CE).
A presente investigação preservou o sigilo da identidade dos jogadores em todos os momentos, bem como respeitou o “direito de imagem” definido nos regulamentos das respectivas competições. As imagens dos jogos do JIF foram captadas pelos pesquisadores devidamente autorizados pela organização da competição e informadas aos técnicos das equipes no congresso técnico. As imagens dos jogos da SL foram obtidas na internet no canal YouTube, onde se encontram publicamente disponíveis. O estudo foi desenvolvido após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do IF Sudeste MG sob o parecer 1.953.631.
Procedimentos
As partidas do voleibol escolar sub-19 foram gravadas com câmera de filmar digital (SONY handycam HDR-PJ380, Tóquio, Japão) e as partidas do voleibol profissional foram obtidas da transmissão ao vivo da rede televisiva. As imagens foram analisadas no software Adobe®Premiere®Pro (San Jose, California, EUA) e as partidas foram avaliadas por set, registando-se: placar, tipo e número de complexos, horário de início e término dos rallies para determinação dos tempos de jogo, conforme descrito por Bento et al. (2019) e De Angelis et al. (2020). Também foram identificados o complexo e o fundamento que promoveu o ponto no rally.
Instrumentos
Determinação dos tempos de jogo
Por meio das imagens dos jogos foi identificado o tempo de duração do rally e de seus intervalos, tempo total de rallies e dos intervalos, tempo total dos sets e o tempo efetivo jogado (% densidade) (Bento, et al., 2019; De Angelis, et al., 2020).
O tempo de duração do rally foi mensurado ao acionar o cronómetro do software no momento que o atleta efetua o serviço até que a bola fosse considerada “fora de jogo”, terminando o rally. O tempo total de rally foi definido pela soma de todos os tempos de rallies no set. O tempo de intervalo entre rallies foi calculado pelo tempo entre o término de um rally e o começo do rally subsequente. O tempo total de intervalo entre rallies no set foi definido pela soma de todos os tempos de intervalos entre os rallies do set. A soma de todos os tempos de rallies e de intervalos no set determinou o tempo total do set. Todos os parâmetros de tempos avaliados foram medidos em segundos. A efetividade do tempo jogado durante um set foi calculada pelo percentual de densidade (% de densidade), que teve por meta avaliar a proporção do tempo de bola em jogo e o esforço das equipas durante um set. Esse parâmetro foi calculado por meio da seguinte equação, segundo Beto et al. (2019):
Número de ações
Na presente investigação foi considerado qualquer contato com a bola como uma ação, independentemente de ser um gesto técnico do voleibol ou não (Bento, et al., 2019). Determinou-se ainda o número de ações no rally por meio da soma de todos os contatos executados pelos atletas durante o rally (De Angelis, et al., 2020).
Caracterização e quantificação dos complexos do rally
Para o presente estudo, complexo foi definido com a chance de uma equipa executar até 3 toques objetivando jogar a bola para o campo adversário, conforme as regras oficiais do voleibol (CBV, 2017). O número de ações realizadas em cada complexo foi o critério para caracterizar os tipos de complexos realizados no rally. Para quantificar o número de complexos do rally, foi somado todos os complexos executados durante um rally, conforme descrito na Tabela 1 (Bento, et al., 2019; De Angelis, et al., 2020).
Caracterização dos tipos de complexos | |
---|---|
Zero ação | Acontece apenas o serviço |
Uma ação | Equipa executa uma ação para jogar a bola ao campo adversário; |
Duas ações | Equipa executa duas ações para jogar a bola ao campo adversário; |
Três ações | Equipa executa três ações para jogar a bola ao campo adversário. |
Quantificação dos complexos | |
Zero complexo | Realiza-se apenas o serviço; |
Um complexo | Realiza-se o serviço; seguida da execução de um complexo. A chance de a equipa realizar a sequência do ataque (Complexo I ou side-out): receção do serviço, passe e ataque. |
Dois complexos | Realiza-se o serviço, seguida da execução de dois complexos. Complexo I, seguido de a chance de uma equipa realizar um contra-ataque (Complexo II ou transition): bloqueio, defesa, passe e ataque. |
“n” complexos | Realiza-se o serviço, seguida da execução de “n” complexos. Complexo I, seguido de “n-1” chances de as equipas realizarem um contra-ataque (Complexo II). |
Análise estatística
Os dados foram analisados utilizando estatística descritiva e exibidos por medidas de frequência nas Figuras (1, 2 e 3). Após o teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov), os resultados dos tempos de rally, % de densidade e números de complexos e ações foram analisados por Anova Two Way para os fatores principais competição e sexo, empregando o post hoc teste de Holm-Sidak em caso de diferença significativa. O teste de correlação de Pearson foi usado para determinar a relação entre os parâmetros estudados. Foi utilizado o software Sigma Stat 3,0 (Systat Software Inc., San Jose, California, EUA) ao nível de significância de 5%. Adicionalmente, o efeito partial η2 foi calculado e inserido no G*Power (versão 3.1.2; Frans Faul, Universidade de Kiel, Alemanha) para determinar o tamanho do efeito ƒ de Cohen (Medeiros et al., 2020). Os valores de efeito ƒ de Cohen foram classificados como “triviais” (ƒ< 0,1), “pequenos” (0,1≤ ƒ< 0,25 ), “médio” (0,25≤ ƒ< 0,4) e “grande” (ƒ≥ 0,4) (Cohen, 1988).
RESULTADOS
A Tabela 2 mostra a caracterização de cada jogo com os sets, rallies, média de rallies por set, complexos e ações realizadas. Na presente investigação foram analisados 16 sets com 703 rallies, 1.707 complexos e 4.504 ações.
Categorias | Sets* | Rallies* | Média de rallies por set* | Complexos* | Ações* |
---|---|---|---|---|---|
JIF-F | 04 | 173 | 43,3 | 462 | 1284 |
JIF-M | 04 | 178 | 44,5 | 422 | 1141 |
SL-F | 03 | 132 | 44,0 | 376 | 962 |
SL-M | 05 | 220 | 44,0 | 448 | 1122 |
*valores em unidades; JIF-F: Jogos Institutos Federais feminino; JIF-M: Jogos Institutos Federais masculino; SL-F: Superliga feminino; SL-M: Superliga masculino.
Os resultados do tempo de rally, tempo de intervalos, tempo total do set, % densidade do set e os números de complexos e ações realizadas por rally estão apresentados na Tabela 3. Os tempos de intervalo entre os rallies foram maiores que o tempo de rally nas seguintes proporções: JIF-F (2,5x), JIF-M (3,9x), SL-F (3,6x) e SL-M (5,1x).
Categorias | Tempo de rally | Tempo de intervalo | Tempo total do set | % de densidade | Complexo por rally | Ações por rally |
---|---|---|---|---|---|---|
JIF-F | 9,9± 0,5 | 24,9± 1,5 | 1494,2± 148,4* | 27,2± 1,4 | 2,5± 0,2 | 7,4± 0,4 |
JIF-M | 7,5± 0,5 | 29,4± 1,5 | 1570,5± 148,4* | 20,9± 1,4 | 2,2± 0,2 | 6,3± 0,4 |
SL-F | 8,7± 0,6 | 31,2± 1,7 | 2188,4± 171,4 | 18,5± 1,7 | 2,8± 0,2** | 7,3± 0,4 |
SL-M | 6,0± 0,5 | 30,7± 1,3 | 1609,6± 132,7* | 16,5± 1,3 | 2,0± 0,1 | 5,1± 0,3 |
p= 0,779 | p= 0,102 | p= 0,050 | p= 0,164 | p= 0,050 | p= 0,168 | |
ƒ= 0,01 | ƒ= 0,20 | ƒ= 0,63 | ƒ= 0,43 | ƒ= 0,07 | ƒ= 0,05 | |
Fator competição | ||||||
JIF | 8,7± 0,4 | 27,2± 1,1 | 1553,8± 104,9 | 24,0± 1,0 | 2,4± 0,1 | 6,9± 0,3 |
SL | 7,4± 0,4 | 31,0± 1,1 | 1899,0± 108,4 | 17,5± 1,1 | 2,3± 0,1 | 6,2± 0,3 |
p= 0,015 | p= 0,014 | p= 0,032 | p= 0,001 | p= 0,761 | p= 0,084 | |
ƒ= 0,09 | ƒ= 0,09 | ƒ= 0,70 | ƒ= 1,29 | ƒ= 0,01 | ƒ= 0,06 | |
Fator sexo | ||||||
Feminino | 9,3± 0,4 | 28,1± 1,2 | 1841,3± 113,3 | 22,9± 1,0 | 2,7± 0,1 | 7,4± 0,3 |
Masculino | 6,8± 0,4 | 30,1± 1,0 | 1590,1± 99,6 | 18,7± 1,0 | 2,0± 0,1 | 5,7± 0,3 |
p= 0,001 | p= 0,187 | p= 0,122 | p= 0,015 | p= 0,001 | p= 0,001 | |
ƒ= 0,18 | ƒ= 0,06 | ƒ= 0,48 | ƒ= 0,82 | ƒ= 0,15 | ƒ= 0,16 |
*vs. SL-F, ** vs. SL-M. JIF-F: Jogos dos Institutos Federais feminino; JIF-M: Jogos dos Institutos Federais masculino; SL-F: Superliga feminino; SL-M: Superliga masculino; JIF: Jogos dos Institutos Federais; SL: Superliga Brasileira. Valores em Média±Erro Padrão Médio. Anova Two Way com post hoc Método de Holm-Sidak (p= 0,05). Classificação do tamanho do efeito ƒ de Cohen: Trivial (ƒ< 0,1), Pequeno (0,1≤ ƒ< 0,25), Médio (0,25≤ ƒ< 0,4) e Grande (ƒ≥ 0,4).
Não foi observada interação entre os fatores principais competição e sexo para nenhum dos parâmetros estudados. Já entre as categorias das partidas, verificou-se que o tempo total do set na categoria SL-F foi maior que nas restantes categorias, exibindo um tamanho de efeito “grande” (ƒ= 0,63); e o número de complexo por rally na SL-F exibiu-se maior do que na SL-M, com tamanho de efeito “trivial” (ƒ= 0,07).
Para o fator competição (profissional vs. escolar sub-19) observou-se que o voleibol escolar sub-19 apresentou-se maior estatisticamente no tempo de rally (tamanho de efeito “trivial”: ƒ= 0,09) e no % densidade (tamanho de efeito “grande”: ƒ= 1,29) comparado ao profissional; porém, mostrou-se menor no tempo de intervalo (tamanho de efeito “trivial”: ƒ= 0,09) e no tempo total do set (tamanho de efeito “grande”: ƒ= 0,70).
Para o fator sexo (masculino vs. feminino) verificou-se que os jogos femininos apresentaram resultados significativamente nos parâmetros tempo de rally (tamanho de efeito “pequeno”: ƒ= 0,18), % densidade (tamanho de efeito “grande”: ƒ= 0,82) e números de complexos (tamanho de efeito “pequeno”: ƒ= 0,15) e ações (tamanho de efeito “pequeno”: ƒ=0,15) quando comparados com os masculinos.
A Figura 1 exibe os resultados da frequência absoluta dos complexos (1a) e respetivos tempos de rally (1b), tempos de intervalo entre rallies (1c) e total de ações no rally (1d). Para a ocorrência do número de complexos por rally observou-se na Figura 1a que os jogos do JIF-F foram os que apresentaram a realização de maior número de complexo em um rally (15 complexos), seguido do JIF-M (11), da SL-F (10) e da SL-M (8).
A distribuição da frequência dos tipos de complexos exibiu uma curva de tendência decrescente à medida que se elevou o número de complexos realizados no rally, sendo caracterizada em ambas as competições (profissional e escolar sub-19). Contudo, os rallies com 1 complexo exibiram maior frequência absoluta do que os com 2 complexos nos jogos do JIF-F (28,3 vs. 19,7%), do JIF-M (30,9 vs. 28,1%) e da SL-F (27,3 vs. 24,2%, Figura 1a). Por outro lado, a SL-M apresentou maior ocorrência de rallies com dois complexos seguido dos rallies com um complexo (29,5 vs. 24,5%). Também foi identificada uma tendência dos jogos profissionais e masculinos exibirem rallies com menores números de complexos.
As quatros categorias avaliadas mostraram comportamentos similares para o padrão de tempo de rally (Figura 1b) e número de ações realizadas por rally (Figura 1d), elevando esses parâmetros à medida que aumentava os números de complexos por rally. Observou-se que o tempo de rally aumentou aproximadamente 2,5 segundos e que o número de ações também aumentou em média três ações a cada rally com um número maior de complexo. Por outro lado, nas quatros categorias, os tempos de intervalos entre os rallies permaneceram sem alterações relevantes independentemente ao número de complexos por rally (Figura 1c).
A Figura 2 mostra os percentuais da frequência dos tipos de complexos nos rallies e o complexo onde foi obtido o ponto no rally por categoria.
Em todas as categorias verifica-se a predominância da ocorrência de complexos com três ações, sendo observada uma maior ocorrência dos complexos com três ações na SL-M seguida da SL-F, JIF-M e JIF-F. Em detrimento a ocorrência dos complexos com três ações, identificou uma ocorrência inversa dos complexos com uma ação na seguinte ordem: JIF-F, JIF-M, SL-F e SL-M. Nos complexos com zero ação, que significava erro de serviço ou ponto direto, verificou-se que o jogo da SL-M exibiu uma maior incidência neste tipo de complexo, seguido do JIF-F, JIF-M e da SL-F. Não foi observada nenhuma diferença relevante na frequência dos complexos com duas ações entre as categorias.
Para o tipo de complexo onde ocorreu o ponto no rally, verificou-se que na categoria JIF-F predominaram os complexos com três ações, nas categorias JIF-M e SL-M sobressaíram os complexos com uma ação, e na categoria SL-F prevaleceram os complexos com uma e três ações. A conquista do ponto utilizando um complexo com duas ações exibiu uma tendência decrescente da categoria JIF-F para JIF-M, SL-F e SL-M.
A Figura 3 mostra a efetividade dos fundamentos na obtenção do ponto no rally, sem identificar a equipa que conquistou o ponto. Os pontos e erros de ataque e na defesa foram os fundamentos que promoveram mais pontos no JIF-F, no JIF-M foram os erros de bloqueio e nas SL-F e SL-M foram os pontos de ataque e erro de bloqueio. Observou-se que os pontos de serviço não diferiram entre as categorias, e que em todas as categorias os erros de serviço e de bloqueio foram maiores que os pontos de serviço e bloqueio. Em contrapartida, os pontos de ataque sobressaíram aos erros de ataque.
As conquistas de pontos por meio de erros de receção e de passe mostraram ser maiores no JIF-F, seguido do JIF-M, SL-F e SL-M. Uma sequência similar decrescente foi identificada para os erros de serviço, defesa e ataque, porém, a SL-M exibiu maior ou igual quantidade de erros que as demais categorias.
A obtenção de pontos de bloqueio foi maior na categoria SL-F, seguida das categorias JIF-M, SL-M e JIF-F. Ainda foram identificados como outros fundamentos, as bolas ao segundo toque pelo passador, as bolas de xeque e os erros de rotação da equipa. Esses exibiram menores frequências que a maioria dos fundamentos avaliados, exceto na SL-F que exibiu maior número de passes ao segundo toque.
Os resultados do presente estudo demonstraram existir uma correlação positiva forte entre o tempo de rally e os números de complexos (г= 0,812 e p= 0,001) e de ações por rally (г= 0,856 e p= 0,001). Também mostrou uma correlação positiva forte entre o número de complexos e de ações (г= 0,969 e p= 0,001).
DISCUSSÃO
O presente estudo teve como objetivo comparar os padrões dos tempos de rallies, dos complexos e de suas ações entre o voleibol escolar sub-19 e o voleibol profissional. As análises do presente estudo mostraram que apesar dos jogos terem duração diferente e variando de três a cinco sets, o número médio de rallies por set foi similar (Tabela 2). Essa semelhança normatiza os resultados apresentados em termos percentuais neste estudo, demonstrando não haver diferenças no número de rallies jogados por equipas escolares sub-19 e profissionais.
Os resultados do presente estudo mostraram que, independentemente da competição ou sexo, os tempos de rally, de intervalos e total do set, % densidade e os números de complexos e de ações foram similares a estudos anteriores (Bento, et al., 2019; De Angelis, et al., 2020), onde Bento et al. (2019) compararam jogos de equipas escolares sub-19 e de atletas amadores adultos, e De Angelis et al. (2020) estudaram a competição escolar sub-14 e sub-17.
Para o fator competição, os achados do presente estudo evidenciaram que nas partidas escolares sub-19, o tempo de rally foi ligeiramente maior do que nas profissionais, todavia, os tempos de intervalos foram menores o que reduziu o tempo total do set, e consequentemente, elevando a % de densidade do jogo. Esses achados demonstram que equipas escolares sub-19 apresentam menor tempo de recuperação entre os rallies do que as profissionais. Bento et al. (2019) encontraram resultados parecidos para o tempo de rally e % de densidade em jogos do JIF. Tais resultados podem ser justificados devido às equipas de atletas mais jovens exibirem menores potenciais de ataque e poderio de finalização do rally, e assim, promover rallies com maior duração e maior número de ações (Arruda & Hespanhol, 2008; Bordini, et al., 2013; Costa, et al., 2016; Lopes, et al., 2016).
No fator sexo do presente estudo, o tempo de rally das partidas femininas foi maior que nas masculinas, esta facto foi devido ao maior número de complexos e de ações por jogo, o que promoveu jogos com maior % de densidade. Estes resultados são corroborados por uma correlação positiva forte observada entre tempo de rally e o número de complexos e de ações, onde esses parâmetros cresceram à medida que o número de complexo aumentava dentro de um rally, independentemente da competição ou do sexo (Figura 1b e 1d). De Angelis et al. (2020) também identificaram resultados similares em jogos de equipas femininas profissionais quando comparadas com as equipas masculinas. Esta diferença entre os sexos pode ser justificada pelo menor potencial de ataque que as equipas femininas possuem, elevando a ocorrência de complexos II (contra-ataques) devido à menor eficiência de finalização do ponto no rally (Costa, Maia, et al., 2017; Matias & Greco, 2011; Nikos, Karolina, & Elissavet, 2009).
Um resultado relevante deste estudo foi observar que tanto o voleibol escolar sub-19 quanto o profissional exibiram tempos de duração dos rallies muito inferiores aos seus tempos de intervalos, caracterizando ser um desporto de curtos momentos de alta intensidade, seguidos de maiores períodos de recuperação com baixa intensidade (Freitas, et al., 2015; Sheppar, et al. 2007). Esta afirmação pode ser confirmada ao verificar uma alta proporção do tempo de intervalo pelo tempo de rally no JIF-F (2,5x), no JIF-M (3,9x), na SL-F (3,6x) e na SL-M (5,1x, Tabela 3), como também o padrão similar de ocorrência dos tipos de complexos nos rallies (Figura 1a), onde a frequência de complexos aumentou até rallies com “dois” complexos exibindo frequência absoluta de 67.1%, e em seguida, reduzindo gradualmente. Estes resultados foram observados por outros autores (Bento, et al., 2019; De Angelis, et al., 2020; Sánchez-Moreno, Mesquita, Afonso, Millán-Sánchez, & Ureña, 2018). Tais achados sugerem que a via anaeróbica alática creatina-fosfato (ATP-CP) seja predominante como fonte de energia para a realização dos rallies nos jogos escolares sub-19 e nos jogos profissionais (Bompa, 2002; Matias & Greco, 2011). Assim, os achados deste estudo mostraram que o tempo de recuperação entre rallies poderá ser suficiente para restaurar a maior parte do gasto energético promovido pelo esforço submáximo ou máximo desencadeado no rally em todas as categorias estudadas (Arruda & Hespanhol, 2008; Bompa, 2002; Dantas, 2003).
Quanto aos números de complexos, a Figura 1a mostrou a predominância dos rallies com “um” e “dois” complexos nas partidas profissionais e escolares sub-19, porém, o número máximo de complexos variou entre as categorias. No jogo da SL-M ocorreu no máximo “oito” complexos em um rally, na SL-F foram “dez”, no JIF-M “11” e no JIF-F “15”. Este número de complexos por rally foi semelhante ao visto por De Angelis et al. (2020), que observaram até “sete” complexos em jogos de equipas masculinas de alto nível e “13” no feminino, contudo, a quantidade de complexos elevou até “29” em jogos escolares sub-17. Este estudo corrobora com estudos anteriores de que equipas masculinas e mais experientes exibem maior capacidade técnica na efetividade da conquista de um ponto quando comparadas às equipas femininas e de menor experiência (Costa, Barbosa, & Gama Filho, 2013; Lopes, Magalhães, Diniz, Moreira, & Albuquerque, 2016; Nikos, et al., 2009; Rocha, et al., 2019).
Quanto aos tipos de complexos, os resultados de suas frequências no rally mostraram que os complexos com três ações foram os de maiores ocorrências, seguidos dos complexos de uma ação (Figura 2). Tais achados são similares aos de De Angelis et al. (2020), que verificaram em jogos com equipas profissionais a ocorrência de 55,4% de complexos com três ações no masculino e 56,6% no feminino.
Um expressivo resultado deste estudo foi verificar que o JIF-F mostrou maior ocorrência de complexos com três ações entre as categorias (JIF-F> JIF-M> SL-F> SF-M), contudo, de forma compensatória exibiu-se inversamente à ocorrência dos complexos com uma ação. A prevalência dos complexos de três ações nos rallies pressupõe maior possibilidade de ganhar um ponto devido à sequência de receção ou defesa, passe e ataque (Complexos I ou II) oportunizar maior chance de obter o ponto no rally (Costa, Evangelista, et al., 2017; Rocha, et al., 2019; Sánchez-Moreno, et al., 2018). Este estudo também avaliou o complexo em que ocorreu o ponto, sem identificar a equipa que pontou. Observou-se nas partidas profissionais a ocorrência de 56,7% de complexos com três ações, sendo que 39,2% destes complexos ocorreram num ponto, o que significa uma eficiência de 69,0% de ocorrer um ponto em complexos de três ações. Nos jogos escolares sub-19, apesar de exibir uma maior frequência de complexos com três ações (65,8%), a eficiência de acontecer o ponto foi de 52,7%, corroborando com estudos anteriores de que equipas com atletas menos experientes exibem menor capacidade técnica no desempenho dos fundamentos (Lopes, et al., 2016; Nikos, et al., 2009).
Por outro lado, o JIF-F mostrou menor frequência de complexos com uma ação que as demais categorias (JIF-F< JIF-M< SL-M< SL-F), onde este complexo é associado a um erro de receção ou defesa ou a um ponto ou erro de bloqueio. O aumento da execução destes fundamentos no voleibol caracteriza uma eminente preocupação da equipa em fortalecer seu sistema defensivo em virtude ao grande poderio ofensivo adversário (Costa, et al., 2013; Costa, et al., 2016), principalmente, em elevar o contato do bloqueio após um ataque (Sánchez-Moreno, et al., 2018). Os resultados da Figura 2 mostraram que as categorias JIF-M, SL-F e SL-M exibiram maior percentagem de pontos num complexo de uma ação, reforçando as afirmações dos autores acima descritos.
Adicionalmente, verificou-se que nos jogos escolares sub-19 aconteceram mais pontos em complexos com duas ações do que no profissional. Esse complexo normalmente ocorre em função da imperfeição dos gestos técnicos na preparação do ataque, mais uma vez evidenciando a menor habilidade de atletas menos experientes (García-de-Alcaraz, et al., 2016; Lopes, et al., 2016).
Diferenças significantes entre o voleibol profissional e o escolar sub-19 foram verificadas na ocorrência dos fundamentos que mais finalizaram um rally (Figura 3). Observou-se no JIF-F a predominância dos pontos e erros de ataque, no JIF-M foi o erro de bloqueio, e na SL-F e SL-M prevaleceram os pontos de ataque. Estes achados ratificam a capacidade de atletas mais experientes em finalizarem um rally com ações de ataque (Costa, Evangelista, et al., 2017; Costa, Maia, et al., 2017), o que não foi observado nos jogos escolares sub-19, onde a quantidade de pontos obtidos e erros de ataque foram similares em ambos os sexos.
Também observou-se que os erros de fundamentos finalizaram mais rallies do que os pontos conquistados, tanto no voleibol escolar sub-19 (72,6 vs. 27,4%) quanto no profissional (57,0 vs. 43,0%), reforçando o censo de que atletas menos experientes exibem maior fragilidade na execução dos fundamentos possibilitando maiores erros em sua execução (García-de-Alcaraz, et al., 2016; Lopes, et al., 2016). Os erros de sistema defensivos foram maiores nos jogos do JIF-M, SL-F e SL-M, onde erros de bloqueio foram os mais expressivos. O bloqueio é a primeira linha defensiva que objetiva intercetar ou limitar o ataque adversário, tendo relevante impacto no sucesso defensivo de equipas vencedoras (Denardi, et al., 2018). Parte dos erros de bloqueio é proveniente do grande poderio do ataque adversário. Se por um lado, o bloqueio ao tocar na bola possibilita a sequência do jogo com um contra-ataque, por outro lado, a eficácia do ataque em explorar o bloqueio e obter um ponto tem sido uma realidade no voleibol atual, como visto nos jogos destas categorias. Contudo, o alto índice de erro de ataque no JIF-F (17,9%), reduziu a atuação do bloqueio nesta categoria (erros: 8,7% e pontos: 3,5%).
No voleibol existe uma mística de que a equipa que erra mais perde um jogo. Neste estudo, o JIF-F exibiu os maiores índices de erros na maioria dos fundamentos (serviço, receção, passe, ataque e defesa), seguidos do JIF-M, SL-F e SL-M, exceção para os erros de serviço na SL-M. Tais resultados mostram uma tendência de que o desempenho nos erros de fundamentos das categorias femininas e escolar sub-19 serem maiores aos do masculino e profissional, como sugerido por García-De-Alcaraz et al. (2016), justificando que ações defensivas no voleibol podem variar com a idade e o nível da competição por serem influenciadas pela maturidade do jogador e processo de treino.
Em todas as categorias, os erros de serviço sobressaíram aos pontos diretos, porém, na SL-M esses erros representaram 18,2% de pontos ao adversário, sendo discrepante às demais categorias. De Angelis et al. (2020) também acharam valores altos de serviços errados em jogos de equipas profissionais masculinas (15,2%), onde Sánchez-Moreno et al. (2015) justificaram que equipas masculinas arriscam mais o serviço em suspensão com intuito de dificultar a receção adversária, porém, pode ocasionar maior percentagem de erros. Neste estudo, os pontos de serviço (2,7%) e os erros de receção (0,9%) na SL-M foram irrisórios mostrando que o serviço não alcançou seu objetivo de marcar o ponto (Costa, Maia, et al., 2017). Na SL-F, a percentagem de erros de serviço foi de 3,8%, similarmente aos 3,2% exibidos por De Angelis et al. (2020). O menor índice de erro no feminino pode estar associado à maior utilização do serviço em apoio de tênis flutuante, que é um serviço menos potente (Costa, Maia, et al., 2017).
Como implicações práticas dos resultados desse estudo, a confirmação de que partidas de voleibol escolares sub-19 exibem baixos tempos de duração dos rallies similarmente aos profissionais, sugere que as sessões de treinos das equipas escolares deveriam predominar com ações anaeróbicas aláticas conforme os tempos de duração dos rallies em suas partidas. Além do mais, o menor tempo de recuperação entre rallies observado nas equipas sub-19 e femininas poderiam afetar a sua capacidade de recuperação do esforço entre rallies, sendo um parâmetro importante para a determinação da carga de treino desses atletas. O menor tempo de recuperação poderia afetar a capacidade de recuperação do gasto energético, todavia, este estudo não avaliou parâmetros que pudesse confirmar esta hipótese.
Este estudo exibe como limitações metodológicas não correlacionar a vitória do rally com seu tempo de duração e identificar a eficiência do side-out na conquista do ponto. Também não avaliou o impacto dos fundamentos na causa-efeito da sequência lógica dos fundamentos no rally e dos complexos I e II adversários. Neste sentido, propõe-se em novos estudos avaliar por meio de scout técnico a execução dos fundamentos e dos sistemas táticos com o objetivo de verificar a existência de relação causa-efeito dos fundamentos entre o voleibol profissional e o escolar sub-19.
CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo revelaram que o voleibol escolar sub-19 e feminino exibiram maiores número de complexos por rally e densidade de jogo, reduzindo em parte o tempo para recuperação do esforço entre rallies. Em todas as categorias os complexos com três e uma ações foram os de maiores frequências, onde ocorreram a maioria dos pontos.
Diferenças mais relevantes entre as categorias foram observadas nos fundamentos que finalizaram o rally, onde o voleibol escolar sub-19 finalizou menos rallies com um ataque, prevalecendo maior número de erros de fundamentos na obtenção do ponto, que pode ser justificado pela menor habilidade motora dos gestos técnicos nesta categoria.
Por fim, conclui-se que o voleibol escolar sub-19 apresenta padrão de complexos similar ao profissional, possibilitando sua prática similar ao voleibol de alto rendimento, porém, diferencia-se na efetividade da execução dos fundamentos. Este cenário possibilita que atletas de voleibol escolar sub-19 almejem chegar ao profissional à medida que evoluam com mais tempo de treinos e experiência de competições.