INTRODUÇÃO
A qualidade dos serviços na indústria fitness constitui-se como um tema de bastante relevância para a literatura da gestão e do marketing das organizações esportivas. De fato, a compreensão desta temática têm sido objeto de estudo de diversas investigações (Alexandris, Zahariadis, Tsorbatzoudis, & Grouios, 2004; Ferreira, Dias, & Fonseca, 2015; Gonçalves, Biscaia, Correia, & Diniz, 2014). O cenário observado apresenta uma indústria que está em contínua transformação, cresce rapidamente e apresenta um elevado grau de competitividade (Cañamero, García-Unanue, Felipe, Sánchez-Sánchez, & Gallardo, 2019). Em 2017, aproximadamente 175 milhões de pessoas em todo o mundo eram clientes de clubes de saúde e fitness, um número que, em 2009, se aproximava dos 120 milhões (Statista, 2019). Outro fator que evidencia tal notoriedade, diz respeito ao impacto econômico gerado por este mercado. Dados do IHRSA 2018 Global Report (2018) apontam que a receita global da indústria de health club atingiu 87,2 bilhões de dólares em 2017.
Neste sentido, a gestão do fitness tornou-se mais atrativa e complexa, exigindo dos gestores a capacidade de desenvolver mecanismos para conhecer os seus clientes, entender as razões que os levam a escolher determinados serviços e atender suas necessidades e desejos (Gonçalves, Correia, & Diniz, 2012). Uma das críticas em torno da gestão das academias refere-se ao foco dado à captação de novos clientes ao invés da criação de situações favoráveis e dinâmicas para a manutenção e satisfação dos atuais (Emeterio, García-Unanue, Iglesias-Soler, Felipe, & Gallardo, 2019). Essa informação é corroborada quando se observa que, dos oito milhões de consumidores matriculados em academias no Brasil, apenas 3,7% permanecem treinando após um ano de matrícula (ACAD, 2018). Segundo Kotler e Keller (2012), a atração de novos clientes pode custar de cinco a seis vezes mais do ponto de vista financeiro, do que a manutenção dos atuais. Sendo assim, fidelizar o cliente deve ser um objetivo de qualquer organização (Tsiotsou, 2013), uma vez que o cliente leal apresenta: atitude persistente, resistência a mudança, viés no processamento cognitivo e comportamentos positivos de consumo (Funk & James, 2001). Tais comportamentos positivos referem-se a compra de novos produtos, renovação de matrícula, recomendações, entre outros (Zeithaml, Berry, & Parasuraman, 1996).
Dentro desta perspectiva, é importante destacar os antecedentes deste comportamento leal, tendo em vista a necessidade de geri-los para a maior possibilidade de sucesso. Destaca-se, neste âmbito, a qualidade dos serviços e a satisfação dos consumidores (Pedragosa & Correia, 2006). No que consiste a qualidade, a mesma está relacionada com a percepção do cliente com os diferentes atributos dos serviços da organização, que podem ser caracterizados em três dimensões: qualidade na interação (comportamento e atitude dos colaboradores, seu profissionalismo), envolvimento físico (ambiente agradável, instalações e fatores sociais) e qualidade nos resultados (tempo de espera, elementos tangíveis) (Brady & Cronin Jr., 2001). Por sua vez, a satisfação pode ser considerada “uma resposta de contentamento do consumidor” (Oliver, 2015), reconhecida como elemento chave na obtenção de benefícios duradouros para as organizações esportivas.
Finalmente, no marketing mix, estabelecer o preço do serviço é um aspecto fundamental na aquisição de lucros, vantagens competitivas e posicionamento no mercado (Kotler & Keller, 2012). Além disso, para Martín-Consuegra, Molina, e Esteban (2007) os gerentes de marketing devem entender como os consumidores respondem às alterações de preço, tendo em vista que essa variável diminui a percepção de valor de um serviço e influencia na decisão de compra (Kotler & Keller, 2012). Na indústria dos serviços, existem algumas investigações (e.g. Hotel: (Malik, Akhtar, Raziq, & Ahmad, 2020); Banco: (Kaura, Durga Prasad Ch, & Sharma, 2015); Restaurante: (Cakici, Akgunduz, & Yildirim, 2019) que apontam o preço como um dos determinantes da satisfação e lealdade dos clientes. Contudo, ainda são limitadas as evidências na literatura da indústria do fitness relacionadas à percepção do preço, satisfação e comportamento de consumo.
Assim, compreender a relação preditiva da qualidade dos serviços e percepção do preço sobre a satisfação e os comportamentos positivos, apesar de apresentar um interesse crescente nas últimas décadas, ainda não está completamente esclarecida em academias de fitness. Tal fato se justifica ao considerarmos a heterogeneidade uma característica essencial dos serviços (Lovelock & Gummesson, 2004). Além disso, a essa informação se somam os diferentes modelos desenvolvidos para avaliar a percepção da qualidade de serviços no fitness e os resultados que tendem a variar de acordo com as particularidades do contexto cultural (Papadimitriou & Karteroliotis, 2000). Portanto, compreender tal relação caracteriza-se como uma importante ferramenta no processo de tomada de decisão dos gestores. Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo analisar a relação preditiva da qualidade dos serviços e percepção do preço sobre a satisfação e o comportamento positivo de clientes de academia de fitness na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil. Neste sentido, foram propostas quatro hipóteses: a qualidade de serviços influencia positivamente a satisfação do cliente (H1) e as intenções comportamentais positivas (H2), enquanto a percepção do preço influencia negativamente a satisfação (H3) e as intenções comportamentais positivas (H4).
MÉTODO
O estudo caracteriza-se como uma pesquisa de abordagem quantitativa de orientação preditiva, método cada vez mais utilizado nos estudos de gestão do esporte (Zhang, 2017). O contexto de aplicação deste estudo foi na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil, cidade com uma população estimada de 1.645.727 pessoas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019) e com um número em torno de 237 academias registradas no Conselho Regional de Educação Física da 12ª Região (CREF 12/PE, 2018).
Amostra
Foi adotada a técnica de coleta da amostra não probabilística por conveniência (Skinner, Edwards, & Corbett, 2014). Foram coletados 385 questionários, entretanto 34 foram excluídos por estarem preenchidos de forma incompleta, sendo a amostra composta por 351 indivíduos que se identificaram como clientes de alguma academia. Para a definição do tamanho amostral foi utilizada a proporção item/sujeito de 1: 10, proposta por Hinkin (1995). Os participantes foram em sua maioria do sexo feminino (55,3%), com idade média de 41,06 anos (± 14,86). Relativamente à escolaridade completa, 46,3% possuem o ensino superior completo, seguido de 37,3% com pós-graduação, 15,4% com ensino médio e 0,9% com ensino fundamental.
Referente à prática esportiva, a maioria dos indivíduos frequentam a academia de fitness mais de quatro dias na semana (38,5%), seguidos pelos clientes que vão três dias (27,6%), quatro dias (24,5%), dois dias (9,1%) e um dia (0,3%). Ao se observar o horário em que os indivíduos frequentam a academia, a maior parte indicou ser até às nove horas (41,6%), seguido pelos clientes que frequentam das 14h às 18h (17,7%), das 18h às 21h (17,1%), das 9h às 12h (14,0%), das 12h às 14h (5,1%) e o menor quantitativo que indicou frequentar após às 21h (3,7%). Por fim, foram coletadas informações referentes ao tempo em que os clientes estão matriculados na academia, onde foram observados que 24,5% estão entre 6 meses a um ano, seguido pelos clientes que estão entre um a dois anos (23,1%). Ademais, 20,2% estão matriculados há quatro anos ou mais, seguidos pelos que estão há menos de seis meses (18,8%) e entre dois a três anos (13,4%).
Instrumentos
O instrumento utilizado foi um questionário adaptado de Costa (2011), composto pelas seguintes dimensões:
serviços da academia e relação com clientes (18 itens);
segurança e conforto (6 itens);
percepção quanto aos preços (3 itens);
satisfação geral (3 itens);
comportamento positivo em relação à academia (6 itens), perfazendo um total de trinta e seis itens (total= 36).
Além das dimensões referidas anteriormente, a parte final do questionário foi destinada a questões sociodemográficas. As variáveis do questionário foram mensuradas em escala do tipo Likert de 7 pontos [I e II) 1= discordo totalmente a 7= concordo totalmente; III) 1= barato a 7= caro; IV) 1= reduzido a 7= elevado; V) 1= pouco provável a 7= muito provável].
Antes da sua utilização, como primeiro passo foi realizado um processo de validação de conteúdo por um grupo de quatro especialistas, com o intuito de adequar os itens ao português do Brasil e ao contexto cultural do país, tendo em vista que o local de origem da aplicação foi Portugal. Este grupo foi composto por dois docentes universitários brasileiros, um pesquisador de um grupo de pesquisa em gestão do esporte e um profissional de educação física inserido no mercado fitness a mais de três anos. Todos previamente esclarecidos em relação ao objetivo do estudo e a descrição de cada dimensão e seus respectivos itens. A avaliação do questionário por parte dos especialistas gerou a adaptação de 30 itens e evidenciou a clareza e a pertinência dos mesmos, uma vez que essas adequações propostas foram todas relacionadas às diferenças no idioma (e.g. Clube e sócios (Portugal)/ Academia e clientes (Brasil)). Em seguida, os itens foram distribuídos numa composição final do instrumento para a realização da coleta de dados.
Procedimentos
A coleta foi realizada durante os meses de abril e maio de 2019, onde os questionários foram distribuídos em turnos variados, todos os dias da semana. Os clientes foram abordados dentro das academias e encaminhados a um local com estrutura adequada para o preenchimento do instrumento. Todos os participantes foram elucidados quanto aos objetivos do estudo, aqueles que desejaram participar de forma livre e esclarecida preencheram o questionário em conformidade com as normas estabelecidas pelo Comitê de Ética e Pesquisa da universidade no qual o estudo foi submetido e aprovado (Número do parecer: 3.269.811).
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Para identificar se os dados possuíam uma distribuição normal, os valores de skewness e kurtosis das dimensões foram analisados. Para tanto, foram considerados valores absolutos de skewness menores que três (SI< 3), e para kurtosis menores que dez (KI< 10) (Kline, 2011). Em seguida, os dados foram analisados a partir de uma análise de equações estruturais em duas etapas (two-step), utilizando a máximo verossimilhança como método de estimação (Anderson & Gerbing, 1988; Marôco, 2014). Na etapa 1, foi realizada uma análise fatorial confirmatória (AFC) a fim de confirmar a qualidade do ajustamento do modelo de medida proposto. Os índices de ajustamento utilizados foram: rácio do X² pelos graus de liberdade (χ²/ df), Comparative Fit Index (CFI), Goodness of Fit Index (GFI), Tucker-Lewis Index (TLI) e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA). A consistência interna dos itens foi avaliada a partir da Fiabilidade Compósita e a qualidade do ajustamento local pelos pesos fatoriais dos itens (> 0,70) (Hair, Black, Babin, & Anderson, 2009). A validade convergente foi identificada através dos valores de variância extraída média (VEM) (> 0,50) e a validade discriminante quando os valores de VEM de cada dimensão eram superiores ou iguais ao quadrado das correlações entre as dimensões (Fornell & Larcker, 1981). Por sua vez, a etapa 2 (modelo estrutural) foi realizada com a finalidade de testar a relação causal entre as variáveis propostas no estudo. Todas as análises foram realizadas no software estatístico AMOS 24.0. O nível de significância estabelecido foi de p< 0,05.
RESULTADOS
Modelo de medida
A fim de analisar a validade do instrumento para a realidade proposta, a AFC indicou um fraco ajustamento do modelo para os dados analisados [χ² (584)= 1758,26 (p< 0,001), χ²/ gl= 3,01, TLI= 0,86, CFI= 0,87, GFI= 0,78, RMSEA= 0,08 (IC= 0,072 - 0,080), MECVI= 5,55]. Em sequência, observou-se problemas de normalidade em dois itens no “Serviço da academia e relação com clientes”, com valores de skewness e kurtosis acima do recomendado. Apesar das cinco dimensões apresentarem boa Fiabilidade Compósita, variando de 0,80 a 0,95, dois itens no “Serviço da academia e relação com clientes” não apresentaram validade fatorial, com valores iguais a 0,49. Por fim, a dimensão “Segurança e Conforto” apresentou validade convergente abaixo do recomendado (VEM= 0,41). Tendo em conta os dados apresentados, observou-se a necessidade de refinamento do modelo proposto.
Nesse sentido, foram eliminados três itens na dimensão “Serviços da academia e relação com o cliente”, devido a valores de skewness e kurtosis e peso fatorial acima e abaixo do recomendado, respectivamente, como identificado anteriormente. Em sequência, devido ao baixo valor de VEM para a “Segurança e Conforto”, optou-se pela retirada dessa dimensão do modelo, tendo em vista que o comportamento dos itens não é explicado essencialmente por essa dimensão. Além disso, a fim de garantir uma maior fiabilidade e parcimônia do modelo (Biscaia et al., 2012), o modelo foi refinado por meio da seleção dos seis itens com maior peso fatorial para os “Serviços da academia e relação com o cliente” e dos três maiores na dimensão “Comportamento positivo em relação à academia”. Além disso, optou-se por renomear a dimensão “Serviços da academia e relação com o cliente” para “Serviços da academia”, pois compreendeu-se ser mais coerente de acordo com os itens selecionados. Por fim, o modelo passou a ser composto por quatro dimensões e 15 itens (Tabela 1).
Item | PF | FC | VEM |
---|---|---|---|
Serviços da academia | 0,91 | 0,64 | |
Os funcionários da academia são responsáveis | 0,74 | ||
Os serviços oferecidos são de qualidade | 0,79 | ||
A academia caracteriza-se pelo profissionalismo | 0,87 | ||
O bem-estar é uma característica na academia | 0,79 | ||
O dinamismo é um conceito que distingue a academia | 0,77 | ||
A qualidade dos serviços é uma imagem de marca | 0,84 | ||
Percepção quanto aos preços | 0,89 | 0,73 | |
Como avalia o preço da mensalidade na academia | 0,86 | ||
Como considera os preços dos produtos/serviços na academia | 0,87 | ||
Dadas as vantagens em ser cliente, como analisa os preços na academia | 0,84 | ||
Satisfação geral | 0,95 | 0,85 | |
Qual o grau de satisfação com a academia | 0,93 | ||
Em que medida a academia tem correspondido às suas expectativas | 0,94 | ||
Como avalia a sua experiência na academia | 0,90 | ||
Comportamento positivo | 0,90 | 0,75 | |
Digo coisas positivas da academia a outras pessoas | 0,92 | ||
Recomendo a minha academia a um amigo caso ele necessite | 0,88 | ||
Encorajo os amigos a inscreverem-se na minha academia | 0,80 |
PF: peso fatorial; FC: fiabilidade compósita; VEM= variância extraída média.
A análise do modelo refinado indicou um bom ajustamento aos dados [χ² (84)= 240,45 (p< 0,001), χ²/ gl= 2,86, TLI= 0,95, CFI= 0,96, GFI= 0,92, RMSEA= 0,07 (IC= 0,062 - 0,084), MECVI= 0,90]. Como visto na Tabela 1, todas as dimensões apresentaram boa consistência interna, validade fatorial e convergente acima dos valores recomendados. Além disso, todas as dimensões apresentaram validade discriminante (Tabela 2).
Modelo estrutural
A partir do refinamento e validação do instrumento de medida, realizou-se uma AEE para analisar o impacto das dimensões “Serviços da academia” e “Percepção quanto aos preços” sobre a “Satisfação geral” e o “Comportamento positivo em relação à academia”. O modelo estrutural apresentou um bom ajustamento aos dados [χ² (85)= 278,72 (p< 0,001), χ²/gl= 3,28, TLI= 0,94, CFI= 0,96, GFI= .90, RMSEA= 0,08 (IC= 0,070 - 0,091)]. Os valores para a Fiabilidade Compósita e validade convergente foram os mesmos do modelo de medida, e todos os pesos fatoriais estiveram acima de .50. Acerca dos coeficientes estruturais, os resultados revelaram que a dimensão “Serviços da academia” obteve um efeito significativo e positivo na “Satisfação geral” e “Comportamento positivo”, confirmando as hipóteses H1 e H2. Por sua vez, o impacto da “Percepção quanto aos preços” na “Satisfação geral” não foi estatisticamente significativo, refutando a H3. Finalmente, o efeito da “Percepção quanto aos preços” no “Comportamento positivo” foi negativo e significativo, suportando a H4. Por fim, é importante salientar que o modelo explicou 63% da variação da satisfação e 67% do comportamento positivo. Todos os resultados do modelo estrutural estão reportados na Tabela 3.
Dimensões | β | Z | p |
---|---|---|---|
Serviços da academia → Satisfação geral | 0,79 | 14,44 | 0,001 |
Percepção quanto aos preços → Satisfação geral | -0,04 | -1,06 | 0,29 |
Serviços da academia → Comportamento positivo | 0,80 | 13,29 | 0,001 |
Percepção quanto aos preços → Comportamento positivo | -0,10 | -2,59 | 0,01 |
Variância explicada | |||
Satisfação geral | R2= 0,63 | ||
Comportamento positivo | R2= 0,67 |
β: coeficiente de regressão padronizado; Z: valor do teste Z; p: nível de significância.
DISCUSSÃO
O objetivo do presente artigo foi analisar a relação preditiva da qualidade dos serviços e da percepção do preço sobre a satisfação e o comportamento positivo de clientes de academias de fitness na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil. No primeiro momento, a análise da adequabilidade do modelo de medida para o novo contexto foi um passo fundamental para o entendimento das análises preditivas subsequentes. Neste sentido, algumas divergências com o modelo proposto por Costa (2011) foram evidenciadas. Mais especificamente a falta de validade convergente da dimensão “Segurança e Conforto” e a necessidade de refinamento na dimensão “Serviços da academia e relacionamento com o cliente” posteriormente nomeada de “Serviços da academia”. Logo, algumas alterações foram realizadas com base na literatura e nos resultados da qualidade psicométrica do modelo. A validade fatorial da escala refinada foi suportada pela AFC, além de ser conceitualmente clara.
Em relação à qualidade de serviços, é importante referir que ao longo dos anos uma série de conceitos e abordagens foram desenvolvidas. Ainda assim, distingue-se como um constructo difícil de ser avaliado, controverso e inconclusivo (Brady & Cronin Jr, 2001). Sabe-se que esta variável é influenciada pelo contexto cultural e deve ser encarada de uma forma multifatorial (Parasuraman, Zeithaml, & Berry, 1985). Em específico no ambiente fitness, destaca-se a validação de alguns instrumentos no contexto Europeu (i.e. Portugal: Versão portuguesa do Scale of Quality in Fitness Services (SQFS) (Ferreira et al., 2015), Espanha: Escala de Percepción de la Calidad en Servicios de Fitness - CALIDFIT (Fernández, Carrión, & Ruíz, 2012) e Grécia: (Theodorakis, Howat, Ko, & Avourdiadou, 2014)) e no Brasil: Escala de Avaliação da Qualidade dos Serviços Prestados por Academias de Ginástica (QUASPA) (Calesco & Both, 2019).
Contudo, neste estudo ficou claro o fato de os clientes das academias investigadas avaliarem os serviços como um todo, seja ele a dimensão técnica (i.e. serviço principal ofertado pela organização, em outras palavras, aquilo que o consumidor vai receber como resultado ao procurar os serviços, neste caso o treino) ou a dimensão funcional que relaciona-se com os serviços auxiliares prestados pela organização enquanto uma complementaridade (e.g. segurança e conforto) (Grönroos, 1984). A avaliação da qualidade do serviço foi usada de maneira semelhante no estudo de Theodorakis et al. (2014) e Gonçalves et al. (2014). Portanto, tais aspectos resultaram no enquadramento utilizado para medir a qualidade dos serviços na presente investigação.
Levando em consideração que a H1 foi suportada estatisticamente, estudos anteriores também observaram a influência da qualidade dos serviços na satisfação dos consumidores (Alexandris et al., 2004; Dias, Ferreira, Pereira, & Fonseca, 2019; García-Fernández et al., 2018; Smith, Murray, & Howat, 2014). No estudo de Dias et al. (2019), o coeficiente de determinação (R²) foi de 0,42 e as dimensões mais importantes para determinar a satisfação dos clientes foram: “compromisso da gestão com o serviço de qualidade”; “interações interpessoais” e “percepção da qualidade do serviço”. No modelo proposto por Alexandris et al. (2004), as variáveis “qualidade da interação”; “resultado” e “qualidade do ambiente físico” influenciaram a satisfação. O modelo testado explicou 29% (R²= .29) da variação na satisfação. Todos esses resultados revelam a importância de se prestar um serviço de qualidade, uma vez que está fortemente associada à satisfação e à lealdade dos consumidores.
Quanto a H2, também confirmada, identificou-se um efeito preditivo dos serviços da academia no comportamento positivo de consumo. Este resultado também está de acordo com alguns estudos previamente publicados na literatura (Bandyopadhyay, 2018; García, Bernal, Lara, & Galán, 2013; Gonçalves et al., 2014). Foi evidenciado no estudo de Gonçalves et al. (2014) que os atributos da qualidade do serviço da academia (e.g. equipamentos inovadores e capacidade para resolver problemas) tiveram um efeito positivo sobre as intenções de recomendar. Em concordância com os achados, Bandyopadhyay (2018) identificou uma influência positiva de todos os fatores da qualidade de serviços (e.g. ambiente e confiabilidade) na lealdade de clientes do fitness na Índia. Contudo, em estudo na Grécia, essa relação não foi significativa (Theodorakis et al., 2014).
Por meio dos resultados apresentados, a H3 foi rejeitada. Entretanto, a H4 foi suportada estatisticamente pela observação da influência negativa e significativa da percepção de preço sobre o comportamento positivo. Em concordância, Ferrand, Robinson, e Valette-Florence (2010), em estudo desenvolvido em uma academia na França, identificaram que o preço percebido teve uma influência direta negativa nas intenções de recompra. Por sua vez, na Espanha, evidenciou-se que o aumento de preço possui um impacto negativo nas intenções futuras de usuários dos serviços públicos de esporte (Calabuig, Núñez-Pomar, Prado-Gascó, & Añó, 2014). Isso significa que, quanto mais os clientes percebem o preço caro, menor a probabilidade de dizer que pretendiam renovar sua matrícula ou plano, recomendar ou contratar outros serviços (Ferrand et al., 2010). Para além desses resultados, algumas publicações mais recentes evidenciaram que a satisfação com a “Relação qualidade-preço” está associada significativamente com a satisfação global de clientes do Fitness (Barbosa, Loureiro, & Alves, 2019). Já no estudo de Loureiro, Alves e Barbosa (2019), houve uma correlação negativa estatisticamente significativa entre o “Preço” e a “Relação qualidade-preço”, apesar de os coeficientes de correlação (r) serem considerados baixos (r= -0,165 a r= -0,314), isso significa que quando os clientes percebem o preço mais caro diminue a “Relação qualidade-preço”. Além disso, o fato das decisões de compra dos consumidores se basearem em percepções psicológicas sobre o preço, e não só o valor financeiro propriamente dito, torna-se uma prioridade entender como são construídas essas percepções (Kotler & Keller, 2012).
Implicações teóricas e práticas
Do ponto de vista teórico esse estudo contribui com a literatura ao explorar um contexto com poucas evidências científicas, apesar da enorme relevância e popularidade da temática do fitness no Brasil, principalmente quando observamos a grande quantidade de academias e clientes no mercado. Um segundo aspecto diz respeito a análise preditiva dos serviços e percepção do preço de maneira conjunta na satisfação e comportamento positivo, sendo a análise do preço na visão do cliente ainda escassa na literatura do fitness.
Relativamente às implicações práticas, as academias devem realizar de forma periódica pesquisas com seus clientes, preferencialmente por meio de plataformas online, para identificar aspectos a serem melhorados ou destacados na sua prestação de serviços. Na perspectiva do treino e relacionamento com o cliente, os profissionais contratados devem passar por um rigoroso processo de seleção baseado na demonstração de competências técnicas e relacionais, em qualquer nível de atuação, assim como processos de formação continuada. Os elementos tangíveis também devem ser minuciosamente geridos e aprimorados (e.g. equipamentos modernos, conforto e limpeza do ambiente). É preciso trabalhar com essas variáveis sempre no sentido de igualar ou superar as expectativas dos clientes, para satisfazê-los, pois a satisfação é um importante preditor da lealdade do cliente. A definição do preço a ser cobrado e eventuais aumentos, deve ser algo pensando do ponto de vista estratégico com muito cuidado, já que ficou evidenciado neste estudo que qualquer decisão equivocada irá impactar negativamente no comportamento futuro do cliente.
Limitações e estudos futuros
Esse estudo possui algumas limitações que precisam ser referidas para uma melhor interpretação dos resultados. Devido a técnica de coleta de dados e possíveis diferenças de contextos para outros países e até mesmo outros Estados do Brasil, os achados devem ser interpretados com cautela e não devem ser generalizados. Esse aspecto ressalta a necessidade da realização de novos estudos para a observação de congruências e divergências entre contextos. Outra limitação se refere a falta de observação se os diferentes tempos de matrícula nas academias e a frequência de treinos na semana podem ter influenciado os resultados em alguma medida. Assim, novos estudos podem utilizar tais informações como variáveis moderadoras, a fim de saber se diferentes tempos de relacionamento influenciam na relação das variáveis independentes sobre as dependentes. Tal proposta também pode se aplicar às questões sociodemográficas. Além disso, devido a diversidade de construtos na compreensão do marketing, futuras investigações devem considerar outros constructos para estender esse modelo (e.g. valor da marca, reputação da academia). Por fim, a partir dos avanços tecnológicos constantes, sugere-se verificar as ações da academia nas mídias sociais (e.g. Facebook, Instagram) e como atuam no relacionamento com o cliente.
CONCLUSÕES
Em um mercado que cresce constantemente como o do fitness, a alta competitividade do setor exige dos gestores uma preocupação com a satisfação de seus consumidores, bem como com os comportamentos positivos que eles podem ter após usufruir dos serviços oferecidos. Os resultados expostos demonstram a necessidade desses profissionais oferecerem um serviço qualificado para seus clientes, a fim de que a satisfação e o comportamento positivo oriundos dessas boas práticas seja capaz de fidelizar o consumidor. Por outro lado, o fato da percepção sobre o preço influenciar negativamente o comportamento positivo dos consumidores pode indicar a necessidade dos gestores investirem ainda mais na qualidade dos serviços, a fim de aumentar a percepção de valor da organização e essa influência ser minimizada.